Neste Ano Internacional da Luz, mais um texto meu de divulgação sobre a luz que saiu no último As Artes entre as Letras (na imagem William e Caroline Herschel):
Quando a leitora ou leitor muda o
canal televisivo ou aumenta o volume de som da emissão com a ajuda de um
controlo remoto está a usar uma forma de luz invisível que é conhecida por luz
ou radiação infravermelha. Esta luz comporta-se como a luz visível, pelo que o
portador do controlo remoto terá de estar em linha de visão com a televisão.
Mas pode não estar, usando um truque: tal como a luz visível também a luz
infravermelha se reflecte num espelho, sendo por isso apenas necessário que o
espelho esteja em linha de vista com a televisão. A leitora ou leitor pode,
portanto, experimentar uma simples experiência de óptica que consiste em
desligar um desinteressante programa de televisão sem sequer se dignar sequer olhar
para o ecrã.
A luz infravermelha foi a
primeira luz invisível a ser descoberta. Corria o ano de 1800 e o autor da
façanha foi um astrónomo anglo-germânico (nascido em Hannover, na Alemanha, mas
emigrado em Inglaterra) chamado William Herschel (1738-1822). A experiência que
revelou os infravermelhos foi realizada na pequena cidade de Slough, algumas
milhas a oeste de Londres. Não admira por isso que aí o visitante encontre hoje
uma futurista estação de camionetas, com um tecto de alumínio ondulado, que
logo associa às ondas de luz. O dispositivo é extraordinariamente simples: um
prisma causa o aparecimento do arco-íris, tal como o inglês Isaac Newton tinha
feito, e um conjunto de termómetros serve para medir a temperatura das várias
cores do espectro. Ora, Herschel verificou que a temperatura ia subindo quando
se passava do violeta para o vermelho, atingindo o máximo no vermelho. Um
termómetro colocado fora da zona colorida servia para controlo. Mas Herschel
admirou-se muito justamente quando verificou que este termómetro de controlo,
quando colocado perto da zona vermelha mas fora do espectro, revelava uma subida
de temperatura ainda maior do que se verificava no vermelho. Havia pois uma
forma de luz ou radiação que, apesar de invisível, tinha propriedades térmicas
semelhantes mas ainda superiores às da luz vermelha. A tentação de medir do
outro lado do espectro, perto do violeta, era imediata, mas Herschel nada achou
de relevante. Foi um outro cientista contemporâneo de Herschel, o químico
alemão Johann Wilhelm Ritter (1776-1810, morreu com a idade de Cristo), amigo
de Johann Wolfgang von Goethe e de Alexandre von Humboldt, quem encontrou em 1801 a luz ou radiação
ultravioleta, após ter ouvido falar da descoberta de Herschel. Sabendo que o
cloreto de prata era particularmente sensível à luz azul, ficando preto,
experimentou colocá-lo perto da cor violeta do espectro: observou que ficava
ainda mais preto. Ritter chamou a esta nova forma de luz raios químicos, mas
raios ultravioletas foi o nome que acabou por vingar. O cloreto de prata ainda
hoje é usado no papel fotográfico.
Em resumo, logo no início do
século XIX, quando despontava o romantismo, emergiram as duas primeiras formas
conhecidas de raios de luz invisível: os infravermelhos e os ultravioletas.
Hoje usamos os infravermelhos, para além dos comandos de televisão, em câmaras
que servem para ver no escuro, em termómetros, na análise de obras de arte, em lâmpadas para
aquecer os alimentos, etc. Por seu lado, os ultravioletas, para além da
fotografia, usam-se na detecção de notas falsas, na impressão de circuitos
digitais, na esterilização e desinfecção, em certas formas de terapia
dermatológica, etc.
Vale a pena contar um pouco da
biografia de William (ou Wilhelm) Herschel, uma vez que ele foi, além de
físico, um notável músico e um extraordinário astrónomo: alguns consideram-no
mesmo o criador da astronomia moderna. Herschel, que era filho de um músico da
Guarda de Hannover, cedo aprendeu música. Aos 18 anos mudou-se, por iniciativa
do seu pai, para Inglaterra. Aprendeu também a tocar violino, cravo e órgão.
Tornou-se organista numa capela da cidade termal de Bath, onde hoje a casa que
habitou com a sua irmã Caroline pode ser vista convertida que foi em Museu de
Astronomia. Tendo começado uma carreira musical (era o tempo do austríaco
Joseph Haydn, que também passou do continente europeu para Inglaterra),
tornou-se compositor, sendo hoje conhecido como autor de 24 sinfonias e numerosos
concertos, para além de música religiosa. Não podendo competir com Haydn no
génio musical, o certo é que ainda hoje se tocam e gravam composições de
Herschel.
Mas Herschel é sobretudo recordado
como astrónomo. Tendo hesitado entre uma carreira de músico e de astrónomo, a
sua paixão pelas estrelas acabou por levar a melhor. Na astronomia, o feito que
lhe deu a glória foi a descoberta do planeta Úrano, o primeiro a ser detectado
após os seis planetas conhecidos desde a Antiguidade. Herschel deu-lhe o nome
de “estrela de George”, em homenagem ao rei George III, mas mais tarde ficou
com o nome actual. Herschel, que trabalhou em conjunto com a sua irmã Caroline
(ela foi a primeira mulher a receber um salário de trabalho científico), fez
muito mais descobertas nos céus: catalogou numerosas estrelas binárias e
nebulosas, descobriu novas nuvens no sistema solar, cunhou o nome “asteróides”,
contou manchas solares procurando correlacionar a actividade solar com o clima
terrestre (para isso serviu-se dos preços do trigo, colectados por Adam Smith)
e descobriu que o Sol se move relativamente a outras estrelas.
Há uma história curiosa passada
entre os irmãos Herschel e o português João Jacinto Magalhães, um dos nossos
estrangeirados, quando este os visitou. Depois de os ter acompanhado na observações
astronómicas, Magalhães foi-se deitar pela meia noite. Quando se levantou
verificou que os dois astrónomos continuavam, em vigília, a ver os céus. Numa
carta a Volta escreveu o português: “Quelle espece
ardeurAlguns autores
invocam este dito de Magalhães para afirmar que ele não seria um verdadeiro
cientista, mas sim e apenas um interlocutor de cientistas. Mas foi não só um
interlocutor como um amigo de grandes cientistas.
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