quarta-feira, 29 de julho de 2009

Rubén Landa e o ensino secundário em Portugal


Artigo convidado de António José Leonardo, que está a estudar o espólio do Instituto de Coimbra (na foto, o Liceu Pedro Nunes):

Uma das mais completas análises do ensino secundário em Portugal no período posterior à implantação da República foi a que foi feita pelo espanhol Rubén Landa Vaz (1890-1978). Este pedagogo, filho de um espanhol e de uma portuguesa, desde cedo contactou com os ideais da Instituición Libré de Enseñanza (ILE), de Madrid, lendo em joven o Boletín de la Instituición Libré de Enseñanza (BILE), que era assinado pelo seu pai. Após concluir o ensino secundário, Landa ingressou na ILE, onde estudou Filosofia e Direito, tendo-se doutorado em Direito em 1912.

A ILE era uma academia privada de ensino secundário e ensino superior, fundada em 1876 por Francisco Giner e os seus correligionários, onde foram postas em prática ideias reformadoras que o ensino oficial não tolerava. O pensamento pedagógico subjacente não entendia os alunos como meros receptáculos de conhecimento. Estes deveriam ser formados como pessoas livres e só depois seriam instruídos com conhecimentos específicos. Para atingir este objectivo, a espontaneidade e criatividade eram estimuladas nos alunos com o intuito de os converter em agentes da sua aprendizagem. A educação, conjunta para rapazes e raparigas, era integral, desenvolvendo o espírito e corpo, e neutra e isenta no que respeita a correntes religiosas, filosóficas e políticas, e unificada, eliminando-se a sua divisão em etapas. Apostava-se na colaboração da família no processo educativo.

Tendo concluído os estudos, Landa ocupou vários cargos de responsabilidade na estrutura da ILE, como bolseiro. Nomeadamente o de auxiliar da secretaria da Junta para Ampliación de Estúdios e Investigaciones Científicas (JAE), criada em 1907 com o objectivo de reformar a Universidade espanhola e promover um sistema de bolseiros enviados ao estrangeiro para se formarem como professores e investigadores, e da Residência de Estudantes, concebida em 1910 como um colégio universitário. Para além destes centros, a ILE compreendia também um Museu Pedagógico Nacional, fundado em 1882 para a formação de professores do ensino primário, um Centro de Estudos Históricos, criado por decreto real em 1910, de um Instituto-Escola, instituído em 1918 como uma escola totalmente concebida com base nos princípios pedagógicos da ILE para crianças desde o infantário até aos 17 anos, e o Instituto Nacional de Ciências Físico-Naturais, que em 1910 incorporou instituições já existentes como o Museu Nacional de Ciências Naturais, o Museu de Antropologia, o Jardim Botânico Real e o Laboratório de Investigações Biológicas, etc.

Foi com o estatuto de bolseiro que, em 1918, Landa foi enviado a Portugal. A escolha do nosso país teve como base não só a fluência de Landa em português e as suas ligações familiares ao nosso país, que já havia visitado em várias ocasiões, mas também, segundo o próprio, a leitura de um livro de Alice Pestana sobre o ensino em Portugal.

A investigação que Landa efectuou em Portugal teve como finalidade a obtenção do certificado de proficiência que lhe daria acesso a cadeiras de âmbito restrito. Anexa à sua candidatura, numa pequena nota, Landa descreveu a sua viagem:

Duração: de 10 de Maio a 29 de Julho de 1918;

Estabelecimentos visitados: Liceus de Passos Manuel, Pedro Nunes, Camões, Gil Vicente e Maria Pia, Colégio Militar, Escola Normal Superior, Casa Pia, Faculdade de Letras, Jardim-Escola João de Deus, Escola Pública da Tapada da Ajuda (estes em Lisboa); Liceu de Coimbra, Escola Nacional de Agricultura e Universidade (em Coimbra); Liceu de Évora e Casa Pia (em Évora); Liceu de Santarém e Liceu de Leiria.

Contactos estabelecidos: João de Barros (Chefe da Secretaria Geral do Ministério da Instrução), Fidelmio de Figueiredo (director da Biblioteca Nacional), Queiroz Veloso (director da Escola Normal Superior de Lisboa e chefe da Secção de Ensino Universitário do Ministério), Adolfo Coelho, José Leite de Vasconcelos, e Manuel d’Oliveira Ramos (professores da Faculdade de Letras de Lisboa e da Escola Normal Superior), António Sérgio (professor e publicista), Xavier d’Acunha (antigo director da Biblioteca Municipal), Braga Paixão (secretário do Ministério da Instrução Pública), Mendes dos Remédios (reitor da UC) e Eugénio de Castro (professor da UC).


Após ter realizado uma conferência em Coimbra sobre o ensino secundário, a convite da Universidade, e cujo texto foi publicado no BILE, apresentou uma memória à JAE intitulada “La segunda enseñanza en Portugal”. Esta última memória, com algumas reformulações e incluindo dados relativos à nova legislação, até ao plano de estudos aprovado em 18 de Junho de 1921, foi publicada na revista O Instituto em 1928.

Logo na primeira página do seu artigo, Landa elogiou o ensino secundário português, que segundo ele, apresentava na altura resultados melhores que o sistema espanhol. Demonstrou, desta forma, a importância e necessidade do conhecimento do ensino em Portugal que, sendo um povo tão próximo na história e na geografia, se encontrava numa situação análogo à espanhola que exigia “su incorporación á la corriente de la cultura europea”. Referiu, inclusivamente, que algumas novas instituições espanholas tinham sido inspiradas no exemplo português, como o El Protectorado del niño delicuente, fundado por Alice Pestana.

O atraso da instrução secundária em Espanha, em 1919, é relatado no discurso do Ministro da Instrução Pública, José de Prado y Palacio, efectuado no congresso de Bilbau da Associación Española para el Progresso de las Ciencias, de Setembro de 1919, onde este referiu o seu carácter marcadamente universitário e clássico. Neste discurso publicado n’O Instituto, Palacio defendeu, também, o envio de pessoal docente ao estrangeiro, em particular os mais jovens, para que estudem as instituições de ensino secundário, e evidenciou a importância do ensino científico em oposição àqueles que “no entienden que un descubrimiento científico puede ejercer los más importantes efectos en sus negócios” .

No artigo de Landa, seguiu-se uma descrição da história do ensino secundário em Portugal, desde a fundação do país até 1921, com grande destaque para a reforma de 1894-95 que, apesar de alguns defeitos pontuais, nomeadamente: o “esquecimento” ao nível da formação de professores, redução da liberdade dos professores que ficaram sujeitos a um regime com muitos preceitos legais que tinham de cumprir, o predomínio do carácter clássico, a ausência da educação física, do canto e dos trabalhos manuais e a proibição das associações escolares; foi considerada muito meritória, tendo a “virtud de rehabilitar la enseñanza oficial que tan desprestigiada estaba ante la opinión pública”.

A parte mais importante do artigo é a descrição, com algum pormenor, do modo como eram ministradas as aulas e o respectivo funcionamento dos liceus, dando particular enfoque ao liceu Pedro Nunes, como já havia feito Alice Pestana. Landa dedicou um pequeno texto a cada área do ensino contendo as suas conclusões após ter assistido a várias aulas. Iremos apenas referenciar a leccionação da Física e da Química.

No curso geral o ensino das ciências era, essencialmente, prático sendo realizadas muitas experiências pelo professor perante os alunos. No curso complementar o ensino científico era o que tinha “alcanzado una realización más perfecta”. Para além das aulas expositivas, leccionadas sempre com base em exemplares ou experiências, os alunos tinham uma hora e meia semanal dedicada a trabalhos práticos individuais de Física, Química, História Natural e Geografia. Estes trabalhos tinham sido estabelecidos oficialmente em 1914, mas já antes eram efectuados. Segundo Landa, os alunos demonstravam muito interesse por eles, pedindo, com frequência, autorização para trabalhar nos laboratórios em períodos fora das horas regulamentadas. No Liceu Pedro Nunes existia para o ensino da Física um laboratório, uma sala de electricidade, um anfiteatro com mesa para experiências (modelo alemão) e uma pequena oficina para reparações; para o ensino da química havia laboratórios, um anfiteatro disposto para a realização de experiências e uma sala de fotografia. Todas as instalações estavam ordenadas e adequadas ao trabalho práticos e os aparelhos eram simples, permitindo aos alunos entender facilmente o seu funcionamento e o seu modo de manipulação. Era estimulado o trabalho em grupo, convidando-se os alunos adoptarem uma postura activa na sua aprendizagem.

O Liceu Pedro Nunes possuía também uma associação escolar muito activa, com pequena intervenção do corpo docente, que tinha uma secção literária e científica dedicada a organizar “lecturas, conferencias, discusiones cientificas y publicationes”. No final de cada ano era realizada uma exposição escolar, aberta a toda a comunidade local, onde os alunos exibiam e explicavam aos visitantes e familiares os trabalhos realizados ao longo do ano. Os restantes liceus visitados por Landa tinham funcionamento parecido, apesar de aparentarem menor dinamismo que o Pedro Nunes. Os liceus de província, inclusivamente os de Coimbra e Porto, eram inferiores aos de Lisboa, nomeadamente devido aos edifícios que estes ocupavam que não estavam adaptados às exigências de então. O artigo de Landa n’O Instituto termina com um anexo contendo os trabalhos práticos do curso complementar nos liceus de Lisboa.

Como foi referido, Landa examinou também algumas das reformas que ocorreram nos anos seguintes à sua visita, que foram incluídas no artigo d’O Instituto (publicado também em separata). Nomeadamente, a reforma de 1919 que apenas afectou a distribuição das disciplinas no ensino secundário, mantendo as linhas gerais da reforma anterior. As ciências físico-naturais no curso complementar de Letras foram substituídas pela matemática e no curso geral, a partir da III Classe, voltou a existir uma só disciplina de ciências físico-naturais (juntando as ciências físico-químicas e ciências naturais). A 18 de Junho de 1921 um novo decreto promoveu um novo regulamento da instrução secundária, com pequenas alterações no plano de estudos. Landa realçou algumas determinações, nomeadamente os arts. 23º e 24º que estabeleceram que, no exame de ingresso, se exigisse que se leia correctamente e se analise o sentido das palavras e das frases.

Em 1921, a JAE concedeu a Landa um novo subsídio para este estudar o ensino secundário em França e Inglaterra. Em 1922 enviou um primeiro relatório de França, onde mencionou as discussões então em voga sobre o ensino clássico e o ensino moderno e a importância de uma escola única, acessível a todas as classes sociais. Landa nunca chegou a elaborar qualquer artigo sobre o ensino em Inglaterra. Em 1939, no fim da guerra civil espanhola, Landa partiu para o México como exilado e nunca mais regressou nem a Espanha nem a Portugal.

António José Leonardo

1 comentário:

Anónimo disse...

Boa noite!essas mudanças na educação tem contribuido para ajudar as pessoas no desenvolvimento cultural gostei muito!

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