sexta-feira, 31 de julho de 2009

MEDALHAS OLÍMPICAS NA CIÊNCIA


Minha crónica no "Sol" de hoje (na imagem Pedro Vieira, que ganhou uma medalha de prata em Matemática):

Que todas as gerações contêm extraordinários talentos e que esses talentos conseguem passar incólumes à acção nefasta de sucessivos Ministérios da Educação é mostrado pelo recente conjunto de medalhas ganhas por jovens portugueses nas Olimpíadas Internacionais de Matemática e de Física.

Pedro Vieira, aluno do Externato Ribadouro no Porto, obteve a medalha de prata na prova de Matemática. Jorge Miranda (Escola Secundária Anselmo de Andrade, Almada), João Pereira (Escola Secundária Domingos Sequeira, Leiria) e Ricardo Moreira (Colégio Paulo VI, Gondomar) conquistaram medalhas de bronze, tendo Jorge Miranda ficado apenas a um ponto da medalha de prata. A equipa olímpica portuguesa conseguiu o seu melhor resultado de sempre, com o seu 33º lugar na classificação geral na competição realizada em Bremen, na Alemanha (a Finlândia ficou em 67º).

Por sua vez, três estudantes portugueses obtiveram três medalhas de bronze nas Olimpíadas Internacionais de Física, realizadas em Mérida, no México: Henrique Cabral e Francisca Costa (os dois do Colégio Luso-Francês, Porto) e Sagar Pratapsi (Escola Secundária Carlos Amarante, Braga). Também nesta disciplina a equipa olímpica obteve a sua melhor prestação de sempre.

Estes resultados não têm a ver com políticas ministeriais, que no ensino da Matemática e da Física têm sido débeis, descontínuas e inconsequentes, mas sim com o esforço porfiado de escolas de excelência sedeadas em Coimbra (a escola “Delfos” de Matemática e a escola “Quark” de Física). Para que continuem, é preciso continuar a juntar os nossos melhores jovens talentos – que os temos – e prepará-los devidamente – pois sem treino adequado não é possível ter êxito em provas extremamente duras.

Mas, para além do êxito nacional, importa registar nestas duas Olimpíadas o facto de o segundo lugar na prova de Matemática ter sido alcançado por uma alemã (logo depois de um chinês e de um japonês) e de a prova de Física ter sido ganho por uma chinesa. As raparigas estão, finalmente, a aparecer nestas duas ciências.

O BALÃO DO GUSMÃO


Minha crónica do "Público" de hoje (na imagem, uma imagem fantasiosa da "Passarola", o balão de Gusmão):

A quem entra na Biblioteca Joanina, em Coimbra, pode parecer que entra num templo, tal é o esplendor do barroco no seu interior. Há até turistas que se persignam. Mas o altar está substituído pelo retrato do monarca que mandou construir a “Casa da Livraria”, merecendo assim dar o nome à biblioteca. Foi um período de ouro da nossa história, ou pelo menos de folha dourada, pelo brilho e ostentação com que o Rei Sol português gostava de mostrar. Nisso imitava o Rei Sol autêntico, Luís XIV, que reinava em França quando D. João V foi, em 1707, entronizado.

Passados dois anos do seu longo reinado, um evento veio acrescentar brilho a esse tempo. Um estudante de Cânones da Universidade de Coimbra, de 23 anos, o padre jesuíta Bartolomeu Lourenço, mais tarde Gusmão, nascido em Santos, Brasil, escreveu ao rei uma petição para construir um “instrumento para se andar pelo ar”, da qual se conserva uma cópia na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. A solicitação foi logo deferida por alvará de 19 de Abril de 1709, guardado hoje na Torre do Tombo: “Hei por bem fazer-lhe mercê ao Suplicante de lhe conceder o privilégio de que, pondo por obra o invento, de que trata, nenhuma pessoa de qualidade que for, possa usar dele em nenhum tempo deste Reino e suas Conquistas, com qualquer pretexto, sem licença do Suplicante, ou de seus herdeiros.”

As notícias do invento correram logo o mundo suscitando não só admiração mas também abundante chacota. O jornal Wiennerisches Diarium, de 1 a 4 de Junho, saído na Áustria, terra da esposa de D. João V, publicou a primeira tradução em alemão de um folheto português, num suplemento especial de quatro páginas, com figura e tudo a exibir a “nova barca”.

Gusmão, a quem o rei deu também as chaves da sua quinta em Alcântara, para nelas construir e testar o engenho, não demorou a “pô-lo por obra” . O balão de Gusmão – pois de um balão se tratava – foi, finalmente, demonstrado diante de el-rei D. João V, no Paço Real, nos dias 5 e 7 de Agosto de 1709 (não há a certeza das datas), vai fazer agora exactamente 300 anos. Entre as testemunhas contava-se o núncio Michelangelo Conti, que haveria de se tornar Papa, sob o nome de Inocêncio XIII. Conti contou, a 16 de Agosto, ao Vaticano o que tinha visto: “O sujeito, que se comunicou faz tempo pretendia de querer fabricar um engenho para voar, fez por estes dias a experiência na presença do Rei havendo formado um corpo esférico de pouco peso: mas como a virtude impulsiva ou atractiva parece ser constituída por espíritos [álcool], estes pegaram fogo, e queimou-se o engenho da primeira vez sem se mover da terra, e da segunda embora se elevasse duas canas, igualmente se queimou; onde ele, empenhado em fazer crer que que não corre perigo a sua invenção, está fabricando outro engenho maior”.

Teria depois havido outros ensaios, mas não há grandes certezas sobre eles. Gusmão terá desistido de prosseguir o seu empreendimento, pelo que não enriqueceu com a patente. Certo é que os livros de história da ciência e tecnologia são hoje quase unânimes em reconhecer que as primeiras experiências de ascensão em balão, embora não tripulado, foram feitas por Gusmão com os seus protótipos de ar quente. Se o Presidente Cavaco Silva vai hoje à Áustria de avião, tal se deve a uma história da aeronáutica que se iniciou em Lisboa há 300 anos.

O fim de Gusmão foi, infelizmente, trágico como o dos seus primeiros balões. Com apenas 39 anos, morria, de doença e inanição, em Toledo, Espanha, numa apressada fuga da Inquisição, que o levou a tomar nome falso. A perseguição não tinha a ver com as suas invenções (fez outras além do balão, como um dispositivo para drenar água dos barcos, que registou na Holanda). Nem com uma eventual paixão por uma amante real (D. João V é também conhecido por o “Freirático” por ter mantido relações com várias freiras, como a Madre Paula, do Mosteiro de Odivelas). Havia uma acusação, bem fundamentada, de judaísmo, um libelo bem perigoso numa época em que o Rei gostava de assistir a autos de fé.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

MAIL-ART: A (RE)VOLUÇÃO DE DARWIN


Informação recebida do Museu da Ciência - Coimbra

No âmbito das comemorações do bicentenário do aniversário do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos do aniversário da publicação da sua obra mais importante A origem das espécies, o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra lança o desafio aos artistas de Mail-Art de todo o mundo, no sentido de nos enviarem trabalhos inspirados na figura de Darwin ou na teoria da origem e evolução das espécies. Saiba mais sobre esta inicitiva e consulte os trabalhos já recebidos.

Até 31 de Dezembro 2009.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Rubén Landa e o ensino secundário em Portugal


Artigo convidado de António José Leonardo, que está a estudar o espólio do Instituto de Coimbra (na foto, o Liceu Pedro Nunes):

Uma das mais completas análises do ensino secundário em Portugal no período posterior à implantação da República foi a que foi feita pelo espanhol Rubén Landa Vaz (1890-1978). Este pedagogo, filho de um espanhol e de uma portuguesa, desde cedo contactou com os ideais da Instituición Libré de Enseñanza (ILE), de Madrid, lendo em joven o Boletín de la Instituición Libré de Enseñanza (BILE), que era assinado pelo seu pai. Após concluir o ensino secundário, Landa ingressou na ILE, onde estudou Filosofia e Direito, tendo-se doutorado em Direito em 1912.

A ILE era uma academia privada de ensino secundário e ensino superior, fundada em 1876 por Francisco Giner e os seus correligionários, onde foram postas em prática ideias reformadoras que o ensino oficial não tolerava. O pensamento pedagógico subjacente não entendia os alunos como meros receptáculos de conhecimento. Estes deveriam ser formados como pessoas livres e só depois seriam instruídos com conhecimentos específicos. Para atingir este objectivo, a espontaneidade e criatividade eram estimuladas nos alunos com o intuito de os converter em agentes da sua aprendizagem. A educação, conjunta para rapazes e raparigas, era integral, desenvolvendo o espírito e corpo, e neutra e isenta no que respeita a correntes religiosas, filosóficas e políticas, e unificada, eliminando-se a sua divisão em etapas. Apostava-se na colaboração da família no processo educativo.

Tendo concluído os estudos, Landa ocupou vários cargos de responsabilidade na estrutura da ILE, como bolseiro. Nomeadamente o de auxiliar da secretaria da Junta para Ampliación de Estúdios e Investigaciones Científicas (JAE), criada em 1907 com o objectivo de reformar a Universidade espanhola e promover um sistema de bolseiros enviados ao estrangeiro para se formarem como professores e investigadores, e da Residência de Estudantes, concebida em 1910 como um colégio universitário. Para além destes centros, a ILE compreendia também um Museu Pedagógico Nacional, fundado em 1882 para a formação de professores do ensino primário, um Centro de Estudos Históricos, criado por decreto real em 1910, de um Instituto-Escola, instituído em 1918 como uma escola totalmente concebida com base nos princípios pedagógicos da ILE para crianças desde o infantário até aos 17 anos, e o Instituto Nacional de Ciências Físico-Naturais, que em 1910 incorporou instituições já existentes como o Museu Nacional de Ciências Naturais, o Museu de Antropologia, o Jardim Botânico Real e o Laboratório de Investigações Biológicas, etc.

Foi com o estatuto de bolseiro que, em 1918, Landa foi enviado a Portugal. A escolha do nosso país teve como base não só a fluência de Landa em português e as suas ligações familiares ao nosso país, que já havia visitado em várias ocasiões, mas também, segundo o próprio, a leitura de um livro de Alice Pestana sobre o ensino em Portugal.

A investigação que Landa efectuou em Portugal teve como finalidade a obtenção do certificado de proficiência que lhe daria acesso a cadeiras de âmbito restrito. Anexa à sua candidatura, numa pequena nota, Landa descreveu a sua viagem:

Duração: de 10 de Maio a 29 de Julho de 1918;

Estabelecimentos visitados: Liceus de Passos Manuel, Pedro Nunes, Camões, Gil Vicente e Maria Pia, Colégio Militar, Escola Normal Superior, Casa Pia, Faculdade de Letras, Jardim-Escola João de Deus, Escola Pública da Tapada da Ajuda (estes em Lisboa); Liceu de Coimbra, Escola Nacional de Agricultura e Universidade (em Coimbra); Liceu de Évora e Casa Pia (em Évora); Liceu de Santarém e Liceu de Leiria.

Contactos estabelecidos: João de Barros (Chefe da Secretaria Geral do Ministério da Instrução), Fidelmio de Figueiredo (director da Biblioteca Nacional), Queiroz Veloso (director da Escola Normal Superior de Lisboa e chefe da Secção de Ensino Universitário do Ministério), Adolfo Coelho, José Leite de Vasconcelos, e Manuel d’Oliveira Ramos (professores da Faculdade de Letras de Lisboa e da Escola Normal Superior), António Sérgio (professor e publicista), Xavier d’Acunha (antigo director da Biblioteca Municipal), Braga Paixão (secretário do Ministério da Instrução Pública), Mendes dos Remédios (reitor da UC) e Eugénio de Castro (professor da UC).


Após ter realizado uma conferência em Coimbra sobre o ensino secundário, a convite da Universidade, e cujo texto foi publicado no BILE, apresentou uma memória à JAE intitulada “La segunda enseñanza en Portugal”. Esta última memória, com algumas reformulações e incluindo dados relativos à nova legislação, até ao plano de estudos aprovado em 18 de Junho de 1921, foi publicada na revista O Instituto em 1928.

Logo na primeira página do seu artigo, Landa elogiou o ensino secundário português, que segundo ele, apresentava na altura resultados melhores que o sistema espanhol. Demonstrou, desta forma, a importância e necessidade do conhecimento do ensino em Portugal que, sendo um povo tão próximo na história e na geografia, se encontrava numa situação análogo à espanhola que exigia “su incorporación á la corriente de la cultura europea”. Referiu, inclusivamente, que algumas novas instituições espanholas tinham sido inspiradas no exemplo português, como o El Protectorado del niño delicuente, fundado por Alice Pestana.

O atraso da instrução secundária em Espanha, em 1919, é relatado no discurso do Ministro da Instrução Pública, José de Prado y Palacio, efectuado no congresso de Bilbau da Associación Española para el Progresso de las Ciencias, de Setembro de 1919, onde este referiu o seu carácter marcadamente universitário e clássico. Neste discurso publicado n’O Instituto, Palacio defendeu, também, o envio de pessoal docente ao estrangeiro, em particular os mais jovens, para que estudem as instituições de ensino secundário, e evidenciou a importância do ensino científico em oposição àqueles que “no entienden que un descubrimiento científico puede ejercer los más importantes efectos en sus negócios” .

No artigo de Landa, seguiu-se uma descrição da história do ensino secundário em Portugal, desde a fundação do país até 1921, com grande destaque para a reforma de 1894-95 que, apesar de alguns defeitos pontuais, nomeadamente: o “esquecimento” ao nível da formação de professores, redução da liberdade dos professores que ficaram sujeitos a um regime com muitos preceitos legais que tinham de cumprir, o predomínio do carácter clássico, a ausência da educação física, do canto e dos trabalhos manuais e a proibição das associações escolares; foi considerada muito meritória, tendo a “virtud de rehabilitar la enseñanza oficial que tan desprestigiada estaba ante la opinión pública”.

A parte mais importante do artigo é a descrição, com algum pormenor, do modo como eram ministradas as aulas e o respectivo funcionamento dos liceus, dando particular enfoque ao liceu Pedro Nunes, como já havia feito Alice Pestana. Landa dedicou um pequeno texto a cada área do ensino contendo as suas conclusões após ter assistido a várias aulas. Iremos apenas referenciar a leccionação da Física e da Química.

No curso geral o ensino das ciências era, essencialmente, prático sendo realizadas muitas experiências pelo professor perante os alunos. No curso complementar o ensino científico era o que tinha “alcanzado una realización más perfecta”. Para além das aulas expositivas, leccionadas sempre com base em exemplares ou experiências, os alunos tinham uma hora e meia semanal dedicada a trabalhos práticos individuais de Física, Química, História Natural e Geografia. Estes trabalhos tinham sido estabelecidos oficialmente em 1914, mas já antes eram efectuados. Segundo Landa, os alunos demonstravam muito interesse por eles, pedindo, com frequência, autorização para trabalhar nos laboratórios em períodos fora das horas regulamentadas. No Liceu Pedro Nunes existia para o ensino da Física um laboratório, uma sala de electricidade, um anfiteatro com mesa para experiências (modelo alemão) e uma pequena oficina para reparações; para o ensino da química havia laboratórios, um anfiteatro disposto para a realização de experiências e uma sala de fotografia. Todas as instalações estavam ordenadas e adequadas ao trabalho práticos e os aparelhos eram simples, permitindo aos alunos entender facilmente o seu funcionamento e o seu modo de manipulação. Era estimulado o trabalho em grupo, convidando-se os alunos adoptarem uma postura activa na sua aprendizagem.

O Liceu Pedro Nunes possuía também uma associação escolar muito activa, com pequena intervenção do corpo docente, que tinha uma secção literária e científica dedicada a organizar “lecturas, conferencias, discusiones cientificas y publicationes”. No final de cada ano era realizada uma exposição escolar, aberta a toda a comunidade local, onde os alunos exibiam e explicavam aos visitantes e familiares os trabalhos realizados ao longo do ano. Os restantes liceus visitados por Landa tinham funcionamento parecido, apesar de aparentarem menor dinamismo que o Pedro Nunes. Os liceus de província, inclusivamente os de Coimbra e Porto, eram inferiores aos de Lisboa, nomeadamente devido aos edifícios que estes ocupavam que não estavam adaptados às exigências de então. O artigo de Landa n’O Instituto termina com um anexo contendo os trabalhos práticos do curso complementar nos liceus de Lisboa.

Como foi referido, Landa examinou também algumas das reformas que ocorreram nos anos seguintes à sua visita, que foram incluídas no artigo d’O Instituto (publicado também em separata). Nomeadamente, a reforma de 1919 que apenas afectou a distribuição das disciplinas no ensino secundário, mantendo as linhas gerais da reforma anterior. As ciências físico-naturais no curso complementar de Letras foram substituídas pela matemática e no curso geral, a partir da III Classe, voltou a existir uma só disciplina de ciências físico-naturais (juntando as ciências físico-químicas e ciências naturais). A 18 de Junho de 1921 um novo decreto promoveu um novo regulamento da instrução secundária, com pequenas alterações no plano de estudos. Landa realçou algumas determinações, nomeadamente os arts. 23º e 24º que estabeleceram que, no exame de ingresso, se exigisse que se leia correctamente e se analise o sentido das palavras e das frases.

Em 1921, a JAE concedeu a Landa um novo subsídio para este estudar o ensino secundário em França e Inglaterra. Em 1922 enviou um primeiro relatório de França, onde mencionou as discussões então em voga sobre o ensino clássico e o ensino moderno e a importância de uma escola única, acessível a todas as classes sociais. Landa nunca chegou a elaborar qualquer artigo sobre o ensino em Inglaterra. Em 1939, no fim da guerra civil espanhola, Landa partiu para o México como exilado e nunca mais regressou nem a Espanha nem a Portugal.

António José Leonardo

Quem somos, afinal?

Informação recebida da Editora Gradiva

A CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, a FUNDAÇÃO PORTO SOCIAL e a GRADIVA convidam todos os interessados para a sessão de apresentação do livro O Património Genético Português: A história humana preservada nos genes da autoria de Luísa Pereira e Filipa M. Ribeiro.

A obra será apresentada por Manuel Sobrinho Simões, no dia 30 de Julho, às 21h15, na Quinta de Bonjóia, Rua de Bonjóia, 185, no Porto.

Sobre a obra:
"Combinando contributos de áreas tão diferentes como a genética, a arqueologia, a antropologia, a história e até a climatologia, este livro oferece uma visão multifacetada de uma memória que deixamos impressa neste mundo: seja pelos genes, pelas viagens, pelas relações interpessoais ou por um pouco de tudo isto. Cada homem, na sua especificidade genética, tem um significado evolutivo. E não se pode compreender a evolução sem compreender a variação.
Fruto de um trabalho de investigação científica, a presente obra inova pela sua interdisciplinaridade, acessibilidade, complementaridade e pelo seu conteúdo de referência para quem trabalha em evolução humana. O leitor é acompanhado ao longo de uma aventura de múltiplas facetas, explorando muitas perspectivas dos recentes avanços no conhecimento quanto às origens e migrações humanas no passado, focando uma temática que nunca havia sido tratada em livro: o património genético português."

"Ser bom não chega"

Atul Gawande é médico-cirurgião, um dos melhores à escala mundial. Estudou nas mais prestigiadas universidades europeias, foi bolseiro de elite, venceu prémios que distinguem a excelência, é professor catedrático de Cirurgia em Harvard. E, ainda, redactor e colunista.

Não obstante este currículo que fala por si, e talvez por causa dele, interessa-se por esse “esse sub-produto um pouco nauseabundo” (Lentin, 1994, 7), esse “tema cinzento na cor, sinistro no perfil e amargo no travo” (Lobo Antunes, 1996, 77): o erro de desempenho profissional.

Depois de ter escrito A mão que nos opera (2007), livro de divulgação, publicou, neste ano, Ser bom não chega (2009) com o mesmo teor. A Lua de Papel, editora de ambas as obras, apresenta-o como “um médico, que apesar dos erros luta todos os dias para ser (ainda) melhor.”

A propósito deste último livro, deu uma entrevista à revista Sábado da qual transcrevo a seguinte passagem, pela relevância que me parece ter para todos os profissionais que têm responsabilidades na vida dos outros, grupo onde também os professores e educadores se incluem.

Porque é que os médicos continuam a ser, muitas vezes vistos como deuses?
Tentamos ignorar o erro porque pensamos que, se o reconhecermos, as pessoas já não acreditam em nós. Mas, hoje, os doentes têm consciência que os médicos erram. Não somos perfeitos, mas procuramos essa perfeição. Daí que o nome do meu livro seja Better e não Best, porque é isso mesmo que podemos ser: melhores.

Qual foi o seu pior erro?
Foram tantos! Faço 300 a 400 operações por ano e as complicações atingem os 3 ou 4% o que significa que prejudico gravemente 10 a 12 pessoas em vez de as ajudar. Quando olho para trás, vejo que, em pelo menos metade dos casos, podia ter feito algo de diferente. Tento sempre tirar alguma conclusão de forma a que na próxima vez não prejudique ninguém.

Os erros deviam ser sempre punidos?
Não. Somos responsáveis pelos erros, mas também por remediar a situação. O problema dos erros não é dos maus médicos: o pior é que eles acontecem aos bons.

Em que sentido?
Qualquer cirurgião de renome falha. Vou dar um exemplo. Há dois meses publiquei um estudo, em conjunto com a Organização Mundial de Saúde, sobre as mais-valias de haver uma lista na sala de operações para evitar infecções e outras complicações. A lista, aparentemente simples, tem pontos como dar sempre um antibiótico ao paciente entes do primeiro corte, certificarmo-nos de que toda a gente dentro da sala de operações sabe o nome da restante equipa para que não haja qualquer complicação na hora de se chamar a pessoa que se precisa, etc. Usámo-la em vários hospitais e reduziram-se as mortes em cerca de um terço. Os cirurgiões têm de assumir que são falíveis e socorrem-se de pequenas técnicas que os ajudam.

Interfere no trabalho de outros médicos?
A toda a hora! Se vejo um colega a fazer um mau diagnóstico já com uma cirurgia marcada não lhe vou dizer “és um idiota”! Olha o que estás a fazer!”, porque sei que posso ser eu o próximo idiota! O que faço é explicar-lhe que acho que deixámos passar alguma coisa e tentar resolver os problemas.”

Entrevista à revista Sábado de 25 de Junho de 2009 “Se os médicos lavarem as mão evitam milhões de mortes”, 36-38.

Tudo o que é preciso saber?

Post convidado de João Boavida, antes publicado no Semanário As Beiras.

Vale a pena ler:

Título: Cultura - Tudo o que é preciso saber
Autor: Dietrich Schwanitz
Edição: Dom Quixote (2006)

"É um grosso livro, de perto de 700 páginas, tipo 10, “times”, formato para o grande, mancha densa, ou seja, um livro acima do habitual em tamanho e conteúdo, e que, apesar disso, e do título (há quem fuja mais à cultura que o gato à água fria), em quatro anos fez umas dez edições em Português, ou mais. É obra! Poderemos dizer mesmo que é obra de duas maneiras: pelo que é e pelas edições portuguesas em pouco tempo.

Mas o facto pode ter várias interpretações. Muitos portugueses, ao contrário do que se pensa e apesar dos muitos que dela fogem, estão ansiosos por cultura, e correm a consumi-la onde quer que a vêem ou lha anunciam. Outros, procurarão resolver, num único livro, tudo o que afinal interessa, lamentando o tempo gasto a aprender tanta inutilidade, e procurando assim não aprender mais coisas inúteis. Outros ainda, tendo gasto a juventude em assuntos mais práticos ou tarefas mais curtidas que a cultura, segundo pensam, vendo agora a falta que ela lhes faz, procuram recuperar, em 700 páginas de compêndio, o que importa saber para não fazer tristes figuras. Enfim, razões para um tal sucesso editorial não faltam.

É de facto um livro ao mesmo tempo sólido e acessível, e, já agora, que revela vasta cultura, o que não é coisa pouca. Mas que pouco ensinará aos que mais precisam, isto é, aos incultos, porque lhes faltará cultura para, daquela cultura, tirarem proveito cultural. Embora possa ser útil aos cultos, que de facto não precisam dele, ou que dela não necessitam tanto embora a utilizem mais, o que parece um contra-senso, mas neste caso nem é. Ou melhor, talvez não seja.

Contra-senso é o livro em si mesmo quando pretende fazer-nos saber tudo o que é preciso saber, uma vez que ninguém está habilitado a saber tudo o que é preciso saber, porque ninguém pode prever tudo o que venha a precisar de saber. Não só, como se sabe, porque não se pode saber tudo, como também porque não se pode saber o que não se sabe que não se sabe. Ora, se não se sabe o que de facto ignoramos, não só não sabemos o que não sabemos, como não temos nenhumas condições para saber o que nos falta. E, sendo assim, como saber de facto o que é preciso saber se não sabemos o que nos falta?

Uma das características da cultura é não apresentar limites prévios, nem características antecipadamente definidas como culturais, nem estatuto definitivamente estabelecido, nem caminho previamente percorrido. A cultura é, em boa medida, a consciência do que nos falta a partir do muito ou pouco que sabemos, e por muito que saibamos. Além disso, estabelecer tudo o que de facto é importante pressupõe uma arrogância que hoje perdeu muito do sentido que o eurocentrismo lhe dava e que o multiculturalismo lançou às urtigas, ou quase. Não é que a nossa cultura europeia não seja importante, e até é bom que a revalorizemos, tão envergonhados andamos dela. O que é, na verdade, uma vergonha.

Mas se tudo o que é preciso saber é aquilo que lá está, no livro, então tudo o que lá não está é como se não existisse. E se o que falta são culturas inteiras, como é o caso da cultura portuguesa, por exemplo, como poder ter a certeza do valor do que lá está e dizer-se que é tudo o que é preciso saber? Devemos perguntar: que significariam as culturas que lá estão, se as que lá faltam não tivessem existido? E que valor teriam as que lá estão se também lá estivessem as que lá não estão, possibilitando assim um quadro muito mais largo e uma diluição maior, dada a relatividade e a interacção das coisas?

Em suma, um sólido livro de cultura que se dissolve a si mesmo pela sobranceria cultural que se julgaria impossível de diluir. Sempre, todavia, com um tom jocoso, facto quase contraditório, embora curioso, e que, convenhamos, é habitual sinal de cultura. Que lá está também, temos que o reconhecer. Há coisas… digamos, muito contraditórias, por exemplo, a cultura, os modos como se manifesta e os que se presumem dela."
João Boavida

terça-feira, 28 de julho de 2009

Confissões de um empreendedor

Artigo de Armando Vieira, CEO da empresa Sairmais.com, que saiu no jornal OJE:


Vivemos tempos excelentes para inovar. A necessidade aguça o engenho, e a crise actual é um grande catalisador da inovação. Baixar os braços e resignar-se numa apatia fatalista é deixar que o nosso destino seja traçado pelos outros. Há que aproveitar as virtudes de trabalhar em contra-ciclo e acreditar num futuro promissor. Bem vistas as coisas, nunca vivemos num período tão próspero e com tantas oportunidades como o actual.

O fosso que separa o nosso país dos Estados Unidos não é o facto de sermos mais pobres ou termos menos ideias que eles. Vivemos uma sociedade do conhecimento, um conhecimento universal e aberto a todos. O factor diferenciador do sucesso não é somente o dinheiro que se possui, mas sobretudo a criatividade e a capacidade de materializar as ideias em produtos. Por outras palavras, o empreendedorismo.

É precisamente aqui que se encontra o grande fosso entre estas duas culturas. Embora criativo, o português é amordaçado pelo medo atávico de falhar, de cair no ridículo, da "humilhação" pública. Nos EUA, pelo contrário, arriscar é algo natural; perder não é um estigma mas um sinal que dinamismo.

Portugal tem uma enorme quantidade de pessoas talentosas, talvez superior a outros países mais ricos, como a Finlândia. O problema é transformar esse talento e essas ideias em produtos e saber vendê-los num mercado global. Aí as nossas escolas falham, mas falham redondamente. Moldamos os alunos para serem bons funcionários, obedientes e ordeiros. Poderão ser excelentes funcionários públicos, mas serão certamente péssimos empreendedores.

Grandes investimentos em obras públicas ou injectar dinheiro em empresas moribundas, que não souberam modernizar-se em competir num mercado global, não é o caminho para o nosso país sair da crise. Acreditar no talento natural dos jovens, incentivá-los a criar empresas, apoiar as empresas de base tecnológica existentes e ajudá-las a entrar em mercados competitivos (como o caso do programa UTEN), isso sim, poderá ser determinante.

A nova economia é sobretudo uma economia de talentos e Portugal é um povo cheio de talento. Infelizmente, confundimos talento com graus académicos. Nas Universidades portuguesas, incentiva-se os jovens a passar nos exames, enquanto a sua criatividade se vai desvanecendo de grau em grau até que o ciclo se repita.

Cansado deste modelo, que em nada me revejo, hoje despedi-me (para já provisoriamente) do Ensino Superior. Deixei para trás as aulas de rotina para me dedicar a 100% a um projecto inovador, mas de alto risco, e no qual acredito convictamente. Não sei se irei triunfar, mas se fracassar, tenho a certeza que não me arrependerei um segundo que seja.

Armando Vieira
Armando.vieira@sairmais.com

POESIA E ASTRONOMIA 3

"A Lua e o Teixo", de Sylvia Path, tradução de Maria de Lourdes Guimarães

Esta é a luz do espírito, fria e planetária.
As árvores do espírito são negras. A luz é azul.
As ervas descarregam o seu pesar a meus pés como se eu fosse Deus,
picando-me os tornozelos e sussurrando a sua humildade.
Destiladas e fumegantes neblinas povoam este lugar
que uma fila de lápides separa da minha casa.
Só não vejo para onde ir.

A lua não é uma saída. É um rosto de pleno direito,
branco como o nó dos nossos dedos e terrivelmente perturbado.
Arrasta o mar atrás de si como um negro crime; está mudo
com os lábios em O devido a um total desespero. Vivo aqui.
Por duas vezes, ao domingo, os sinos perturbam o céu:
oito línguas enormes confirmando a Ressurreição.
Por fim, fazem soar os seus nomes solenemente.

O teixo aponta para o alto. Tem uma forma gótica.
Os olhos seguem-no e encontram a lua.
A lua é minha mãe. Não é tão doce como Maria.
As suas vestes azuis soltam pequenos morcegos e mochos.
Como gostaria de acreditar na ternura...
O rosto da efígie, suavizado pelas velas,
é, em particular, para mim que desvia os olhos ternos.

Caí de muito longe. As nuvens florescem,
azuis e místicas sobre o rosto das estrelas.
No interior da igreja, os santos serão todos azuis,
pairando com os seus pés frágeis sobre os bancos frios,
as mãos e os rostos rígidos de santidade.
A lua nada disto vê. É calva e selvagem.
E a mensagem do teixo é negra: negra e silenciosa.

Sylvia Plath

domingo, 26 de julho de 2009

O dever de educar: última sessão

Realiza-se no próximo dia 28 de Julho, pelas 18h15, a última sessão do ciclo "O dever de educar"

A sessão: Ao longo do ano lectivo que agora finda, encontrámos-nos na Livraria Minerva para pensarmos sobre o "dever de educar", no sentido que lhe atribuímos e no modo como o concretizamos. Nesta última sessão receberemos uma professora para quem tais reflexões ganham um sentido muito particular, dada a sua participação, desde há alguns anos, em competições europeias de Latim e Grego, onde tem contactado com outra realidade educativa. Receberemos também dois dos seus alunos que, mais recentemente, responderam ao desafio que essas competições representam.

A convidada: Maria Alexandra Azevedo, professora do Agrupamento de Escolas Rodrigues de Freitas, do Porto.

Organização: Helena Damião, João Boavida, Isabel de Carvalho Garcia, Mónica Vieira e Aurora Viães.

POESIA E ASTRONOMIA 2


"Ouvir estrelas (Via Láctea)" do poeta brasileiro Olavo Bilac (1865-1918):

Ora direis ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso"! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora! "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

Olavo Bilac

POESIA E ASTRONOMIA 1

Neste Ano Internacional da Astronomia, vale a pena recordar o poema "Firmamento" do poeta romântico António Soares dos Passos (1826-1860, autor do poema "Noivado do Sepulcro") e que se inspira no "Système du Monde" de Pierre Laplace:

Glória Deus! Eis aberto o livro imenso,
O livro do infinito,
Onde em mil letras de fulgor intenso
Seu nome adoro escrito.
Eis do seu tabernáculo corrida
Uma ponta do véu misterioso:
Desprende as asas, remontando à vida,
Alma que anseias pelo eterno gozo!

Estrelas, que brilhais nessas moradas,
Quais são vossos destinos?
Vós sois, vós sois as lâmpadas sagradas
De seus umbrais divinos.
Pululando do selo onipotente,
E sumidas por fim na eternidade,
Sois as faíscas do seu carro ardente
A rolar através da imensidade.

E cada qual de vós um astro encerra,
Um Sol que apenas vejo,
Monarca doutros mundos como a terra
Que formam seu cortejo.
Ninguém pode contar-vos: quem pudera
Esses mundos contar a que dais vida,
Escuros para nós, qual nossa esfera
Vos é nas trevas da amplidão sumida.

Mas vós perto brilhais, no fundo acesas
Do trono soberano;
Quem vos há de seguir nas profundezas
Desse infinito oceano?
E quem há de contar-vos nessas plagas
Que os céus ostentam de brilhante alvura,
Lá onde sua mão sustém as vagas
Dos sóis que um dia romperão na altura?

E tudo outrora na mudez jazia,
Nos véus do frio nada;
Reinava a noite escura; a luz do dia
Era em Deus concentrada.
Ele falou! e as sombras mim momento
Se dissiparam na amplidão distante!
Ele falou! e o vasto Armamento
Seu véu de mundos desfraldou ovante!

E tudo despertou, e tudo gira imerso em seus fulgores;
E cada mundo é sonorosa lira
Cantando os seus louvores.
Cantai, ó mundos que o seu braço impele,
Harpas da criação, fachos do dia,
Cantai louvor universal Àquele,
Que vos sustenta e nos espaços guia!

Terra, globo que geras nas entranhas
Meu ser, o ser humano,
Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,
E com teu vasto oceano?
Tu és um grão de areia arrebatado
Por esse imenso turbilhão de mundos
Em volta de seu trono levantado
Do universo nos seios mais profundos.

E tu, homem, que és tu, ente mesquinho
Quando soberbo te elevas,
Buscando sem cessar abrir caminho
Por tuas densas trevas?
Que és tu com teus impérios e colossos?
um átomo sutil, um frouxo alento!
Tu vives um instante, e de teus ossos
Só restam cinzas, que sacode o vento.

Mas ah! tu pensas, e o girar dos orbes
À razão encadeias;
Tu pensas, e inspirado em Deus te absorves
Na chama das idéias:
Alegra-te, imortal, que esse alto lume
Não morre em trevas num jazigo escasso!
Glória a Deus, que num átomo resume
O pensamento que transcende o espaço!

Caminha, ó rei da terra! se inda és pobre
Conquista áureo destino,
E de século em século mais nobre
Eleva a Deus teu hino;
E tu, ó terra, nos floridos mantos
Abriga os filhos que em teu seio geras,
E teu canto de amor reúne aos cantos
Que a Deus se elevam de milhões de esferas!

Dizem que já sem forças, Moribunda,
Tu vergas decadente:
Oh! Não! De tanto Sol que te circunda
Teu Sol inda é fulgente;
Tu és jovem ainda: a cada passo
Tu assistes de um mundo às agonias,
E rolas entretanto nesse espaço
Coberta de perfumes e harmonias.

Mas ai! tu findarás! Além cintila
Hoje um astro brilhante;
Amanhã ei-lo treme, ei-lo vacila,
E fenece arquejante.
Quem foi? Quem o apagou? Foi seu alento
Que extinguiu essa luz já fatigada,
Foram séculos mil, foi um momento
Que a eternidade fez volver ao nada.

Um dia, quem o sabe? um dia ao peso
Dos anos e ruínas,
Tu cairás nesse vulcão aceso
Que teu Sol denominas;
E teus irmãos também, esses planetas
Que a mesma vida, a mesma luz inflama,
Atraídos enfim, quais borboletas,
Cairão como tu na mesma chama!

Então, ó Sol, então nesse áureo trono,
Que farás tu ainda,
Monarca solitário, e em abandono,
Com tua glória finda?
Tu findarás também, a fria morte
Alcançará teu carro chamejante:
Ela te segue, e profetiza a sorte
Nessas manchas que toldam teu semblante.

Que são elas? Talvez os restos frios
De algum antigo mundo,
Que inda referve em borbotões sombrios
No teu seio profundo,
Talvez, e envolta pouco e pouco a frente
Nas cinzas sepulcrais de cada filho,
Debaixo deles todos de repente
Apagarás teu vacilante brilho.

E as sombras passarão no vasto império
Que teu facho alumia;
Mas que vale de menos um saltério
Dos orbes na harmonia?
Outro Sol como tu, outras esferas
Virão no espaço descansar seu hino,
Renovando nos sítios onde imperas
Do Sol dos Sóis o resplendor divino.

Glória a seu nome! Um dia meditando
Outro céu mais perfeito,
O céu d'agora ao seu altivo mando
Talvez caia desfeito.
Então mundos, estrelas, Sóis brilhantes,
Qual bando d’águias na amplidão disperso,
Chocando-se em destroços fumegantes,
Desabarão no fundo do universo.

Então a vida, refluindo ao seio
Do foco soberano,
Parará concentrando-se no meio
Desse infinito oceano:
E, acabado por fim quanto fulgura,
Apenas restarão na imensidade:
— O silêncio, aguardando a voz futura,
O trono de Jeová, e a eternidade!

Soares dos Passos

A Energia da Razão

CONVITE recebido da Gradiva:

A UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA, o EL CORTE INGLÉS e a GRADIVA têm o prazer de convidar V. Ex.ª a estar presente na sessão de lançamento da obra

"A Energia da Razão. Por uma sociedade com menos CO2",
com coordenação de Fernando Ramôa Ribeiro.

A sessão terá lugar no dia 27 de Julho de 2009, pelas 18.00 horas no Restaurante (piso 7) do El Corte Inglés, em Lisboa.

A apresentação da obra será feita por Graça Carvalho e Nicolau Santos.

Sobre o livro:

Actualmente, é consensual que as alterações climáticas colocam desafios quanto ao futuro, em particular ao desenvolvimento sustentável e ao abastecimento de energia segura, renovável e competitiva. A opinião pública já está consciente da necessidade de adaptação a uma nova situação, nomeadamente no que diz respeito à redução de emissão de gases com efeito de estufa. Por outro lado, os recentes aumentos dos preços do petróleo e do gás alertaram os governos para a necessidade de adoptar políticas que permitam diminuir a dependência destas fontes de energia, investindo em energias renováveis e sustentáveis.

A conferência «A energia da razão: uma sociedade com menos CO2» reuniu personalidades de vários sectores das comunidades científica e empresarial que deram a conhecer estratégias e acções concretas que estão em curso com vista a mudar processos e comportamentos, a fim de que a economia e a sociedade estejam adaptadas às novas exigências e criem novas oportunidades de crescimento e de emprego. Apesar da actual instabilidade financeira e económica, o combate às alterações climáticas deve manter-se na ordem do dia, pois dele depende o nosso futuro.

Gradiva Publicações, S.A.
Rua Almeida e Sousa, nº 21 - r/c esq.
1399-041 LISBOA
Tel: 21 393 37 60 / Fax: 21 395 34 71
E-mail: geral@gradiva.mail.pt / encomendas@gradiva.mail.pt

sábado, 25 de julho de 2009

O ATRASO CULTURAL

Do "Público on-line" de ontem, sobre o caso de um espectáculo em Lisboa em que o Manifesto Anti-Dantas foi adaptado para Manifesto Anti-Ricardo Pais, transcrevo o seguinte passo:
"O que diz este caso do país que somos? “Que não avançámos muito em muitas coisas no domínio cultural desde o ‘Manifesto Anti-Dantas’, ou se calhar desde o século XIX”, disse hoje o ministro da Cultura numa entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença no programa “Diga Lá Excelência”, que passa hoje às 23h30 na RTP2. Há “uma grande dissociação entre as aparências académicas e o público criativo e os artistas. O desentendimento entre a geração de 1870 e a Academia ou entre os futuristas e modernistas e a Academia nos anos 1920 é muito expresso. Hoje existe ainda essa dissociação. A Academia de Ciências de Lisboa está muito divorciada e afastada da intensa e extraordinária vida criativa que existe em Portugal.”
Dito por um ministro não está mal, embora passe ao lado da polémica, que é entre os humoristas das Produções Fictícias e o encenador Ricardo Pais, nenhum deles da área académica. Mas de um ministro espera-se, mais do que um diagnóstico, um remédio ou remédios para o atraso, neste caso o atraso cultural. Não basta falar dos males, é preciso falar dos remédios. Isso é que gostaríamos de ouvir não só do governante mas de todos os partidos, em especial neste período em que as eleições se aproximam.

De facto, e pegando nas palavras do ministro, a Academia de Ciências de Lisboa parece que parou no tempo. Como pôr à disposição de todos a sua bela biblioteca, arquivo e museu? Como a transformar num centro de discussão cultural e científica, com reflexos visíveis na sociedade? Que pode o governo fazer para a reanimar?

Livroclip sobre "Os Lusíadas"

A ASTROFESTA DE LISBOA


Informação recebida da organização do Ano Internacional da Astronomia:

André Roque, 7 anos, vai juntar-se a investigadores portugueses para falar de Astronomia. Sessões de planetário, passeios pela Lua, Júpiter e Saturno e uma feira de materiais científicos são outras das atracções da Astrofesta de Lisboa

Chama-se André Roque, tem apenas 7 anos e frequenta a Escola de Lamaçães, em Braga. E no dia 1 de Agosto vai estar em Lisboa para orientar uma palestra sobre "O Nascimento do Universo", num palco a que subirão investigadores portugueses da área da Astronomia. Sessões de planetário, passeios pelo céu estrelado, com paragem obrigatória na Lua, Júpiter e Saturno, e uma feira de livros, vídeos e instrumentos científicos são outras das atracções da Astrofesta de Lisboa. A iniciativa decorre de 29 de Julho a 2 de Agosto no Museu da Ciência da Universidade de Lisboa (UL). As entradas são gratuitas.

No Ano Internacional da Astronomia e depois de ter corrido Portugal de Norte a Sul nos últimos 15 anos, a Astrofesta realiza-se pela primeira vez em casa, no Museu da Ciência da UL, na Rua da Escola Politécnica. O objectivo é envolver a população numa comemoração científica que tem mobilizado milhares de pessoas, ano após ano, por todo o país.

Nos dias 29 e 30 de Julho (quarta e quinta-feira), a Astrofesta arranca às 18 horas com palestras sobre o Universo. Às 19h30, no planetário, pequenos e graúdos poderão desfrutar de viagens guiadas pelo céu de Portugal, orientadas por Máximo Ferreira, do Museu da Ciência da UL, seguidas de um passeio telescópico pelo céu nocturno, com paragens na Lua, Júpiter e Saturno, no terraço do Museu da Ciência.

No dia 29, "Galileu - imaginação, espanto, incompreensão" é o tema da palestra de abertura da Astrofesta, com o professor catedrático António Manuel Nunes dos Santos, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. No dia 30, o investigador Paulo Crawford, do Observatório Astronómico de Lisboa, vai contar ao público a história do astrofísico que provou, em solo então português, a teoria da relatividade geral de Albert Einstein, na palestra "Eddington e o Eclipse de 1919".

Na sexta-feira, 31 de Julho, às 18 horas, terá lugar a sessão oficial de abertura da Astrofesta, com intervenções da directora do Museu da Ciência da UL, Ana Maria Eiró, e do presidente da Sociedade Portuguesa de Astronomia, Miguel Avillez. Às 19h30, Rui Agostinho (Faculdade de Ciências da UL) vai explorar os mistérios do Big-Bang, numa viagem pela formação do Universo e pela evolução das Galáxias. Quando a noite cair, os curiosos poderão embarcar em mais sessões de planetário e de observação do céu por telescópios.

No dia 1 de Agosto, o pequeno André Roque é o primeiro orador de serviço na Astrofesta, às 11 horas, com uma palestra sobre "O Nascimento do Universo". Logo a seguir, os curiosos entram no planetário para uma sessão sobre a Astronomia escondida n' "Os Lusíadas", de Luís de Camões, e na viagem de Vasco da Gama à Índia.

Às 15 horas, Miguel Pinto (Clube Celta) vai apresentar filmes astronómicos realizados por astrónomos amadores. Às 16 horas terá lugar o lançamento do livro "O Detective do Cosmos", do físico americano Mani Bhaumik.

Máximo Ferreira (Museu da Ciência), Bruno Henriques (Instituto de Cosmologia e Gravitação de Portsmouth), Guilherme de Almeida e Miguel Claro (Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores), José Matos (FISUA - Associação de Física da Universidade de Aveiro), Jorge Fontes (Astrotaipas) e João Paulo Vieira (ORION - Sociedade Científica de Astronomia do Minho) são alguns dos oradores que preencherão a tarde e a noite do terceiro dia da Astrofesta, que terá ainda sessões de planetário e observações astronómicas. O Big-Bang, os mitos que continuamos a perpetuar sobre a Lua, a história de Galileu e truques sobre telescópios serão alguns dos temas abordados.

O final da Astrofesta faz-se com um convidado vindo directamente da Universidade de Oxford. No dia 2 de Agosto às 11 horas, o investigador Pedro Gil Ferreira fecha os quatro dias de comemorações com uma sessão sobre "O legado de Eddington e Einstein nos dias de hoje".

A Astrofesta é uma iniciativa promovida pelo Museu da Ciência da Universidade de Lisboa e está integrada nas comemorações do Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009).

O AIA 2009 é organizado em Portugal pela Sociedade Portuguesa de Astronomia, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), da Fundação Calouste Gulbenkian, do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, da Agência Ciência Viva e da European Astronomical Society (EAS).

"OS PLANETAS" de Gustav Holst



Pequeno excerto de "Os Planetas" de Gustav Holst, peça referida no post anterior, pela Philarmonia Orchestra de Londres.

Astronomia convida no Festival dos Oceanos


Recebemos esta informação dos organizadores do Ano Internacional da Astronomia:

Das Tágides vê-se o Universo

De 1 a 15 de Agosto, a Astronomia é a convidada de honra do Festival dos Oceanos de Lisboa. No ano em que se celebra por todo o mundo o Ano Internacional da Astronomia (AIA2009), dezenas de actividades, entre palestras, concertos, exposições e animações de rua, levam pequenos e graúdos a descobrir o nosso Universo. O Festival dos Oceanos promove 15 dias de iniciativas no Parque das Nações, coração do evento, mas também ao longo do eixo ribeirinho de Lisboa. A participação é livre.

Lisboa mergulha na primeira quinzena de Agosto no universo da Astronomia. Com o apoio da Comissão Nacional do Ano Internacional da Astronomia, o Festival dos Oceanos mostra a beleza do Universo e desvende alguns dos mistérios do nosso sistema solar. Dia 10 de Agosto, pelas 22 horas, o presidente da Sociedade Portuguesa de Astronomia, Miguel Avillez, e o fotógrafo da National Geographic, Brian Skerry, lançam o repto a todos os curiosos e adeptos de ciência, com uma abordagem original aos temas da Astronomia e dos Oceanos. Irão, no Pavilhão do Conhecimento, falar sobre diferentes vertentes da ciência planetária, da cosmologia e da evolução estelar.

Quem preferir ver com os seus próprios olhos o funcionamento do Universo e não apenas ouvir falar dele poderá visitar a exposição "Da Terra ao Universo" das 11 às 20 horas ou participar numa das observações nocturnas gratuitas organizadas todos os dias, das 22 horas às 24 horas, no Passeio das Tágides (Parque das Nações).

A exposição "Da Terra ao Universo" ("From Earth to the Universe" - FETTU) será apresentada aos jornalistas na próxima sexta-feira, 31 de Julho, pelas 11 horas, na presença do coordenador nacional do AIA2009, João Fernandes e abrirá ao público dia 1. O certame reúne, na área interactiva do Festival dos Oceanos, numa das tendas do Cosmic Action, no Parque das Nações, 30 fotografias de grande dimensão, ilustrando e explicando alguns dos fenómenos celestes.

De assinalar também no dia 7 de Agosto (22 horas) o concerto "Os Planetas", conjunto de sete composições de música clássica, interpretadas ao ar livre, nos jardins de Belém, numa invulgar combinação entre a Astronomia e a Música. Sob o céu estrelado vai também decorrer o “Planetário” de Carmello Giammello, que se traduz numa instalação de luz artística visível das 21 horas à meia noite na Rua do Ouro.

A 8 e 9 de Agosto, no Rossio dos Olivais (Parque das Nações), voos em balões de ar quente abertos ao público em geral irão prestar homenagem a Bartolomeu de Gusmão, 300 anos após o aparecimento da Passarola, engenho "para se andar pelo ar" que o cientista e padre luso-brasileiro inventou. Animações de rua irão ainda, ao longo do festival, convidar as pessoas a entrar nessa "festa" da Astronomia e ajudar o público a perceber, por exemplo, que Magalhães também é o nome de uma galáxia próxima da nossa.

A abertura da sexta edição do Festival dos Oceanos, no dia 1 de Agosto, será marcada pelos concertos do cantor internacional James Morrison e dos portugueses Rita Redshoes e Klepht. Um espectáculo piro-musical encerra a iniciativa no dia 15 de Agosto (sábado), pelas 23h15. O Festival dos Oceanos é organizado pela ATL - Associação de Turismo de Lisboa, com o apoio do Continente, do Turismo de Portugal, da Câmara Municipal de Lisboa, do Casino Lisboa, da GEUrbana, empresa do grupo Parque EXPO, da Rádio Comercial e da Sociedade Portuguesa de Astronomia, numa produção da Realizar.

O Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009) é coordenado em Portugal pela Sociedade Portuguesa de Astronomia, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, da Agência Nacional Ciência Viva, do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra e da Fundação Calouste Gulbenkian.

UMA FUTURA MADAME CURIE?

Do sítio do Consejo Consultivo de Ciencias do México transcrevemos esta mini-entrevista com a vencedora das últimas Olimpíadas da Física, a chinesa Handuo Shi. Pela primeira vez na história da competição, esta foi ganha por uma rapariga (na imagem ao lado do Nobel da Física norte-americano Joseph Taylor, que se distinguiu pelos seus trabalhos sobre estrelas de neutrões):

"La ganadora absoluta de esta Olimpiada Internacional de Física fue la joven china Handuo Shi, quien recibió un premio especial por ser la mujer con mejor desempeño y la estudiante que logró el mejor puntaje en el examen experimental. Obtuvo también reconocimiento como ganadora absoluta, con el puntaje más alto de la competencia.

Handuo Shi subió al escenario tres veces a recibir medalla, trofeo, y diploma, y al final, una emotiva ovación de pie, con el reconocimiento de todos los jóvenes competidores. Apenas sonreía, aunque la emoción era evidente.

Handuo Shi fue entonces buscada por Joseph H. Taylor, Premio Nobel de Física 1993 e invitado especial del evento. Con un abrazo, la felicitó y deseó el mejor de los futuros en su incipiente carrera científica.

- ¿Es una futura Nobel de física?

Taylor la volteó a ver, con una amplia sonrisa.

- Ojalá. Yo hubiera querido tener toda esa brillantez y claridad. El Nobel puede ser, pero seguramente será una extraordinaria científica. Estoy impresionado y feliz. Felicidades...

Handuo Shi entonces abrió la sonrisa, agradeció a Taylor su gesto, y le pidió, con compañerismo y sencillez, que se tomara la foto con el resto del equipo chino, que había obtenido el primer lugar general. Taylor accedió, y los jóvenes estudiantes chinos, sus profesores y acompañantes, posaron con el Premio Nobel.

Handuo Shi proviene, según ella describe, de una familia “sencilla":

- Nadie se dedica a la ciencia en mi casa. Yo terminaré mis estudios en la Universidad de Beijing, donde ya tengo una beca. Luego, no lo sé.

- ¿Siempre te ha gustado la física?

- No, Me gusta más la biología. La física es hermosa, y es parte de estudiar a la naturaleza. Me emociona más la biología. Por lo pronto, entraré a estudiar ciencias en Beijing, y en tres años tomaré la decisión.

- ¿Has sido siempre alumna destacada?

- Me gusta mucho leer, y aprender. Es mi diversión favorita. Pero no estudio para ganar premios y calificaciones. Me divierte mucho aprender. Eso me hace feliz.

- ¿Te gustaría hacer un posgrado en Europa, en Estados Unidos?

- Beijing es mejor, por ahora. Ahí hay todo lo que necesito para decidir a qué me voy a dedicar. Mientras sea divertido, lo haré.

Esta jovencita es, a decir de los organizadores, una verdadera fuera de serie. Ganó con relativa facilidad el exámen experimental, pero lo que más los impresionó fue el puntaje global."

CIÊNCIA E POLÍTICA


Tradução do excerto da coluna electrónica de ontem "What's New" do físico Robert Park (na imagem, a cintura de van Allen):

CIÊNCIA E POLÍTICA: PORQUE É QUE A UNIÃO SOVIÉTICA PERDEU A CORRIDA ESPACIAL?

Lançado em 4 de Outubro de 1957, o Sputnik não transportava instrumentos. Só fazia bip-bip para provocar os americanos. Mas um mês depois, a Sputnik 2 já transportava um tubo Geiger e um rádio para transmitir o sinal do Geiger para a Terra. Também transportava um gravador para armazenar dados quando o satélite estava fora do horizonte, mas este não estava a funcionar no dia do lançamento. Cientistas soviéticos telefonaram directamente a Nikita Khrushchev pedindo autorização para atrasar o lançamento por um só dia, mas Khrushchev recusou; ele queria anunciar um outro lançamento bem sucedido numa reunião de chefes de estado que tinha lugar no dia seguinte. Na alvorada da era espacial, a política já interferia na descoberta científica. E foi assim que a União Soviética falhou a primeira descoberta importante em ciências do espaço, como vamos ver.

A CINTURA DE VAN ALLEN: A PRIMEIRA DESCOBERTA ESPACIAL IMPORTANTE

Em 31 de Janeiro de 1958, escassos quatro meses após o Sputnik, os EUA lançaram o Explorer 1, que levava a bordo uma experiência concebida por James Van Allen, director do Departamento de Física da Universidade de Iowa. Era só um tubo Geiger, um rádio-transmissor e um gravador, mas o gravador desta vez funcionou. Os dados relativos a uma órbita completa confirmaram a existência de uma banda de partículas carregadas em redor da Terra, hoje conhecido por cintura de Van Allen. Foi a primeira grande descoberta para lá da ionosfera. Os cientistas soviéticos ficaram esmagados, pois apenas quatro meses após o Sputnik os EUA tinham tomado a liderança das ciências do espaço, para não mais a abandonarem. Os voos espaciais tripulados permanecem uma actividade secundária. No final, o que vai ficar é a ciência. James Van Allen foi o verdadeiro herói espacial americano. Durante uma longa conversa com Jim um ano antes de sua morte, em 2006, ele resumiu assim a sua opinião sobre as missões espaciais tripuladas: 'It's so old-fashioned.' "

Robert Park

sexta-feira, 24 de julho de 2009

PRATA NAS OLIMPÍADAS DE MATEMÁTICA

Informação recebida da Sociedade Portuguesa de Matemática (os êxitos olímpicos não foram só na Física...):

Pedro Vieira conquista a primeira medalha de prata portuguesa na competição

É, definitivamente, uma equipa para ficar na história. Além de conquistar a primeira medalha de prata portuguesa nas Olimpíadas Internacionais de Matemática, conseguiu a melhor pontuação de sempre, 99 pontos, e a melhor posição na tabela geral, em 33.º lugar. Em 20 anos de participação, a melhor classificação portuguesa na tabela tinha sido em 1989, em 44.º lugar, no ano da sua primeira participação.

Esta equipa conseguiu ainda outro feito histórico: todos os elementos do grupo foram galardoados, algo que nunca tinha acontecido. Pedro Vieira, aluno do Externato Ribadouro no Porto, foi o responsável pela medalha de prata. Jorge Miranda, João Pereira e Ricardo Moreira (irmão de um ex-olímpico) conquistaram três medalhas de bronze, tendo Jorge Miranda ficado apenas a um ponto de alcançar a segunda medalha de prata. Gonçalo Matos e Raul Penaguião conseguiram duas menções honrosas, por terem uma resposta totalmente certa.

Estes resultados devem-se, em primeiro lugar, à grande dedicação e capacidade matemática dos participantes. Devem-se também ao empenho dos professores e organizadores das Olimpíadas, especialmente os que integraram a equipa de preparação para as IMO. É ainda de destacar o entusiasmo de milhares de jovens, pais e público em geral, que têm acompanhado todas as fases de selecção das Olimpíadas.

As IMO são as mais antigas olimpíadas internacionais de ciências do mundo. A primeira edição teve lugar em 1959, na Roménia, com apenas cinco países. Em 2009, estão a decorrer em Bremen, Alemanha, com a participação de 104 países. A medalha de prata, as três medalhas de bronze e as duas menções honrosas agora conquistadas vêm-se juntar às oito medalhas de bronze e às 12 menções honrosas obtidas por Portugal desde a sua primeira participação.

A equipa portuguesa é composta por seis alunos, seleccionados a partir de um grupo constituído pelos 12 medalhados na categoria B (10º a 12º ano) das XXIV Olimpíadas Portuguesas de Matemática (OPM), e por medalhados na mesma categoria ou ouro na categoria A (8º e 9º ano) em anos anteriores. A participação nas IMO é organizada pela SPM, e a selecção e preparação dos alunos fica a cargo do projecto Delfos, da Universidade de Coimbra.

OS AÇORES EM FILME



E, a propósito, dos Açores, vale a pena ver este belo documentário sobre essas ilhas, que foca alguma da actividade científica que nelas decorre.

Instituto Superior Técnico e Fundação Navegar premiados pelo Ano Internacional da Astronomia


Informação recebida da organização do Ano Internacional da Astronomia (na foto, o pequeno barco dos divulgadores de ciência regressa à ilha das Flores, o sítio mais ocidental da Europa, vindo da ilha do Corvo, ao fim de uma viagem de duas horas com vagas alterosas):

Perante a dedicação dos milhares de astrónomos amadores e profissionais que deram corpo à iniciativa "100 horas de Astronomia" no passado mês de Abril, a Comissão Internacional do Ano Internacional da Astronomia (AIA2009) decidiu premiar alguns dos eventos mais relevantes. Distinguido entre os mais de 100 países que participaram na iniciativa pelo mundo inteiro, Portugal recebeu dois prémios. A investigadora do Centro Multidisciplinar de Astrofísica (CENTRA/ IST), Ana Mourão, e a Fundação Navegar brilharam pelo seu excepcional empenho e pela sua criatividade.

Levou a Astronomia ao ponto mais ocidental da Europa. Pelo seu empenho em "pôr as Flores no mapa do Ano Internacional da Astronomia" e em "ultrapassar o isolamento", Ana Mourão, especialista do CENTRA, unidade de investigação do Instituto Superior Técnico, foi galardoada com o prémio internacional do AIA2009, na categoria "Participação Individual Marcante", à frente de dezenas de candidatos do mundo inteiro.

Realizada no âmbito do projecto de investigação sobre "Supernovas e Explosões de Raios Gama" apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que visa, entre outros objectivos, a divulgação científica nos Açores, a iniciativa do IST tem um balanço "francamente positivo". Em apenas uma semana e após 21 voos e 5 viagens de barco, à mercê do mau tempo, Ana Mourão e a equipa do CENTRA promoveram em Abril passado observações astronómicas e 9 palestras científicas em 6 das 7 ilhas dos grupos ocidental e central dos Açores, reunindo à volta da Astronomia mais de 1000 estudantes açorianos.

"Este tipo de iniciativas é um modo de apoiar as escolas e de fazer notar que as barreiras geográficas, que por vezes justificam a insularidade, podem e devem ser ultrapassadas. No nosso caso, a Astronomia permitiu mostrar que estamos todos no mesmo planeta",
esclarece Ana Mourão. Graças ao apoio do grupo de Astronomia do Núcleo de Física do IST e dos docentes das diferentes ilhas, a investigadora do Centro Multidisciplinar de Astrofísica conseguiu responder ao entusiasmo de alunos e de escolas que, pelo seu isolamento geográfico, raramente têm oportunidade de participar em eventos desta natureza.

Na ilha das Flores, por exemplo, todos os alunos do 4.º ao 12.º ano assistiram às celebrações das "100 Horas de Astronomia". Um interesse pela ciência e uma curiosidade que se manifestaram também no fim da palestra proferida na Escola Básica e Secundária das Flores e intitulada "Os Filhos das Estrelas", em que se falou do Big Bang, de quarks e leptões, das galáxias e do pó de estrelas. "Apesar da complexidade do tema os alunos, com idades entre os 4 e os 7 anos, ouviram e intervieram ao longo da palestra. No final, pediram: "Senhora, conte mais uma história!". E a sessão teve que continuar, desta vez procurando dar resposta à pergunta "Por que é que a Lua não cai?", recorda Ana Mourão.

A investigadora do CENTRA mostra-se satisfeita pelo reconhecimento internacional concedido à iniciativa açoriana. "Isto dá-nos a confirmação de que estamos no caminho certo e que vale a pena trabalharmos com uma enorme dedicação", lança. "O Instituto Superior Técnico é conhecido por ter uma grande dinâmica e uma cultura empreendedora. O IST tem sempre apoiado as iniciativas do CENTRA e sentimos orgulho nisso", reconhece ainda.

MILHARES DE ACTIVIDADES DE QUALIDADE

Com 2370 eventos registados, as "100 Horas de Astronomia" foi o maior evento público de ciência alguma vez organizado a nível mundial. De 2 a 5 de Abril, astrónomos amadores e profissionais fizeram descobrir o céu a milhões de pessoas no mundo.

China, Brasil, França, Índia, Estados Unidos e Portugal partilham agora os 8 prémios estabelecidos pela Comissão Internacional do AIA2009, nas categorias de maior evento, de participação mais completa ou de evento mais publicitado, entre outros. Na categoria "Participação Individual Marcante", Ana Mourão foi escolhida entre 24 candidatos, ficando à frente de colegas seus da Nigéria e da Nova Zelândia. O concurso "Sidewalk Astronomy and Starparty Awards" foi lançado pela equipa de trabalho internacional do Ano Internacional da Astronomia para as "100 horas da Astronomia", com o apoio da Celestron e da Explore Scientific.

"As 100 Horas de Astronomia foram, sem dúvida alguma, um sucesso em Portugal, tanto em qualidade como em quantidade de eventos. Com 66 eventos registados, Portugal foi o quinto país com mais registos no mundo, e o primeiro na Europa", revela Ricardo Reis, coordenador nacional do projecto. O também membro do grupo de trabalho internacional destaca, por outro lado, a dificuldade que os organizadores do concurso tiveram em avaliar os candidatos, face à extrema qualidade de todos os eventos.

LABORATÓRIO INVISÍVEL




Informação recebida do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra:

Herwig Turk e Paulo Pereira estão a questionar as objectividades e verdades da investigação científica. O resultado é "O Laboratório Invisível", em exposição no Museu da Ciência da UC até 18 de Outubro (ver imagens em cima).

O artista austríaco Herwig Turk e o director do Centro de Oftalmologia e Ciências da Visão, Paulo Pereira, estão juntos há cinco anos para questionarem tudo aquilo que sabemos sobre a investigação científica. O resultado, numa fusão entre a Arte e a Ciência, está n' "O Laboratório Invisível", a exposição que o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (UC) inaugura no dia 28 de Julho às 19 horas.

De 28 de Julho a 18 de Outubro, "O Laboratório Invisível" reúne os últimos objectos e dispositivos artísticos criados no âmbito do projecto Blindspot, iniciado em 2004 por Herwig Turk e Paulo Pereira, para questionar o valor da percepção "enquanto parte integrante e contaminante dos processos de construção do conhecimento científico".

A exposição, instalada no espaço que futuramente acolherá a cafetaria do Museu, integra obras construídas a partir das estruturas, materiais e procedimentos dos laboratórios do IBILI - Instituto Biomédico de Investigação da Luz e Imagem da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

"A abordagem adoptada consiste em isolar e destacar aspectos geralmente invisíveis e periféricos mas que são parte integrante do processo de produção científica. Ou seja, pretende dar-se um protagonismo 'dramatúrgico' às contingências, aos determinismos e às circunstâncias que influenciam a formação/construção de uma observação/representação, explorando, em termos artísticos, os fundamentos epistemológicos da ciência
", explicam os autores.

Por outro lado, sublinham, "propõe-se uma reflexão sobre a representação social do conhecimento científico e do imaginário que a ciência veicula". Blindspot debruça-se, assim, "sobre as implicações ideológicas, conceptuais e filosóficas de noções como a verdade ou a objectividade, muitas vezes associadas à prática científica".

Porque a Ciência é também ela uma realidade construída, o projecto Blindspot "promove uma articulação integrada e construtiva entre Arte e Ciência enquanto actividades que partilham métodos, procedimentos e uma determinação em encontrar novas formas de representação da realidade", revelam Herwig Turk e Paulo Pereira.

Herwig Turk (1964) é um artista austríaco que divide o seu trabalho entre Viena e Lisboa. Membro fundador do HILUS - Intermedia Project Research Vienna/A e com apresentações em importantes festivais e instituições internacionais, os projectos de Herwig Turk concentram-se sobretudo na relação entre Arte, Ciência e Tecnologia.

Paulo Pereira é investigador do IBILI- Faculdade de Medicina de Coimbra, onde dirige o Centro de Oftalmologia e Ciências da Visão. Docente universitário, Paulo Pereira é licenciado em Bioquímica e doutorado em Biologia Celular pela UC.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Galileu na Lua



A experiência de queda dos graves realizada na Lua por um astronauta da Apollo 15 e que é relatada no post anterior.

Um pezinho na Lua


















Recebemos esta informação do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra:

A pedra da Lua, recolhida por James Irwin naquela que a NASA considerou a missão tripulada mais bem sucedida de sempre, está quase a deixar o Museu da Ciência e a regressar à NASA. Em Portugal desde Maio, a pedra da Lua recolhida pela missão Apollo 15 vai deixar o Museu da Ciência no dia 24 de Julho (Sexta-feira), pelas 21 horas, precisamente na data em que se comemoram os 40 anos do regresso dos primeiros homens a pisarem a superfície lunar (missão Apollo 11). Na despedida, o Museu da Ciência convida o público a fazer das suas pedras de estimação estrelas por uma noite. A ideia é que todos descubram no Laboratorio Chimico, com a ajuda de duas geólogas da Universidade de Coimbra, as verdadeiras origens das pedras de que tanto gostam. No anfiteatro do Museu, serão exibidos vídeos das missões Apollo e iremos reviver a ida do Homem à Lua. Esta iniciativa integra o programa Ciência Viva de Verão (Astronomia no Verão e Geologia no Verão).

Mais informação na página do Museu da Ciência.

PROGRAMA:

ROCHAS DA TERRA E DA LUA

A rocha da Lua em exposição no Museu é um basalto lunar. Mas há tantos basaltos na Terra! Que diferenças podemos encontrar entre os basaltos da Terra e o basalto da Lua em exposição? Alguns basaltos da Terra estarão à disposição dos visitantes para que possam ser comparados com a rocha lunar em exposição. Responderão a questões Elsa Gomes e Celeste Gomes, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra

PERGUNTA AO GEÓLOGO
Vais ter a oportunidade de colocar todas as tuas dúvidas sobre geologia! Podes por exemplo trazer aquela pedra de que tanto gostas e saber mais um bocadinho sobre a sua origem, perguntando às referidas professoras.

VÍDEOS MISSÕES APOLLO
Durante a noite, serão apresentados vídeos das diversas missões lunares. Poderás ver a primeira vez que um ser humano
(Neil Armstrong) pisou a Lua, mas também verás saltos divertidos pelos diversos astronautas, corridas com carros lunares, e poderás mesmo assistir a uma experiência possível na Lua e que confirma a teoria de Galileu acerca da queda dos graves: sem o efeito da atmosfera, uma pena e um martelo largados em simultâneo atingem o solo ao mesmo tempo.

LANÇAMENTO DE FOGUETÕES
... E vais poder construir e lançar o teu próprio foguetão miniatura!

Portugueses regressam do México com a melhor classificação de sempre



Informação recebida da Sociedade Portuguesa de Física (na imagem a equipa olímpica portuguesa):

A equipa portuguesa arrecadou três Medalhas de Bronze nas Olimpíadas Internacionais de Física

A competição, destinada a alunos finalistas do ensino secundário, reuniu em Mérida, México, 316 estudantes de 72 países para realizar duas longas provas de Física (uma prova teórica e uma prova experimental). A vencedora absoluta desta olimpíada é Handuo Shi, estudante da China com a classificação de 48,20 (numa escala de 0 a 50). Saliente-se que foi a primeira vez, nas 40 edições desta olimpíada, que o vencedor absoluto foi uma rapariga.

Os team-leaders que acompanharam a delegação ao Iucatão, Fernando Nogueira e Rui Vilão, fazem um balanço positivo da prestação portuguesa: “Apesar das provas terem sido das mais difíceis dos últimos anos, os alunos portugueses regressaram com a melhor classificação de sempre da equipa lusa - três medalhas de bronze - o que reflecte o seu trabalho árduo de preparação ao longo do ano. Os prémios obtidos são um merecido reconhecimento do seu esforço.”.

Aqueles docentes reconhecem que “a prova foi extremamente longa e bastante centrada na Física Moderna, um tópico sempre mais difícil para estes alunos”.

A lista dos estudantes portugueses é a seguinte:
- Henrique Manuel Pereira Cabral (Colégio Luso-Francês, Porto) - Medalha de bronze
- Sagar Dipak Silva Pratapsi (E.S. Carlos Amarante, Braga) - Medalha de bronze
- Francisca Santos Pinho Costa (Colégio Luso-Francês, Porto) - Medalha de bronze
- Pedro Miguel de Castro Borlido (Ancorensis, Vila Praia de Âncora )
- André Miguel Lopes Miranda E.S. Carlos Amarante, Braga).

A XL Olimpíada Internacional de Física - IPhO’09, decorreu em Mérida, México, de 11 a 19 de Julho de 2009. As Olimpíadas de Física são uma actividade promovida pela Sociedade Portuguesa de Física com o patrocínio dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior através da Agência Ciência Viva, e do Ministério da Educação. O treino da equipa decorreu no Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, integrado nas actividades da escola Quark! de Física para jovens.

Para mais informação sobre as Olimpíadas (incluindo as provas teórica e experimental) ver aqui.

A educação nas próximas eleições legislativas


A fim de aumentar a sua difusão e permitir a sua discussão, transcrevemos o artigo de opinião de José Dias Urbano publicado no "Público" de ontem (na imagem, o Kings College da Universidade de Cambridge, Inglaterra):

Na edição do PÚBLICO do dia 4 de Julho, em artigo assinado por São José Almeida, lê-se que "José Sócrates pressiona Alegre para que entre nas listas do PS", mas que "Manuel Alegre não deverá ceder aos intentos do líder socialista", "por motivos de coerência política". Lê-se ainda que "há mesmo quem assegure que era preciso José Sócrates alterar substancialmente a orientação política do partido em relação à actual governação e assumir compromissos eleitorais de ruptura clara com políticas como a que foi praticada no Ministério da Educação, mas também em relação a alguns conteúdos do Código do Trabalho, para que Alegre tivesse espaço político para reconsiderar".

Por outro lado, "rasgar" as políticas praticadas pelo actual Ministério da Educação é também um dos propósitos anunciados pela dr.ª Manuela Ferreira Leite, se o PSD for chamado a governar após as próximas eleições legislativas.

Há, tanto na exigência de Manuel Alegre quanto no propósito de Ferreira Leite, a virtude de reconhecerem a necessidade de alterar radicalmente as políticas de "educação" que têm sido impostas nos ensinos primários e secundários.

No reconhecimento desta necessidade vejo, implícita, a condenação do chamado "Processo de Avaliação dos Professores", em que medidas sem coerência interna nem objectivo aparente se têm sucedido a um ritmo alucinante, com "novas versões melhoradas", a corrigir as anteriores que haviam sido apresentadas, como os únicos remédios apropriados para curar a doença educativa. E vejo também, implícito, o reconhecimento público da coragem dos docentes dos ensinos primário e secundário que, apesar das ameaças de que foram alvo, ousaram enfrentar na rua um Governo arrogante, inchado por uma maioria absoluta acidental de deputados que quiseram ou aceitaram transferir para a palma das mãos a energia que deviam usar na análise crítica dos documentos legislativos submetidos à apreciação e decisão da Assembleia da República.

Infelizmente, a ênfase que Manuel Alegre e Ferreira Leite dão à mudança das políticas do Ministério da Educação parece conter um apoio tácito às políticas seguidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (vejo, no portal do Governo, que é assim que se chama agora um ministério que muda de nome sempre que muda o Governo).

Segundo a propaganda do Governo, até agora não constestada, a política desse ministério tem sido exemplar. Ora, o muito que de bom se fez no tocante aos níveis de financiamento da investigação científica, em particular ao tomar como prioridade a sua aproximação aos padrões internacionais, não pode esconder o mau entendimento do actual Governo com as universidades.

Aliás, esse mau entendimento estende-se a toda a Europa, não é apenas português. Percebe-se que os actuais políticos europeus, que se encontram na situação inédita de terem de administar um grande império de muitos países e variados povos, não gostem do que não podem controlar. Por isso, os actuais políticos não gostam das universidades, que, de sua natureza, são instituições dificilmente controláveis. Este sentimento tem originado uma série de medidas que são inevitavelmente desastrosas, porque ofendem a razão, que é a pedra angular da instituição universitária.

A transformação das universidades em "fundações sem fundos" é um exemplo de uma dessas irracionalidades. Sob o pretexto de agilizar a gestão - o mesmo que foi usado para criar outras fundações de má memória -, a transformação das universidades em fundações sem fundos fragiliza-as, porque as obriga a "vir comer à mão" do ministro que ocupa o cargo na ocasião. Mas, infelizmente, há outros exemplos de ofensas irracionais à instituição Universidade.

Tal como António Barreto frisou numa recente intervenção televisiva, a tentativa de retirar do seio das universidades "a parte nobre" da investigação científica é um erro que se vai pagar muito caro, e por muitos anos. Isto não significa que não tenham sido criadas grandes unidades de investigação por acção directa do actual ministro da Ciência. Mas obrigar os investigadores a receber o financiamento directamente "da mão" de quem detém a pasta ministerial é uma política que, a médio e longo prazo, tem mais inconvenientes do que virtudes.

Um dos maiores desses inconvenientes é o de incutir nos jovens investigadores o espírito de subserviência a quem tem o poder de dar ou de negar o financiamento que necessitam para as suas investigações. A ciência nasceu por oposição aos poderes políticos instituídos, e foi acolhida nas universidades. Uma das maiores virtudes da Universidade é a de ser um espaço de pensamento livre, em que os jovens podem e devem pensar o que ainda não foi pensado. Privar as sociedades hodiernas, que se tornam cada dia mais complexas, destes espaços de reflexão é um erro de grande magnitude que vai atrasar ainda mais o normal desenvolvimento do nosso país.

Outro inconveniente da actual política de criar grandes unidades de investigação sob a tutela governamental consiste em ligar indissociavelmente o futuro dessas instituições ao incerto futuro dos políticos que, por mais iluminados que sejam - e o actual ministro José Mariano Gago é, reconhecidamente, altamente inteligente e muito sabedor -, não duram para sempre.

Ainda um outro inconveniente da referida política é o de privar as universidades de consideráveis fontes de financiamento. Mas talvez o maior deles todos seja o de privá-las da capacidade de preparar as novas gerações para saberem resolver os problemas que ainda não existem, mas que se lhes vão colocar num futuro incerto, a distância imprevisível.

A ideia de que a universidade só serve para resolver os problemas existentes, aqueles que já se encontram perfeitamente identificados, é profundamente errada. É evidente que as universidades também podem servir esse objectivo, mas existem outras escolas mais especificamente a ele devotadas. Ora essas escolas, as dos institutos politécnicos, estão agora também a ser ameaçadas, com o meritório intuito de as melhorar.

Pelo que ficou escrito, não percebo como nem Manuel Alegre nem Ferreira Leite deixaram sem uma referência o processo em curso de domesticação e fragilização das universidades, e o papel reservado ao ensino superior politécnico.

Tenho vindo, desde há muito tempo, em particular nas páginas deste jornal, mas não só, a pugnar pela reforma da educação em Portugal. Verifico com muita satisfação que já foi tomada em consideração a medida que propus de retirar o poder de decisão no órgão máximo das universidade a uma maioria de pessoas sem as habilitações académicas apropriadas. Mas nunca me passou pela cabeça que se pudesse dar a capacidade de "virar uma universidade do avesso" a um pequeno órgão de circunstância, cuja composição é passível de ser profundamente alterado durante a sua seguinte eleição. Na Universidade de Oxford, para dar apenas um exemplo, isso não é possível sem o aval da Congregação, um órgão constituído por mais de três mil membros qualificados!

Reformar não é destruir, é dar nova forma a algo que já existe. As sociedades não se podem apagar do mapa, para se criar, de raiz, uma sociedade nova, segundo padrões pré-estabelecidos. Essa experiência já foi feita e os resultados não aguentaram o teste do tempo. Acresce que, em Portugal, os padrões pré-estabelecidos mudam ao sabor do poder da rua e do previsível efeito que ele poderá ter nas intenções de voto.

A educação em Portugal tem de ser reformada, porque não nos está a habilitar para criar a riqueza que desejamos, no mundo de economia global em que vivemos. Com a educação que nos ministram, não sabemos sequer compreender esse mundo, quanto mais compreender o mundo que se está a formar.

Os humanos continuam em evolução, mas as máquinas darwinianas não são perfeitas nem funcionam com um propósito de progresso. A relação entre os humanos ainda continua dominada por intuições erradas sobre o mundo físico e sobre o mundo social, adquiridas durante a evolução da espécie. Essas intuições erradas, quando aliadas ao poder da palavra, tornam-nos escravos dos bem-falantes que nos arrastam, submissamente, para situações prejudiciais.

Seguir por caminhos errados é particularmente perigoso numa época em que o desenvolvimento científico nos proporcionou a capacidade de intervir nos motores da evolução. Como afirma o famoso académico americano William Calvin - um neurobiólogo que começou por estudar Física, passou para a Fisiologia e acabou finalmente por se dedicar ao estudo das propriedades eléctricas computacionais das redes neuronais, com vista, nomeadamente, a compreender a evolução, o desenvolvimento e a restruturação do cérebro humano -, só a ciência, a ética e as leis podem remediar os referidos "defeitos evolutivos". Mas a ciência, a ética e as leis não são intuitivas, têm de ser aprendidas nas escolas. Nas escolas pré-primárias, primárias e secundárias, sem dúvida; mas também nas escolas terciárias e ao longo da vida.

A educação é hoje mais necessária do que em qualquer outra época da história. Há países que são ricos, e outros que são pobres. Isso pouco tem a ver com as respectivas dimensões e recursos naturais próprios, depende mais da forma como as pessoas usam as capacidades cognitivas superiores exclusivas da subespécie Homo sapiens sapiens, que dão pelo nome genérico de inteligência múltipla. Assim, nada nos impede de aprender com os países ricos maneiras de nos tornarmos ricos. Não estamos condenados a ser pobres, mas para sermos ricos temos, uma vez por todas, de deixar de "brincar à educação".

José Dias Urbano