António Barreto, 2005.
Mais fundamentada do que a minha opinião acerca daquilo que entendo ser um acordo tácito entre a sociedade e os partidos políticos no que respeita às opções e funcionamento do sistema de ensino é a opiniãode António Barreto.
Em 13 de Fevereiro de 2005, saía no jornal Público um artigo deste sociólogo, fruto duma acutilante análise comparativa que fez das intenções governativas para a educação constantes nos programas eleitorais dos diversos partidos.
Enquadra deste modo o assunto:
“É impossível saber quantos eleitores terão lido um programa eleitoral por inteiro. Não creio que tenham sido mil. Muito menos quantos os tenham lido todos ou em grande parte, a fim de comparar. Umas dezenas, talvez. Esses livrinhos, cujo volume oscila entre 130 e 185 páginas de escrita compacta, têm tiragens de poucos milhares de exemplares, talvez apenas umas largas centenas. Áridos, os textos servem mais para garantir que existe um programa do que para comprometer. Neles se promete tudo e nada e o seu contrário, mundos e fundos, a felicidade e a fortuna. Nunca, que se saiba, um partido fez as contas e verificou, no fim da sua elaboração, quanto custaria fazer "aquilo". Nem sabem onde ir buscar os meios financeiros, materiais, técnicos e humanos para dar conta do recado. De qualquer maneira, não é isso que interessa. O partido que ganhar as eleições faz depois um programa de governo assaz diferente do eleitoral: com realismo, baixará os decibéis das suas disparatadas proclamações. Quando chegar a vez do orçamento de Estado, então sim, o partido do governo descerá sobre terra. Todos conhecemos o resto da história.”
No que respeita, em concreto, aos programas para a educação, que “constituem desenvolvido capítulo desta literatura”, encontrou as seguintes semelhanças:
“Tudo somado (educação, desporto escolar, ciência, acção social, juventude e cultura), variam entre 25 e 45 páginas. Todos estão preocupados, garantem que a educação é essencial e prioritária e prometem obras mirabolantes. Deixo de lado o mau português, a linguagem de pedra e o tom redentor. Têm de comum e sem excepção os grandes objectivos: combater o insucesso e o abandono, formar a juventude, aumentar a população do secundário e do superior, aumentar o número de professores, expandir a rede escolar, aumentar as bolsas e os subsídios, desenvolver a formação profissional, multiplicar os laboratórios dedicados à ciência, investir nas novas tecnologias, alargar o pré-escolar, apoiar os deficientes, integrar os imigrados, retomar a educação e a alfabetização de adultos, abrir as escolas e as universidades à noite, estabelecer a escolaridade obrigatória de 12 anos, manter todos os jovens até aos dezoito anos na escola, prestar atenção ao português e à matemática, introduzir o inglês no primeiro ou no terceiro do básico, aumentar a carga horária dos alunos, aperfeiçoar o sistema de colocação de professores e estabilizar o corpo docente das escolas. Para a totalidade destes objectivos, não dizem quanto custa, quanto tempo demora, com que metas, com quem nem como (…).”
Mas, pergunta o investigador: “Quer isto dizer que não há diferenças? Que são todos iguais?”. E responde:
“Não. Essa foi, devo confessar, a minha surpresa. Explícita ou disfarçadamente, os partidos mostram as suas convicções políticas, ideológicas e doutrinárias. Esta é a melhor parte dos programas. Ao menos, aí, estão a falar a sério. Os programas dos três pequenos são os mais conseguidos, isto é, mais claramente comprometidos com um modelo e uma filosofia política. O do Bloco de Esquerda é caro, radical, subversivo, com pulsão totalitária, uniformizador, politicamente correcto, virtuoso, moderno, fracturante e multicultural. O do PCP é caro, nacionalista, burocrático, de inspiração soviética, obsoleto, conservador, demagógico, unificado e dirigista. Ambos pretendem descaradamente liquidar os sectores privados, prometendo ao mesmo tempo doze a catorze anos de escolaridade universal e gratuita, além de todo o ensino superior igualmente gratuito. O do CDS é caro, reaccionário, vago, repressivo, socialmente desigual e de prioridade absoluta ao sector privado. Promete que a intervenção pública deva ser apenas subsidiária e confia sobretudo no aumento das cargas horárias, na certeza de que deve haver exames nacionais quatro vezes em doze anos, além de provas nacionais de aferição todos os anos.”
Mas é no passo que se segue que nos devemos deter se queremos compreender o estado da nossa educação:
“Os programas dos dois grandes são menos interessantes, mas merecem mais atenção. São mais parecidos. Mais próximos do que existe actualmente, isto é, mais imobilistas e menos propensos a correr riscos de ruptura. Mais caros, muito mais caros ainda. Mais confusos na doutrina, dado que querem tudo e não parecem capazes de escolher. Finalmente, é de um destes que sairá o futuro governo e respectivo ministro (…).
O PSD quer fazer coexistir o público e o privado, com preferência para o privado, sem atentar contra o público. O PS quer fazer coexistir o privado e o público, com preferência para o público, sem atentar contra o privado. Ambos desejam mais participação das autarquias, dos interesses e das famílias na gestão das escolas, sem no entanto prever as respectivas responsabilidades. Mas enquanto o PS se deixa encantar pela desastrada "gestão democrática" actual, no que se junta ao PCP e ao Bloco, já o PSD abre as portas aos gestores profissionais para as escolas, sem, todavia, dizer como e quando o fará. Quanto à colocação de professores, surpresa das surpresas, o PS declara-se disponível a fazer experiências de descentralização. No que toca ao recrutamento de professores, nenhum dos dois retira as devidas lições das crises recentes e não abdicam da colocação feita nacionalmente. O PSD pretende manter alguma diferença entre universidades e politécnicos, deixando que uma espécie de colaboração avance e, a prazo, destrua as diferenças; mas o PS é mais desastrado e defende a aproximação entre umas e outros (…). O PSD é vago no governo das universidades, mas diz procurar novas vias de gestão e responsabilidade. Pelo seu lado, o PS defende, no essencial, o actual sistema dito de gestão democrática, com órgãos eleitos, participação intensa de estudantes e demagogia a jorros. Onde o do PSD é vago e equívoco, o do PS é oportunista e tenta agradar a toda a gente: professores, pais, alunos, autarquias, interesses económicos, sector privado e sector público.”
Nesta última frase sintetiza António Barreto o nosso drama: dispensarmos a razão quando tomamos decisões para a educação, menosprezarmos a investigação científica sobre a aprendizagem e o ensino (ou só usarmos a que serve os nossos propósitos), relativizarmos as reflexões filosóficas credíveis acerca do sentido do educar. Isto tudo em favor de vacuidades e, sobretudo, do contento imediato.
14 comentários:
António Barreto publica as suas crónicas («Retratos da Semana» e outras) em:
http://o-jacaranda.blogspot.com
Sobre
"... os dois grandes partidos nada dizem, fogem dos riscos como da polvora."
É compreensível.
Aprenderam com Salazar que sobraçou todas as pastas ministeriais excepto o da Educação.
Fugiu sempre dela como o Diabo da Cruz.
A Ministra da Educação quis ver com um fósforo aceso se havia pólvora na 5 de Outubro... e havia mesmo.
O próximo governo vai receber um Ministério chamuscado.
Pode ser que me engane, mas vejo AB a posicionar-se como candidato para a pasta da educação de um governo PSD... A ser assim, as suas palavras tornam-se mais oportunistas que "analistas". Todos sabemos que não há analistas independentes, ao contrário do que às vezes querem fazer crer.
Rui Delgado
Respeito a sua subjectivação mas repare que o texto de AB, posto por Helena Damião, é de 13 de Fevereiro de 2005, e não de agora na abertura da caça ao poder.
Hummmm... Publicado com vénia, lido com vénia, na vénia ficamos afogados, sem coragem para ser e pensar de modo independente, baralhando intencionalmente as eleições. A vénia é um pseudo-gesto de respeito reaccionário e oportunista. Quem faz vénia é o primeiro a apunhalar. :)))
Curiosamente, sendo os docentes do ensino superior especialistas que dão pareceres sobre as matérias da sua especialidade e outras, nunca se viu que um grupo desses especialistas fizesse um estudo completo com diagnóstico, e objectivos possíveis para encontrar um modelo ajustado às necessidades do país,em matéŕia de sistema de Ensino. Que não reproduzisse qualquer interesse partidário ou outro qualquer. Apenas o interesse do país, com que meios e que fins a atingir, partindo do princípio que Portugal precisa rapidamente de qualificar os seus cidadãos convenientemente, coisa que nunca fez em condições ao longo da sua história.
AB critica apenas. Nós precisamos de estudos completos sérios e afirmativos. Com os máximos objectivos e com os menores custos. O interesse nacional não mete nem punhais nem facas, apenas o interesse da maioria e tratando todos por igual de acordo com os seus méritos e competências.
Sim, é preciso pensar o ensino, mas todo o ensino, porque o ensino universitário está em crise de troca de vénias: tem tanta credibilidade quanto os outros graus de ensino que formou. Aliás, a crise da educação começou no ensino superior, onde se apunhalam... Porquê? Porque é tudo muito medíocre. :(
O monstro habita as universidades portuguesas que produzem e distribuem lixo por todo o país. É preciso dizer a verdade, porque sem verdade não há mudança.
J Franscisco Saraiva de Sousa, (não tinha um nome mais curto?)
Realmente, e sem desconsideração pelos visados, já havia notado que as opiniões por aqui expendidas pelos proprietários universitários deste blogue nada têm de originais, amiúde são até banais.
O proveito das visitas, quando o há, deve-se sobretudo a este ou àquele comentário externo.
Caro João Boaventura,
Eu vi a data, obrigado pelo reparo. Mas AB continua a escrever e a intervir no mesmo sentido... O que afirmo é com base nas sucessivas posições de AB e que essa, já com 4 anos, vem reforçar. Não me espantaria, repito, que AB gostasse de ser Min.Educação "independente" pelo PSD... Mas é só uma opinião, vale o que vale.
Onde posso encontrar o programa eleitoral do PS, CDS e PCP? Por mais que tente não os consigo encontrar.
João Carreira
Não vale a pena procurar nem ler.
São todos iguais em abundantes promessas ou aproximados projectos, porque ninguém sabe o que é que o anterior governo escondeu dos olhares indiscretos, nem têm acesso ao real estado da nação.
Como dizia Fernando Pessoa "o conselho de ministros é uma sociedade secreta." Logo, um governo é uma sociedade secreta.
E depois de ganharem a caça é que vão verificar que as promessas ou projectos, são irrealizáveis, ou porque a caça está imprópria para consumo, ou por estar em tal estado de deterioração que se torna impossível dar-lhe vida.
E quanto às subjectivações de que AB estaria disponível para ocupar a pasta da Educação, a minha subjectivação é a de que AB quererá tudo o que quiser menos a pasta maldita.
Os fundamentos que encontro para não acreditar na disponibilidade de AB para se alcandorar ao Ministério da Educação, encontro-o em dois sociólogos que abraçaram a pasta da Educação:
Augusto Santos Silva, actual Ministro do Assuntos Parlamentares, o da curta duração no cargo já que não chegou a um ano (14.09.2000 / 03.07.2001), o que não dá para sequer aquecer o lugar;
e
Maria de Lurdes Rodrigues, actual Ministra da Educação, a da longa duração no cargo já que acompanhou toda a legislatura (12.03.2005 / ?.?.2009), o que le permitiu fazer tudo o que quis.
Isto para dizer que o conhecimento sociológico que, em teoria, deveria constituir o suporte ou o instrumento apropriado para gerir o magistério ministerial, se afigurou insuficiente ou inconsequente.
Ambos criaram conflitos (o primeiro, apesar do pouco tempo de regência), num lugar destinado a dirimi-los, resolvê-los, ou evitá-los.
Pelo contrário, a acgtual Ministra teve a agravante de os ter criado, provocado, alimentado e desenvolvido, pese o longo tempo de que dispôs para encontrar outras formas de orientar o seu ministério, e de gerir consensualmente o relacionamento comunicacional com o professorado e os alunos.
Fez do confronto o instrumento da autoridade, escolheu o pior caminho, e fez da escola um lugar de suplício para professores e alunos.
Podem ambos serem excelentes sociólogos, mas no magistério educacional deram provas contrárias.
Por isso, AB não vai ser o 3.º.
Como diz o rifão: o terceiro só cai se quiser.
De resto, AB já foi, no I Governo Constitucinal (1976-1978), Ministro do Comércio e do Turismo, e Ministro da Agricultura e Pescas, e conhece bem o terreno movediço dos Ministérios.
AB é um excelente sociólogo, um excelente investigador, e um excelente crítico.
Não merece queimar-se nas fogueiras que outros construiram.
Em Weapons of Mass Instruction, John Taylor Gatto escreve sobre os mecanismos da escolaridade compulsória que destroem a imaginação, desencorajam o pensamento crítico e criam a falsa visão da aprendizagem como subproduto do treino da memorização.
Com o seu livro anterior, colocou a expressão "dumbing us down" - emburrecendo-nos cada vez mais - na boca de todo o mundo, tornando-a famosa. Weapons of Mass Instruction promete adicionar outra metáfora arrepiante aos argumentos contra a escolaridade.
O livro demonstra que o mal que a escola inflige é racional e deliberado, seguindo teorias propostas ao mais alto nível político por Platão, Calvin, Spinoza, Fichte, Darwin, Wundt e outros que alegam que o termo "educação" não faz sentido porque a humanidade é rigidamente limitada pelas necessidades da biologia, psicologia e teologia. A verdadeira função da pedagogia é a de tornar a população gerível.
Atingir esse objectivo exige que os jovens sejam condicionados a depender de profissionais e especialistas, condicionados a permanecerem separados das suas alianças naturais, condicionados a aceitar desconexões das experiências que levam à auto-suficiência e independência.
Escapar a esta armadilha exige uma forma diferente de crescer, que Gatto chama de "open source learning." Em capítulos como "Carta à minha neta Cristina", "Stanley, O Gordo" e "Um Passeio em Londres", esta alternativa é ilustrada.
John Taylor Gatto ensinou em escolas públicas durante 30 anos antes de deixar a profissão com uma carta aberta de demissão publicada no Wall Street Journal no ano em que foi nomeado "Professor do Ano" de Nova Iorque.
in Blog Aprender Sem Escola por Paula
Madalena Madeira
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