sexta-feira, 31 de julho de 2015

A DEMOGRAFIA E O PAÍS


Informação recebida da Gradiva:

- "A Demografia e o País" faz uma análise séria dos dados demográficos, cruzando-os com indicadores económicos A Gradiva acaba de publicar "A Demografia e o País", um livro de leitura essencial para conhecer os possíveis cenários de evolução populacional em Portugal e o que significam os valores demográficos estimados.

"A Demografia e o País - Previsões Cristalinas Sem Bola de Cristal" é um livro que se baseia numa séria análise de indicadores, com discriminação por NUTS III, e apresenta um conjunto de cenários possíveis de evolução demográfica para Portugal, cruzando informação do foro da demografia, mas também da área económica. Definindo um modelo de análise ao mesmo tempo consistente e abrangente, os autores apresentam uma obra de leitura essencial para quem necessita de tomar decisões fundamentadas, em que as previsões de evolução demográfica são relevantes. Além disso, é útil para todos os que pretendem perceber o que de facto está em causa quanto ao futuro da demografia. Para os autores, parte das previsões catastróficas que são veiculadas associadas a temas demográficos não têm correspondência nos números. E, por isso, é relevante conhecê-los, para uma análise fundamentada.

 • A Segurança Social vai colapsar?
 • Quantos seremos daqui a 30 anos?
• Nessa altura, Portugal terá só idosos?
• O aumento da fecundidade resolve os nossos problemas?

Questões como estas interessam a todos. Este é um livro que fornece respostas sérias, usando uma linguagem acessível. "A Demografia e o País" aborda estes temas, permitindo antecipar cenários futuros e, com isso, preparar soluções adequadas. A utilização de informação fundamentada para tomar decisões é de importância inegável. No entanto, a prática nem sempre corporiza a boa teoria. Em Portugal a oferta de dados demográficos tem sido relativamente escassa. Esta obra vem trazer um novo olhar sobre a análise da demografia no nosso país, visando aumentar a oferta e estimular a procura de informação, para suscitar perguntas e encontrar respostas.

No livro, pode ler-se: «Depois de uma série de conclusões com um cunho não muito otimista, acabamos com uma mensagem positiva. A morte anunciada do sistema público de Segurança Social não é minimamente confirmada pelos nossos números.»

 SOBRE OS AUTORES

 Eduardo Anselmo Castro

 Professor no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro, especialista em técnicas de análise de apoio à informação e políticas de inovação e desenvolvimento regional. Coordena a unidade de investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP).

 José Manuel Martins

 Professor no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro, especialista em técnicas de análise de dados e economia e gestão do ambiente. Entre outras funções públicas exercidas, foi vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional da Região Centro (CCDRC).

 Carlos Jorge Silva

 Investigador no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro, especialista em demografia e avaliação de políticas públicas.

A Demografia e o País
Previsões  Cristalinas sem Bola de Cristal
Eduardo Anselmo Castro,  José Manuel Martins, Carlos Jorge Silva
Colecção: «Trajectos Portugueses»
224 pp.
Ano de edição: 2015
ISBN: 978-989-616-656-4

€ 14,50

O ÚLTIMO DEGELO

Texto do Professor Galopim de Carvalho que o De Rerum Natura muito agradece.


Há cerca de 18 000 mil anos, no Paleolítico, já as mais antigas gravuras rupestres se disseminavam pelas paredes rochosas do Vale do Côa, atingia-se o máximo de rigor e de extensão da última glaciação do Quaternário, mais conhecida por Würm [1] (80 000 a 10 000 anos). A calote glaciária em torno do Pólo Norte, espessa de dois a três milhares de metros, alastrava até latitudes que, na Europa, atingiam o norte da Alemanha, deixando toda a Escandinávia submersa numa imensa capa de gelo, capa que cobria igualmente todo o Alasca, o Canadá, a Gronelândia e grande parte da Sibéria.

No Atlântico, a frente polar, ou seja, o encontro entre as águas polares, com icebergs à deriva, e as águas temperadas, situava-se à latitude da nossa costa norte, entre Aveiro e o Porto. O nível do mar estaria, ao tempo, uns 140m abaixo do actual, pondo a descoberto uma vasta superfície, hoje submersa, levemente inclinada para o largo e que corresponde à actual plataforma continental. Da linha de costa de então descia-se rapidamente para os grandes fundos oceânicos, com 4 a 5 mil metros de profundidade. A temperatura média das nossas águas rondaria, então, os 4.º C.

As Serras da Estrela e de Gerês, à semelhança de outras montanhas no país vizinho, tinham os cimos permanentemente cobertos de gelo, desenvolvendo processos de erosão próprios dessa situação climática, cujos efeitos ainda se podem observar em importantes testemunhos. Nos relevos menos proeminentes, mais a sul e menos afastados do litoral como, por exemplo, as serras calcárias do Sicó, Aires, Candeeiros e Montejunto, encontram-se ainda, da mesma época, vestígios bem conservados e evidentes de acções periglaciárias. Desses vestígios sobressaem certas coberturas de cascalheiras soltas, brechóides, sem matriz argilosa, essencialmente formadas por fragmentos de calcário muito achatados e angulosos, em virtude da sua fracturação pelo frio, que deslizaram ao longo das vertentes geladas, destituídas de vegetação e de solo, e se acumularam na base desses declives. A conhecida pincha de Minde teve a sua origem nesta altura e através deste processo.

A partir de então verificou-se uma importante melhoria climática e consequente degelo. A temperatura sofreu uma elevação gradual e as grandes calotes geladas começaram a fundir e a retrair-se, debitando nos oceanos toda a imensa água até então aprisionada. Em consequência, o nível geral das águas iniciou a última grande subida e mais uma invasão das terras pelo mar, conhecida por transgressão flandriana. Praticamente, todos os rios portugueses, do Minho ao Guadiana, terminam em estuários, que não são mais do que vales fluviais escavados durante esta última glaciação e posteriormente invadidos pelo mar, no decurso desta transgressão.

Pelos estudos realizados na nossa plataforma continental sabemos que, há uns 12 000 anos atrás e na continuação do degelo global, o nível do mar coincidia com uma linha aí bem marcada, à profundidade de 40 metros. Uns mil anos mais tarde, a tendência geral de aquecimento generalizado foi perturbada por uma crise de arrefecimento à escala mundial [2]. Na sequência, os glaciares não só interromperam o degelo, como reinvadiram as áreas entretanto postas a descoberto. Em resultado desta nova retenção das águas, o nível do mar desceu de um valor estimado em 20 metros e assim permaneceu durante cerca de mil anos. A frente polar, que recuara até latitudes mais setentrionais, avançou de novo e atingiu o paralelo da Galiza, pelo que as temperaturas das nossas águas voltaram a descer, rondando os 10.º C.

No final deste episódio de inversão climática, a que se dá o nome de Dryas recente, há 10 000 anos, a transgressão retomou o seu curso. O clima tornou-se mais quente e mais chuvoso, entrando-se no que designamos por pós-glaciário. Há 6 a 7 mil anos, a temperatura média, na nossa latitude, atingia cerca de 5.º C acima dos valores normais no presente. Foi o recomeço da subida generalizada do nível do mar, que se vinha a verificar desde o início do degelo, à razão de cerca de 2cm por ano, em valor médio, embora a ritmo não constante e com algumas oscilações. Este episódio, conhecido por Óptimo Climático, coincidiu, em parte, com o Mesolítico português, estando bem exemplificado nos magníficos concheiros de Muge, no Ribatejo.

O nível marinho actual começou a ser atingido há cerca de 5 000 anos, em pleno Megalítico ibérico, iniciando-se, então, o que é corrente referir como Período Climático Subatlântico, marcado por relativa humidade. A partir de então verificaram-se pequenas oscilações na temperatura, marcadas por moderadas e curtas crises de frio, com correspondentes recuos do mar, designados por Baixo Nível Romano, há 2000 anos, Baixo Nível Medievo, em plena Idade Média (Sécs. XIII e XIV) e Pequena Idade do Gelo, nos séculos XVI a XVIII, bem assinalada na Europa do Norte pelo congelamento de rios e lagos, bem testemunhadas em pinturas da época, situações relacionadas com a ocorrência de grandes cheias primaveris, resultantes do degelo nas montanhas.

A. Galopim de Carvalho
___________________

NOTAS

[1] Na Europa, e por Wisconsin, na América do Norte.

[2] Uma explicação para esta interrupção, relativamente brusca, no processo de aquecimento global que se vinha a verificar há alguns milhares de anos, pode encontrar-se na presunção de que, durante a glaciação, se formaram lagos enormíssimos no continente norte-americano, mantidos por grandes barreiras de gelo, que teriam recebido águas de cerca de oito mil anos de degelo nessa área da calote gelada. Admite-se que, tendo descongelado as barreiras que sustinham esses lagos, toda a água doce aprisionada desaguou no Atlântico Norte, desencadeando a brusca congelação da superfície do mar e a consequente mudança climática com reflexos à escala global. A água doce congela a uma temperatura mais elevada do que a água salgada do mar.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

VISÕES DA LUZ





Informação recebida dos organizadores:

Por ocasião do Ano Internacional da Luz 2015, do 725º aniversário da Universidade de Coimbra (UC) e do segundo aniversário da sua classificação pela UNESCO como Património da Humanidade, vai realizar-se, através do Instituto de Investigação Interdisciplinar da UC, um colóquio interdisciplinar alargado a diversas áreas do conhecimento desenvolvidas na UC. O colóquio, subordinado ao tema 'Visões da Luz', vai decorrer nos dias 1 a 3 de outubro de 2015, das 10h00 às 17h30, no auditório da reitoria da UC, e terá um carácter interdisciplinar, envolvendo a comunidade académica, escolar (ensino Básico e Secundário, ensino Superior e ensino Sénior) e civil e abrangendo temáticas diversas (consulte aqui o programa).

Cada dia será dedicado a um mote, começando pela “Descoberta da Luz”, passando por “Um Olhar sobre a Luz” e terminando no “Futuro da Luz”. O colóquio está estruturado em seis blocos de três conferências apresentadas por especialistas de cada área temática, seguidas de comentário e debate. Os temas a apresentar nas palestras e nos comentários pelos moderadores das sessões cobrem as seguintes áreas: Física, Filosofia, Transcendência, Astronomia, Geologia, Literatura, História da Ciência, Química, História, Geografia, Energia, Relações Internacionais, Ciências da Vida, Psicologia, Arte, Cinema e Fotografia, Imagiologia Médica, Robótica, Visão e Cérebro e História da Arte. Pretende-se igualmente organizar atividades diversas ao fim de cada dia de conferências, a partir das 18h00.
O colóquio integrará também o curso de formação acreditado “A Luz em perspectiva interdisciplinar” destinado a professores dos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário.

As inscrições já estão abertas e devem ser efetuadas no sítio de apoio ao colóquio e os respetivos pagamentos diretamente na Loja Virtual UC (de acordo com os valores da tabela).  Alunos e professores da Universidade de Coimbra, assim como participantes inscritos no curso de formação acreditado estão isentos do pagamento da taxa de inscrição.

 
A comissão organizadora:
Carlota Simões (FCTUC)
Décio Martins (FCTUC)
Francisco Gil (FCTUC)
João Paulo Nunes (FLUC)
Lídia Catarino (FCTUC)
Nuno Ferreira (FMUC)

www.uc.pt/go/visoesdaluz
[CARTAZ]      [PROGRAMA

HUMOR: SOBRE AS REFORMAS


GALERIA DE CARTOONS SOBRE LUZ



Um trabalho de Daniel Ribeiro, Sara Martins e Alexandra Nobre: ver aqui.

Sobre a origem da cor dos objectos


Neste Ano Internacional da Luz, pedimos a Francisco Gil, físico da Universidade de Coimbra, que escrevesse sobre a cor dos objectos. A simpática resposta é este texto:

Podemos resumir a questão da cor dos objectos a três aspectos: a luz incidente sobre o objecto, o modo como a luz interfere com o objecto (que depende da sua constituição), e o observador (olhos para os animais, ou detectores considerando os aparelhos de captação de imagem).

Fixando a questão do observador num padrão de percepção, podemos falar do que se costuma chamar “luz visível”, que corresponde a uma gama restrita de frequências (ou de comprimentos de onda, dependendo da grandeza com que se trabalhar) no espectro das ondas electromagnéticas.

No que se refere ao objecto, podem ocorrer vários fenómenos concorrentes de interacção entre a luz incidente e o material que compõe o objecto. O objecto pode ser opaco a uma certa gama de frequências e ser transparente a outras. O objecto pode ser translúcido, mais ou menos reflector ou difusor.

A transparência refere-se à possibilidade da luz atravessar o objecto, sofrendo apenas fenómenos de refracção (ao passar do ar para o interior e do interior novamente para o ar) e reflexão nas superfícies de separação entre o ar e o objecto.

A translucidez implica a existência de outros fenómenos superficiais ou de corpo com difusão da luz (ou reflexão difusa, que tem a propriedade de reflectir de forma diferente de ponto para ponto do objecto, seja na superfície, seja no interior do corpo).

A reflexão total (típica de objectos metálicos, por exemplo) tem a ver com o retorno da luz para o meio de onde ela incide de forma regular.

Tendo em conta a constituição a nível atómico e/ou molecular dos objectos, a luz também pode ser absorvida em certas gamas de frequências e não noutras. O efeito da absorção é a ausência de passagem dessa luz através do objecto ou a ausência de reflexão. Nalguns casos, a luz que é absorvida permite alterar o estado energético das partículas (para a luz visível as interacções dão-se essencialmente à escala electrónica), processo após o qual que o sistema regressa ao seu estado de menor energia, dissipando a energia que tinha por várias vias, como relaxação de estrutura ou emissão de luz, tipicamente com frequências menores do que da luz incidente. A este fenómeno de emissão chama-se “fluorescência” (também pode ser fosforescência, levemente diferente da fluorescência, em particular no tempo de emissão).

Um último fenómeno concorrente é a difracção, mais raro de observar com luz natural (do sol, por exemplo). Este fenómeno baseia-se no facto de que, em certos casos, feixes de luz que tomam um caminho podem interferir com outros feixes de luz que percorrem outro caminho, dando como resultado a interferência construtiva (um fenómeno que está relacionado com o carácter ondulatório da luz), ou seja, obtém-se luz com maior intensidade, ou a interferência destrutiva, obtendo-se ausência de luz ou diminuição de intensidade. Em certas circunstâncias, a geometria do sistema permite que as interferências construtiva e destrutiva possam ocorrer em posições fixas e diferentes. Além disso, este fenómeno depende da frequência da luz, pelo que a localização dos pontos de interferência construtiva é diferente para frequências diferentes. Assim, mesmo com luz de espectro largo (como é o caso do sol ou de lâmpadas de filamento, por exemplo), os objectos “adquirem” cores.

Em resumo, e lembrando que todos estes fenómenos dependem da frequência da luz incidente:

- A reflexão nas superfícies dos objectos, se for especular pode conferir cor ao objecto por redirigir a luz incidente de outros objectos para os nossos olhos, vendo nós a “cor” dos outros objectos (exemplo da “cor” que a água adquire dos objectos que estão fora dela e dos quais a luz que chega à sua superfície é reflectida para o observador).

- A refracção pode fazer com que os objectos adquiram cor, uma vez que, mesmo que a luz incidente cubra todo o espectro da “luz visível”, o possível desvio da luz depende da frequência - caso da luz que atravessa um pedaço de vidro através do qual a luz do sol se vai dispersar, ou seja, vai observar-se o “arco-íris”.

- A absorção da luz depende da frequência da luz incidente, assim como da constituição do material de que é composto esse objecto. Por isso, alguns materiais não absorvem nada no “visível” (a sua cor só virá eventualmente de fenómenos de reflexão e de refracção), enquanto outros poderão absorver na zona do azul, por exemplo, deixando que apenas luz nas outras zonas do espectro visível atravessem o objecto ou sejam reflectidas ou difundidas nas suas superfícies ou interior.

- A fluorescência pode ser observada mais claramente em objectos que, iluminados com luz ultravioleta próximo, adquirem uma cor azul (não quer isto dizer que não aconteça noutras zonas do espectro visível).

Assim, tanto para objectos transparentes como para objectos opacos à luz visível, os fenómenos mais comuns de observar são a absorção, reflexão e refracção. O primeiro destes fenómenos é marcante, pois vai “retirar” à luz incidente a “luz” que é absorvida pelo objecto. A título de exemplo, um objecto que absorva na zona espectral do azul, tem cor amarela, laranja ou vermelha, consoante a extensão espectral dessa absorção. Do mesmo modo que um corpo absorva na zona espectral do vermelho, ficará mais verde ou azul.

Francisco Gil

UMA AVALIAÇÃO POUCO INDEPENDENTE

Ler no Público de hoje uma análise da "avaliação" da FCT encomendada pelo governo e por isso nada independente. É encabeçada por alguém com ligações comprometedoras  à ESF e, portanto, à FCT : aqui.

Pormenor curioso: ficamos a saber que o líder da "avaliação" da FCT não leu o contrato e, portanto, não percebeu que a quota de 50% de eliminação de centros foi mesmo imposta à partida. Acaso na Áustria, país natal desse líder, algum dia se mandou liquidar metade das unidades de investigação por uma cláusula contratual de início secreta?

É também sintomático que esses "avaliadores" não tenham querido ouvir vozes críticas de um processo inquinado. O ministro, agora em campanha eleitoral pelas suas cores, sai sem honra nem glória do seu mandato. Sem glória ainda se admite. Sem honra devia ser o próprio a não admitir.

OUTRA AVALIAÇÃO FALHADA


Depoimento que prestei ao jornal Público sobre a avaliação da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia por um grupo não independente, por ter ligações à ESF - European Science Foundation, e do qual foi destacada a ideia principal (aqui em bold):

A avaliação da FCT que acaba de ser anunciada não passa de campanha eleitoral de um governo em final de mandato, que procura justificar-se em relação a uma enorme quantidade de factos que a comunidade científica já avaliou como negativos. Em quatro anos só houve recuos na ciência, um sector onde a FCT devia ser o elo mais forte: no investimento público e privado, nos projectos e nas bolsas, nas infraestruturas e equipamentos, na ligação à economia e na cultura científica. Sobre alguns destes pontos o relatório é completamente omisso.

Há muitas coisas erradas com esta pseudo-avaliação:

Em primeiro lugar, uma avaliação em que os avaliadores são escolhidos pela parte interessada não é uma avaliação - seria o mesmo que se os centros escolhessem todos os membros do painel que os avaliaria Ora estes avaliadores foram escolhidos pelo governo e não pela Assembleia da República ou outro órgão participado; não passa de uma auto-avaliação. O ministro podia ter direito a homologar a Comissão, mas devia ter dialogado com os partidos e com a comunidade científica, o que não fez. 

Os primeiros oito pontos que o Ministério destaca no seu comunicado sobre a pseudo-avaliação são irrelevantes e referem-se a medidas que por si só não dizem nada. Não é referido que, de facto, o número de lugares no global desceu, o que mereceu ampla contestação de toda a gente; (não apenas dos bolseiros, muitos dos quais se viram obrigados a emigrar). Além disso, seria extremamente perigoso descontinuar as bolsas individuais atribuídas com base no mérito do próprio. Seria abdicar da criatividade, a mola da ciência.

Mais interessante é o facto de haver seis pontos especificamente sobre a avaliação das unidades, pontos esses que são extremamente defensivos, tanto para a ESF-FCT como para o painel que não se quer comprometer com algumas das acções daquelas entidades.Os comentários sublinhados pelo ministério, em mau português, vão desde o trivial não justificado ("A avaliação das propostas de projectos tendo em conta o desempenho passado; e os objetivos futuros segue a melhor prática internacional" ou "Os peritos aprovam a decisão de parte da avaliação ter ficado a cargo da ESF, incluindo a escolha dos revisores e dos membros dos painéis") até à admissão de que, de facto é muito discutível avaliar com base 50% em trabalho passado e 50% com base em promessas de trabalho futuro ("Na avaliação de Unidades, assumindo que o ratio de 50:50 possa ser debatido, o painel aceita que este pode impulsionar  alterações estratégicas nas unidades de investigação.")

Mas o painel estranhamente passa muito ao lado do ponto mais crítico: houve quotas à partida pois foram mandadas eliminar na 1.ª fase metade das unidades. O ex-Presidente da FCT mentiu à comunidade científica; a secretária de Estado e o Ministro participaram na cobertura da mentira, uma vez que, quando confrontados com o facto, o negaram. Em qualquer país desenvolvido isto seria um escândalo, com as devidas  consequências. Por exemplo, nos EUA, o ex-Presidente da FCT teria provavelmente uma vida difícil à sua frente, principalmente se juntarmos à mentira a a sua acumulação de funções na FCT com a posição no Imperial College de Londres. Aqui é como se nada se tivesse passado. O próximo governo fará bem em abrir um inquérito ou auditoria.

Alguns comentários duvidosos, destacados pelo ministério, mostram que este relatório não é sério: "As regras e os procedimentos da avaliação científica seguiram as práticas internacionais estabelecidas, tendo sido escolhidos revisores competentes que deram robustez à avaliação. Como é que o painel sabe que foram escolhidos os revisores mais competentes? Será que analisaram os currículos de 600 peritos, incluindo em áreas onde os novos avaliadores não conhecem absolutamente nada? Acaso leram os relatórios, que nalguns casos não demonstram a competência dos autores? Leram os recursos, muitos deles ainda pendentes há tempo demais? Perceberam que houve decisões de aniquilação tomadas por não peritos?

Mas há mais frases que levantam suspeitas sobre a avaliação da ESF-FCT: "O painel regista alguma justificação para preocupações relativas a mudanças de procedimentos. No entanto, considera que estas foram efectuadas respeitando as regras originais."  Há aqui uma grande  falta de lógica. Mais uma confirmação de que as coisas não foram bem feitas. O painel detectou problemas; mas depois diz que é como se nada se tivesse passado. Alterar as regras estabelecidas inicialmente está de acordo com as melhore práticas internacionais? Reescrever a posteriori o modo de financiamento, fazendo desaparecer o financiamento de base respeita as regras originais? Os protestos massivos das unidades são do conhecimento deste novo painel? 

A nota do Ministério não destaca o seguinte ponto escrito pelo painel: "Some members of the scientific community expressed concerns regarding the conversion of the scientific evaluation into funding decisions for the Units. The panel agrees that the procedures should have been specified in advance and these procedures should have been followed." A questão aqui é também que a parte dos procedimentos que tinha sido especificado à partida não foi seguida. Fica cada vez mais claro que a avaliação ESF-FCT das unidades de investigação foi arbitrária. 

Em suma: os "peritos" a quem o ministro Nuno Crato nos seus últimos dias à frente do ministério encomendou o "branqueamento" da sua política de destruição da ciência nacional fizeram apenas o que lhes foi pedido e tal qual lhes foi pedido. Estamos ainda a aguardar uma avaliação independente e isenta da FCT no tempo de Seabra e Crato. A comunidade científica já fez uma avaliação. A história não deixará de confirmar essa avaliação: O ministro Crato falhou, na ciência e tecnologia, em toda a linha.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

“A promoção das técnicas associadas à luz seria impossível sem os engenheiros”

Minha Entrevista a Ingenium, revista da Ordem dos Engenheiros (destaques meus): 


O físico Carlos Fiolhais é um dos mais reputados cientistas nacionais. Tem dedicado a sua vida ao estudo da Física Computacional da Matéria Condensada e à História das Ciências. Em 2015, coordena, em Portugal, o Ano Internacional da Luz e das Tecnologias baseadas na Luz. Confiante, vê Portugal a cores, com muita luz: “os otimistas são otimistas por natureza, sabem que se pode sempre saber mais e fazer melhor. Se há partes de Portugal ainda a preto e branco temos de lhes pôr alguma cor”.

Por Nuno Miguel Tomás

P - Em 2015, o Mundo celebra a luz nas suas mais variadas dimensões, mostrando a enorme relevância que as suas aplicações têm no nosso dia-a-dia. Esta celebração será multidisciplinar reforçando que a luz é central na Ciência, Tecnologia, Arte e Cultura. Que motivos justificam e que propósitos tem a iniciativa das Nações Unidas “2015 Ano Internacional da Luz e das Tecnologias baseadas na Luz”?

 R - As Nações Unidas querem neste ano celebrar a luz em todo o Mundo. E querem unir, motivar e inspirar os habitantes do Planeta em torno de um fenómeno, a luz, em cujo conhecimento fizemos grandes progressos e queremos continuar a fazer mais. Graças ao nosso saber sobre a luz, vivemos hoje melhor. É natural que queiramos saber mais, com a esperança de vir a viver melhor. As tecnologias baseadas na luz são hoje essenciais nas comunicações, na saúde, no ambiente, na economia, etc. Tudo indica que o vão continuar a ser, com as novíssimas tecnologias a juntarem-se às novas. Mas, para isso, temos de prosseguir a aposta na Ciência e na Tecnologia. Por outro lado, sem luz muitas formas de arte seriam impossíveis: decerto a fotografia e o cinema, mas também as artes plásticas e as artes de palco. O Ano Internacional da Luz é, além do mais, uma ótima oportunidade para juntar a Ciência e a Arte, para mostrar que a Ciência é uma forma de cultura que pode, e deve, comunicar com as outras.

P - Considerando a evolução do papel da radiação eletromagnética nas ciências e tecnologias, poderá dizer-se que uma iniciativa internacional como esta surge no tempo certo, ou, pelo contrário, ter-se-ia já justificado noutro momento?

R - 2015 é um ano de vários aniversários relativos à luz. Foi há 150 anos que o físico James Clerk Maxwell escreveu as equações que, unindo as descrições dos fenómenos elétricos e magnéticos num esquema unificado, fez luz sobre a luz. Foi só então que se ficou a saber que a luz eram ondas eletromagnéticas. Os nossos olhos conseguem recolher uma pequena parte delas, a chamada luz visível. Mas há muitas mais ondas, umas conhecidas antes de Maxwell, como as ondas infravermelhos e as ondas ultravioletas, e outras só conhecidas e exploradas depois, como as ondas de rádio. Só depois de Maxwell foi possível o aparecimento de Hertz e Marconi, cujas tecnologias mudaram radicalmente o Mundo. Mais perto de nós, há 50 anos, o físico Charles Kao tornou viável a tecnologia das fibras óticas, permitindo que a luz chegasse sem grandes perdas por fios de vidro, em vez de vir apenas através de ondas no espaço. Os aniversários interessam para nos lembrar como foi. Como irá ser não sabemos, mas, tal como no passado, haverá decerto novas descobertas.

P - Como antevê o papel da radiação eletromagnética na sociedade do futuro, não só no âmbito técnico-científico, mas também na forma como influencia aspetos educativos, sociais, culturais, económicos, legais, de saúde e segurança, etc.? De que forma prática a luz intervém na Educação, na Economia, no Ambiente, nas Comunicações, na Saúde?

R - É temerário prever o futuro. Ninguém adivinhou as descobertas dos raios X e dos raios gama e das suas propriedades no final do século XIX, que tanto haveriam de transformar a vida no século XX. Ninguém adivinhou as aplicações que o laser, proposto por Einstein em 1917 e apenas realizado nos anos 50, veio a ter – nos anos 60 chamaram-lhe uma descoberta à procura de uma aplicação: não encontrou uma mas muitas. Ninguém adivinhou o aparecimento da Internet, nem a globalização conseguida nos dias de hoje graças à World Wide Web iniciada nos anos 90 num laboratório de Física. Há quem diga que o século XXI será o século da fotónica assim como o século XX foi o da eletrónica. Não sei nem ninguém sabe como vai ser. Antevejo que eletrões e fotões continuarão a ser combinados nos nossos aparelhos com base na Teoria Quântica, essa grande teoria do século XX que ainda não foi destronada. Hoje em dia alguns dos aspetos mais estranhos da Teoria Quântica começam a encontrar aplicações: é o caso da criptografia quântica e da computação quântica.

P-  Como antevê que a Humanidade balance a utilização da radiação como um instrumento protetor e libertador do Homem com o risco de se converter num potencial instrumento de subjugação ou de destruição nas mãos de um qualquer “big brother”?

R-  Saber é e sempre foi poder. E o exercício do poder não é feito pelos cientistas, mas sim, nas sociedades democráticas, pelos cidadãos no seu conjunto. Os aspetos sociais da Ciência e da Tecnologia são importantíssimos, mas eles não são parte da Ciência e da Tecnologia, mas sim do governo das nações. Eu diria que o que vai acontecer já está a acontecer. Há boas e más utilizações da Ciência e Tecnologia, cabendo à Sociedade em cada momento efetuar as melhores escolhas. A Ciência e a Tecnologia são libertadoras, porque podem conduzir a maior bem-estar da Humanidade. Mas isso não está assegurado. Convém estar atento e vigilante.

P - Que eventos mais relevantes a nível internacional integram a iniciativa “2015 Ano Internacional da Luz”?

R- A abertura oficial do Ano Internacional da Luz teve lugar na sede da UNESCO, em Paris, em janeiro passado. Mais de cem países de todo o Mundo, dos mais ricos aos mais pobres, estão a organizar iniciativas, dos mais variados géneros, em volta da luz. É impossível resumi-las, mas há conferências, palestras, exposições, congressos, feiras, espetáculos, etc., um pouco por todo o lado. Das iniciativas mais curiosas destaco as que mostram o poder das tecnologias da luz em países menos desenvolvidos: luz de LED a partir de painéis solares, equipamentos portáteis de radiação para curar doenças, Internet via satélite, etc. Num mundo, infelizmente, ainda muito desigual, a luz pode ser um meio equilibrador.

P - E quais os eventos mais relevantes que integram esta iniciativa em Portugal? O que lhe apraz destacar?

R - Começámos no mais antigo liceu português, a Escola Passos Manuel em Lisboa, com uma palestra e um show de luz. E temos um grande plano, intitulado “Haja luz nas escolas”, para levar a luz às escolas. Universidades, como a Nova de Lisboa, estão a organizar ciclos multifacetados sobre a luz. Haverá exposições, por exemplo uma de holografia em Aveiro e outra de arte luminosa em Lisboa. E uma exposição no Terreiro do Paço sobre a luz de Lisboa. Há vários eventos de astronomia, incluindo uma exposição sobre fotografia astronómica na “reserva de céu escuro” do Alqueva. Houve uma conferência internacional no Ciência Viva, no Parque das Nações em Lisboa. Haverá em dezembro uma grande conferência sobre luz na Gulbenkian, para além de conferências em Coimbra e Porto. Congressos haverá para todos os gostos: desde os lasers no Algarve e a espetroscopia na Figueira da Foz, até à comunicação em Braga e à museologia no Porto. A indústria da luz já reuniu em Águeda. E a Ordem dos Engenheiros já reuniu também em Lisboa em volta da luz. Estão-se a acender muitas luzes por todo o País!

P - Qual o significado e a importância que atribui à participação dos engenheiros portugueses, através das iniciativas da Ordem dos Engenheiros, na celebração do Ano Internacional da Luz?

R - Não há tecnologias nem uso de tecnologias sem a ação dos engenheiros. São eles sempre que fazem a ponta entre os avanços da Ciência e a utilização pela Sociedade desses avanços. A promoção dos conhecimentos e das técnicas associadas à luz seria impossível sem os engenheiros, por exemplos os engenheiros eletrotécnicos, mas também outros. Os engenheiros de vários ramos, em Portugal como no Mundo, estão a participar, através da sua organização maior, a Ordem, neste Ano Internacional da Luz.

P-  Gestão da luz e das técnicas associadas à luz: qual o papel dos engenheiros e da Engenharia portuguesa?

R- A iluminação de espaços exteriores e interiores é um dos aspetos mais relevantes da luz. Estamos na era dos LED e vários projetos, dirigidos por engenheiros, estão a mostrar como economizar energia, tornando o planeta mais sustentável. Mas também no domínio das comunicações, com a instalação de sistemas de fibra ótica e wifi, mais uma vez no exterior e no interior, a luz está a chegar a todo o lado. A Engenharia portuguesa está a par do que de melhor se faz no Mundo.

P- Costuma dizer-se que o Sol quando nasce é para todos. Mas a luz é base de distinção entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Concorda?

R-  Na Conferência de Paris, os neozelandeses concordaram com o provérbio, mas logo acrescentaram que o Sol nascia primeiro para eles… A Terra gira e todos beneficiam, à vez, da luz solar. Sim, a sociedade humana é desigual e temos assistido ao aumento das desigualdades em vez da desejável diminuição. É um paradoxo da nossa vida no Planeta que um dos continentes mais expostos à luz – África – seja também dos que tem menos acesso a tecnologias da luz, como a iluminação noturna ou a rede de Internet. As tecnologias quando nascem não são logo para todos, são primeiro para os mais ricos. Neste Ano Internacional da Luz devíamos refletir sobre esse facto e procurar maneiras de o contrariar.

P- A luz desempenha um papel vital no nosso dia-a-dia, sendo a moderna ótica uma disciplina essencial do século XXI. Ela revolucionou a Medicina, abriu a Comunicação mundial via Internet, e continua a ser central na ligação da vida social, cultural, económica e política da Sociedade. Porque diz que é uma oportunidade única, à escala mundial, para inspirar, educar e ligar as populações de todo o Mundo?

R- Os anos mundiais são irrepetíveis. Tem havido, com o patrocínio das Nações Unidas, anos mundiais disciplinares, como o da Matemática em 2000, o da Física em 2005, o da Astronomia em 2009 e o da Química em 2011. Mas 2015 é um ano eminentemente interdisciplinar já que a luz tem a ver com tudo e com todos. É uma oportunidade para unir as ciências e as tecnologias entre si e para unir estas à Sociedade, que é, efetivamente, a sua origem e razão de ser.

P- Há quem atribuem às tecnologias baseadas na luz o papel de principal motor económico da atualidade. Concorda?

R- Se não é o principal é decerto um dos mais importantes. Basta lembrar que toda a nossa economia está hoje assente nas comunicações rápidas. E, conforme defendeu Einstein e continuamos a defender hoje, nada pode ser mais rápido do que a luz. No mundo cada vez mais imaterial em que vivemos o valor económico tem a ver com informação, que se passa de um lado para o outro à velocidade da luz.

P-  Como evoluíram, de forma genérica, os resultados de Einstein desde 1915 até aos dias de hoje?

R-  Há cem anos, Einstein publicou a sua teoria maior, a Teoria da Relatividade Geral, que descreve a gravitação melhor do que Newton fez. Essa teoria, uma glória do pensamento humano, ainda não foi ultrapassada. Mas subsiste uma dificuldade conceptual: como ligar essa teoria com a Teoria Quântica? Quem o conseguir fazer ganhará o Nobel.

P-  “Física sem Matemática é impossível”, já o disse publicamente várias vezes… No seu dia-a-dia considera-se também um engenheiro? Gostava de ser mais engenheiro?

R-  Eu gosto muito de ser físico, não sei se seria capaz de ser outra coisa! Eu gosto da teoria, da Matemática, sou físico teórico. Duvido que tivesse jeito para a Engenharia. Mas deve ter havido uma mutação qualquer e tenho um filho a estudar Engenharia…

P- Como cativar, nos dias de hoje, os jovens para as áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia? O que falta fazer?

R- Faz falta começar mais cedo. A Ciência deve começar por ser transmitida no jardim-de-infância e nos primeiros anos da Escola Básica. E deve entrar pela via aprazível da experimentação: é o mexer, nas idades mais baixas, que leva ao saber. Depois, o ensino formal pode ser melhorado, mostrando mais a unidade das ciências e a relação fértil que ela mantém com as tecnologias. Temos de acarinhar os vários talentos que vão aparecendo na escola. Temos de resolver o grave problema do emprego científico e tecnológico após a escola. No que se pode chamar ensino informal tem havido entre nós alguns progressos, por exemplo os que foram alcançados com o Ciência Viva, mas há ainda muito a fazer. Todos não somos demais para afirmar o papel das ciências e tecnologias no Mundo de hoje e, por isso, para encontrar o melhor lugar para elas na nossa escola.

P- Os Centros Ciência Viva estão a cumprir a sua missão de sensibilizar os mais jovens para a Ciência? Sim, estão. A Ciência Viva foi uma iniciativa extraordinária do ministro José Mariano Gago. Portugal é admirado lá fora por essa rede de centros, que têm espalhado ciência e cultura científica a jovens e menos jovens. Eu próprio dirijo o Rómulo, o Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, que é um centro de recursos na área da cultura científica.

P-  Pode afirmar-se que há uma Ciência portuguesa? Ou a Ciência, tal como a luz, é de todos, internacional?

T- A Ciência é internacional. Quanto mais internacional for, mais e melhor Ciência será. Portanto, não há Ciência portuguesa, mas sim Ciência feita por portugueses, em Portugal ou lá fora. Ou há, se quisermos, Ciência feita em Portugal, por portugueses ou estrangeiros.

R- Como classifica o momento atual que a Ciência vive em Portugal? Qual o futuro da Ciência no nosso País?

R- Depois de um progresso enorme de duas décadas, nos últimos quatro anos houve um claro desinvestimento na Ciência e também na Tecnologia entre nós. A avaliação das unidades de investigação foi, na minha opinião e de muita gente, uma fraude. A Biomedicina foi preferida em relação à Engenharia, tendo alguns responsáveis menosprezado a Engenharia portuguesa. A cultura científica foi preterida. Temos de voltar a apostar na Ciência e na Tecnologia. Um dos nossos mais graves problemas é o do emprego científico. Infelizmente, nos últimos tempos tem havido mais cientistas portugueses a ir para fora do que cientistas estrangeiros a vir para cá. Temos de parar esse êxodo de cientistas, pois o nosso futuro passa pelo contributo que eles nos possam dar.

P- Como físico, cientista, investigador, quais são as suas inquietações? A luz não o deixa dormir? Descansa com a luz ligada ou desligada?

R- Gosto de trabalhar de noite, com luz artificial. Há mais sossego. Metaforicamente, procuro a luz, que é o entendimento, a razão, a verdade, com a luz fisicamente ligada. Mas durmo com a luz desligada, como a maior parte das pessoas, julgo eu… Acordo de manhã com a ajuda da luz do dia. O meu ritmo de trabalho, como o de toda a gente, não pode deixar de estar adaptado ao ritmo solar.

P- Como vê Portugal? Colorido, esperto? Ou a preto e branco, mortiço?

R- A cores, embora eu seja um pouco daltónico… Portugal tem muita luz e tem as cores do verde das florestas e do azul do mar. Mas a pergunta é, entendo eu, se sou otimista ou pessimista... Os cientstas são otimistas por natureza, sabem que se pode sempre saber mais e fazer melhor. Se há partes de Portugal ainda a preto e branco temos de lhes pôr alguma cor.

P- Costuma referir que o século XXI é o século das Tecnologias da Luz. Quer fundamentar? O século XXI não será também o da Bioengenharia e das tecnologias ligadas à Saúde, algumas delas com base na luz, claro?

R-  Não sou só eu que falo de Tecnologias da Luz. Mas é bem possível que os computadores de amanhã funcionem com luz em vez de eletricidade. Mas não menosprezo o valor das Ciências da Vida. Há um campo enorme para a genómica, por exemplo. Diz, e muito bem, que as Ciências da Vida precisam da luz, estudada na Física: por exemplo, a estrutura do ADN foi desvendada nos anos 50 com a ajuda dos raios X, uma forma de luz. E, recentemente, desenvolveram-se novas técnicas: com a ajuda da biotecnologia, conseguiram-se indicadores luminosos de processos biológicos. As ciências estão todas ligadas e é uma política errada a afirmação de uma superioridade de umas em relação às outras. É perceber pouco do que é a intrincada malha do saber, que extraímos da Natureza. Esta não conhece as nossas distinções disciplinares.

P-  Em 2015 comemoram-se cinco datas cimeiras associadas à luz: 1015, quando o árabe Al Haytham escreveu o primeiro livro de Ótica; 1815, quando o francês Fresnel confirmou a teoria ondulatória da luz; 1865, quando o britânico Maxwell publicou a sua teoria de eletromagnetismo, explicando a luz como ondas eletromagnéticas; 1915, quando o suíço Einstein publicou a teoria da relatividade geral, apresentando a luz no espaço-tempo; e 1965, quando os norte-americanos Penzias e Wilson descubriram a radiação cósmica de fundo, a luz mais antiga do Universo chegada até nós e o britânico e norte-americano Kao aperfeiçoou a tecnologia da fibra ótica, que hoje usamos abundantemente. O que está ainda por descobrir? Ou melhor, como antevê que o conhecimento da luz possa evoluir? Que revolução podemos esperar para 2065?

R-  Niels Bohr, o grande físico quântico, afirmou que “era muito difícil fazer previsões”. E logo acrescentou, ironicamente, “em especial do futuro”. Não me atrevo por isso a fazer previsões. Mas lembro a voz de Einstein, o grande opositor intelectual de Bohr no debate sobre a teoria quântica: “o futuro chega sempre mais cedo do que se espera”.

Carlos Fiolhais

Nasceu em Lisboa em 1956. Licenciou-se em Física na Universidade de Coimbra (UC) em 1978 e doutorou-se em Física Teórica em Frankfurt/Main, Alemanha, em 1982. É Professor Catedrático no Departamento de Física da Universidade de Coimbra desde 2000. Foi Professor nos Estados Unidos da América e no Brasil. É autor de 150 artigos científicos em revistas internacionais – um dos quais com mais de 11 mil citações, o artigo mais citado com um autor numa instituição nacional – e de mais de 500 artigos pedagógicos e de divulgação. Publicou 50 livros, incluindo diversos best-sellers. Foi ainda autor de 20 capítulos de livros e de 25 prefácios, editor de cinco livros científicos em edições internacionais e tradutor de oito.

 Os seus interesses científicos centram-se na Física Computacional da Matéria Condensada e na História das Ciências. Fundou e dirigiu o Centro de Física Computacional da UC, onde procedeu à instalação do maior computador português para cálculo científico. Tem coordenado vários projetos de investigação e supervisionado diversos estudantes de mestrado e doutoramento. Participou em numerosas conferências e colóquios promovendo a ciência e a cultura científica. Criou e dirige o Rómulo – Centro Ciência Viva da UC.

Dirigiu a revista “Gazeta de Física”, da Sociedade Portuguesa de Física, e foi conselheiro de revistas de Física internacionais. Dirigiu o Centro de Informática da UC e presidiu ao Conselho de Investigação do Instituto Interdisciplinar da UC. É colaborador dos jornais “Público” e “As Artes entre as Letras”. Foi consultor dos programas “Megaciência” e “ABCiência” para a SIC e RTP, e do Museu de Ciência da UC. Foi diretor da Biblioteca Geral da UC, onde concretizou vários projetos relativos ao livro e à cultura, e do Serviço Integrado de Bibliotecas da UC, onde criou repositórios digitais. É cofundador da empresa Coimbra Genomics. É corresponsável pelo blogue “De Rerum Natura”. É o responsável pelo programa de Conhecimento da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Ganhou vários prémios e distinções: em 1994, o Prémio União Latina de tradução científica; em 2005, o Globo de Ouro de Mérito e Excelência em Ciência da SIC; em 2005, a Ordem do Infante Dom Henrique; em 2006, os Prémios Inovação do Forum III Milénio e Rómulo de Carvalho da Universidade de Évora; e, em 2012, o prémio BBVA para o melhor artigo pedagógico na área da Física no espaço ibero-americano.

O actual governo falhou na ciência


Numa entrevista que dei hoje à Antena 1 critiquei a enorme falha do actual governo: desprezou a ciência ao não dar oportunidades a jovens cientistas. O ministro Crato afirmou ontem, em mais um dos seus momentos infelizes, que o estatuto do investigador científico era uma prioridade para o próximo governo. Ora isto não tem lógica nenhuma, é um absurdo. Ou é uma prioridade e devia ter sido prioridade ou não é prioridade e adia-se. De qualquer modo felizmente ele não será o próximo ministro, com a previsível derrota da coligação que ele defende. Ouvir extractos do meu depoimento aqui.

O SISTEMA DUAL DO ENSINO SUPERIOR POSTO EM CAUSA


Meu artigo de opinião saído hoje no Público, adaptado do meu post, publicado no DRN (16/07/2015), titulado “Uma campanha (pouco) alegre para universitar os politécnicos”:

“Parece muito evidente ser um erro entender a transformação histórica de institutos politécnicos em universidades, como se de uma promoção se tratasse” (Adriano Moreira, Seminário “Reflexos da Declaração de Bolonha”, 12/11/2004).

Nos dias de hoje, assiste-se a uma campanha orquestrada pelos politécnicos de Coimbra, Lisboa e Porto que tenta pôr em causa o sistema dual de ensino superior por os seus dirigentes, em vez de dignificarem o estatuto de ensino politécnico que representam, procurarem veredas esconsas que o conduzam a estatuto universitário.

Em década anterior, Rui Antunes, ao tempo vice-presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, vestindo a beca de defensor oficioso dos dinheiros públicos, argumentava que “a Universidade faz o mesmo que o Politécnico, embora este último com bem menores meios financeiros” (“Diário de Coimbra”, 10/01/2005).

Deste jeito, eram tecidas críticas a uma política  em que se gastava mais para ter o mesmo. A ser correcta esta análise económica, o Tribunal de Contas teria, pela certa, chamado a atenção, ou mesmo emendado a mão, dos perdulários responsáveis por um ruinoso statu quo de esbanjamento dos cofres do Estado,  ainda que mesmo época de vacas gordas. Quanto mais em época de vacas magras!

Recentemente, Joaquim Mourato, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, declarou que a estratégia do órgão tutelar a que preside “tem sido no sentido de aprofundamento da diferenciação de missões”. Em total discordância, Rui Antunes, quiçá, procurando retirar os institutos politécnicos do anátema do nome da pia baptismal, em crisma purificadora que lhes dê o nome de universidade,  fez-se doutrinador  do sistema de ensino superior das margens do Mondego, propondo atribuir à actual Universidade de Coimbra uma “vocação internacional” e a uma futura universidade, resultante do Instituto Politécnico de Coimbra, “ uma vocação mais regional”.

E o que diz a universidade a tudo isto?

O presidente de Reitores das Universidades Portuguesas, António Cunha, não se exime em declarar: “Temos sempre defendido um aprofundamento do sistema binário e uma maior diferenciação entre os sistemas” [universitário e politécnico].

Entrementes, com destaque de título a página inteira, era noticiada a posição do Ministério da Educação e Ciência: ”MEC recusa acabar com distinção entre universidades e politécnicos” (“Público”, 08/07/2015).

Apesar desta tomada de posição em esferas governamentais, tomando em linha de conta a confusão constante estabelecida entre democratização e mediocratização do ensino superior, a instituição universitária deve continuar a assumir, sem quaisquer tréguas, o papel de guardiã  esforçada  dos portões de um saber universal, em contexto de elevada qualidade e numa tradição multissecular.

Devia ser assim, mas nem sempre assim tem sido! A realidade é bem outra: uns tantos licenciados universitários na docência politécnica, em apostasia à sua formação académica, mostram-se estrénuos defensores, ou simplesmente solidários, com a intenção em transformar o ensino superior politécnico em ensino universitário.

Porque, como li algures, não fazer é deixar que outros façam por nós, este statu quo pede a vigilância constante e atenta da corporação universitária em defesa da clarificação dos objectivos dos dois subsistemas do ensino superior, hoje, deficientemente definidos em articulados legais sujeitos a variadas interpretações no que respeita às finalidades de ambos. Situação esta que me traz à lembrança um texto do escritor Bio Barojo em que um ministro espanhol dirigia a seguinte advertência ao seu secretário: “Senhor Rodriguez, veja lá se a lei está redigida com a necessária confusão!”

E porque, na vox populi, ”a esperança é a última a morrer”, tenho esperança que, retirando a venda dos olhos, a Justiça, através do governo a sair das próximas eleições legislativas, atribua à universidade  o que é da universidade e ao politécnico o que é do politécnico, não permitindo, consequentemente, qualquer tipo de ceifa do politécnico em seara universitária. Ou seja, como estipulava o princípio de Eneo Ulpiano, jurista da Roma Antiga: Suum cuique tribuere (Dar a cada um o que lhe pertence)!

O coordenador do painel que avaliou a FCT tem um conflito de interesses por causa do seu papel na ESF

Do comunicado da candidatura Livre/Tempo de Avançar acerca da avaliação externa à FCT, destaca-se o seguinte:

"Notamos que o coordenador do painel de avaliação da FCT, Professor Christoph Krayky, pertencia ao Governing Council da ESF à altura em que a FCT adjudicou a avaliação das unidades de I&D nacionais a esta fundação."

Não surpreende, portanto, que o relatório desvalorize as críticas feitas pela generalidade dos investigadores portugueses, incluindo pelo Conselho de Reitores, à avaliação das unidades de investigação de investigação.

Por uma política científica que aposte na ciência como motor do futuro

Comunicado recebido da candidatura Livre/Tempo de Avançar sobre avaliação da FCT:

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) solicitou, em 2014, a um painel internacional, uma avaliação externa à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É com consternação que registamos algumas das conclusões do comunicado do MEC de 27 de Julho sobre o relatório do painel. No entanto também notamos que este comunicado transpõe de forma enviesada apenas algumas das conclusões do relatório, havendo outras menos alinhadas com a política científica dos últimos anos, que conviria salientar.

No contexto nacional é inadequada a descontinuação do modelo do modelo de concursos nacionais para o financiamento de bolsas de doutoramento individuais e de pós-doutoramento, substituindo-as por bolsas integradas em programas de doutoramento ou por bolsas de pós-doutoramento integradas em projetos. Estas alterações, apresentadas como uma reorientação de recursos, para além de constituírem um ataque direto à liberdade e autonomia científica, favorecem, no caso das bolsas de doutoramento, quem já está integrado no sistema e matam à nascença a possibilidade de desenvolvimento de ideias individuais em áreas não cobertas pelos programas existentes.
No caso das bolsas de pós-doutoramento é diminuída a independência do investigador doutorado face ao investigador responsável e favorecido o aumento da precariedade dos investigadores, dada a curta duração da maior parte dos projetos e a incerteza no financiamento de projetos subsequentes.
Estamos de acordo com as conclusões do painel, pois entendemos que as bolsas de pós-doutoramento não se devem prolongar por mais de três ou quatro anos. Estas são bolsas que têm de facto alimentado o sistema com mão-de-obra barata e precária devendo ser substituídas por contratos de trabalho que possam vir a dar lugar a posições de desenvolvimento de carreira. E perguntamos: onde estão essas posições?
Não objetamos a possíveis incentivos para pós-doutoramentos no estrangeiro, cujo financiamento foi aliás fortemente reduzido nos últimos anos, mas salientamos que ninguém deve ser obrigado a emigrar e que devemos antes preocupar-nos em como vamos trazer de volta muitos daqueles em que investimos e que tiveram de partir – mas nunca em incentivar a partir aqueles que querem ficar.
São ainda alarmantes as conclusões apresentadas no comunicado do MEC sobre a avaliação das unidades de investigação do sistema científico nacional adjudicado pela FCT à European Science Foundation (ESF). Notamos que o coordenador do painel de avaliação da FCT, Professor Christoph Krayky, pertencia ao Governing Council da ESF à altura em que a FCT adjudicou a avaliação das unidades de I&D nacionais a esta fundação. Neste ponto o comunicado falha em respostas concretas às críticas levantadas pelas unidades de I&D, pelos laboratórios associados e pelo Conselho de Reitores, apesar do relatório completo salientar a importância do diálogo com a comunidade científica, incluindo as universidades.
Foram vários os atropelos conhecidos na avaliação das unidades de I&D. Em muitos casos, não havia um único avaliador nos painéis de avaliação que pertencesse à área científica avaliada. Outra situação inaceitável prende-se com o facto de que muitos dos argumentos devidamente apresentados pelas unidades de I&D como recurso aos resultados de fases intermédias do processo da avaliação, não terem sido sequer considerados para o resultado final da avaliação. De facto, esta avaliação foi um processo em que as regras foram alteradas a meio, como aliás é reconhecido pelo painel de avaliação da FCT, tendo estas alterações, ao contrário do que aí é referido, afetado verdadeiramente o resultado final da avaliação das unidades. Finalmente, esta avaliação resultou na efetiva eliminação das unidades de I&D para metade, dado o nível de financiamento irrisório atribuído.

Consideramos que não é com uma FCT que se coloca contra a comunidade científica, perdendo a sua confiança, que se faz crescer e se potencia o sistema científico.
Devemos assim concluir que o objetivo da política científica dos últimos anos foi o de diminuir e enfraquecer a comunidade científica nacional e as suas instituições, mantendo e estimulando apenas as mais capazes de procurar financiamento externo. Esta política é destruidora das instituições que compõem o sistema científico nacional, ignora o verdadeiro papel da ciência como motor do futuro e desresponsabiliza o estado do seu papel fulcral na promoção e investimento num sistema científico e tecnológico nacional que sirva para aumentar o conhecimento e a literacia científica e que contribua para melhorar a democracia em que queremos viver.

Rejeitamos veementemente uma política científica que convida ao desânimo ou à emigração toda uma geração de jovens cientistas que aparentemente são suficientemente excelentes para singrar em sistemas científicos mais desenvolvidos que o nosso, mas não em Portugal.

domingo, 26 de julho de 2015

Finalidades, metas, objectivos e conteúdos de "Educação Moral e Religiosa Católica"

A organização curricular por "standards" (em Portugal com a designação de metas, antes "metas de aprendizagem" e agora "metas curriculares"), ainda que não seja recente, está na linha da frente das actuais políticas e medidas educativas.

Antes (mais ou menos entre os anos vinte e setenta do passado século) a organização curricular por "objectivos", iniciada nos Estados Unidos da América e rapidamente exportada para a Europa, constituía o referencial da construção de programas diciplinares e de planos de ensino. E, claro, marcava também o referencial de avaliação e de construção de instrumentos de avaliação. Foi a época áurea do "comportamentalismo", centrado na evidenciação de "performances" por parte dos alunos como forma de os conduzir à aquisição de competências.

Algumas décadas depois, estribados numa outra teorização - que não se percebe bem qual é, mas que mais parece uma mistura de comportamentalismo arcaico com uns laivos de cognitivismo, tudo apresentado com as brilhantes cores construtivistas -, os sistemas educativos americanos e europeus - um, outro e depois outro - passaram a organizar os seus currículos por "standards". A sua força motriz é, sem dúvida, os programas de avaliação internacional, que marcam uma forte presença desde o ano 2000 e que, pouco a pouco, se foram tornando a (única ou a mais forte) razão de existência da escola.

Ambas as formas de organização curricular - que, apresentando algumas diferenças, têm em comum a preocupação com os resultados observáveis que os alunos conseguem - são objecto de críticas ferozes, não sendo esta em vigor menos poupada do que a anterior.

Este aspecto é muito apelativo a dissertações, mas não pretendo discuti-lo neste texto, ele serviu apenas de suporte para que se perceba a consideração que faço de seguida.

Os standards/metas começaram por se concentrar em disciplinas que são objecto de medição no quadro desses programas de avaliação, ou seja (mais disciplina, menos disciplina) ciências, matemática, língua materna e língua inglesa. As restantes ficaram, em geral, dispensadas do exercício de combinar conteúdos e objectivos, de os sequenciar e, em certos casos, de lhes aplicar critérios de sucesso. Até porque, como facilmente se perceberá, a essência de algumas não é muito propícia a esse rigoroso exercício.

Mas, e aqui está a contradição que pretendo evidenciar, à medida que aumenta a crítica à organização curricular por standards/metas (e tem aumentado), ditada pelas tutelas, aumenta também a reclamação, por parte de associações várias, para que disciplinas curriculares de pleno direito, não abrangidas pela avaliação internacional, sejam dissecadas dessa maneira. Isto como se a sistematização de uma disciplina em metas a refrescasse e enobrecesse. E, até, a justificasse naquilo que se crê ser uma nova concepção curricular.

Quem diz disciplinas, diz algumas "Educações para...", que, evidentemente, também apresentam o seu "programa" sob a forma de metas. São exemplos, a "Educação financeira" e a "Educação para a Defesa e Segurança/Educação para a Paz".

E diz também... "Educação Moral e Religiosa Católica"! É verdade: para esta disciplina confessional e optativa, foi apresentado novo programa para o ensino básico e ensino secundário em 2013 - Decreto-Lei n.º 70/2013 de 23 de Maio - com nova edição em 2014, a qual se encontra disponível na página da Direcção-Geral de Educação.

Nele constam, ao longo de quase 190 páginas, "finalidades, metas, objectivos e conteúdos" (de notar a sobreposição de conceitos). São enunciados talhados a regra e esquadro que fazem concorrência aos da matemática.

Presumo que o objecto da Educação Moral e Religiosa Católica seja a fé. E, entendo eu (bastante analfabeta no assunto), a fé tem uma natureza distinta de tudo o resto que compõe o currículo: é, em última instância um mistério. Um mistério que (talvez por via da educação, mas isso não é garantia nenhuma) alguns, pelo seu caminhar (sobretudo) pessoal, terão a graça de vislumbrar.

Ora, isso é da ordem do transcendente.  E o que é dessa ordem não pode nem deve sujeitar-se a técnicas pedagógicas generalistas, que não as há para fim tão sublime.

Luísa, eu estou disponível, se me quiser oferecer a viagem

Resposta ao meu artigo de opinião sobre Licenciaturas em banha da cobra, no Expresso desta semana:

Minha entrevista à Rádio Renascença

Ouvir aqui a minha entrevista a Carlos Bastos na Rádio Renascença:
http://mediaserver2.rr.pt/newrr/Carlos_Fiolhais_Programa1433b420.mp3

sexta-feira, 24 de julho de 2015

António Franco Alexandre



 

 
 
 
 
 
 
Poema de As Moradas (Segunda)

apenas um instante e as coisas mudam-se
umas nas outras enlaçadas,
então ocorre perguntar: porque não começa
a vida? noite após noite, os vastos
entrepostos alcatroados permanecem vazios,
e é possível, de longe, avistar as fogueiras
que a chuva ateia, e debaixo do lodo os corpos
abandonados pela guerra.

o universo, dirás, expande-se
e contrai... mas entretanto
já a folha corrói o desejado,
e a doença do verme anima o verso.
como esperar? são pálidas as bocas
a vídeo no vinil e na placenta,
e se perdeu a vaga parecença
da paisagem.

vamos por aí fora, ao deus dará, vertidos
em rima tosca,
serão sempre horas de partir, de beijar,
de voltar a casa para um jantar de madrugada,
de ir ao cinema pra esquecer, de ficar
solto numa esquina, esquecido,
depois basta deitar fora toda a água parada
e será verão.

 Poema de A Pequena Face

entretanto nos caminhos caminham
máquinas hidráulicas, surpresas
com o ténue destino da terra.
condições as melhores para a pesquisa,

a sondagem da luz, o resultado
do quartzo incandescente,
os símbolos mudos de uma
teoria.

«calculo como asas poderiam
levar no ar um homem, como a água
sustentaria as mais pesadas rochas.

basta uma cola fina como o vento.
um tecido de vidro transparente.
as botas de marfim dos sem-sossego.»

HÁ OUTRAS TERRAS



Meu texto no jornal I de hoje a propósito da "nova Terra" ontem anunciada pela NASA::

Uma das áreas mais excitantes da ciência contemporânea é a procura de vida extraterreste. Há poucos anos era ficção científica mas hoje é ciência. Vida de qualquer forma, mas também eventualmente vida inteligente, andamos à procura de T. Uma das maneiras de procurar indícios de vida longe daqui consiste em detectar planetas extra-solares que se pareçam com o nosso. A Terra está à distância certa do Sol para albergar vida: dizemos que é um planeta habitável. Até hoje já conseguimos registar cerca de dois mil planetas extra-solares, todos eles na nossa Galáxia. 

A missão Kepler da NASA, há seis anos a enviar dados, consiste num telescópio espacial que consegue registar a passagem de um planeta diante de uma estrela, verificando a diminuição da luz desta  (tal como num eclipse do Sol). Cerca de metade dos planetas extrassolares conhecidos foram fotografados pela Kepler.

Agora acaba de ser anunciada a descoberta de mais 500, que naturalmente terão de ser confirmados. O mais notável deles, pelo menos para nós por se parecer mais com o nosso, é o Kepler-452b: está praticamente à mesma distância da sua estrela que a Terra está do Sol e, além disso, tem uma massa cerca de cinco vezes maior do que a da Terra.

Mas há mais: A estrela à volta da qual o Kepler-452b orbita é muito parecida com o Sol, embora um pouco mais velha. Os dados não permitem saber se o novo planeta terá água, que associamos à vida, pelo que o mistério da vida extraterrestre vai continuar a pairar. O eventual irmão gémeo da Terra está longe, mas não muito: à velocidade da luz demorar-se-ia 1400 anos a lá chegar, nada comparado com os 100 000 anos que demora a ir de uma ponta a outra da Galáxia.

Em Portugal, apesar do aperto da ciência nos últimos anos,  vários astrónomos se têm distinguido na caça de planetas extrassolares. Eles, como os cientistas de todo o mundo, estão bastante contentes com esta nova descoberta.  Outras decerto se vão seguir. Estamos mesmo interessados em saber se estamos sozinhos no espaço. Provavelmente não estamos. Pelo menos, a probabilidade é grande de existir vida, na forma que conhecemos ou noutra, no nosso vasto cosmos.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Um novo comentário ao meu post, " Uma tentativa de resposta ao comentário: Nada!" (21/07/2015)


Com  um abraço grato pelo gosto e proveito que desfrutei da sua leitura,  sem qualquer demora ou palavras desnecessárias,   publico este comentário de FMC  com  o destaque merecido e a intenção de não privar os leitores de idêntico gosto e proveito:

“Professor, agradeço a sua resposta apesar de a pergunta ter sido de retórica... O ideal não tem solução real. O Homem não se explica (ou explica-se mal) porque realmente não se compreende, porque idealmente continua a habitar o exterior das coisas e das palavras e porque não faz a menor ideia de onde vem, nem para onde vai. É um fingidor que abrilhanta o opaco sapato do que toca rabecão com um movimento repetidamente repuxado do concetual pano roto, no vaivém superficial das mãos sujas de tinta.
Agradeço também o risco que correu ao ter descido a rua, pedindo emprestado o meu rabecão para sapatear um poucochinho ao ritmo do jazz devolvendo-me virtuosamente à minha condição original... um exemplo do que o João Lobo Antunes chama de “desnatamento” dos casos complexos ou arriscados que poderão perturbar a tranquilidade de uma clínica rotineira ou arriscar a reputação pessoal e profissional do médico.” (in “Inquietação Interminável – Ensaios sobre ética das ciências da vida; Gradiva, pág. 225).

Retomando a centralidade da mesa e retirando da bandeja de prata o que me serviu, confundo-me na etiqueta de não saber que talheres segurar, tal a diversidade de alimentos com que me presenteou. Sem entrar em domínios ontológicos, eis, então, a política... com o Esteves sem metafísica à porta da Tabacaria a apreciar os círculos de fumo que saem da sua boca e a cantar lengalengas de História encadeada sobre a teoria humana de ser humano, percepcionando com estudiosa sistematicidade o fracasso de o SER, faça-se o que se fizer. Professor, quem tinha seis filhos era o Goebbels e a Magda matou-os a todos nos últimos dramáticos momentos.
Posto isto:
“Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas”. Talvez... embora a genialidade seja demente e incompreensível para a maioria; a literatura cumpra a beleza anárquica da palavra e do sonho; os cientistas descubram o que sempre existiu na limitação do comprovável; os artistas se enrolem na macieira, ao mesmo tempo que caem do céu, quais anjos expulsos pela inocência, acolhidos para sempre na lucidez, uma luz que seca... Desculpe ter agora depilado o bigode de Nietzsche (piaçaba de Eça) e despojado o homem da superior alternativa de ser super, nesta minha tentativa de perceber o grande desígnio do imóvel e quasimudo Hawking, mas não resisto a puxar a toalha da mesa para ver cair, um por um, todos os pratos e copos que sustentam este cordial banquete.
Ontem, ouvi o Bagão Félix dizer que, se andarmos muito para trás, antes da primordial explosão, decerto encontraremos Deus. Portanto, atrás da explosão, Deus; à frente, nós (com Ele, sem Ele, Ele?). A explosão talvez tivesse violado a fronteira entre o inanimado e o animado, o não-humano e o humano, abrindo um túnel errático de passagem. Ficámos assim, presos a esta identidade de bosão, partícula elementar que medeia as forças (do bem e do mal). A ética não é possível neste clima... Afinal, que ordem cósmica se projeta na mundana? Política não ontológica é um palhaço sem graça. Os erros históricos devem-se à falta de graça. Graça no sentido ontológico do ser.

Um abraço.

FMC”

 

O olhar de Iuri Jivago


Penso que ninguém fica igual depois de contemplar uma obra de arte. Penso, ainda, que isto é particularmente verdadeiro em certos casos...

Um desses casos, um duplo caso, é "O Doutor Jivago": o romance de Boris Pasternak (1956) e o filme de David Lean (1965).

E, sem dúvida, também o olhar, de tamanha profundidade e tristeza, de Omar Sharif.
O olhar é o mesmo, precisamente o mesmo, no livro e no filme.

Omar Sharif é, sim, e para sempre, Iuri Jivago.

HUMOR: SOBRE A NOVA EMIGRAÇÃO