De Rerum Natura
A natureza das coisas
terça-feira, 16 de agosto de 2022
LINHA VERMELHA? POR CERTO FOI UM LAMENTÁVEL ENGANO CROMÁTICO DO SENHOR MINISTRO
Perante a falta de professores, foi preciso recorrer à contratação de pessoas sem formação pedagógica nem experiência. Faz ideia de quantos estão a dar aulas nessas circunstâncias?
São casos pontuais.
Já disse que vai ser preciso rever as habilitações para se poder dar aulas. Os requisitos vão ser menos exigentes? Não. A habilitação para se ser professor é o mestrado e continuará a ser. Isto para mim é uma linha vermelha. A ideia não é baixar os critérios na qualidade científica e pedagógica dos professores, mas alargar as condições de acesso.
Petição. MONUMENTO NATURAL DAS PEGADAS DE DINOSSÁURIOS DE OURÉM-TORRES NOVAS
Este é o link para abrir a Petição Pública que poderá ver também na página do Facebook do prof. Galopim de Carvalho: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT113355
Não se esqueça de confirmar no email.
Vamos levar esta Petição à Assembleia da República.
Se estiver de acordo, assine e partilhe com os seus amigos
São precisas 4000 assinaturas para que o assunto vá ao Plenário da Assembleia da República.
Já temos mais de 1400 assinaturas
Vamos conseguir. Assine e partilhe.
Eis o texto da Petição.
MONUMENTO NATURAL DAS PEGADAS DE DINOSSÁURIOS DE OURÉM-TORRES NOVASA raridade e o significado geológico e paleontológico desta jazida do Jurássico, com cerca 175 milhões de anos, estão, de há muito, internacionalmente reconhecidos. O seu valor monumental aumenta pelo facto de conter cerca de 400 pegadas de grandes saurópodes, muitas delas bem conservadas e organizadas em 20 trilhos, tendo dois deles mais de 140m. Acresce a estas excepcionais características, a grandiosidade e espectacularidade da jazida, no topo de uma única camada de calcário com 62500m2 de superfície. Todo este conjunto dispõe de uma extensa área envolvente, susceptível de comportar diversos equipamentos complementares. Na posse de um património com tais potencialidades, Portugal pode e deve dar-lhe o tratamento que se impõe.Assim, numa primeira fase, solicita-se a quem de direito que mande fazer (por entidade competente) um projecto envolvendo, em especial, as componentes científica, pedagógica, lúdica e turística de superior qualidade, a nível internacional, e, numa segunda fase, a sua concretização, na certeza da sua rendibilidade económica, potenciada pela proximidade (10km) ao Santuário de Fátima
segunda-feira, 15 de agosto de 2022
UMA CAMINHADA QUE JÁ VAI SENDO LONGA
Texto de Galopim de Carvalho:
Todos os dias me confronto com a disparidade entre o longo caminho que já percorri, com as inerentes limitações e mazelas do corpo, e a juventude, e, por vezes, o adolescente e a criança que nunca deixei de manter e ser.
Já o disse aqui que, como agora, sentado frente ao monitor, a ver as ideias transformadas em palavras e frases escritas (em Arial 14), não tenho corpo, nem coronárias entupidas pelo colesterol, nem as sequelas de dois AVCs, nem o neurinoma do lado direito do cérebro, nem acentuada deficiência auditiva.
Decorridos que foram mais de setenta anos sobre a minha vivência alentejana, transporto comigo marcas indeléveis desta região do país. O seu montado de azinho e sobro e as suas planuras de searas ondulantes, ainda verdes em começos de Maio e já a dourar sob o calor de Junho, simbolizam a paisagem que, como é natural, mais se identifica comigo. Esta paisagem faz-me regressar às raízes e nelas está, ainda, a casinha isolada, a que chamamos monte, no cimo de uma ondulação do terreno, branca de cal, com cunhais e ombreiras azul-cobalto e uma grande chaminé fumegante. Lá dentro, como na casa da minha avó, em que fui criança, está o lume de chão e os enchidos ao fumeiro. Nessas raízes estão ainda os cheiros e os sabores das ervas aromáticas, os saberes, os falares e os cantares locais.
Tantas marcas do Alentejo reflectiram-se nos meus gostos pessoais e profissionais. Os vários livros de ficção e de memórias que escrevi são disso testemunho, do mesmo modo que o são a maioria dos trabalhos que realizei e escrevi como geólogo.
Tudo começou como adolescente curioso de saber, mais amante dos trabalhos que se faziam na cidade e nos campos, do que da instituição escolar de então, que eu achava desinteressante e rígida. Foi no meio rural que despertei para a divulgação científica, um gosto que me ficou e desenvolvi a par de uma vivência, igualmente gratificante, de ensino e de investigação científica na Universidade.
Sendo um fruto da cidade, sempre me senti melhor no mundo rural. Esta inclinação foi, simultaneamente, causa e consequência de um campismo meio selvagem que pratiquei nessa fase da minha vida, na companhia do meu irmão Mário e de alguns amigos, um campismo ao encontro das herdades, dos montes e das aldeias do concelho de Évora e, também, das suas gentes.
Ao gosto pelo campo, em geral, e pela geologia (uma vocação que, cedo, se despertou em mim, devida a um professor de Ciência Naturais) em particular, juntava-se o do convívio com os camponeses. Com alguns deles troquei os ensinamentos dos meus manuais de estudo com os seus saberes fruto da experiência vivida na natureza e com eles iniciei uma vivência social e política, impensável no meio citadino, a todos os níveis vigiado e censurado, que marcou a minha maneira de estar e ver o mundo.
Nestas incursões nos campos do Alentejo, conheci, de muito perto, os trabalhos que, nesse recuado tempo, ali se faziam. Do lançar do trigo à terra, em braçadas do semeador, certas e cadenciadas, à debulha, sob o brasido do sol de Verão e do calor não menos intenso da ruidosa locomóvel, entre nuvens de moínha, ao erguer um “castelo” de palha em cima de uma carroça, tudo o que vi e experimentei me deu a noção exacta do valor do pão. E esse tudo foi presenciar o abrir dos regos, um trabalho duríssimo de homem só, de mão firme na rabicha do arado, de aivecas bem fundas, puxado por possantes parelhas de mulas; foi a monda da primavera, um trabalho de mulheres novas e velhas, tagarelando e cantando; e, finalmente, a colheita do cereal partilhada por “ratinhos”, nome algo depreciativo que se dava aos homens da Beira Baixa vindos todos os anos para a “aceifa”.
Assisti a descortiçagens (ou despelas, no dizer de alguns) nos montados de sobro e dei-me conta da perícia dos tiradores, manuseando o machado, e dos molheiros, a amontoarem as pranchas de cortiça, explicando-me depois que, assim, bem arrumadas numa pilha de base rectangular, permitiam ter uma ideia do peso de toda a tirada. Ficou-me no ouvido o som cavo do machado, bem afiado e brilhante do uso, a entrar fundo na cortiça madura, e o cantar das grandes e encurvadas pranchas a descolarem do tronco descarnado.
Experimentei o varejo da azeitona e andei de joelhos a apanhá-la caída nos oleados ali estendidos no chão e estive num velho lagar de azeite o tempo suficiente para saber como se faz o precioso óleo da gastronomia mediterrânea. Vi esmagar a azeitona com mós de pedra num engenho da antiga Fábrica Metalúrgica do Tramagal. Vi espremer, entre capachos, a pasta que dali saía, a separar o bagaço do mosto oleoso, senti o forte aroma do azeite virgem a sobrenadar uma aguadilha suja e percebi o sentir da minha mãe quando dizia «não se come uma azeitona de uma só vez», explicando que não se trata assim uma preciosidade que leva um ano a criar.
Ajudei, como curioso de ocasião, em vindimas, respirei o cheiro de um outro mosto. Provei o vinho novo pelo São Martinho e acompanhei os trabalhadores, na grande adega das Cortiçadas, petiscando toucinho assado no braseiro da destila, junto ao alambique, acompanhado de “sorvinhos” de aguardente ainda morna, acabada de fazer.
Acompanhei, interessado, o trabalho do caleiro, do desmonte e malho da pedra, com a marreta, ao empilhamento, a preceito, do forno. Vi armar e cobrir de terra os tradicionais fornos de carvão e conheci o intenso cheiro a tição que libertavam.
Fiquei horas a ver oleiros no trabalho do barro vermelho com a roda e tive oportunidade de apreciar a arte de enfeitar com pedrinhas de quartzo a tradicional loiça de Nisa. Bebi água por cocharros de cortiça, tirada do poço, junto ao bebedouro do gado e molhei os pés nos regos das hortas onde nos deixavam apanhar beldroegas com que fizemos tantas das nossas refeições.
Foram muitas as vezes que confraternizei com os trabalhadores rurais, sentados no chão, de “navalhinha” na mão, comendo nacos de pão com lasquinhas de queijo ou de linguiça.
Não é demais voltar a dizer que foi com estes meus amigos que iniciei a consciencialização dos problemas sociais e políticos que a cidade, nesse tempo vigiada e censurada, não permitia. Volto a dizer que com eles interiorizei uma saudável ruralidade que me acompanhou ao longo da vida e me permitiu caldear as influências elitistas do meio académico a que, como aluno e docente, pertenci durante mais de 40 anos.
Ao memorizar essa fase da minha vida sou levado a concluir que foi também com os camponeses que desenvolvi e amadureci este gosto pelo campo, essencial à profissão de geólogo. Com eles e por eles tomei o gosto de divulgar uma actividade que, como disse, marcou toda a minha existência, e que, sem me ter dado conta, acabou por me tornar figura pública, com as vantagens e os inconvenientes que tal acarreta.
Nas minhas raízes não houve doutores, engenheiros, almirantes ou generais, nem sequer, um sargento. Houve um segundo grumete ao serviço da fragata Dom Fernando II e Glória, que foi o meu pai, uma costureira, que foi a minha mãe, e gente do povo de muitas artes: dois corticeiros, um sapateiro, um curtidor de peles, dois caiadores, um capador, um açougueiro, sem esquecer a minha tia Rosalina, irmã da minha avó materna, que, com as filhas, fazia queijos de ovelha e tinha uma venda de hortaliças, e o meu tio Zézinho, seu marido, conhecido por Zé dos Cabanejos, pelo facto de fazer cestos e canastras ou cabanejos.
De toda esta família, só o meu pai estudou, tendo concluído o 5.º ano do liceu, o que lhe valeu um emprego mais estimado, permitindo-lhe, em conjunto com a minha mãe, dar aos seis filhos as habilitações a que cada um aspirou.
Não como turista, mas como profissional, tive oportunidade de fazer algumas deslocações pelo mundo. Mais do que as cidades, atraíram--me os espaços naturais, longe do betão e do asfalto. Foi assim que admirei o Grand Canyon do Colorado, onde tive a percepção da imensidade do tempo geológico, que estive no bordo da grande Cratera do Meteoro e que visitei o Monument Valley, no Arizona, onde voltei a “ver” o Tom Mix, o Buck Jones e o Ken Maynard, os cowboys do Far West, da minha infância. Percorri as planuras entre-montanhas do Oeste Americano, os seus desertos e lagos salgados.
No Canadá deslumbrei-me com a miríade de lagos deixados no recuo da última grande glaciação, com o maravilhoso polícromo das suas florestas caducifólias, no Outono, e com as chamadas bad lands de Alberta, autênticos ninhos de fósseis de dinossáurios.
No mar azul das Caraíbas, nos recifes e nas areias brancas dos seus fundos e das suas praias vi, no terreno, como se formam os calcários, os de hoje e os do passado com milhões de anos de idade.
No Egipto pisei o deserto de areia norte africano, na sua ponta mais oriental, em franco contraste com o verdejante vale do Nilo.
Da Amazónia ficaram-me os aromas quentes e húmidos da floresta sempre chuvosa, a luz coada pela densidade da vegetação e o som dos animais que a povoam.
Sobrevoei os Himalaias, molhei os pés nas águas barrentas do mar da China e desci ao fundo de uma cratera de vulcão nos Açores.
Neste percorrer de uma longa caminhada, para além da infância, da adolescência e do tempo que cumpri como miliciano ao serviço do Exército, dou particular atenção às experiências vividas e presenciadas e às reflexões que muitas delas me suscitaram como docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, como director do Museu Nacional de História Natural da mesma Universidade e, ao mesmo tempo, como cidadão interventor, sobretudo, na árdua defesa e valorização da geologia e do nosso património natural, numa sociedade cinzenta, à procura de um caminho que ainda não soube encontrar, onde o conhecimento geológico continua arredado dos nossos agentes de cultura e da grande maioria dos nossos decisores aos vários níveis da administração e dos serviços.
António Galopim de Carvalho
UM PRECEDENTE MUITO PREOCUPANTE NO QUE RESPEITA À PROFISSÃO DOCENTE
... a seleção de docentes com habilitação própria (...), aplica-se, ainda, aos cursos pós-Bolonha
Ou seja, são agora reconhecidos como detentores de habilitação própria os licenciados pré-Bolonha (a quem essa habilitação já era reconhecida) e quem, num contexto pós-Bolonha reúna
... os requisitos mínimos de formação científica, adequada às áreas disciplinares dos diferentes grupos de recrutamento...
Isto, que fique bem claro, é válido apenas e só para...
... a seleção de docentes em procedimentos de contratação de escola...
Os cursos que foram reconhecidos como habilitação própria para a docência são todos cursos científicos anteriores ao Processo de Bolonha que constam de diversos normativos publicados entre 1984 e 2007 e não conferem qualificação profissional para a docência. Esgotada a possibilidade de colocação de docentes profissionalizados, os estabelecimentos públicos de educação e ensino que ministrem o 2.º e o 3.º ciclos do ensino básico e o ensino secundário podem, a título excecional, selecionar docentes detentores de cursos reconhecidos como habilitação própria...
Ainda é possível lecionar com habilitação própria? O atual regime jurídico da habilitação profissional para a docência (...) determina a posse de habilitação profissional como condição para o exercício da função docente.
Os cursos que qualificam profissionalmente são os mestrados em ensino (...). Em consequência, a habilitação para a docência passou a ser exclusivamente profissional, deixando de existir a habilitação própria, pelo que a partir de 2007 deixou de proceder-se ao reconhecimento de novos cursos como habilitações próprias para a docência.
Importa salientar que as habilitações próprias para a docência são referentes a cursos pré-Processo de Bolonha. Assim, apenas na fase de contratação de escola (...), e perante a ausência de docentes com habilitação profissional, podem ser recrutados candidatos possuidores de cursos reconhecidos como habilitação própria.
"Olha-se para o percurso formativo dos candidatos", diz o Ministro da Educação
Faltam professores (com a devida habilitação, definida na lei) em muitos países e Portugal não é excepção. Trata-se de um facto ou de um artefacto? Vejamos, tendo em conta o nosso caso.
É um facto que, na sequência da Reforma de Bolonha (2006), tendo em conta o estabelecido no (ainda) vigente Regime Jurídico de Habilitação para a Docência (Decreto-Lei nº 79/2014 de 14 de Maio), para se ser professor é requerido o Mestrado em Ensino. É também um facto que não há suficientes candidatos com esse grau académico para dar resposta às necessidades do sistema.
Mas se o Regime Jurídico de Habilitação para a Docência for alterado, dispensando o Mestrado em Ensino, é muitíssimo provável que o número de candidatos aumente e as necessidades do sistema sejam satisfeitas (o que, de resto, já está a acontecer). Ora, é isso que, ao que tem sido noticiado, o Ministério da Educação se prepara para fazer.
Disse o Ministro em recente conferência de imprensa (ver aqui, aqui e aqui):
"Estamos a ultimar uma alteração ao despacho para habilitações para a docência que vai permitir alterar e alargar o leque de candidatos para a docência".
E acrescentou algo que não pode deixar de ser, na sua imprecisão, preocupante: "olha-se para o percurso formativo dos candidatos", tendo em conta as disciplinas realizadas no ensino superior em determinadas áreas.
"Percurso formativo" quererá dizer exactamente o quê? Será uma Licenciatura? Parte de um Mestrado? As "disciplinas" de que se fala na notícia dirão respeito à componente dita científica? A componente dita pedagógica fica de fora? A prática/estágio entra no conceito de "disciplina" (expressão ultrapassada na linguagem pós-Bolonha)?
Em Setembro, ou antes disso, saberemos pois "durante o 1.º período todas as contratações de escolas que vão ser feitas possam ser abrangidas por este despacho".
O ABISMO VERTIGINOSO DE ROVELLI
Minha recensão no ultimo JL:
domingo, 14 de agosto de 2022
JORNALISMO E MIMETISMO
São raros os jornalistas que pesquisam para obterem dados credíveis para publicarem artigos sobre a relevância da biodiversidade. Conheço um que trabalhou no PÚBLICO, o Ricardo Garcia, que até me acompanhou em digressões através de alguns ecossistemas da África Tropical.
Creio que não conheço pessoalmente Daniel Dias, que deve ser o jornalista a quem neguei dar informações pelo telefone, pois só o faço para jornalistas credíveis e que conheça pessoalmente. Lamento, pois o artigo sobre a biodiversidade ameaçada da serra da Estrela (PÚBLICO, 13.08.2022) é excelente, preciso e elucidativo. Felicito o jornalista e o PÚBLICO. É por isso que sou um leitor diário do PÚBLICO, pois tenho informação fidedigna.
Não vejo telejornais das televisões portuguesas, onde os repórteres, ao noticiarem os incêndios florestais, parecem estar a relatar um desafio de futebol, tendo sempre como imagem de fundo a Natureza a arder, com o que incentivam os pirómanos.
Muitos dos nossos incêndios iniciam-se à noite, depois dos telejornais. Na década de 80, demonstrei isso com o testemunho de alunos meus. Fomos para o cume de uma montanha, com ampla panorâmica circular e observámos o início de meia dúzia de incêndios após os telejornais.
Porque é que esses “voyeurs” não mostram imagens dos suicídios, que os há quase diariamente?
PELA ERUDITA ÍSIS
Por Eugénio Lisboa
O GATO SÓ TEM QUALIDADES
(Soneto escrito segundo guião fornecido pela Ísis)
(Por recomendação da Ísis)
do que a leitura que um homem faz.
do que a de que o homem é capaz.
AINDA O PROCESSO CRIATIVO
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Imagem encontrada aqui |
SOBRE O INCÊNDIO NA SERRA DA ESTRELA: AS PALAVRAS REITERADAS DE JORGE PAIVA
"... em 1980, quando nas aulas eu afirmava que durante o primeiro quarto do século XXI haveria já seca e escassez de água por todo o país, os alunos consideravam que era exagero meu. Também quando eu lhes dizia, e continuo a afirmar, que a serra da Estrela esteve coberta de floresta até ao topo e que estávamos a transformar o nosso país num deserto rochoso, julgavam que era exagero meu."
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
MATER SEMPER DOLOROSA
na confusão brutal de uma guerra,
é algo tão bizarro, tão demente,
que abre ferida que nunca mais encerra.
Perder um filho abre chaga eterna
e dor de inconcebível dimensão,
mas do tamanho do amor materno.
Nesta dor, descarrila a razão,
tudo carece de algum sentido,
num mundo onde tudo foi mentido.
O PROFESSOR (CONVENIENTEMENTE) EXCLUÍDO
Aluna. Chamo-me… tenho 13 anos, não… tenho 14 anos, sou de… da escola de…Mãe: Eu sou… sou a mãe de…Pai: Sou, pai da…Aluna: E tenho uma cadela que se chama… Gosto de sair com os amigos, também gosto de jogar, mexer nas redes sociais. Eu utilizo a Escola Virtual desde o 5.º ano. Também utilizamos a Escola Virtual nas aulas.Mãe: Eu escolhi comprar a Escola Virtual para a… primeiro porque achei, à partida, que seria uma ferramenta muito útil para o estudo dela.Pai: É uma tranquilidade. Estuda sozinha, não precisa de grandes apoios para conseguir bons resultados na escola.Aluna: Quando estou a utilizar, tenho a noção de como estou preparada e acho que isso é muito útil. Eu faço os testes temáticos depois vê-se o resultado.Mãe: Ao ouvir os vídeos e fazer os exercícios, dá-lhe confiança para quando vai para os testes sentir-se mais preparada.Aluna: Depois vamos vendo os resultados e, se forem bons, começamos a ficar mais confiantes.Pai: Aliás, ela própria, quando às vezes me levanta uma dúvida sou eu que lhe digo: Já foste à Escola Virtual?Mãe: Só não tem boas notas quem não quiser.Aluna: É tudo muito mais simples e divertido de aprender. Sim recomendo a Escola Virtual.Mãe: Recomendo a Escola VirtualPai: Recomendo plenamente.
Claro que não podia faltar o apelo à emoção.
Garanta o melhor ano lectivo para o seu filho com o serviço educativo mais completo do país.
E à cooperação entre a empresa, a família e a aluna. O professor é excluído.
Aprendemos juntos.
E também aos "cenários da escolaridade do futuro", sobretudo ao quarto.
Aprendemos em qualquer momento.
Aprendemos em qualquer lugar:Aprendemos a olhar para o futuro.
sexta-feira, 5 de agosto de 2022
RETRATO DO TIRANO
que a vítima da sua tirania
é que é culpada de cometer
o mal que ele traz à sua agonia.
O tirano tortura porque vê
um inimigo em cada ser humano
e um fautor não sabe bem de quê,
mas que o deixa perfeitamente insano.
O tirano assassina e difama,
com uma convicção digna de loucos
e tece uma inconcebível trama
O tirano é insensível à dor
e a sua pátria é só o terror.
O PROCESSO CRIATIVO
«Arranca o estatuário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar o homem (…) ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide os dedos, (…) e fica um homem perfeito».
O teu lábio regressa ao chão de mel.
A cor do cacho encontra-se entre folhas.
Perdes homem no ardor da rua a pele
E no loendro em flor as tuas sombras.
Passam como formigas tuas horas.
Teu corpo liquefaz-se ao chão fiel.
O céu tão quieto! Em que rio choras?
Sem rumo, uma ave pousa no papel.
O estio, a terra aberta e um rumor.
Rente ao teu rosto o sol se enterra rubro
E a água adentra os sulcos com amor.
No alto enxergas as sendas do futuro.
Esqueces no arrebol um só rubor
E o rosto de um rio, em porto seguro.
quinta-feira, 4 de agosto de 2022
UM AMIGO OU UMA IDEIA DUVIDOSA?
as amizades não devem fazê-lo:
as amizades saudáveis convergem,
mesmo se as ideias eriçam pêlo.
Arrisca-se a vida por um amigo,
mas seria tolo por uma ideia:
o amigo é garantia de abrigo
e a ideia até pode ser feia.
Perder a vida pelo duvidoso,
dar à ideia um valor sagrado
é pisarmos caminho pedregoso
e fiar de nevoeiro cerrado.
Acolha-se a ideia, com cuidado,
prezando-se o amigo, confiado.
Nota: Este soneto foi escrito a pensar nos promotores da ideologia fria, que põem a ideologia acima da amizade, numa perversa e maligna inversão de valores.
ASSIM SENDO, PODEMOS VOLTAR AO SUPORTE DE PAPEL NAS NOSSAS ESCOLAS?
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Fonte: OECD Education and Skills Newsletter: July 2022
“A digitalização sobrepor-se-á”;
“A pandemia mostrou-nos que a educação pode funcionar fora da sala de aula e apresentou-nos os benefícios da tecnologia”;
“Lições da pandemia: (...) a digitalização e a inclusão devem ser a principal prioridade para a educação”;
“Esses mesmos desenvolvimentos tecnológicos e convulsões sociais – incluindo, mas não se limitando à pandemia – estão a alterar fundamentalmente a maneira como vivemos as nossas vidas numa escala global, o que significa que os modelos tradicionais de educação estão cada vez mais desatualizados e desadequados ao propósito”;
“A digitalização está a mudar a educação globalmente, estimulada pela pandemia”;
“A pandemia provocou uma grande mudança ao tornar a tecnologia digital a principal ferramenta de ensino”;
“Currículos digitais possibilitarão mudanças ainda mais rápidas e menos onerosas”;
“As escolas são centros intergeracionais únicos, e a crescente dependência de ferramentas digitais no ensino trazida pela pandemia covid oferece uma oportunidade única para indivíduos de diferentes gerações aprenderem uns com os outros e colaborarem para enfrentar esses desafios”;
“A tecnologia digital aprimora as experiências de aprendizagem dos alunos e leva-os a melhores resultados”.
“é impressionante a fantasia futurista, como se o futuro da educação fosse feito por robots, inteligência artificial, pelas novas tecnologias, as plataformas, os gadgets mais extraordinários possíveis e que, na maior parte dos casos, diminuem a ideia de que o professor é um profissional” (in Jornal de Letras, 23 a 26 de julho de 2022).
REFERÊNCIAS:
terça-feira, 2 de agosto de 2022
A FILOLOGIA LEVA AO CRIME
Por Eugénio Lisboa
(Texto antes publicado na Revista LER)
Deslumbra-me quotidianamente ver o esforço desenvolvido por certos articulistas mais ou menos colados à esquerda dura ou dinossáurica, no sentido de “situarem” ou “contextualizarem” a guerra brutal e ilegal de Putine.
De um lado, temos a realidade boçal, brutal e assassina da guerra, que destrói, mata, mutila e reduz a escombros um belo país; do outro, temos um inefável tecido filológico, uma teia de palavras desinfectadas, um colar de fonemas quase inocentes, a justificarem ou a ”explicarem” um crime horroroso.
Quando lemos as “justificações” ou “contextualizações” de Manuel Loff, saímos confortavelmente da brutalidade destrutiva da guerra, para entrarmos no universo da filologia asséptica: palavras bem procuradas e lavadinhas envolvem-nos numa cumplicidade doce e afastam-nos do ruído mortífero das bombas.
A filologia lava tudo, até as mãos cheias de sangue do carrasco. “Contextualizar” o crime é o mesmo que lavá-lo ou até apagá-lo.
Tudo isto me traz â memória uma extraordinária peça de Ionesco, que vi vezes sem conta no Théatre de la Huchette, em Paris, juntamente com a célebre Cantora Careca. Refiro-me à pecinha em um acto (curto), La Leçon (A Lição). Nela, um professor de filologia vai, numa lição que dá a uma aluna, envolvê-la, a pouco e pouco e cada vez mais, numa teia de palavras gradativamente mais apertada, que atordoam a aluna, diante das teorias desvairadas do mestre. Por fim, aterrada com aquela artilharia filológica, a pobre aluna, sem ter para onde fugir, acaba estrangulada pelo professor e pela sua aquecida e assassina filologia. A conclusão célebre é: a filologia leva ao crime.
Temos visto que sim: a filologia levou ao crime, ou foi ajudante do crime ou “contextualizou” o crime (em massa), na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Rússia de Staline, na Espanha de Franco, no Cambodja de Pol Pot, para nos ficarmos por estes. Os recados “contextualizantes” que os serventuários daqueles regimes mandavam, devidamente enlatados, para serem distribuídos urbi et orbi eram o colar de palavras que os discípulos penduravam ao pescoço, para com elas “apagarem” a visão das atrocidades cometidas, ao som da música filológica.
A filologia sempre foi amiga dos tiranos (Nero ter-se-ia servido dela para cantar o incêndio de Roma), sempre cobriu os seus açougues com o manto diáfano dos fonemas. Como dizia o ardido Rei Ferrante, da peça La Reine Morte, de Montherlant, “tantas palavras para esconderem um vício!”
Os porta-vozes de serviço de Putine aprenderam há muito a arte de perverter o uso das palavras, para assim lavarem a sujidade e o sangue que as suas guerras deixam como rasto.
domingo, 31 de julho de 2022
A POSTERIDADE DE ALGUNS PRÉMIOS NOBEL DE LITERATURA
Por Eugénio Lisboa
Se alguma coisa Fernando Pessoa viu bem, nos portugueses com que veio encontrar-se, no seu regresso de Durban, foi o seu profundo e não radicável provincianismo. Somos provincianos a admirar e somo-lo a não sermos capazes de o fazer, quando disso seja caso. Um prémio dado lá fora, um elogio vindo de fora, criam um verdadeiro histerismo nacional, como se fôssemos, de repente, o povo eleito.
Já muitas vezes comparei a sobriedade com que o galardão Nobel é anunciado, recebido e comentado, na grande imprensa inglesa. Entre nós, com Saramago, foi aquilo que se viu.
Para quem seja minimamente adulto, do ponto de vista intelectual, e esteja razoavelmente informado dos bastidores e da durabilidade das reputações dos laureados, o espectáculo da fúria admirativa lusíada é realmente confrangedor.
Nunca vi, em França ou na Inglaterra, falar-se no “nosso” Nobel André Gide ou T. S. Eliot. Até seria insultuoso pensar que fora o prémio que lhes dera prestígio e não o seu mérito. O grande dramaturgo George Bernard Shaw não precisava para nada do prémio, porque já era uma lenda viva, na altura em que lho deram: quem precisava do prestígio dele era o prémio. Visto isso, até se deu ao luxo de recusar o dinheiro, aceitando, só por cortesia, o diploma e a medalha.
Por outro lado, se tivermos em conta os verdadeiros gigantes da literatura que o Nobel ignorou e as verdadeiras e esquecidas mediocridades que ele se tem fartado de galardoar, ficar-nos-á bem não andarmos com o Nobel permanentemente colado à figura de Saramago.
Lembremo-nos de que foi a Teoria da Relatividade que deu fama ao grande Físico Einstein e que o Nobel que lhe conferiram só serviu para diminuir a estatura do prémio, visto que nem sequer foi atribuído à obra magna do cientista, mas sim a um seu trabalho secundário.
O mais triste, entre nós, é que nem sequer é só a massa ignara que se porta mal. O nosso muito estimável Presidente Sampaio inaugurou um protocolo patusco, ao ir a correr a Estocolmo assistir à cerimónia de entrega do galardão a Saramago. Confesso que não sei de nenhum outro chefe de Estado que o tenha feito. E o festejadíssimo ensaísta Eduardo Prado Coelho, exultando naquela glória só equiparável à dos descobrimentos, avisou a comunidade crítica de que, de ali em diante, quem se atrevesse a criticar Saramago, “levava”.
Num Professor universitário veneradíssimo, numa jovem democracia que nos deu finalmente a liberdade, esta rejeição de qualquer crítica por causa de um prémio, explica muita coisa que aconteceu em Portugal, depois da queda da primeira república. Em vez de incentivarmos o saudável espírito crítico, promovemos a idolatria.
Tem-se visto isso com os vários gurus de serviço, como foi, por exemplo, a vergonhosa figura feita pela nossa intelectualidade, durante toda a vida de Eduardo Lourenço e, particularmente, por ocasião da sua morte. Aquilo não era admiração, era pura adoração bacoca. Fazerem de um homem que nunca foi filósofo o mais genial deles, na história da nossa cultura, tem que se lhe diga. Mas poucos, em Portugal, apreciam o grito “o rei vai nu!”
Vou terminar, propondo um exercício interessante, a ver se nos tornamos um pouco mais sóbrios. Vou dar uma lista de laureados com o Nobel de Literatura, que estão hoje completamente esquecidos. Se algum dos meus leitores tiver lido um livro de algum deles, agradeço que mo diga.
SULLY PRUDHOME FRANCÊS, 1901DUAS NOTAS: ter dado o Nobel a BJERNSEN, passando por cima de IBSEN foi uma das enormes gaffes deste famigerado galardão. Hoje ninguém encena BJERNSEN e IBSEN faz parte do repertório de todas as grandes companhias. A segunda nota: quando presidia à Comissão Nacional da UNESCO, fui à Finlândia. Passando por Helsínquia, fui a livrarias procurar livros do nobelizado em 1939: ninguém sabia quem era.
BJORSTJERNE BJERNSEN NORUEGUÊS 1903
JOSÉ ECHEGARAY ESPANHOL 1904
RUDOLPH EUCKEN ALEMÂO 1908
PAUL VON HEYSE ALEMÂO 1910
WERNER VON HEIDENSTAM SUECO 1916
KARL ADOLPH GJELLERUP DINAMARQUÊS 1917
HENRIK PONTOPPIDAN DINAMARQUÊS 1917
CARL SPITTELER SUÍÇO 1919
WLADISLAW REYMONT POLACO 1924
SIGRID UNDEST NORUEGUESA 1928
ERIK AXEL KARLFELDT SUECO 1931
FRANS EEMIL SILLANPAA FINLANDÊS 1939
JOHANNES VILHELM JENSEN DINAMARQUÊS 1944
NELLY SACHS ALEMÃ 1966
EYVIND JOHNSON SUECO 1974
HERTA MULLER ALEMÃ 2009
Eugénio Lisboa
sábado, 30 de julho de 2022
CTS EM PORTUGAL ENTRE 2003 e 2021
Meu artigo saído no número 50 da revista CTS - Revista Iberoamericana de Ciência, Tecnología e Sociedad, da Argentina:
A Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) evoluiu de uma forma extraordinária em Portugal entre 1995, quando o físico José Mariano Gago se tornou o primeiro titular do Ministério da Ciência e Tecnologia, e os dias de hoje. Analiso aqui sumariamente a mudança de panorama neste sector ocorrida nos quase vinte anos desde que, em 2003, foi publicado o primeiro número da revista CTS – Revista Iberoamericana de Ciência, Tecnología e Sociedad, que tinha dois sociólogos portugueses no Conselho Editorial (José Luís Garcia e Maria de Lurdes Rodrigues). O facto de numerosas estatísticas oficiais portuguesas estarem hoje reunidos na PORDATA – Base de Dados de Portugal Contemporâneo (www.pordata.pt ), criada em 2010 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, facilitou bastante esse trabalho de síntese, tal como facilita o trabalho de quem quiser, em qualquer altura, conhecer a evolução de Portugal nesta ou noutras áreas, sendo possível comparar a situação nacional com a de outros países que também integram a União Europeia.
O investimento em ciência e tecnologia é convencionalmente medido, para efeitos de comparações internacionais, em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB). O PIB português era, em 2002, de 180 447 euros, a que correspondia a um valor per capita de 17 253 euros. Em 2021, o PIB tinha crescido pouco: foi de 195 661 milhões de euros (a preços constantes), tendo crescido desde 1986, ano da entrada do país na União Europeia, então Comunidade Europeia, até 2008 (em 2002, foi de 180 447 euros), quando ocorreu uma crise financeira global (que conheceu maior incidência em Portugal em 2011, quando houve necessidade de auxílio económico pela troika, o conjunto formado pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional). Desde então tem-se mantido mais ou menos constante (a recente crise pandémica interrompeu a retoma do crescimento económico que se estava a verificar). Para comparações internacionais, tem de usar o PIB por habitante. O PIB per capita português foi, em 2021, de cerca de 23 900 euros, um valor que se situa muito abaixo da média da União Europeia, que foi de 32 300 euros e também abaixo, por exemplo, da vizinha Espanha, que foi de 27 200 euros.
O avanço do investimento na investigação científica e desenvolvimento tecnológico foi enorme no período considerado. Quando surgiu a revista CTS, Portugal apenas investia 0,70% do seu PIB em ciência e tecnologia, sendo esse investimento distribuído em 0,24% nas empresas, 0,27% no ensino superior (principalmente remuneração do tempo dos docentes alocado à investigação em escolas públicas de ensino superior), 0,11% noutros organismos do Estado e 0,08% em instituições privadas sem fins lucrativos. O investimento total chegou a ser de 1,58% em 2009, mas, com a crise económica que surgiu depois, sofreu forte queda, tendo a recuperação sido lenta: só no ano de 2020 esse índice voltou, ao registar 1,62%, a um valor semelhante ao de 2009. Pode-se falar de uma década perdida na ciência e tecnologia, uma vez que se interrompeu durante cerca de dez anos o notável crescimento do investimento neste sector, em proporção do PIB, que se tinha vindo a registar desde antes de 1986 e que conheceu particular impulso em 2005. No investimento registado em 2020 é de notar o papel maioritário assumido pela iniciativa privada (empresas), que foi de 0,92%, embora este número devs ser lido com alguma precaução uma vez que ele provém de dados fornecidos pelas próprias empresas em inquéritos relacionados com benefícios fiscais. Mesmo que fosse credível esta forte participação das empresas no investimento nacional em ciência e tecnologia, ele ainda está longe do valor que se verifica nos países mais desenvolvidos da Europa, que é cerca de 66%. A parcela do ensino superior passou para 0,58%, a de outros organismos do Estado caiu para 0,08% e a das instituições particulares sem fins lucrativos baixou para 0,03%. Na comparação internacional, o investimento é claramente insatisfatório: Portugal fica bem atrás da média da União Europeia, que em 2020 era de 2,32%, e muito atrás dos países que são «campeões» do investimento em ciência e tecnologia (a Suécia e a Bélgica, a par, com 3,5%). Mesmo assim, fica à frente da Espanha, que se ficou pelos 1,41% (embora valha a pena lembrar que o PIB espanhol per capita é superior ao português).
Um dos grandes resultados benéficos do investimento que aqui estamos a discutir foi o crescimento da formação pós-graduada. Portugal formou no período em análise numerosos doutores em todas as áreas da ciência e tecnologia (estão aqui incluídas as ciências sociais e humanidades). O crescimento já vinha de trás, mas acentuou-se. Em 2003 formaram-se 1028 novos doutores portugueses, 840 no país e 188 no estrangeiro (no total, mais mulheres do que homens: o forte crescimento da população feminina na ciência em Portugal tem sido uma das marcas de que o país mais se pode orgulhar). Em 2015 (último ano para o qual há números disponíveis na PORDATA), o número de novos doutores foi de 2969, tendo 2351 obtido o grau em Portugal e apenas 618 no estrangeiro. A área em que houve maior número de doutoramentos foi a das Ciências Sociais e Humanidades (1270), seguida das Ciências Exactas e Naturais (666) e das Ciências de Engenharia e Tecnologia (544). Essa já era a ordem em 2003, quando o predomínio das Ciências Sociais e Humanidades não era tão claro: Ciências Sociais e Humanidades (372), Ciências Exactas e Naturais (299) e Ciências da Engenharia e Tecnologia (228). Para permitir uma comparação internacional do índice de produção de doutores tem de se dividir o número de doutoramentos pelo número de habitantes. A PORDATA indica que, em 2020, houve 18,9 doutoramentos por 100 000 habitantes, mais do dobro do correspondente valor de 2004 (8,5). No entanto, esse valor fica apenas um pouco acima da média da União Europeia (18,7). Para comparação, a Espanha registava, em 2020, 19,7 doutoramentos por 100.000 habitantes, registando uma ligeira subida relativamente ao valor de 2004, que foi de 19,0. Apesar de Portugal produzir novos doutorados com uma abundância nunca vista, o certo é que existem dificuldades no seu emprego; a sua presença no sector privado é muito pequena e as escolas superiores têm um quadro de docentes e investigadores bastante envelhecido.
Os doutorandos são, obviamente, apenas uma pequena parcela dos investigadores. Os investigadores, contados em equivalentes a tempo integral, perfaziam em 2005 (primeiro ano para o qual há dados na PORDATA), 21 126 e, tendo vindo a aumentar sem interrupção, chegaram em 2020 aos 53 174, bem mais do dobro. Mais uma vez estes números têm de ser vistos com alguma cautela, pois eles provêm das respostas dadas em inquéritos pelos investigadores (que são, na sua grande maioria, também docentes) a inquéritos sobre o tempo que dedicam à investigação: alguns poderão exagerar no tempo indicado. Esses investigadores situam-se principalmente nas Ciências de Engenharia e Tecnologia (21.701), seguindo-se as Ciências Exactas e Naturais (13.500) e as Ciências Sociais e Humanidades (10.551). Em 2005, essa já era a ordem, embora houvesse maior equilíbrio: Ciências de Engenharia e Tecnologia (6096), Ciências Exactas e Naturais (5780) e Ciências Sociais e Humanidades (4490). Para uma comparação internacional, temos de dividir esse número pelo número de trabalhadores no activo, resultando o valor de 10,7 por mil, um pouco acima do da média da União Europeia, que é de 9,2 por mil. A comunidade científica conheceu decerto um incremento impressionante desde a entrada do país na União Europeia, quando havia somente 1,3 investigadores por mil pessoas no activo. Para comparação, a Espanha tem 6,5 investigadores por mil pessoas no activo. Se considerarmos, em vez do número de investigadores, o pessoal total envolvido em actividades de investigação e desenvolvimento, a situação portuguesa já não é tão favorável no cotejo internacional: falta, portanto, pessoal técnico e auxiliar que ajude nas tarefas laboratoriais e de campo.
Um dos índices objetivos da produtividade científica é o número de artigos científicos publicadas em revistas indexadas nas bases de dados internacionais. Em 2003 foram publicados 6146 artigos, que recolheram 172 659 citações, ao passo que em 2020 foram 28.298 artigos, que recolheram até agora 131.667 citações (ainda não houve tempo para recolher mais). O crescimento do número de artigos tem sido ininterrupto, com excepção do último ano considerado, 2020, em que se deu uma ligeira diminuição relativamente ao ano anterior. A área com mais publicações é a de Ciências Exactas e Naturais (123.148) seguindo-se as Ciências Médicas e da Saúde (9914) e as Ciências da Engenharia e Tecnologia (7992). Essa era já a ordem em 2013. Se dividirmos o número de publicações pelo número de doutoramentos realizados, o valor é de 7,9 para 2015, apenas um pouco maior do que em 2013 (7,7). A fim de permitir comparações internacionais, temos, mais uma vez, de dividir o número de publicações pelo número de habitantes. Em 2003 foram publicados 58,8 artigos por 100 000 habitantes e em 2020 passaram a ser 274,8 artigos por 100 000 habitantes. A PORDATA não indica o número de publicações científicas nos restantes países da Europa. Mas o Scimagojr – Scimago Journal & Country Rank), que se baseia na base de dados Scopus, constitui um útil instrumento de análise ao permitir comparar países não apenas da Europa mas de todo o mundo: Portugal, nessa base de dados, tem 32.086 publicações em 2020 (a discrepância deve-se à diferente base de dados usada: os dados da PORDATA usam a Web of Science), um valor que, dividido pelo numero de habitantes, indicado pelo Censos de 2021 (10.344.802 pessoas), dá 310 publicações por 100.000 habitantes. A Espanha tinha 113 503 publicações, o que dividido pela população espanhola, dá apenas 240 publicações por 100 000 habitantes. Voltando aos dados da PORDATA, Portugal e olhando agora para os países com os quais há mais co-autorias, em 2020, o maior número de colaborações foi com a Espanha (4449), seguindo-se o Reino Unido (3524), os Estados Unidos (3198) e o Brasil (2910). Em 2013, a ordem do número de colaborações era apenas ligeiramente diferente: Espanha (2469), Estados Unidos (2001), Reino Unido (1858) e França (1428). Se considerarmos a qualidade, medida por exemplo pelo número de citações por artigo, a situação é mais desfavorável a Portugal nos rankings internacional. Uma outra fragilidade portuguesa é o número de publicações por investigador.
O conhecimento avança graças sobretudo à curiosidade humana, mas é incentivado pelas suas aplicações na sociedade, uma vez que esse avanço tem assegurado melhores condições de vida humana. No que respeita a aplicação da ciência e tecnologia, a situação portuguesa não é tão boa como na criação de conhecimento, apesar de a maior parte do investimento provir de empresas, pelo menos nominalmente. Um índice que se costuma usar para medir o impacto económico da ciência é o registo de patentes. Em 2003, houve, em Portugal, 174 pedidos de patente da via nacional (142 foram concedidas), 41 da via europeia (18 concedidas) e 36 da via internacional (zero concedidas). Já em 2021 registaram-se 764 pedidos na via nacional (208 concedidas) e 242 nas vias internacional (em ambos os casos, zero concedidas). Não existem na PORDATA dados referentes à via europeia para o ano de 2021, mas no ano anterior tinham sido 249, das quais 119 concedidas. Houve, de facto, um grande aumento no período considerado, mas, se a posição portuguesa era insignificante no plano internacional, a situação praticamente não mudou. Vejamos a comparação internacional, dividindo pela população: Em 2013, ainda segundo a PORDATA, o número de pedidos de patentes foi de 1,13 por 100 000 habitantes, o que é um valor muito reduzido comparado com os 9,47 por 100 000 habitantes da média da União Europeia e ainda menor quando comparado com os países líderes neste domínio, que são a Alemanha e a Finlândia (22,7 por 100 000). Há, decerto, ouras medidas do que hoje se chama «inovação», mas, apesar de todos os progressos, a inegável modernização de Portugal nas últimas décadas é mais o resultado de importação de bens e serviços do que de aplicação directa da ciência e tecnologia produzida dentro da fronteira. Uma das razões será o reduzido emprego científico que os jovens doutorados encontram nas empresas, o que, conjugado com as oportunidades reduzidas na função pública, obrigam um número não desprezável de jovens a emigrar.
A existência de cultura científica e tecnológica – isto é, a interiorização da ciência e tecnologia pela sociedade – é uma condição para a existência de um sólido sistema de ciência e tecnologia. Ela começa na escola e é complementada permanentemente pelo trabalho de uma série de instituições: média, museus e centros de ciência, parques naturais, etc. O ministro José Mariano Gago pretendeu em 1996, com a criação da Ciência Viva – Agência para a Promoção da Cultura Científica e Tecnológica, impulsionar esta relevante dimensão. Se é certo que a sua dinâmica foi significativa de início, com a criação e desenvolvimento de um conjunto de centros de ciência, não é menos verdade que tem havido algum estiolamento.
Um estudo da União Europeia baseado em entrevistas (o Eurobarómetro) realizado e publicado em 2021 revelou que os portugueses têm maior interesse pelas novas descobertas da ciência e pelos desenvolvimentos tecnológicos do que a média dos 27 estados-membros da União Europeia, uma tendência que se acentuou na última década): 62% dos inquiridos revelam-se muitos interessados, 36% moderadamente interessados, o que significa que quase ninguém se desinteressa (uma razão pode ser a circunstância de se viver uma situação de pandemia, durante a qual a população portuguesa tem mostrado uma grande adesão às vacinas, mais do que em países com superior desenvolvimento). A comparação com Espanha é interessante, sendo favorável a Portugal: só 41% dos inquiridos espanhóis se revelaram muitos interessados, havendo 45% moderadamente interessados e 14% não interessados. As questões associadas às alterações climáticas são as que mais preocupam os portugueses (com um aumento acentuado nos últimos tempos, o que se percebe dada a situação no Sul da Europa, a existência de florestas sujeitas a fogos e a extensão da costa, sujeita à subida da água do mar), seguindo-se as questões da saúde e dos cuidados médicos.
No entanto, esse maior interesse pela ciência e tecnologia não se traduz na existência de uma maior literacia científica do que a média da União Europeia, o que encontra justificação nos baixos níveis educativos da população em geral. Embora tenha havido progressos na formação superior da população mais jovem, em Portugal, dado o peso do passado, continua a haver uma défice de escolaridade em comparação com os padrões europeus. Voltando à PORDATA, verifica-se que 43,7% dos jovens portugueses entre os 30 e os 34 anos tinham em 2021 o ensino superior, valor que é superior ao do passado (em 1992 era só de 15,1%) e que excede o da média da União Europeia (41,6%), embora esteja abaixo do da Espanha (46,7%) e bem longe do dos países do topo neste índice, que são o Luxemburgo (62,5%) e a Irlanda (62%). No mesmo ano, a percentagem de pessoas com o ensino superior, tomando agora a população entre os 25 e os 64 anos, era em Portugal de 31,1%, abaixo de Espanha (40,7%) e abaixo da média da União Europeia (33,4%). Olhando, finalmente, para as estatísticas da população que completou pelo menos o ensino secundário, o problema do défice da educação nacional torna-se particularmente notório: o valor português é de 59,5%, o que sendo bastante bom relativamente ao passado (em 1992 era de 18,9%) é mau no panorama europeu: de facto, Portugal apresenta o valor mais baixo em toda a União Europeia (a média europeia é 79,3% e há países, como a Lituânia e a República Checa, acima dos 94%).
Em resumo: Portugal conheceu nas últimas duas décadas um forte crescimento do seu sistema científico e tecnológico, que se deu sobretudo antes da crise financeira de 2008. Esse crescimento foi acompanhado pelo aumento do interesse pela ciência e tecnologia. No entanto, os dados estatísticos indicam que o país está abaixo da média europeia nessa área, tão essencial para o futuro, pelo que é absolutamente necessário intensificar os esforços no sentido de uma rápida convergência com a Europa.
[1] Professor catedrático de Física da Universidade de Coimbra (aposentado) e divulgador de ciência.
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