"... a comunidade científica e educativa deveria
recusar esse papel e deixar as pseudociências
remetidas aos seus guetos de incenso e cítaras."
David Marçal.
Tenho de reconhecer que, a pouco e pouco, mas de modo eficaz, o David tem contribuído para a destruição de um argumento que eu considerava seguro, inabalável até, e que, por isso, usava recorrentemente. O argumento era: tal como na área da saúde, também na área da educação o pensamento científico tem de prevalecer. Deitado por terra esse argumento, agora não sei o que dizer...
Explico melhor...
Há muito anos, era óbvio, para mim, que as ciências que cabem na designação de Ciências da Educação - Psicologia da educação, Estudos curriculares, Pedagogia comparada, Didáctica, etc... - tinham de ter um carácter científico. Foi assim que aprendi na Universidade e nem outro cenário me passaria pela cabeça.
Nos anos mais recentes foi percebendo que sob a capa das Ciências da Educação se iam abrigando, em catadupa, ideias e práticas sem qualquer fundamento teórico e empírico que possa ser considerado científico... a inteligência emocional a que se junta, agora, a espiritual, a risoterapia e o yoga do riso, as massagens para alunos, a leitura da aura e as crianças cristal, as "mãos na massa" e, agora "o coração na massa"... e poderia contifnuar por muitas linhas.
O discurso de "embrulho" dessas ideias e práticas tem trejeitos científicos, mas não consegue enganar; logo no primeiro parágrafo se percebe a substância.
Ao dizer isso fui sendo interpelada cada vez com mais frequência e veemência. Dava-se, por vezes, o caso de esgotar todas as minha razões e, nesse momento, passava eu a interpelar: se fosse na área da saúde, em vez de ser na área da educação, consideraria esta ou aquela ideia ou prática científica?
Bom... E sentia as pessoas a retraírem-se: na saúde, calma lá, aí alguém pode sair lesado, morto até!
Ora, acontece que a minha interpelação, do tipo (pensava eu) "xeque-mate", deixou de surtir efeito e, mais, tem-se virado contra mim. Dizem-me: na universidade tal (situada num bom lugar nos rankings) há uma linha de investigação financiada (se é financiada está acima de qualquer suspeita), no plano de estudo do curso tal há esta e aquela unidade curricular (moderna designação para disciplina, cadeira), foram publicados não sei quantos (uma infinidade) de artigos em revistas com revisão por pares, estão terminadas não sei quantas (também uma infinidade) de teses de mestrado e doutoramento...
Incrédula, das primeiras vezes que isto me aconteceu, fiz o que devia: procurei. E, para mal dos meus pecados, era tudo verdade, eu é que não sabia! As coisas mais inimagináveis tinham suporte académico!
Este golpe de que ainda não recuperei (e não sei se alguma vez isso acontecerá, pois para recuperar seria preciso entender, o que, na verdade, por mais que me esforce, não consigo) foi acompanhado de outro igualmente duro: a legitimação em letra de lei daquilo que eu duvido (ou nem sequer duvido) que seja científico.
Voltando ao David Marçal, o que ele tem demonstrado é que a área da saúde é tão permeável a estes dois duros golpes como a educação. Logo, para defender a cientificidade desta não posso (já) estabelecer uma analogia com aquela. Sem a (última) cartada, vejo-me sem argumentos e, nestas circunstâncias, manda o bom-senso que me cale, o que, confesso, já faço muitas vezes... E, não devia!
1 comentário:
"ramalhete de portarias" e as chamadas ciências da educação
Temos também a Portaria nº. 344/2008, de 30 de Abril que vem legitimar as chamadas Ciências da Educação através do reconhecimento automático dos mestrados e doutoramentos efectuados em vários tipos de estabelecimentos de ensino superior.
E a mesma Portaria nº. 344/2008, de 30 de Abril vem desautorizar a Universidade de Lisboa e a Universidade do Porto e discriminar os diplomados com doutoramento (anterior a Bolonha) na área científica de docência, contribuindo para uma desconfiança na formação ministrada pelas universidades e uma desautorização crescente do ensino superior universitário.
Até já temos no ensino secundário uma educadora de infância com bacharelato em educação de infância que é avaliadora do desempenho docente dos professores de todas as áreas curriculares (dois dos quais com Doutoramento na área científica de docência, pela Universidade de Lisboa e pela Universidade do Porto).
E o Sr. Ministro da Educação já sabe.
E o Conselho Nacional da Educação já sabe.
E a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares já sabe.
E a Direcção-Geral de Administração Escolar já sabe.
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