quarta-feira, 22 de julho de 2015

OS PRIMEIROS RAIOS INVISÍVEIS


Neste Ano Internacional da Luz, mais um texto meu de divulgação sobre a luz que saiu no último As Artes entre as Letras (na imagem William e Caroline Herschel):

Quando a leitora ou leitor muda o canal televisivo ou aumenta o volume de som da emissão com a ajuda de um controlo remoto está a usar uma forma de luz invisível que é conhecida por luz ou radiação infravermelha. Esta luz comporta-se como a luz visível, pelo que o portador do controlo remoto terá de estar em linha de visão com a televisão. Mas pode não estar, usando um truque: tal como a luz visível também a luz infravermelha se reflecte num espelho, sendo por isso apenas necessário que o espelho esteja em linha de vista com a televisão. A leitora ou leitor pode, portanto, experimentar uma simples experiência de óptica que consiste em desligar um desinteressante programa de televisão sem sequer se dignar sequer olhar para o ecrã.

A luz infravermelha foi a primeira luz invisível a ser descoberta. Corria o ano de 1800 e o autor da façanha foi um astrónomo anglo-germânico (nascido em Hannover, na Alemanha, mas emigrado em Inglaterra) chamado William Herschel (1738-1822). A experiência que revelou os infravermelhos foi realizada na pequena cidade de Slough, algumas milhas a oeste de Londres. Não admira por isso que aí o visitante encontre hoje uma futurista estação de camionetas, com um tecto de alumínio ondulado, que logo associa às ondas de luz. O dispositivo é extraordinariamente simples: um prisma causa o aparecimento do arco-íris, tal como o inglês Isaac Newton tinha feito, e um conjunto de termómetros serve para medir a temperatura das várias cores do espectro. Ora, Herschel verificou que a temperatura ia subindo quando se passava do violeta para o vermelho, atingindo o máximo no vermelho. Um termómetro colocado fora da zona colorida servia para controlo. Mas Herschel admirou-se muito justamente quando verificou que este termómetro de controlo, quando colocado perto da zona vermelha mas fora do espectro, revelava uma subida de temperatura ainda maior do que se verificava no vermelho. Havia pois uma forma de luz ou radiação que, apesar de invisível, tinha propriedades térmicas semelhantes mas ainda superiores às da luz vermelha. A tentação de medir do outro lado do espectro, perto do violeta, era imediata, mas Herschel nada achou de relevante. Foi um outro cientista contemporâneo de Herschel, o químico alemão Johann Wilhelm Ritter (1776-1810, morreu com a idade de Cristo), amigo de Johann Wolfgang von Goethe e de Alexandre von Humboldt, quem encontrou em 1801 a luz ou radiação ultravioleta, após ter ouvido falar da descoberta de Herschel. Sabendo que o cloreto de prata era particularmente sensível à luz azul, ficando preto, experimentou colocá-lo perto da cor violeta do espectro: observou que ficava ainda mais preto. Ritter chamou a esta nova forma de luz raios químicos, mas raios ultravioletas foi o nome que acabou por vingar. O cloreto de prata ainda hoje é usado no papel fotográfico.

Em resumo, logo no início do século XIX, quando despontava o romantismo, emergiram as duas primeiras formas conhecidas de raios de luz invisível: os infravermelhos e os ultravioletas. Hoje usamos os infravermelhos, para além dos comandos de televisão, em câmaras que servem para ver no escuro, em termómetros,  na análise de obras de arte, em lâmpadas para aquecer os alimentos, etc. Por seu lado, os ultravioletas, para além da fotografia, usam-se na detecção de notas falsas, na impressão de circuitos digitais, na esterilização e desinfecção, em certas formas de terapia dermatológica, etc.

Vale a pena contar um pouco da biografia de William (ou Wilhelm) Herschel, uma vez que ele foi, além de físico, um notável músico e um extraordinário astrónomo: alguns consideram-no mesmo o criador da astronomia moderna. Herschel, que era filho de um músico da Guarda de Hannover, cedo aprendeu música. Aos 18 anos mudou-se, por iniciativa do seu pai, para Inglaterra. Aprendeu também a tocar violino, cravo e órgão. Tornou-se organista numa capela da cidade termal de Bath, onde hoje a casa que habitou com a sua irmã Caroline pode ser vista convertida que foi em Museu de Astronomia. Tendo começado uma carreira musical (era o tempo do austríaco Joseph Haydn, que também passou do continente europeu para Inglaterra), tornou-se compositor, sendo hoje conhecido como autor de 24 sinfonias e numerosos concertos, para além de música religiosa. Não podendo competir com Haydn no génio musical, o certo é que ainda hoje se tocam e gravam composições de Herschel.

Mas Herschel é sobretudo recordado como astrónomo. Tendo hesitado entre uma carreira de músico e de astrónomo, a sua paixão pelas estrelas acabou por levar a melhor. Na astronomia, o feito que lhe deu a glória foi a descoberta do planeta Úrano, o primeiro a ser detectado após os seis planetas conhecidos desde a Antiguidade. Herschel deu-lhe o nome de “estrela de George”, em homenagem ao rei George III, mas mais tarde ficou com o nome actual. Herschel, que trabalhou em conjunto com a sua irmã Caroline (ela foi a primeira mulher a receber um salário de trabalho científico), fez muito mais descobertas nos céus: catalogou numerosas estrelas binárias e nebulosas, descobriu novas nuvens no sistema solar, cunhou o nome “asteróides”, contou manchas solares procurando correlacionar a actividade solar com o clima terrestre (para isso serviu-se dos preços do trigo, colectados por Adam Smith) e descobriu que o Sol se move relativamente a outras estrelas.

Há uma história curiosa passada entre os irmãos Herschel e o português João Jacinto Magalhães, um dos nossos estrangeirados, quando este os visitou. Depois de os ter acompanhado na observações astronómicas, Magalhães foi-se deitar pela meia noite. Quando se levantou verificou que os dois astrónomos continuavam, em vigília, a ver os céus. Numa carta a Volta escreveu o português: “Quelle  espece  ardeurAlguns autores invocam este dito de Magalhães para afirmar que ele não seria um verdadeiro cientista, mas sim e apenas um interlocutor de cientistas. Mas foi não só um interlocutor como um amigo de grandes cientistas.

Sem comentários:

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...