Por A. Galopim de Carvalho
Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas dos partidos políticos e dos seus protagonismos na condução da vida nacional. Uma crise de valores sem precedentes, deveras preocupante que, salvo meia dúzia de excepções, bateu fundo e isso ficou bem claro na pobreza desta corrida ao poder que ontem teve fim. Sou um geólogo e a minha cultura social e política resume-se ao que tenho aprendido na vivencia atenta do dia-a-dia. Bom ou não, é este o meu sentir que, como sempre, divulgo como dever de cidadania, honesta e humildemente.
Sempre procurei pensar pela minha cabeça, na convicção de que a política partidária é uma habilidade para manusear conhecimentos do foro das ciências políticas e sociais, tendo em vista a conquista do poder. Dito isto e para que não restem dúvidas, reafirmo que sempre estive ao lado dos explorados e ofendidos, contra os exploradores e ofensores.
Todos os que os que não andam distraídos, e são muitos, têm vindo a dizer e eu também digo que, no tempo que estamos a viver, paira grande insegurança a nível internacional, não só no que respeita a economia, com inevitável reflexo na vida nacional, como também no que envolve o espectro da guerra e a corrida aos armamentos, com todas as consequências e sofrimentos daí decorrentes.
À semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há meio século, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos cultura civilizacional necessária na sociedade que se quer democrática. Esqueceu-se ou não quis. Há uma máxima que diz que “o poder do feiticeiro reside na ignorância dos seus irmãos tribais”, máxima que é fácil entender como uma metáfora do que tem sido a nossa democracia.
Já escrevi o essencial destas minhas palavras não sei quantas vezes, mas sei que não foram as suficientes. Também já disse e volto a dizer que, entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a educação. E, aqui, a escola falhou completamente. Uma escola que tem vindo e continua a dar diplomas, mas que não deu e continua a não dar cultura no sentido mais amplo da palavra.
Nesta “apagada e vil tristeza”, uma muito significativa parcela do nosso povo, destituído dessa cultura, foi presa fácil do populismo da extrema-direita. Uma extrema-direita que, beneficiando da liberdade e democracia que tanto custaram a ganhar, já mostrou, sobejamente, procurar destruí-las e voltar ao “antigamente”.
Tudo isto são gravíssimas preocupações nacionais, que se adicionam as das áreas da saúde, da habitação, da justiça e outras. Preocupações que, tendo em conta as condicionantes nacionais e internacionais, socialistas e sociais-democratas, cujos fundamentos que os inspiraram não estão, assim, tão afastados, tinham obrigação de se ter entendido, a bem deste, deste sempre, maltratado povo. Os seus actuais protagonistas mostraram não terem sabedoria ou vontade para o fazer, pelo que há que encontrar, entre os seus correligionários, quem o possa fazer. Chame-se Bloco Central ou outra coisa qualquer, mas é, no tempo que estamos a viver, em que as esquerdas se têm vindo a autodestruir, o único caminho a seguir.
Quem me conhece e tem acompanhado as minhas intervenções e tomadas de posição públicas, sabe, volto a dizer, da minha independência face aos aparelhos partidários e não espera de mim outro pensamento que não seja este.
3 comentários:
Mais do que uma crise dos valores a que se refere o Professor Galopim de Carvalho, o nosso mal é a falta de dinheiro. Sem ovos não se fazem omoletas.
A Primeira República caiu porque, para defender as colónias da cobiça dos nossos aliados e inimigos, entrou na I Guerra Mundial, em que morreram milhares de jovens, mas salvaram-se as colónias. O golpe militar do 25 de abril de 1974 ocorre porque as nossas forças armadas reconheceram a sua incapacidade de defenderem as nossas províncias ultramarinas da cobiça dos nossos aliados e inimigos.
A esperança de uma vida melhor, para todos os portugueses, consubstancia-se agora nas propostas de alguns políticos que defendem uma valorização, a todos os níveis, das carreiras de todos os trabalhadores por turnos e a isenção de IVA no peixe, na carne, nas batatas. nos ovos, nas azeitonas, na manteiga, no pão, no vinho, no grão de bico, nas sardinhas, nos alhos, no arroz, no esparguete, nas lentihas, no feijão, nas cebolas, nas nabiças, nos nabos...
Concordo com a ideia de que o 'centrão' , basicamente PS+PSD, é o responsável pela situação em que estamos mas é também a única tendência política que nos pode tirar dela, a única com ideias e gente decente num sentido de progresso humanista e rejeição de ideologias suicidárias. Assino.
Já quanto à incultura de quem vota na 'extrema direita' (que o não é) , é uma falácia. Poderia dizer que era também gente inculta quem deu votos à esquerda que facultaram a 'geringonça'. É sobranceria chamar assim incultos a mais de um milhão de eleitores, muitos deles tendo votado plenamente esclarecidos e conscientes. Votar como nós, é sabedoria; votar nos outros, é ignorância e burrice. Não, não é assim. É evidente que grande parte dos votos extremados se devem a insatisfação ou revolta contra a situação que o Dr Galopim refere e de que a dita extrema direita não tem culpa nenhuma. Insatisfação e revolta não são sinónimos de ignorância e burrice. É até provável que o sistema de ensino actual inculque na juventude a ideia de que o 'sistema' (liberal) é mau e tem de ser derrubado. Isto é uma cultura - mas má cultura.
Da última frase do Professor Galopim parece poder deduzir-se que a independência de Partidos Políticos é uma virtude. Nunca entendi porquê. Sobretudo quando me lembro de que andámos tantos anos a lutar para que pudesse haver partidos.
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