terça-feira, 7 de julho de 2009
GRANDES ERROS - AFONSO DOMINGUES ENGENHEIRO?
Ontem, tive a oportunidade de assistir a uma muito interessante palestra do Engenheiro Jorge Lourenço, professor de Engenharia Civil no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, no átrio central do Centro Comercial Dolce Vita em Coimbra (na foto, palestra do mesmo professor no mesmo sítio há três anos).
A palestra intitulou-se"A Construção de catedrais góticas ou a história da Engenharia Civil". A propósito da segurança estrutural "garantida" pelos construtores de catedrais góticas, o orador não se coibiu de apontar, entre vários outros, um grande erro que encontrou numa obra encomendada pelo Colégio de Engenharia Civil da Região Norte da Ordem dos Engenheiros, da autoria do historiador Adriano Vasco Rodrigues, "História Breve da Engenharia Civil. Pilar da Civilização Ocidental", Ordem dos Engenheiros - Região Norte, 2006. A propósito da construção do Mosteiro da Batalha, escreve Vasco Rodrigues:
"A edificação da igreja do Claustro, Sala do capítulo, Capela do Fundador e começo do Panteão de D. Duarte, realizadas ao longo de 50 anos, corresponde ao gótico joanino, devendo a orientação e planificação do Mestre Afonso Domingues (1388/1402), verdadeiro engenheiro pelo conhecimento matemático e físico com que resolveu o problema das estruturas da abóbada da igreja, obra-prima da Engenharia medieval."
Verdadeiro engenheiro? Conhecimento matemático e físico nos séculos XIV e XV? Indigna-se, justamente, o Engenheiro Jorge Lourenço. E comentou: "Não se deve tocar rabecão por simples vontade, ou encomenda".
Em contraponto, recomendou a obra do Engenheiro J. E. Gordon, "Structures or why things don't fall down", Penguin, 1978 (que eu também recomendo e vivamente, trata-se de uma das grandes lacunas da tradução da divulgação científico-técnica em Portugal), onde o autor afirma o seguinte sobre a construção das catedrais góticas:
"(...) Os mestres medievais sabiam muito como construir igrejas e catedrais e por isso muitas vezes o fizeram de forma excelente e altamente satisfatória. Contudo, se tivessem a oportunidade de pergunta a um mestre como o fez realmente e porque resiste, a resposta seria algo como esta: - O edifício resiste graças às mãos de Deus. Sempre que construímos seguimos fielmente as regras e segredos tradicionais do nosso ofício".(...) "O Prof. Jacques Heyman demonstrou concludentemente que os mestres das catedrais, em nenhum caso, pensavam e projectavam de forma moderna. Apesar de muitas das realizações dos artesões medievais serem impressionantes, as bases intelectuais das suas regras e segredos não eram muito diferentes das de um livro de receitas de cozinha. O que esta gente fazia era construir algo muito parecido com o que se havia feito imediatamente antes."
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"
Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à in...
9 comentários:
Quanto à arquitectura/engenharia religiosa, o Mosteiro de Santa Clara em Coimbra parece confirmar o que se escreve no post: os seus construtores não tiveram devidamente em conta a falta de consistência do terreno. Por outro lado, o facto de cada obra ser feita necessariamente em circunstâncias específicas levaria a esperar que da aplicação empírica de processos tradicionais resultassem muitos mais erros desta ordem. Algum planeamento racional e abstracto teria que haver.
Se sairmos do campo da arquitectura religiosa para a engenharia militar medieval, parece-me ainda mais implausível que os mestres se limitassem a aplicar fórmulas. A localização e a construção duma fortaleza ou duma linha de fortalezas tinham que ter em conta tantas variáveis específicas - configuração e natureza do terreno, visibilidade em redor, rotas de aproximação e de escape, linhas de abastecimento e comunicação, etc - que é difícil imaginar que os construtores pudessem recorrer apenas a «receitas de cozinha».
Tem toda a razão!
Engenheiro, presentemente, só pode ser se a sua formação obedecer aos critérios de Bolonha, o que coloca serias dúvidas sobre a seriedade do uso do título de engenheiro a todos os formados pré-Bolonha.
Além disso, toda a gente sabe que a Ciência avança por grandes rasgos de inspiração (quiça divina ...), e nunca por pequenos passos, com pessoas, pelo meio, a pensaram "porque é que isto aqui funciona e ali não", ou "porque isto deixou de funcionar", ou "qual é a Teoria por de trás disto, o que há de diferente e comum", etc, etc ...
É claro que Afonso Domingues não é Engenheiro no entendimento actual desta formação, mas custará assim tanto aceitá-lo como tal "in honoris causa", salvaguardando, as limitaçõe cientificas da sua época?
E o método da tentativa e erro ou avanço por "pequenos passos", não é válido quando se sabe quase nada sobre o que se está a lidar, para depois, com a acumulação de conhecimentos se poder chegar á Ciência?
Ignorante Renitente
PS - não é notável que o Mosteiro de Santa Clara se tenha afundado por igual, sem desabamentos parceais?
A engenharia na verdadeira acepção da palavra não existia na idade média, só no periodo moderno, já adiantado surge a engenharia militar, que depois no século XIX vai ter uma ruptura e dividir entre civil e militar.
Estes construtores eram mestres, e não engenheiros, construiam empiricamente, com o saber de décadas e séculos que recebiam uns dos outros, por exemplo Afonso Domingues não estudou para mestre numa universidade, pois nao era assim que se processava, terá sim acompanhado e trabalhado para outros mestres mais velhos e com eles foi aprendendo.
Isto foi sendo assim até quase ao advento da revolução industrial, quando estas grandes obras se foram tornando raras e os mestres desaparecendo, por haver pouca teoria sistematizada é que não ficaram colecções de manuais de construção como ficam nos dias de hoje.
A questão é que tem que se saber enquadrar as designações na época própria.
Charles Darwin também não era biólogo de formação.
Charles Lyell também não era geólogo de formação.
Os arquitectos da antiguidade estavam longe de ser primitivos.
Inspirados nos construtores da Torre de Babel, os mesmos construíram as pirâmides (réplicas de Babel) e outras grandes obras da antiguidade.
Assírios, babilónios e persas construíram obras arquitectónicas notáveis. O mesmo se diga de indianos, chineses, japoneses, cambodjanos ou vietnamitas.
Também os Maias, Astecas e Incas têm obras arquitectónicas notáveis e surpreendentes.
Nalgumas pirâmides da América Latina nem uma simples folha de papel cabe nas juntas que ligam as pedras umas às outras.
Por seu lado, os gregos estabeleceram padrões de beleza e de grandiosidade com as suas colunas dórias, jónias e coríntias, que ainda hoje deslumbram pela forma como combinam imponência e harmonia estética.
Os romanos adoptaram estra tradição arquitectónica e literalmente construíram sobre ela.
A cidade de Washington DC não deixou de se inspirar na arquitectura da Grécia clássica.
E que dizer da arquitectura árabe? Que dizer da arquitectura bizantina que esteve na base da Catedral de Santa Sofia, em Constantinópla, hoje transformada em mesquita islâmica?
Os contrutores das catedrais medievais tinham atrás de si várias tradições arquitectónicas de grande pujança.
Muitas obras arquitectónicas de hoje deixam muito a desejar quando comparadas com as suas congéneres do passado.
O ser humano da antiguidade, criado à imagem de Deus, não podia, certamente, beneficiar da informação acumulada nem do progresso tecnológico.
No entanto, nem por isso deixou de demonstrar grande inteligência.
Só um snobismo (senilibismo?) cultural ignorante e primário é que pode desvalorizar as grandes obras arquitectónicas da antiguidade e os seus autores.
"as bases intelectuais das suas regras e segredos não eram muito diferentes das de um livro de receitas de cozinha."
Já não se usam receitas nas engenharias actuais? Não é por isso que deixam de ser engenheiros, ou é?
P.S.: ao anónimo do comentário #6, a estupidez é pecado?
O J.L. é grande..
os antigos mestres, o máximo que poderiam ser era arquitectos!
quantas vezes esses mesmos grandiosos edificios devem ter caído? quantos trabalhadores perderam a vida? desses não reza a história...
André ISEC
Concordo com o Engº JL;)
Jamais irei encontrar um professor tão competente e empenhado como o Professor, Engenheiro, Génio...JL:)
Muito do que se hoje, posso devê-lo a ele!
RL Isec
Enviar um comentário