quarta-feira, 7 de maio de 2025

O 18.º DOMÍNIO DE EDUCAÇÃO CIDADANIA? OU SERÁ O 19.º?

As minhas desculpas aos leitores por insistir na Educação para a Cidadania/Cidadania e Desenvolvimento. É que, tanto quanto vejo, há mudanças de relevo nesta componente do currículo escolar, as quais, por não tocarem directamente as disciplinas, tendem a passar despercebidas ou a serem consideradas de menor importância. 

O entendimento que tenho é diferente. Essas mudanças são, de facto, significativas: é significativa a publicação do Guião para a Educação Financeira na Educação Pré-Escolar, assim como é significativa a replicação de documentos e iniciativas afectos não só a este domínio dito de cidadania mas a vários outros. E é muito significativa a consubstanciação de um novo domínio de cidadania que estava esboçado pelo menos desde 2021.

É sobre este enigmático domínio, designado por Educação para a Ética e Integridade, que deixo breves notas. Peço ao leitor para seguir o meu raciocínio.

1. Na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC) estão contemplados dezassete domínios de educação (ou será "literacia"?) para a cidadania, mas podem ser dezoito pois a Literacia Financeira e a Educação para o Consumo, que já estiveram separadas, têm, na verdade, identidade própria (ver aqui), que lhe é conferida pelos seus referenciais, materiais "pedagógicos", formação de professores, concursos, etc. A minha interpretação é que, numa tentativa de conter o número de domínios (que desde a reforma implementada logo no início do século, não tem parado de aumentar), a tutela decidiu arrumá-los num só.

Enfim, o que aqui é importante dizer é que a tal Educação para a Ética e Integridade não consta na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, ainda que, em abono da verdade, nesta estratégia se deixe aberta a possibilidade de as escolas, caso entendam, incluírem outros domínios.

2. A Educação para a Ética e Integridade não me é estranha, já a havia incluído nas minhas aulas de formação de educadores e de professores como exemplo de reivindicação de novos domínios de Educação para a Cidadania. Efectivamente, vários são os que se encontram em lista de espera...

O historial, tanto quanto fui acompanhando na imprensa, é mais ou menos este: em 2001 foi criado o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) (ver aqui e aqui), destinado a “promover a difusão dos valores da integridade, probidade, transparência e responsabilidade”. Porém, em 2024, o estado do “mecanismo” (curiosa designação!) era consensualmente classificado como de “inacção” nos propósitos sociais, políticos e económicos a que se havia proposto. Também foram notícia divergências com o Governo sobre aspectos pouco edificantes, sobretudo quando se puxam os galões da ética (ver aqui, aqui e aqui). Não sei, não aprofundei, se foi por causa disso que o Conselho de Ministros aprovou recentemente mudanças na orgânica do tal MENAC (ver aqui).

3. Na sua origem, o "mecanismo" tinha prevista a Escola (leia-se Escola Pública) como "uma área prioritária de actuação" (ver aqui). Em 2020 noticiava a Agência Lusa (ver aqui):

"Segundo o projeto de proposta de lei das Grandes Opções do Plano (GOP) para 2021, o Governo quer «introduzir a temática ‘Corrupção – Prevenir e Alertar’ como área transversal a vários domínios da cidadania e desenvolvimento em todos os ciclos do ensino básico e secundário e dar relevo à matéria em unidades curriculares do ensino superior e em bolsas e projetos de investigação financiados por agências públicas»".

Várias escolas aderiram à solicitação (ver exemplos aqui, aqui, aqui) e algumas receberam "prémios e distinções" (ver aqui), parte do "pacote" destas iniciativas.

Nada de original, as organizações, empresas, grupos, etc. a quem cabe resolver problemas relevantes, difíceis, que o mundo apresenta, que têm essa responsabilidade, remetem-nos para a Escola, para que ela os assuma em primeira linha. Em concreto, para o saco sem fundo que é a Educação para a Cidadania. Esta circunstância merecia um comentário que, pela sua extensão e necessária profundidade, deixo para outra ocasião.

Ainda assim, neste caso, não é possível deixar de lado a questão: caberá à Escola funcionar como bastião de primeira linha da luta anticorrupção, que a avaliar pela criação do "mecanismo", é um problema social, económico e político seriíssimo? Tanto mais quando se percebe que o “mecanismo” não tem cumprido os objectivos para os quais foi criado?

Devo sublinhar que não se pode negar a importância da Escola na educação para os valores acima enunciados: eles têm de ser aí veiculados, na esperança de que os alunos os adoptem como marcas do seu (bom) carácter. Contudo, a Escola não pode, não deve assumir funções que cabem, por direito, a outras entidades.

4. Como bem sabemos, isto não importa ao Ministério da Educação, que acolhe mais esta, aquela e a outra entidade no dito saco sem fundo, sendo o "mecanismo" (tanto quanto sei) a mais recentemente acolhida, cenário em que "recomendou ao Governo" a aprovação do Referencial de Educação para a Ética e Integridade.

O documento, resultante de parceria e colaboração diversa (Direção-Geral da Educação, All4Integrity, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Mecanismo Nacional Anticorrupção, Transparência e Integridade de Portugal, e Universidade de Antuérpia) está agora em consulta pública.

Uma vez aprovado, constituirá suporte para o 18.º domínio de Educação para a Cidadania. Ou será o 19.º?

CONDENSAÇÃO

Por A. Galopim de Carvalho

Muitas pessoas perguntam porque é que, a garrafa de água ou de vinho ou a lata de Coca Cola, saídas do frigorífico para a mesa, começam a ficar cheias de bolhinhas de água, com se mostra na imagem. A resposta é simples, imediata e chama-se CONDENSAÇÃO.

Condensação, também chamada de liquefação, corresponde à passagem do estado gasoso para o estado líquido, cedendo calor, ou seja, arrefecendo. É o fenómeno físico inverso da vaporização ou evaporação. Vaporização ou evaporação é o processo em que partículas de uma substância no estado líquido, absorvendo energia (calor), passam ao estado gasoso ou de vapor.

 No caso vertente, o vapor de água da atmosfera, arrefece e condensa no contacto com a superfície fria das garrafas ou da lata.

Lembremos que a atmosfera terrestre é composta basicamente de uma mistura de gases, sendo 78% de azoto, 21% de oxigénio e, em menores quantidades, vapor de água, dióxido de carbono, árgon e traços de outros gases. Lembremos, ainda, que humidade do ar é a quantidade de água presente na atmosfera sob forma de vapor, e que varia em relação como clima e outros factores. Muito elevada nas regiões quentes e húmidas, como acontece na Amazónia, e muitíssimo baixa das regiões ditas áridas, como é o caso no deserto da Saara.

Hoje, por exemplo, a humidade do ar, em Lisboa, varia entre 51% e 87%. Estes números são valores relativos, pois indicam a quantidade de água existente no ar (humidade absoluta) e a quantidade máxima que poderia haver, à mesma temperatura, no chamado ponto de saturação (100%).

Mais pormenorizadamente, humidade relativa do ar é a relação entre a quantidade de vapor d'água presente no ar e a quantidade máxima que ele poderia conter na mesma temperatura, expressa em percentagens (%). Por exemplo, 100% de humidade relativa - o ar está completamente saturado com vapor d’água, situação comum em dias chuvosos ou nevoeiros; 50% de humidade relativa - o ar contém metade da quantidade máxima de vapor d’água que poderia conter àquela temperatura; menos de 30% de humidade relativa – diz-se que o ar está seco, situação comum em regiões áridas e semiáridas e nos dias de sol intenso, no Verão alentejano.

A EDUCAÇÃO FINANCEIRA NO PRÉ-ESCOLAR: ALÉM DO REFERENCIAL, AGORA O GUIÃO.

Na visita que ontem fiz ao site online da Direção Geral da Educação vi que se havia acabado de disponibilizar o Guião para a Educação Financeira na Educação Pré-Escolar (para o ensino básico e secundário já existiam Cadernos de Educação Financeira).

Explica-se, muito naturalmente, no texto de apresentação que o documento surgiu "no âmbito de uma parceria entre o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) e quatro associações do setor financeiro (Associação Portuguesa de Bancos, Associação Portuguesa de Seguradores, Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios e Associação de Instituições de Crédito Especializado)
 
Não é estranho, portanto, para o Estado constituir uma parceria com entidades financeiras. Sobre isto já me pronunciei por diversas vezes neste blogue, mas não deixo de me surpreender com cada passo que é dado na ampliação e consolidação desta e de outras parcerias congéneres.

Abro o documento: são 96 páginas!
 
Exploro a estrutura: até certo ponto (p. 26) um texto, que se pretende enquadrador, denso, salpicado de referências bibliográficas (onde não faltam as da OCDE) que lhe conferem patine científica. A partir desse ponto, a referência aos temas e sub-temas que constam no Referencial de Educação Financeira e propostas de implementação (p. 32 e seguintes) e a apresentação e análise de projectos (p. 49 e seguintes).
 
Avanço para a leitura, mas passados poucos parágrafos desisto! Rediz-se o que é dito e redito até à exaustão nos documentos que indiquei em texto anterior e que conheço bem. Já fiz esse esforço (e que esforço!) de decifração e de interpretação, dispenso-me de o continuar.

Regresso à realidade e a realidade é muito simples: este documento destina-se a operacionalizar, a partir das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, o que se designa por "educação financeira" de crianças dos três aos seis anos de idade! E, pela capa, aqui reproduzida ao lado, percebe-se que sentido ela tem. Tão feliz que está o menino e a menina a brincar com a moeda oficial!
 
Sendo referida na bibliografia a Convenção sobre os Direitos da Criança (2019), seria de esperar que as entidades e autoras lhe tivessem prestado a devida atenção, nomeadamente no que respeita à dignidade humana, que toca as crianças de modo muito particular dada a sua particular vulnerabilidade, a formas, como as que estão em causa, de conduzir a vida pessoal naquilo que só às pessoas diz respeito.

terça-feira, 6 de maio de 2025

A "FILOSOFIA DE BUFFETT" NO SISTEMA DE ENSINO PÚBLICO PORTUGUÊS COM VISTA À "PRODUÇÃO" DE UMA GERAÇÃO DE EMPREENDEDORES FINANCEIROS

 
Revisito, no sítio online da Direção Geral da Educação, os materiais disponíveis para a "Literacia Financeira", que, aliada à "Educação para o Consumo" ("literacia" e "educação" são usadas indistintamente ainda que, como é óbvio, não signifiquem a mesma coisa), constituem uma das dezassete domínios da área curricular agora designada por "Cidadania e Desenvolvimento". 
 
No respeitante à "Literacia/Educação Financeira", a tutela disponibiliza os seguintes documentos/núcleos de documentos: "Plano Nacional de Formação Financeira", "Princípios Orientadores das Iniciativas de Educação Financeira", Referencial de Educação Financeira", "Cadernos de Educação Financeira", "Boas Práticas", "Recursos Pedagógicos", acções de "Formação" para Professores, "Notícias e eventos", "Projetos e iniciativas", e "Recursos Pedagógicos". 
 
Em destaque, na rubrica "Recursos" está uma "actividade de pesquisa e debate" intitulada "Quem foi Warren Buffett?". Desconhecendo quem é Warren Buffett fui, como se recomenda aos alunos, "pesquisar". É um self made man americano que cedo, ainda criança, revelou talento para fazer negócios. Enriqueceu, tornou-se multimilionário, um dos maiores do mundo. Como é normal, tornou-se filantropo, também um dos maiores do mundo (doará 99% da fortuna para causas que determinou em carta). É autor de obra considerável. Como Enriquecer na Bolsa com Warren Buffett, é um dos seus livros, que já teve doze edições em Portugal.
Warren Buffett é o que é: um empreendedor financeiro como poucos.

A questão que devemos, que temos obrigação de colocar é se, nas escolas públicas, exemplos de sucesso de empreendedorismo financeiro devem ser apresentados aos nossos jovens para que (como mencionei no texto anterior, que acima refiro) elas não conheçam outra possibilidade de existência e, acrescento agora, sem crítica sobre valores como sejam, por exemplo, a justiça distributiva.
 
Na verdade, esta "actividade", apresentada por uma entidade designada por Genially para ser "consumida" por professores, levará os alunos a conhecer as estratégias e a pertinência da "filosofia de Buffett" com vista à sua "aplicação no mundo real".

Como bem assinalou o leitor Rui Ferreira, com palavras retiradas da entrevista a Alain Supiot, "sobre o que é justo, há um problema". Era esse problema que deveria ser levado para a escola pública no âmbito da Educação para a Cidadania.

Nota: Estando Warren Buffett vivo, o tempo verbal usado no título da actividade será um engano?

domingo, 4 de maio de 2025

"COLONIALISMO DIGITAL". OS SERES HUMANOS COMO "PRODUTOS" APROPRIADOS POR EMPRESAS

Vale a pena também ver na RTP Play o documentário com o título Justiça Artificial: Justiça na Era do Colonialismo Digital, assinado por Simón Casal de Miguel (aqui). Reproduzo as intervenções que me parecem melhor esclarecer a expressão colocada em subtítulo: Colonialismo Digital.

21:00. Markus Gabriel (Filósofo, Universidade de Bona, Alemanha). Se usarmos um motor de pesquisa (…) estamos a fornecer dados a uma empresa porque as nossas acções deixam rastos (…). São acções que têm valor económico porque quantos mais dados a empresa tiver mais previsíveis somos nós e todos os semelhantes a nós.

22:00. Nick Couldry (Cientista da comunicação e sociólogo, London School of Economics and Political Science, Reino Unido). Esta mudança no marketing funciona utilizando toda a vida como um meio de produção eficiente a para a geração do lucro. É uma reinvenção estrutural da relação do capitalismo com o mundo.

22:34. Luciano Floridi (Filósofo. Universidade de Oxford, Reino Unido. Conselho de Especialistas de Alto Nível sobre Inteligência Artificial da UE). Estamos a assistir à maior experiência social de sempre na nossa História (…). Empresas que governam as nossas vidas [e] de forma cada vez mais profunda desempenham funções sociais nas nossas vidas.

22:59. Nick Couldry. O que acontece com os dados em grande escala (…) não se prende apenas com a continuidade do capitalismo. Pelo ano 1500, talvez um pouco mais cedo, Espanha e Portugal fizeram uma descoberta avassaladora. Descobriram algo chamado, ou a que chamaram, Novo Mundo, lugares diferentes onde havia outras pessoas com vidas prósperas mas que eles não conheciam e que tinham uma abundância de ouro, prata e outros recursos. Isso deu origem a um período de 50 anos de ponderação, particularmente na corte espanhola, sobre a importância disto, o que se poderia fazer dali com aquela oportunidade incrível. Desenvolveu-se gradualmente a ideia, uma espécie de colonialismo racional. O território, o ouro e a prata neste território e a mão de obra necessária para a sua extração estavam ali mesmo à mão de semear da Europa. Era assim o colonialismo original [cuja] essência era o simples acto de apropriação de ser uma parte do mundo a ficar com tudo, de dizer: «Isto pertence-nos. Não é vosso, é nosso». Defendemos que há um momento histórico de proporções parecidas a decorrer neste momento. Mas agora acontece que há um novo bem para possuir. Esse novo bem são os seres humanos, as suas potenciais experiências, as suas vidas interiores, os padrões que se observam na actividade que têm no mundo. É esse o novo mundo que tem à disposição.

22:45. Luciano Floridi. Desde o sistema de saúde ao mercado de trabalho, desde a educação à segurança, nomeadamente à cibersegurança, a presença destas empresas é notável.

24:45. Nick Couldry. (...) se o objectivo estratégico é introduzir a possibilidade de influência em todas as nossas interacções incluindo as mais íntimas existe uma possibilidade de influência. Isto transtorna o próprio conceito de liberdade (…). Só existe uma razão para capturar dados: a discriminação. É a distinção entre A e o que não é A, o que pertence e o que não pertence a uma categoria. A função dos dados é essa, dividir o mundo. É para isso que servem, têm de categorizar e discriminar.

27:09. Gry Hasselbalch (Chefe de investigação de Ética de Dados, Conselho de Especialistas de Alto Nível sobre Inteligência Artificial da UE). Ao dividir em caixas e categorias demasiado rígidas a vida e os destinos, tudo o que está entre os limites fica de fora. Quando há um sistema demasiado rígido a tentar prever tudo, que tenta controlar a nossa vida e torna-la mais eficiente só conseguimos ver na realidade o que pode ser útil. Assim é a inteligência automática (…). Penso que esse é o principal problema dos sistemas de inteligência artificial (…) Perdemos todas as oportunidades de agir com espírito crítico. Se houver alguém que contrarie a cultura e o sistema em vigor, o percurso previsto das coisas.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

ACERCA DA DIGNIDADE HUMANA NO TRABALHO

Vale a pena ver na RTP Play (aqui) a entrevista com o título O trabalho não é mercadoria, que a historiadora Raquel Varela fez a Alain Supiot, especialista em filosofia do direito e direito social e do trabalho. Reproduzo três breves extractos:

01:03 "... considerar o trabalho como uma mercadoria é algo muito recente na história do trabalho. Surge com o capitalismo (...) – e isto foi o grande economista Karl Polanyi que o explicou – tratar como mercadorias três coisas que não são mercadorias: o trabalho, isto é, os seres humanos, a terra e a moeda (...). São ficções jurídicas que pressupõem, para serem defensáveis, que exista um direito ambiental que proteja a natureza, um direito do trabalho que proteja os seres humanos e uma legalidade monetária que garanta o valor da moeda. Na maior parte da História, o trabalho não é considerado uma mercadoria. Havia homens livres que viviam da venda do produto do seu trabalho e havia os escravos considerados eles próprios uma mercadoria."

39:26. "O neoliberalismo é o último avatar do cientismo. É a ideia de que haveria uma ordem espontânea no mercado que é preciso impor em todo o planeta e então surgirá a melhor justiça possível. E todas as tentativas dos seres humanos para questionar se é justo ou não, só irão entravar o bom funcionamento espontâneo, homeostástico da sociedade (...). Donde, a necessidade de restringir a democracia. Isto é claro nos autores neoliberais. O grande historiador do neoliberalismo é Quinn Slobodian que escreveu um belíssimo livro sobre ele. E eles estão todos de acordo ao dizer que a democracia não pode perturbar a distribuição das riquezas do trabalho porque isso é feito espontaneamente nas melhores condições possíveis pelo mercado. É por isso que foram admiradores de Pinochet, ou seja, de um sistema onde não existe essa perturbação. Hayek, que é uma das grandes figuras da economia neoliberal, para descrever o papel dos governos utiliza uma imagem muito eloquente: são como os relojoeiros que lubrificam os mecanismos do relógio. Isto é, o relógio funciona sozinho e o governo deve velar para que o mercado funcione por si só. Evidentemente, trata-se de uma miragem que produz injustiças e a injustiça produz sempre violência."

50:26. "Os nazis falavam de material humano e Estaline de capital humano. Estamos aqui numa espécie de cientismo que vê os seres humanos como matéria-prima e que é cego perante as questões antropológicas do trabalho. Por conseguinte, é preciso sair disso... Vou citar o Preâmbulo da Constituição da OIT [Organização Internacional do Trabalho] estabelecendo um regime de trabalho verdadeiramente humano (...) que permita a cada um incorporar uma parte daquilo que é naquilo que faz. Tanto Estaline como Hitler consideravam aqueles que metiam nos campos como escravos destinados à morte (...). Simone Weil diz, e muito bem, que é a projeção sobre o trabalho humano da noção física de força. Só vemos neles uma força que podemos dominar."

O Primeiro 1º de Maio

Por A. Galopim de Carvalho

Sete dia antes, Portugal inteiro saíra à rua, conhecidos e desconhecidos abraçavam-se, nos olhos havia sorrisos e lágrimas da alegria. Vitoriavam-se os militares que haviam posto fim a meio século de estúpido sufoco. Foram sete dias e sete noites de festa espontânea e verdadeira “O povo está com o MFA” e “O povo unido, jamais será vencido” ouviam-se por todo o lado. Os homens e as mulheres da minha idade (eu tinha então 43 anos) estávamos na fase mais pujante das nossas vidas quando fomos apanhados por este extraordinário o feliz acontecimento. 
 
Ninguém revelou o mais pequeno apego ao regime acabado de cair, no qual era suposto terem sido moldados. Não se viu um gesto nem se ouviu uma palavra em sua defesa. A injecção de ideologia salazarista que, como eu, receberam na Mocidade Portuguesa, não surtiu qualquer efeito. O ditador falecera quatro anos antes e, com ele, a filiação obrigatória na já então defunta organização da juventude do Estado Novo. Em termos que se visse, a Mocidade Portuguesa não fez nem os homens nem as mulheres que Salazar sonhou. Sentia-se que o país era nosso.

A fraternidade e a solidariedade pareciam ir desabrochar como os cravos de Abril. Mas foi Sol de pouca dura. Já o disse e direi tantas vezes quantas as necessárias, que a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há 51 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada”, entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se sistematicamente de uma numerosa parcela deste povo, a raiar a miséria ou a viver dentro dela; a comer, cada vez em maior número, do Banco Alimentar Contra a Fome e de outas organizações de solidariedade social; sem habitações condignas para viver e a desanimar de esperas ao frio e à chuva, noites a fio, nas filas dos Centros de Saúde ou a morrer nas urgências dos hospitais ou à porta delas, nas ambulâncias. Classe política que tem vindo a perder preocupações pela ciência e pela cultura, que mantém uma justiça para ricos, à margem de outra para pobres e um sistema de educação que falhou redondamente.

Verdadeiros défices na educação, na formação e na preparação para uma cidadania plena abriram as portas a um populismo, a que a democracia deu voz e que, usufruindo da liberdade dessa mesma democracia, nos procura arrastar para um modelo de sociedade que a história já mostrou que sempre nos amordaçou, com consequências funestas. Estes, que não fizeram um gesto ou proferiram uma palavra em defesa do regime que caiu de podre, disfarçaram-se e abrigaram-se, depois, à sombra dos partidos de direita, legalizados, e esperaram, calados, até o momento em que os sucessivos erros dos políticos que nos têm governado e a Liberdade, lhes abriram portas e janelas e ei-los a somar os votos de uma população que se sente traída face às promessas daqueles dias radiosos.

Há 51 anos vivi intensamente esse dia, no trajecto do Marim Moniz à Alameda D. Afonso Henriques e no estádio da então FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho), onde Mário Soares e Álvaro Cunhal, lado a lado, falaram para mais de cem mil manifestantes e helicópteros militares despejaram sobre eles braçadas de cravos.

Quem viu a manifestação do passado dia 25, na Avenida da Liberdade diz-me que há uma passagem de testemunho em curso, estampada nos rostos e cartazes de muitos jovens que estão a tomar a Liberdade nas suas mãos. Quero acreditar que assim seja e isso deixa-me feliz. Diz me, ainda, que eles eram a maioria dos presentes, e que os presentes eram muitíssimos.

Vamos, pois, acreditar que “O povo unido nunca mais será vencido!”

quinta-feira, 1 de maio de 2025

PARA UMA HISTÓRIA DA MINERALOGIA, NUMA CONVERSA FICCIONADA DO AUTOR COM D. JOÃO III

Por A. Galopim de Carvalho

(Do meu livro Conversas com os Reis de Portugal - Histórias da Terra e da Vida, Ancora Editora, 2013)


- Soube que estavas aqui e tenho uma série de questões que gostaria que me ajudasses a esclarecer. São questões no domínio da mineralogia.
- Se eu souber, tenho todo o gosto em vos ser útil.
- Percorro muitas vezes os mais variados departamentos e serviços desta Universidade que ainda considero como minha. Ultimamente tenho-me detido mais tempo e com particular atenção na esplêndida sala de mineralogia do Museu Mineralógico e Geológico, no antigo Colégio de Jesus. Os minerais expostos encantam-me pela beleza dos seus cristais, dos seus brilhos e cores. Fiquei, assim, curioso em saber mais sobre eles, sobre a natureza e a utilidade destas dádivas da criação. Sou hoje um curioso obsessivo acerca da história do que quer que seja. Das civilizações, das artes, das tecnologias, das coisas, em geral. De momento, estou interessado em seguir os passos que conduziram ao conhecimento que actualmente temos dos minerais.
- Desde os tempos mais remotos que os minerais despertaram a curiosidade e o interesse dos nossos antepassados. – Iniciei eu o discurso que me pareceu mais adequado ao interesse do monarca. – A utilização intensiva do sílex, do quartzo, da calcedónia, da obsidiana ou vidro vulcânico na feitura de utensílios vários e de objectos de adorno e votivos, permite-nos concluir que o homem pré-histórico os procurou sistematicamente e que, portanto, lhes dispensou tratamento racional, ainda que rudimentar. A manufactura de objectos de ouro, cobre, bronze e ferro mostra que as primeiras civilizações, prospectaram, exploraram e transformaram os correspondentes minérios. Os pigmentos minerais usados nas pinturas rupestres do Paleolítico superior, ou sobre os corpos dos seus protagonistas, permitem conclusão idêntica. Mesmo antes de terem nome já muitos minerais eram conhecidos e procurados pelas suas utilidades.
- Acho que encontrei a pessoa certa para conversar sobre este assunto. – comentou D. João III, satisfeito com esta introdução, o que me encorajou a subir o nível da exposição.
- A primeira obra escrita visando a mineralogia, de que temos conhecimento, – continuei - é um Tratado sobre as Pedras e foi escrito por Teofrasto, filósofo grego do século III antes de Cristo. Devemos a este discípulo de Aristóteles a primeira classificação mineralógica, baseada nas respectivas utilidades. Nesta classificação distinguiu, sobretudo, minérios, pedras preciosas e pigmentos. Há, no entanto, que ter em conta um longo caminho percorrido pelas civilizações que o precederam, no domínio do conhecimento das substâncias, das suas natureza e constituição. Em Roma, no século I, Plínio, o Velho, uma das vítimas da histórica erupção do Vesúvio, tem lugar de destaque através da sua “História Natural”. Nesta obra monumental, em 37 volumes, o autor retoma Teofrasto e volta a falar de minérios, pigmentos e gemas, uma outra maneira de dizer pedras preciosas.
- E a alquimia, de que tanto se fala, qual foi o seu papel nesta caminhada?
- Podemos dizer que a mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a alquimia, numa prática e numa atitude trazidas pelos árabes, seus cultores, sob a designação de Al kimia, ou ”pedra filosofal”. Esta expressão encerra um conceito carregado de sabedoria, nem sempre devidamente apreciado. É necessário lembrar que todo este saber vem da Antiguidade, com destaque para a chinesa, a babilónica, a hindu e a egípcia, através da tradição popular e dos textos eruditos dos clássicos gregos e latinos. Os alquimistas desenvolveram a Polypharmacia, uma actividade onde se experimentavam, entre outros, processos como combustão, sublimação, dissolução e precipitação e que, de mistura com outros procedimentos fantasiosos à luz do conhecimento actual, deram nascimento, não só à química como à mineralogia.
- Quer dizer que a mineralogia tem aí as suas raízes?!
- Exactamente. Foi, de facto, no seio da alquimia que a mineralogia cresceu, deixando para trás muitas das concepções fantasistas e místicas dos escolásticos. Mas só cresceu e se afirmou como disciplina científica no decurso dos séculos XVIII e XIX, a par da química, fazendo-a progredir e tirando dela o essencial do seu próprio aprofundamento como ciência de acentuada organização sistemática. A partir da 2ª metade do século XVI e na sequência dos trabalhos de Agricola, os alquimistas começaram a dividir-se por duas correntes.
- É do meu tempo esse Agricola. Foi também um notável médico alemão, de nome Georg Bauer. Mas, desculpa a interrupção, ias referir as duas correntes em que se dividiram os alquimistas.
- Uma delas preconizava explorar a natureza das coisas, caminhando no sentido da química científica. A outra cultivava uma atitude fantasista e extravagante, em busca da pedra filosofal, responsável pela imagem negativa que, injustamente, tem sido divulgada em torno da alquimia e dos alquimistas. Esta outra corrente teve como resultado retardar o avanço da química e, consequentemente, da mineralogia, disciplinas que, como disse atrás, só começaram a ganhar foros de ciência a partir do século XVIII.
- E o que é que me podes dizer sobre os lapidários?
- Eram manuais de medicina e magia plenos de descrições de minerais e pedras, entre as quais muitas meramente fantasiosas. Sei que surgiram e se desenvolveram durante a Idade Média. Inicialmente manuscritos e, portanto, de divulgação limitada, passaram a ser impressos a partir da descoberta da Imprensa, no século XV.
- O meu mestre Tomás de Torres tinha um lapidário, mas confesso que, na altura, não me despertou grande curiosidade.
- O avanço do conhecimento deu lugar a obras escritas com preocupações de rigor científico, ao nível do possível na época, entre as quais a do italiano Ulisse Aldrovandi, no século que se seguiu ao vosso. Por causa dessa obra, este mestre da Universidade de Bolonha foi alvo de forte perseguição por parte do Santo Ofício.
- Hoje envergonho-me dessas perseguições, muito encorajadas pelo espírito retrógrado da Contrarreforma que dominou Portugal.
- Na mesma época, – continuei – o dinamarquês Nicolau Steno, sem qualquer oposição dos guardiões da Fé e do saber antigo, revelava haver constância nos valores dos ângulos entre faces homólogas nos cristais de quartzo. Trata-se de um pequeno, mas decisivo passo que abriu portas ao estudo dos cristais e, consequentemente, dos minerais. Deve dizer-se que a Inquisição mostrava alguma tolerância pelas investigações de pendor matemático e geométrico que não questionassem os princípios dogmáticos da Divina Génese. Tal não sucedeu, por exemplo, com o químico inglês Robert Boyle, na segunda metade do século XVII, conhecido no mundo científico por ter inovado o conceito de elemento químico. Na visão do poder eclesiástico, este conceito punha em causa o saber escolástico e os fundamentos tidos por intocáveis. Assim, este conceito de elemento químico teve de esperar cerca de um século para ser divulgado e, finalmente, aceite.
- Diga-se também, em abono da verdade, que foi no seio da Igreja que surgiu Inácio de Loyola e a Companhia de Jesus, contrariando uma postura tradicional da Santa Sé com a criação, entre muitas outras realizações, do que ficou célebre Colégio Romano, considerado na época uma instituição científica de vanguarda.

PERANTE SITUAÇÕES DE CRISE, UM SERVIÇO NACIONAL DO NUMERÁRIO COMO SERVIÇO DE INTERESSE GERAL

Tomamos a liberdade de reproduzir este texto, gentilmente enviado pelo Professor Mário Frota, Mandatário Nacional da Denária Portugal.

O dinheiro em espécie – as notas e moedas com curso legal - constitui declaradamente:

um símbolo da soberania nacional;
um direito fundamental dos cidadãos;
um serviço de interesse geral na titularidade do Banco Central (?).
Milhões de cidadãos se viram impedidos de realizar pagamentos através dos meios digitais em razão do colapso das redes eléctricas e das quebras sistemáticas das comunicações electrónicas durante o período em que o País esteve privado de energia eléctrica em razão de um fenómeno cujas causas ainda se acham por apurar. O que impediu recorressem aos terminais nos pontos de venda, às aplicações móveis ou aos ATM’s.

O dinheiro em espécie foi, com efeito, a alternativa residual e, a todos os títulos, efectiva, na circunstância.

O facto revelou a manifesta fragilidade do sistema digital e reforçou a convicção de que só o ‘dinheiro em espécie’ – o papel moeda com curso legal – é susceptível de acudir aos cidadãos em circunstâncias tais.

A DENÁRIA, atenta a tais fenómenos e em obediência ao seu projecto programático, entende – na esteira de congéneres suas, na Europa - exigir dos poderes públicos a constituição de um autêntico SERVIÇO NACIONAL DO NUMERÁRIO, como serviço público essencial, ou seja, um serviço de interesse geral, disponível nos quatro cantos do território nacional.

O Parlamento terá de considerar o ‘dinheiro em espécie’ como uma infra-estrutura crítica nacional, em linha com as directrizes a que se sujeitam a segurança e a resiliência dos serviços públicos essenciais de que o Estado é, perante os cidadãos, primordial garante.

Trata-se, com efeito, de um tema relevante no domínio da segurança nacional e como garantia de direitos fundamentais em que os cidadãos se acham investidos.

O ‘dinheiro em espécie’ tem de estar acessível e protegido a todo o transe.

O ‘dinheiro em espécie’ tem de estar disponível em todo o Território Nacional, impondo-se o reforço da deficiente infra-estrutura das Caixas Automáticas de Distribuição de Numerário (ATM), em particular nas zonas rurais mais deprimidas ou com uma fraca densidade de implantação de instituições de crédito.

Urge que o Estado chame a si a realização de Campanhas de Consciencialização dos Cidadãos em torno da relevância do ‘dinheiro em espécie’, como reserva estratégica nacional e no quadro das reservas patrimoniais pessoais, a título de prevenção contra surpresas como as que vêm ocorrendo ultimamente com os efeitos perniciosos que se conhecem.

Conquanto o Parlamento haja sido dissolvido e o Governo permaneça em gestão, a situação é tão premente que urge se preparem os instrumentos indispensáveis a que se consagre, sem detença, o que ora se preconiza em letra de lei.

Um Serviço Nacional do Numerário com a relevância que um tal direito fundamental representa é um passo decisivo para a consideração do ‘dinheiro em espécie’ como algo de nuclear no actual congenho e de futuro.

Mário Frota
Mandatário Nacional da Denária Portugal

sexta-feira, 25 de abril de 2025

"EDUCAR" PARA O APRISIONAMENTO EM VEZ DE EDUCAR PARA A LIBERDADE

Hoje, 25 de Abril, dia em que se comemora a Liberdade, é importante ter consciência que as suas ameaças vão além das convencionais. Algumas estão a entrar na escola ao abrigo das políticas de inovação, em nome da aprendizagem personalizada. Em vez de se dar a conhecer este valor ético aos mais jovens, de os levar a acarinharem-no, de os envolver na sua defesa, controlam-se, por meios tecnológicos, os seus comportamentos e tenta-se controlar os seus pensamentos. Que sentido de Liberdade será o deles quando forem adultos?

Não podemos deixar de colocar a pergunta e de conjecturar respostas, o mais possível informadas em trabalhos sérios, como é o caso do Relatório sobre o Estado da Aplicação das Novas Tecnologias à Vida Humana (ver aqui), elaborado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e publicado em Dezembro do passado ano.

Sobre os sistemas de vigilância educacional, sobretudo os que fazem monitorização da concentração e da atenção dos alunos, diz-se nele o seguinte (pp. 24-26): 

“Estas tecnologias de imagem poderão rapidamente estender-se a produtos de consumo generalista, como dispositivos portáteis para monitorizar a atividade cerebral, que exigem uma análise cuidada em termos de segurança e eficácia. De facto, evidenciando que este tipo de tecnologia está a evoluir para domínios não-clínicos, a empresa (...) comercializa uma fita ou banda que se coloca à volta da cabeça para registar algumas modalidades de atividades do cérebro, mostrando a referida atividade de diferentes formas (por uma escala de cores ou imagens, por exemplo).

Para além do seu uso para promoção do relaxamento e da meditação, a empresa propõe o uso desta fita para outras finalidades como seja uma denominada ´competição social´: permite identificar, por exemplo, a pessoa mais alegre numa sala de reuniões, ou a mais concentrada numa dada tarefa. Outra possibilidade seria publicar nas redes sociais o estado de espírito do utilizador num dado momento, baseado nas leituras dos dispositivos que usa (…). Exatamente o mesmo princípio tem sido estudado pela (...), que, em vez de uma fita na cabeça usa óculos de realidade aumentada que se ligam a uma pulseira capaz de ler sinais do corpo do utilizador, incluindo sinais cerebrais.

Portanto, existe a possibilidade de empresas como a (...), pelo menos, tentarem ter conhecimento do que se passa no cérebro dos utilizadores deste dispositivo.

Na China, o uso de bandas EEG colocadas na cabeça de crianças para seguir a sua atividade cerebral utilizando eletroencefalografia (EEG), acoplado a sistemas de videovigilância, permite aos pais monitorizar remotamente o esforço de concentração dos filhos (desenhado para jovens dos 6 aos 16 anos) em atividades escolares.

Confronta-se, assim, a importância da educação e a liberdade do indivíduo.

As bandas EEG supostamente funcionam medindo a atividade cerebral e apresentando o resultado através de um código de cores: uma luz vermelha indica um estado de 'preocupação', amarelo significa 'normalidade' e azul representa 'distração'. Uma aplicação de telemóvel utiliza um algoritmo para transformar as diferentes cores no grau de concentração do jovem. O qual, por sua vez, e utilizando o dispositivo como guia, poderá influenciar o resultado final alterando a sua atividade cerebral (…) .

As considerações éticas nestes casos [neuroimagem cerebral] incidem necessariamente sobre:
1) a privacidade e proteção de dados, já que a neuroimagiologia revela informações pormenorizadas sobre o funcionamento do cérebro, que podem ser utilizadas abusivamente (…);
2) a dependência excessiva e utilização inadequada na imagiologia cerebral, respetivamente, tomando-a como suficiente para fazer diagnósticos (…) o que, por sua vez, pode conduzir a (…) sobrediagnósticos ou a uma interpretação incorreta;
3) o consentimento informado, assegurando que [as pessoas] compreendem a natureza do exame ou dos dispositivos utilizados, os riscos (físicos e psicológicos dos mesmos) e a forma como os seus neurodados serão utilizados, armazenados e protegidos.”

quinta-feira, 24 de abril de 2025

A MUDANÇA QUE PRECISAMOS DE FAZER NA EDUCAÇÃO

"Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes que podem produzir efeitos durante toda a vida (...). A educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário, continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado" (parágrafos 214 e 215).

terça-feira, 15 de abril de 2025

A AVALIAÇÃO TOTALITÁRIA NO ENSINO SUPERIOR

O que designei, em texto anterior, por "avaliação totalitária" (ver aqui) tem, de facto, o sentido que expliquei: avaliar tudo o que interessa, de modo contínuo e com envolvimento de todos os participantes, com recurso a critérios que se prendem com uma certa acepção de eficácia. Logo, essa avaliação não é neutra (de resto, nenhuma avaliação o é) pois decorre de escolhas que são previamente feitas: escolhe-se isto em vez daquilo.

EM NOME DA "QUALIDADE"

Trata-se de uma avaliação que é feita em nome da "qualidade" e das "boas práticas" (no sentido que lhe é dado no campo fabril, de potenciar os recursos e evitar o desperdício) e que admite uma mesma concretização, quer se reporte a sistemas sociais (como o judicial, de saúde ou educativo) quer se reporte a casas de banho das autoestradas.

É a avaliação que, em primeira instância, apela à "satisfação do cliente". O "cliente" é chamado e diz. Não precisa de saber nem de compreender, expressa o seu agrado ou desagrado, imediato e superficial, acerca do serviço que lhe foi prestado. Assinala-o numa escala tipo Lickert e escusa de justificar, mas se o quiser fazer está à vontade... Ah, sim, e não precisa de se identificar, o anonimato é o seu abrigo seguro.

Tudo isto leva o "cliente" a supor que tem poder, que a sua voz há-de ser processada e que dela advirão consequências. Dificilmente vislumbrará que aquilo que se lhe solicita recai sobre aspectos que interessam a quem tem, de facto, poder para conceber essa avaliação, a qual controla os mais diversos domínios da vida colectiva e pessoal.

NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

Tendo as instituições de ensino superior adoptado uma lógica empresarial, solicitam aos seus "clientes" ("estudantes") que avaliem os serviços e as disciplinas ("unidades curriculares") que frequentam, solicitam que avaliem os serviços, as disciplinas que leccionam e, ainda, que se pronunciam sobre a avaliação que os estudantes fazem das mesmas. Para tanto, usam-se questionários online.  

Se lermos a Lei (aqui e aqui), percebemos que os itens constantes nestes questionários correspondem directamente ao que nela está previsto e ao "espírito" que veicula. As instituições parecem limitar-se a operacionalizar e executar, por isso, tais itens (alguns deles iníquos) são muito parecidos de instituição para instituição.

Detenho-me em dois aspectos muito óbvios que, entre vários outros, distorcem esta avaliação. 

Um aspecto é a dupla condição (de avaliador e de avaliado) que é conferida aos mesmos sujeitos. Se A avalia B e B avalia A, cria-se, mesmo que implicitamente, uma tensão entre ambos, procurando cada um geri-la em função das vantagens que possa retirar para si mesmo.

Outro aspecto, ligado ao anterior, é o desequilíbrio em termos de objectividade e responsabilidade, que se introduz na relação pedagógica. Quando se trata de avaliação sumativa, os professores têm (e bem) de atender aos regulamentos e normas da instituição (que são cada vez mais e mais pormenorizados), têm (e bem) de explicitar (no início do semestre/ano lectivo, por escrito) as opções para as "unidades curriculares" que leccionam, têm (e bem) de se guiar por critérios pertinentes e objectivos de classificação, têm (e bem) de corrigir com rigor de modo que os estudantes possam (caso queiram) perceber a sua prestação. Tudo isto é público e requer a assinatura dos professores. Por seu lado, aos alunos é solicitado que "se pronunciem" sobre o trabalho dos professores sem outro suporte que não seja as suas percepções e afins. E anonimamente.

Deixo o leitor com as palavras de Raquel Varela, uma das poucas pessoas, entre professores, que em Portugal tem trazido a debate este cenário muito mais complexo do que descrevi e que, no meu entender, arruína o ensino superior (ver aqui):

"Pode um aluno avaliar um professor? (...). É legal e legítima a avaliação anónima de docentes, e com as cores e os números com que se avalia num supermercado?

Faço uma declaração de interesses. Como aluna recusei-me, por escrito, a fazer avaliações anónimas, sempre. Como professora em qualquer instituição, e estive em várias, sou contra a figura anónima, seja do que for, avaliação, denúncia. É coisa de ditaduras (...).

Fiz duas ou três queixas na vida em serviços, inúteis, mas por escrito assinadas. E quando fui alvo de assédio moral pela direcção de uma instituição onde estava, escrevi uma carta, com cc para toda a direcção superior, relatando, assinando, e tinha um contrato precário (...). Era o que defendia com 18 anos e o que defendo com 46 anos.

O medo, de perder o emprego, ou ter conflitos, ou de ter más notas, não pode legitimar a bufaria e a cobardia, sob pena de vivermos numa sociedade onde não é possível viver (...).

A sua gravidade, porém, deixa a descoberto a Universidade neoliberal, e em geral a completa inversão da noção de educação e avaliação, que tomou conta das escolas públicas e também do ensino superior no mundo (sim, em todo o mundo neoliberal) (...).

É eticamente perigoso, incluindo para a saúde mental do próprio professor. Não é possível um aluno avaliar um professor (...).

As instituições de ensino devem ser espaços de conhecimento apaixonante? Ou pelo contrário empresas de venda de certificados, com notas inflaccionadas, ao sabor da delação e do medo? (...).

Assim, não se faz ciência, não se educa, não se promove o conhecimento. Trata-se de gestão pela ameaça. Deplorável."

segunda-feira, 14 de abril de 2025

OS AMANTES DA HUMANIDADE

As palavras de Eugénio Lisboa
Os homens que amam a humanidade
detestam as pessoas, uma a uma.
Esse amor convive bem com crueldade
e vive, hirto, em penosa bruma.

O amor abstracto é confortável,
porque tem muito poucas exigências.
É um amor frio e pouco afável,
que não se desgasta em minudências.

É amor distante e algo sinistro,
incapaz de um orgasmo verdadeiro.
É um despacho seco de ministro,

um amor que ao amor é estrangeiro.
Amar a humanidade, em geral,
é um amor castrado e doutrinal.

Eugénio Lisboa

ESQUECIMENTO E CULPA COLECTIVA

O inglês Frederick Forsyth, piloto de aviação, jornalista, escritor - sobretudo de histórias de espionagem - e, ao que confirmou na sua autobiografia, agente secreto (nunca pago) do MI6, no livro Odessa (Dossier Odessa), publicado em 1972 e dedicado a "todos os repórteres da impressa", constrói um diálogo entre a personagem principal, o jornalista Peter Miller, e a sua mãe. 
 
Nesse diálogo, de aparência despretensiosa, mostra bem a oscilação da memória, colectiva e individual, sobre acontecimentos especialmente traumáticos, no caso, a guerra e as suas inauditas iniquidades: mantê-los vivos na lembrança porque eles são uma realidade ainda que com consciência de que isso nos martiriza, ou procurar esquecê-los para continuarmos a viver com alguma vontade, pois, afinal, o mal ficou para trás e se o invocarmos muitas vezes ele torna-se banal.
- Mãe...
- Diz querido.
- Durante a guerra... essas coisas que as SS fizeram às pessoas, nos campos... Alguma vez suspeitou... alguma vez soube o que se passava?
A mãe começou a levantar a mesa com uma energia e uma actividade invulgares. Só passados momentos respondeu:
- Coisas horríveis. Coisas horríveis! Os ingleses obrigaram-nos a ver os filmes, depois da guerra. Não quero ouvir falar mais disso.
Saiu e Peter levantou-se e foi ter com ela à cozinha.
- Lembra-se de, em 1950, quando tinha 16 anos, ter ido a Paris, com um grupo da escola?
- Lembro - respondeu a mãe, enquanto enchia o lava-loiça.
- Levaram-nos a visitar uma igreja chamada Sacré Coeur. Quando chegámos, estavam a terminar um serviço religioso em memória de um homem chamado Jean Moulin. Saíram algumas pessoas e ouviram-me falar alemão com outro rapaz. Uma delas virou-se e cuspiu-me. Lembro-me de ver o cuspo a escorrer pelo casaco abaixo e lembro-me também de que, quando voltei para casa, lhe contei o sucedido. Recorda-se do que me disse, então?
A senhora Miller lavava furiosamente os pratos do jantar.
- Disse-me que os franceses eram assim, que tinham hábitos porcos.
- E têm! Nunca gostei deles.
- Ouça, mãe, sabe o que fizemos a Jean Moulin antes de ele morrer? Não foi a mãe, nem o pai, nem eu, mas, sim, nós, ao alemães... ou melhor, a Gestapo, o que para milhões de estrangeiros parece significar o mesmo.
- Não sei nem estou interessada em saber. Já chega dessa conversa.
- Bem, eu também não lho posso dizer, porque não sei, mas provavelmente, está registado em qualquer lado. O que interessa é que me cuspiram em cima, não por pertencer à Gestapo e, sim, por ser alemão.
- Devias orgulhar-te de ser alemão.
- Oh, orgulho, acreditem orgulho! Mas isso não significa que tenha de me orgulhar também dos nazis, das SS e da Gestapo.
- Ninguém se orgulha disso, mas não se ganha nada em falar do assunto. As coisas não melhoram por esse facto.
Estava irritada, como sempre que ele argumentava com ela acerca fosse do que fosse. Limpou as mãos ao pano da louça e voltou para a sala. O filho seguiu-a. (...)
- (...). Não comeces a remexer no passado, não ganharás nada com isso. Está morto, morto e enterrado. O melhor é esquecê-lo (...). Além disso, já ninguém quer esses horríveis julgamentos em que todos os pavores são trazidos a público. Ninguém te agradecerá (...). Já não querem mais julgamentos: é demasiado tarde. Abandona essa ideia, Peter, por favor! Por amor de mim.

À oscilação junta-se a simplificação e a generalização que remete para a "teoria da culpa colectiva": todos os que estão de um lado de certa fronteira, que têm esta ou aquela característica, nacionalidade ou religião são algozes... Acontece que esta "teoria" protege, precisamente, os verdadeiros algozes:

A teoria da culpa colectiva de sessenta milhões de alemães, incluindo milhões de crianças pequenas, mulheres, reformados, soldados, marinheiros e aviadores que não tiveram nada a ver com o holocausto, foi originalmente concebida pelos Aliados, mas depois agradou muito aos antigos membros das SS. A teoria é o seu melhor aliado, pois eles compreendem - e poucos são os alemães, além deles, que parecem compenetrar-se disso - que enquanto a teoria da culpa colectiva persistir, ninguém começará a procurar assassinos específicos - ou, pelo menos, não começará a procurá-los com muito empenho. Portanto, os assassinos das SS ainda hoje se continuam a esconder atrás da teoria da culpa colectiva.

Não preciso de dizer que, se nos deslocarmos da Alemanha de meados do século XX para o presente, vemos a ficção de Forsyth bem à frente dos nossos olhos.
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REFERÊNCIA
Forsyth, F. (sd). Odessa. Livros do Brasil (pp. 93-95 e 168).

quinta-feira, 10 de abril de 2025

O TEMPO QUE ESTAMOS A VIVER (2)

Por Galopim de Carvalho
Artigo saído ontem, no jornal Público

 
Os portugueses e portuguesas que estão na força da vida, todos eles e elas nasceram, cresceram e estudaram (pelo menos, até ao 9.º ano) em liberdade, numa democracia que fomos aprendendo a construir e de que, hoje, com todos os defeitos que possa ter, conserva a liberdade. É esta liberdade, associada à incapacidade da classe política para dar solução à nossas, por demais conhecidas, dificuldades em, praticamente, todos os domínios da governação, que tem permitido aos inimigos da democracia, procurar destruí-la.

Aos seguidores dos que propalam, em discursos populistas, as ideias de um passado de sufoco, que prendeu, torturou e assassinou muitos dos que lutaram pela liberdade, importa dar-lhes a conhecer o que era, por exemplo, a escola pública do Estado Novo de Salazar, de que sou testemunho.

Visando banir os projectos educacionais da Primeira República, a orientação política estampada na Constituição de 1933, alterou a formação de professores, substituiu os programas, adaptando-os à nova ideologia, separou os sexos, além de que reduziu a escolaridade obrigatória para 3 anos.

Em 1936, tinha eu 5 anos, com Carneiro Pacheco no Ministério da Educação Nacional (anteriormente chamava-se da Instrução Pública), reforçara-se o papel da Escola no controlo ideológico e orientação política dos alunos, na prevalência do livro único, no culto das virtudes nacionalistas e no elogio da vida modesta e rural. O fervor patriótico e o cunho religioso enquadrados na ideologia oficial do Estado Novo estavam diluídos nas matérias curriculares, nomeadamente, na Leitura, na História e na Geografia, no propósito de, a partir dos bancos da escola, então com início aos sete anos de idade, estimular estas virtudes nos homens e mulheres do futuro.

Foi esta a escola, com esta ideologia, que foi a minha.

Nesses anos, o ensino escolar obrigatório terminava com o exame da 3.ª classe (3.º ano, como agora se diz), certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, exigível, por exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio, como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser eleitor. Ler, escrever e contar era tudo o que, o cidadão comum necessitava para fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima vigorou até 1956. A partir de então, a escolaridade aumentou para 4 anos, apenas para os rapazes. Só quatro anos depois, esta obrigatoriedade foi decretada para as raparigas.

A par desta triste realidade, uma outra, vergonhosa, era a da “regente escolar”.

Na imensa maioria mulheres, as “regentes escolares” eram agentes de ensino à frente das chamadas “escolas incompletas”, criadas em 1930, mais tarde designadas “postos escolares”, com o propósito, dizia-se, de combater o analfabetismo no seio de populações sem escola nem condições mínimas de fixar professores. Ganhavam metade do ordenado de um professor, bastava que possuíssem a 4.ª classe, que demonstrarem ter bom comportamento moral e adesão ao regime e eram, de preferência, oriundas dos próprios locais.

terça-feira, 8 de abril de 2025

DAS PEDRAS AOS MINERAIS. SÉCULOS XVII E XVIII

 Por A. Galopim de Carvalho

Em começos do século XVII ainda se acreditava que as gemas como o diamante, o rubi, a safira, as ágatas, entre outras, consideradas os produtos mais preciosos da natureza, repletas de virtudes, nasciam, à semelhança do ouro, por acção dos céus e das estrelas.

Em 1618 o médico e alquimista alemão MICHAEL MAYER (1568-1622) escrevia: “como o coral cresce sob as águas do mar e endurece, assim se forma a pedra”.

Mineralogista, químico e metalúrgico sueco, AXEL FREDERIK CRONSTEDT (1722-1765) Afirmou-se como um proeminente perito em mineração e um dos fundadores da moderna mineralogia.

Na análise laboratorial de metais e minerais, foi o primeiro a usar sistematicamente o maçarico de sopro, instrumento fundamental na análise pirognóstica (do grego “pyr”, fogo, e “gnosis”, conhecimento) cujo uso se manteve até à introdução, no século XX, de novas tecnologias químicas e físicas de análise.

Cronstedt foi o primeiro a propor uma classificação em que as propriedades químicas foram tomadas em primeiro lugar, seguindo-se, depois, as propriedades físicas.

A sua proposta de classificação de minerais e rochas (ainda considerados em conjunto), com base em dados químicos obtidos através do uso do maçarico de sopro, publicada em 1758, conhecida por “Sistema de Cronstedt”, pôs finalmente termo à influência alquimista.

O Sistema de Cronstedt compreende ainda as classes:
- terras, incluindo as sub-classes calcareae, silicae, granatinae, argilacae, micaceae, fluores, asbestina, zeolitica e magnesia;
- sais, incluindo as sub-classes acida e alcalina;
- minerais com flogisto, não está subdividida.
metais, inclui metalla perfecta e semimetalla.

Esta, então, novíssima classificação, baseada nos chamados “princípios constituintes” (nome que então se dava aos elementos químicos) possíveis de reconhecer na época, está ainda longe de permitir conhecer a verdadeira natureza dos respectivos minerais e rochas e, assim, compreender-lhes o significado geológico.

Para além da sua monumental contribuição para a sistemática biológica, o naturalista sueco, CARLOS LINEU (1707-1778), abordou a mesma atitude face ao mundo não vivo.

No seu “Natursystem des Mineralreichs” (Sistema de Mineralogia), editado em 1770, que não fez vencimento, Lineu tentou, sem ê
xito, adaptar aos minerais e às rochas os seus critérios que tão bem se têm mantido na sistemática e na nomenclatura biológicas.

Na convicção de que a investigação em química era fundamental para o conhecimento dos minerais, o seu conterrâneo, JOHAN GOTTSCHALK WALLERIUS (1709-1785), médico, químico e mineralogista, criou, em Uppsala, durante o seu tempo como professor, o primeiro laboratório de Química, ainda conservado como relíquia, foi construído.
 
Torbern Olof Bergman
TORBERN OLOF BERGMAN (1735-1784) foi um químico e físico considerado pioneiro da análise química inorgânica quantitativa e um dos fundadores da mineralogia química, com obra notável para o desenvolvimento da mineralogia e da geologia.
 
O Sistema de Bergman, proposto em 1782, considerava nove classes:
- ares,
- águas,
- enxofre,
- substâncias metálicas,
- ácidos,
- alcalis,
- terras,
- sais neutros e
- fósseis.

Ressalve-se que, nesta época, “fóssil” era todo o material (com excepção do orgânico) que se desenterrava ou extraía de dentro da terra (do latim fossile, desenterrado), o que abrangia, não só os minerais e as rochas, como também os “petrificados” (nome que se dava aos fósseis, no sentido que hoje damos ao termo) e os achados arqueológicos.

NOTA: Segundo o químico alemão Georg Stahl (1659-1734), os corpos combustíveis possuiriam uma matéria chamada flogisto, libertada durante os processos de combustão (material orgânico) ou de calcinação (metais). "Flogisto" vem do grego e significa "inflamável", "passado pela chama" ou "queimado”.

segunda-feira, 7 de abril de 2025

A AVALIAÇÃO TOTALITÁRIA

Os representantes (e beneficiários) da lógica neoliberal têm usado estratagemas, sempre muito certeiros, para transformar a Escola Pública em empresa privada. Um deles é a avaliação de tudo e de todos, a todo o momento. Isto segundo critérios de eficácia, de sucesso, de bem-estar, de felicidade e afins, que eles próprios determinam e que, por mistérios insondáveis (ou talvez não), ministros, directores, reitores,  coordenadores, professores e outros profissionais de educação aceitam, executam, toleram...

Estou disposta a admitir que uma parte substancial destes responsáveis pela educação das novas gerações estão convictos que a pan-avaliação é boa para os sistemas e para as instituições, para o ensino e para a aprendizagem. Alguns procuraram especializar-se a fim de dar suporte "científico" ao processo e não lhes faltaram cursos de pós-graduação, mestrado e doutoramento. Outros ou não têm grande opinião, ou não querem pensar muito no assunto, ou não têm conhecimentos para agirem de modo diverso, ou já não querem saber. 

Em geral, todos participam, para evitarem problemas, arregaçam as mangas e fazem (ou mandam fazer) testes, grelhas, questionários, plataformas, formulários, relatórios, tabelas... Figuras sub-reptícias como o "Medo de Ficar de Fora" (FOMO) e o "Não há Alternativa" (TINA) fazem milagres, para não falar do megafone que é a comunicação social: veja, veja em que lugar ficou o seu país, a sua escola, a sua turma...

É a competição como modo de vida, na sociedade e na escola: estamos numa corrida, com regras que nos são ditadas, temos de ultrapassar o outro, chegar à sua frente... mostrar-lhe que temos mais skills, habilidades, competências... Queremos ser "relevantes" e, se possível, chegar ao pódio. Não é por acaso que ranking é uma palavra importada do desporto de competição...

Este texto surge a propósito da divulgação dos mais recentes rankings de escolas, a que, como se entenderá, não prestei a menor atenção. Do muito que se publicou li apenas dois textos que o Professor António Duarte publicou no seu blogue Escola Portuguesa. São eles:

Dia de S. Ranking (ver aqui);
Rankings e desinformação (ver aqui).

Acrescento um terceiro texto que li posteriormente:

Rankings: o falhanço da Escola (pública e privada (ver aqui).

Nota: Não, não sou contra a avaliação pedagógica da aprendizagem - diagnóstica, formativa e sumativa - pautada por finalidades efectivamente educativas.

sábado, 5 de abril de 2025

FIM À VISTA

As palavras de Eugénio Lisboa.
Que o fim do mundo tinha de chegar
sabia-se, porque nada é eterno
mas o difícil de imaginar
era que fosse evento hodierno.

O fim prodigioso está à vista,
mas não passa de sórdida epopeia:
rios e mares que perdem a pista,
formidáveis ventos em antestreia!

Raios, explosões, aquecimentos,
animais e homens em confusão,
horrorosas feridas, sofrimentos,

impensáveis e em tal dimensão,
que transforma tudo em grande espanto,
a que se não ajusta qualquer pranto!

Eugénio Lisboa

sábado, 29 de março de 2025

OS OLHOS DE CAMILO

Meu artigo no mais recente As Artes entre as Letras:

É bem conhecido que Camilo Castelo Branco (1825-1890), o grande escritor português (muito ligado ao Norte, apesar de ter nascido em Lisboa) de quem agora celebramos o duplo centenário do nascimento, ficou progressivamente cego, tendo-se suicidado, na sua casa de São Miguel de Seide, em Vila Nova de Famalicão, devido, pelo menos em parte, à sua irreversível deficiência visual.

Camilo está na boa companhia de outros escritores parcial ou totalmente cegos. Para começar, o lendário Homero, o poeta grego da Ilíada e da Odisseia, que era alegadamente cego. Depois, Luís de Camões, o autor de Os Lusíadas (1572), de quem festejamos o quinto centenário, que perdeu um olho numa peleja no Norte de Africa; John Milton, o poeta inglês do Paraíso Perdido (1667), que cegou totalmente na maturidade; e António Feliciano de Castilho, que espoletou em 1865 a polémica da Questão Coimbra, quase completamente cego desde a infância. Mais próximo de nós, James Joyce, o escritor irlandês de Ulisses (1920) e Aldous Huxley, o escritor inglês do Admirável Mundo Novo (1932), os dois praticamente cegos. Quase na actualidade, o escritor argentino Jorge Luís Borges, autor de Ficções (1944), que ficou totalmente cego aos 55 anos sem por isso deixar de escrever.

Por outro lado, são inúmeras as obras literárias que tratam de casos de cegueira, só para dar três exemplos da literatura portuguesa; Alexandre Herculano, o autor da novela A Abóbada, (1861) que conta a história de Mestre Afonso Domingues, o arquitecto cego da Mosteiro da Batalha; o inglês Herbert George Wells, o autor de O País dos Cegos (1911); e o nosso prémio Nobel José Saramago, autor do Ensaio sobre a Cegueira (1955), tal como o anterior um romance utópico baseado na cegueira. O próprio Camilo foi o autor do conto «O Cego de Landins», inserto nas Novelas do Minho (1877). que trata a vida do cego António José Pinto Monteiro, um emigrante do Brasil que regressa â pátria, e de um livro, O Olho de Vidro (1866), que mistura realidade e ficção a propósito do médico oftalmologista Brás Luís de Abreu, autor de Portugal Médico (1726).

A 28 de Abril de 1866, Camilo, que em jovem tinha começado a estudar medicina na Escola Médico-Cirúrgica do Porto (matrícula em 1844), mas que abandonou rapidamente o curso. confessou, em carta ao médico José Barbosa e Silva, a sua doença ocular: «Foi muito grave o prognóstico da minha doença de olhos; mas hoje está averiguado que é efeito de venéreo inveterado. Sofro há quatro meses de uma diplopia (visão dupla). É horrível para quem não tem outra distracção além da leitura. Tarde será o meu restabelecimento.»

A cegueira de Camilo tem sido alvo de vários estudos. A sua causa é conhecida: padeceu de neurosífilis, doença que afecta o sistema nervoso central e que tem outras consequências físicas para além da perda de visão. Os primeiros sintomas de Camilo foram a diplopia e nictaria (deficiência de visão nocturna). Apesar de ter recorrido a vários médicos, o seu estado foi-se progressivamente deteriorando, até que se viu envolto na mais completa escuridão. Foi já nessa situação que escreveu ao médico oftalmologista de Aveiro, Edmundo de Magalhães Machado, começando assim: «Ilmo. e Exmo. Sr., sou o cadáver representante de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país durante 40 anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego. (…)» O médico visitou-o em São Miguel de Seide, tenho-lhe recomendado descanso numas termas antes de se avançar com qualquer outra coisa. Foi quando Ana Plácido, a mulher de Camilo (o seu «amor de perdição»), conduzia o Dr. Magalhães Machado à porta de casa que soou um tiro, disparado pelo escritor contra si próprio, que foi fatal. Além da cegueira afligia-o situação do seu filho Jorge, que sofria de uma grave doença mental e que, por isso, estava num asilo de alienados.

Os médicos, ou mais em geral os estudiosos, tèm-se interessado pela doença oftalmológica de Camilo, havendo por isso um rol de obras sobre a relação entre Camilo e a medicina, enfatizando os seus olhos. Elenco-as na lista bibliográfica, por ordem cronológica de publicação. Não são fáceis de encontrar, mas é para isso que servem as bibliotecas e os alfarrabistas. Relevo a primeira por ser de um lente de Medicina da Universidade do Porto de uma época mais próxima da do escritor.

Pesar de cego, Camilo não deixou de descrever o mundo com acuidade. O Padre António Vieira, que via bem, disse sobre a cegueira, num dos seus sermões, uma frase que se lhe pode aplicar: «Bem-aventurados os cegos, porque estais livres de ver a cara ao mundo, e tantas falsidades e erros, como nele se veem!»

Referências:

- Lemos, Maximiano. Camilo e os médicos: com novos elementos para a biografia do grande escritor. Porto: Companhia Portuguesa Editora, 1920. Reedições, com prefácio de João de Araújo Correia, Porto: Editorial Inova, 1974, e  Modo de Ler, 2012.  

- Costa Filho, Gomes da. Porque Cegou Camilo? Estudo retrospetivo da cegueira do mártir de Miguel de Seide, Poços de Caldas (Brasil), 1950. 2.ª ed., a 1.ª em Portugal: Porto: Livraria Latina Editora, 1955.

- Ribeiro, Rufino. A cegueira de Camilo e a miopia de um médico, ed. autor, Porto: Tipografia Marca, 1970; 2.ª ed., revista e aumentada, ed. autor, Vila Nova de Gaia, 1972.

- Ribeiro, Rufino. A cegueira de Camilo: pequeno dossier de depoimentos clínicos de grandes mestres da oftalmologia, ed. autor, Porto, 1971.   

- Ribeiro, Rufino. Camilo e a tragédia dos seus olhos, ed. autor, Vila Nova de Gaia: Tipografia Rocha, 1972. 

- Pereira, Carlos Renato Gonçalves- «A cegueira de Camilo Castelo Branco», Porto: Coopertipo, 1979, Sep. de O Médico, 92, e  Acção Médica, ano 52, n.º 1 (Mar. 1988), pp. 39-49


EINSTEIN EM LISBOA

Meu artigo no mais recente JL (na imagem o quarto do Hotel Glória onde Einstein pernoitou durante a sua estada do Rio; foto tirada por mim pois já fiquei no mesmo hotel):

No dia 11 de Março de 1925, fez agora precisamente cem anos, Albert Einstein (1879-1955), o cientista mais famoso do século XX (mais do que isso, a «pessoa do século», escolhida pela revista Time em 1999), passou por Lisboa. Essa visita curta foi a única que fez a Portugal. Einstein ia a bordo do navio alemão  Cap Polonio numa viagem que, partindo de Hamburgo, no Norte de Alemanha, tinha como destino a América do Sul, designadamente Buenos Aires, na Argentina, Montevideu, no Uruguai, e Rio de Janeiro, no Brasil (aquele navio fazia essa carreira regularmente). O convite foi feito por instituições académicas daqueles países, e a escala em Lisboa fazia parte do itinerário.

Einstein aproveitou a paragem para fazer uma rápida visita à capital portuguesa, que ele descreve no seu diário de viagem, transcrito no vol. 14 dos seus Collected Papers (Princeton University Press, 2015), e que foi traduzido do original alemão para português do Brasil, numa edição que foi publicada pela editora Record, do Brasil (Os Diários de Viagem de Albert Einstein. América do Sul 1925, org. Ze’ev Rosenkranz, 2024). Dessas notas de viagem, embora Einstein não refira os nomes dos monumentos, conclui-se pela sua descrição que ele esteve no Castelo de São Jorge e no Mosteiro dos Jerónimos. Sobre a cidade escreveu no seu diário: «Dá uma impressão maltrapilha mas simpática. A vida parece correr confortável, bonacheirona, sem pressa ou mesmo objectivo ou consciência. Por toda a parte nos consciencializamos da cultura antiga.»  O que mais o impressionou foram as varinas, que vendiam o peixe na rua.  Escreveu: «Vendedora de peixe fotografada com um cesto de peixe na cabeça, gesto orgulhoso, maroto». Einstein tirou fotografias delas. Para quem quiser ter uma ideia de como eram essas figuras na época, bastará olhar para os desenhos de Stuart Carvalhais (1887-1961), pintor e caricaturista que estava no auge nos anos de 1920.  O artista casou com uma varina, uma mulher do povo, praticamente analfabeta:  tinha, portanto, uma modelo em casa. Em 2005, quando, no quadro do Ano Internacional da Física, tive oportunidade de organizar na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a exposição «Einstein entre nós» (em cuja inauguração esteve o então ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, José Mariano Gago. 1948-2015), pedi ao grafista para incluir no cartaz com uma grande fotografia de Einstein um desenho de Stuart Carvalhais com uma varina e uma imagem do Cap Polonio.

Nesse ano de 1925, Fernando Pessoa (1888-1935) passeava pela Baixa de Lisboa. Foi o ano do surgimento de Alberto Caeiro. Teria sido curioso se se tivesse cruzado com o génio da Física (Pessoa tinha, na sua biblioteca, livros sobre a teoria da relatividade de Einstein). Mas a verdade é que Einstein viajava incógnito. A comunidade científica nacional era muito reduzida e Einstein não se tinha feito anunciar. Apesar de já ser mundialmente famoso e de ter um rosto muito conhecido, ninguém reparou nele em Lisboa. Num tempo em que a Primeira República caminhava rapidamente para o fim, a ciência era quase uma inexistência. No entanto, um português famoso, o Almirante Gago Coutinho (1869-1959), estava no Rio de Janeiro na audiência de uma palestra de Einstein (o seu afastamento do país teria a ver com a sua vontade de não querer ser Presidente da República, ele que tinha ganho fama por ter realizado, com Sacadura Cabral , 1881-1924, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul em 1922). O facto de Gago Coutinho ter escutado Einstein no Rio de Janeiro, numa palestra em francês, não o impediu de ter tomado posições críticas da teoria da relatividade. Não foi, de resto, o único: o catedrático de Matemática da Universidade de Coimbra, Francisco da Costa Lobo (1864-1945), tomou também posições antirelativistas, que levaram a polémica com colegas seus. Numa sua faceta mais positiva, foi Costa Lobo quem instalou um equipamento de observação do Sol no Observatório Astronómico da sua Universidade em 1925.

Por que razão decidiu Einstein, naquele ano, entre 4 de Março e 1 de Junho, realizar uma viagem marítima, que o deixou no final extenuado («mais morto do que vivo», na sua própria expressão, no final da diário). Einstein gostava de conhecer o mundo.  Entre 2022 e 2023 tinha empreendido uma viagem, mais longa, ao Japão (com visitas à Palestina e a Espanha no regresso). Traduzi para português o diário dessa viagem (Os Diários de Viagem de Albert Einstein, Extremo Oriente, Palestina e Espanha 1922-23, org. Ze’ev Rosenkranz, Gradiva, 2023) Foi nessa viagem, numa escala em Xangai, que soube que lhe tinha sido atribuído o prémio Nobel da Física de 2021, atribuído um ano depois da data normal não pela sua teoria da relatividade, mas sim pela sua explicação do efeito fotoeléctrico em 1925, introduzindo a noção de «grão de luz» (ou fotão). No Rio, Einstein haveria de apresentar uma comunicação científica sobre esses quanta, num trabalho que redigiu no quarto 400 do Hotel Glória que já tive ocasião de visitar (há uma placa que divulga a estada do hóspede ilustre). Na viagem ao Extremo Oriente, Einstein teve a companhia de Elsa Einstein (1876-1936), a sua segunda mulher que era também sua prima. Mas, na viagem à América do Sul, Elsa já não o acompanhou, nem nenhuma das suas duas enteadas, Ilse e Margot. O diário destinava-se a ser lido por elas e não a ser publicado, pelo que o estilo é informal. Por que viajou sozinho?  O motivo foi bastante prosaico:  o cientista tinha tido um affaire com a sua secretária, de apenas 23 anos (ele fez 46 anos a 14 de Março de 1925, três dias depois de sair de Lisboa), e queria distanciar-se dessa relação, que abalou o ambiente doméstico. De Lisboa manda uma carta à mãe da sua ex-amante dizendo «quero poupar a senhora e a sua filha a qualquer decepção.» De facto, Einstein tinha um lado mulherengo.  Não lhe escapou nem a visão das varinas portuguesas nem o charme de uma escritora austríaca Else Jerusalém (1876-1943), autora de textos sobre a sexualidade feminina, que ele encontrou no navio e a quem designou, no diário, por «pantera».

segunda-feira, 24 de março de 2025

Torradas com toucinho

Por A. Galopim de Carvalho

Provavelmente já havia torradeiras eléctricas, mas nós ainda as não conhecíamos, e a manteiga-de-vaca era um dos muitos produtos tornados raros e caros com o desenrolar da 2.ª Guerra Mundial. O pão, felizmente, nunca nos faltou. Quando o não havia no padeiro, íamos buscá-lo à Manutenção Militar, recurso a que tínhamos acesso, uma vez que o nosso pai era um reformado da Marinha, de onde tinha saído em 1917, por motivo de doença, no posto de 2.º grumete.

Uma ou duas vezes por semana a mãe fazia cozido, geralmente com sopas de pão perfumadas de hortelã. Nos meses mais frios, esta confecção, além do repolho, dos nabos e das batatas, privilegiava a carne de porco fresca, os enchidos e o toucinho da salgadeira. Nos meses mais quentes, o cozido era de abóbora, vagens (feijão verde), grão e batata, com carne de vaca, os mesmos enchidos e o mesmo toucinho. 
 
Num tempo em que ninguém falava de colesterol, o toucinho do porco alentejano, branco e alto de uma mão-travessa, bem conservado no sal, era uma constante na nossa casa e na da generalidade das famílias. Metido na panela em quantidade para ir ficando de uns dias para os outros, era o nosso conduto para barrar o pão.
 
No Inverno, em que as pessoas se aqueciam nas tradicionais braseiras com cisco e picão, faziam-se torradas. As fatias de pão eram dispostas sobre uma grelha de ferro ou de arame a que se dava o nome de torradeira, e esta colocada sobre o brasido. Uma vez no ponto desejado, as torradas eram barradas com toucinho que, bem cozido, se desfazia como manteiga, exalando um perfume inesquecível. Em nossa casa estas mesmas torradas eram depois esfregadas com os restos da linguiça ou do chouriço dos ditos cozidos, o que lhes dava um outro perfume e um sabor deliciosos.

As recomendações médicas, acentuando os malefícios desta gordura na nossa saúde, em geral, e na das artérias, em particular, veio pôr um travão nesta delícia da gastronomia da minha infância e adolescência.

O 18.º DOMÍNIO DE EDUCAÇÃO CIDADANIA? OU SERÁ O 19.º?

As minhas desculpas aos leitores por insistir na Educação para a Cidadania/Cidadania e Desenvolvimento. É que, tanto quanto vejo, há mudança...