domingo, 4 de maio de 2025

"COLONIALISMO DIGITAL". OS SERES HUMANOS COMO "PRODUTOS" APROPRIADOS POR EMPRESAS

Vale a pena também ver na RTP Play o documentário com o título Justiça Artificial: Justiça na Era do Colonialismo Digital, assinado por Simón Casal de Miguel (aqui). Reproduzo as intervenções que me parecem melhor esclarecer a expressão colocada em subtítulo: Colonialismo Digital.

21:00. Markus Gabriel (Filósofo, Universidade de Bona, Alemanha). Se usarmos um motor de pesquisa (…) estamos a fornecer dados a uma empresa porque as nossas acções deixam rastos (…). São acções que têm valor económico porque quantos mais dados a empresa tiver mais previsíveis somos nós e todos os semelhantes a nós.

22:00. Nick Couldry (Cientista da comunicação e sociólogo, London School of Economics and Political Science, Reino Unido). Esta mudança no marketing funciona utilizando toda a vida como um meio de produção eficiente a para a geração do lucro. É uma reinvenção estrutural da relação do capitalismo com o mundo.

22:34. Luciano Floridi (Filósofo. Universidade de Oxford, Reino Unido. Conselho de Especialistas de Alto Nível sobre Inteligência Artificial da UE). Estamos a assistir à maior experiência social de sempre na nossa História (…). Empresas que governam as nossas vidas [e] de forma cada vez mais profunda desempenham funções sociais nas nossas vidas.

22:59. Nick Couldry. O que acontece com os dados em grande escala (…) não se prende apenas com a continuidade do capitalismo. Pelo ano 1500, talvez um pouco mais cedo, Espanha e Portugal fizeram uma descoberta avassaladora. Descobriram algo chamado, ou a que chamaram, Novo Mundo, lugares diferentes onde havia outras pessoas com vidas prósperas mas que eles não conheciam e que tinham uma abundância de ouro, prata e outros recursos. Isso deu origem a um período de 50 anos de ponderação, particularmente na corte espanhola, sobre a importância disto, o que se poderia fazer dali com aquela oportunidade incrível. Desenvolveu-se gradualmente a ideia, uma espécie de colonialismo racional. O território, o ouro e a prata neste território e a mão de obra necessária para a sua extração estavam ali mesmo à mão de semear da Europa. Era assim o colonialismo original [cuja] essência era o simples acto de apropriação de ser uma parte do mundo a ficar com tudo, de dizer: «Isto pertence-nos. Não é vosso, é nosso». Defendemos que há um momento histórico de proporções parecidas a decorrer neste momento. Mas agora acontece que há um novo bem para possuir. Esse novo bem são os seres humanos, as suas potenciais experiências, as suas vidas interiores, os padrões que se observam na actividade que têm no mundo. É esse o novo mundo que tem à disposição.

22:45. Luciano Floridi. Desde o sistema de saúde ao mercado de trabalho, desde a educação à segurança, nomeadamente à cibersegurança, a presença destas empresas é notável.

24:45. Nick Couldry. (...) se o objectivo estratégico é introduzir a possibilidade de influência em todas as nossas interacções incluindo as mais íntimas existe uma possibilidade de influência. Isto transtorna o próprio conceito de liberdade (…). Só existe uma razão para capturar dados: a discriminação. É a distinção entre A e o que não é A, o que pertence e o que não pertence a uma categoria. A função dos dados é essa, dividir o mundo. É para isso que servem, têm de categorizar e discriminar.

27:09. Gry Hasselbalch (Chefe de investigação de Ética de Dados, Conselho de Especialistas de Alto Nível sobre Inteligência Artificial da UE). Ao dividir em caixas e categorias demasiado rígidas a vida e os destinos, tudo o que está entre os limites fica de fora. Quando há um sistema demasiado rígido a tentar prever tudo, que tenta controlar a nossa vida e torna-la mais eficiente só conseguimos ver na realidade o que pode ser útil. Assim é a inteligência automática (…). Penso que esse é o principal problema dos sistemas de inteligência artificial (…) Perdemos todas as oportunidades de agir com espírito crítico. Se houver alguém que contrarie a cultura e o sistema em vigor, o percurso previsto das coisas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Por isso, é tão importante termos consciência das subtis manipulações. Apostar na imprevisibilidade, nas pesquisas de tudo e seu contrário, na fuga ao rótulo fácil e desmedido, na falsidade da máquina que por ser demasiado literal se torna inteligentemente obtusa.

Helena Damião disse...

Agradeço ao leitor Anónimo o seu comentário. A grande questão, que cabe, antes de mais, aos educadores, é como criar essa consciência de que fala e de que falo. Mesmo que o sistema escolar público a acarinhasse (e julgo que só pontualmente a acarinha), a vivência social, que rema em sentido contrário, promovendo o conformismo, não prevalecerá? Ainda assim, entendo que aos educadores dignos dessa designação não podem desleixar uma tal consciência. Cumprimentos, MHDamião

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