sexta-feira, 31 de julho de 2009

O BALÃO DO GUSMÃO


Minha crónica do "Público" de hoje (na imagem, uma imagem fantasiosa da "Passarola", o balão de Gusmão):

A quem entra na Biblioteca Joanina, em Coimbra, pode parecer que entra num templo, tal é o esplendor do barroco no seu interior. Há até turistas que se persignam. Mas o altar está substituído pelo retrato do monarca que mandou construir a “Casa da Livraria”, merecendo assim dar o nome à biblioteca. Foi um período de ouro da nossa história, ou pelo menos de folha dourada, pelo brilho e ostentação com que o Rei Sol português gostava de mostrar. Nisso imitava o Rei Sol autêntico, Luís XIV, que reinava em França quando D. João V foi, em 1707, entronizado.

Passados dois anos do seu longo reinado, um evento veio acrescentar brilho a esse tempo. Um estudante de Cânones da Universidade de Coimbra, de 23 anos, o padre jesuíta Bartolomeu Lourenço, mais tarde Gusmão, nascido em Santos, Brasil, escreveu ao rei uma petição para construir um “instrumento para se andar pelo ar”, da qual se conserva uma cópia na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. A solicitação foi logo deferida por alvará de 19 de Abril de 1709, guardado hoje na Torre do Tombo: “Hei por bem fazer-lhe mercê ao Suplicante de lhe conceder o privilégio de que, pondo por obra o invento, de que trata, nenhuma pessoa de qualidade que for, possa usar dele em nenhum tempo deste Reino e suas Conquistas, com qualquer pretexto, sem licença do Suplicante, ou de seus herdeiros.”

As notícias do invento correram logo o mundo suscitando não só admiração mas também abundante chacota. O jornal Wiennerisches Diarium, de 1 a 4 de Junho, saído na Áustria, terra da esposa de D. João V, publicou a primeira tradução em alemão de um folheto português, num suplemento especial de quatro páginas, com figura e tudo a exibir a “nova barca”.

Gusmão, a quem o rei deu também as chaves da sua quinta em Alcântara, para nelas construir e testar o engenho, não demorou a “pô-lo por obra” . O balão de Gusmão – pois de um balão se tratava – foi, finalmente, demonstrado diante de el-rei D. João V, no Paço Real, nos dias 5 e 7 de Agosto de 1709 (não há a certeza das datas), vai fazer agora exactamente 300 anos. Entre as testemunhas contava-se o núncio Michelangelo Conti, que haveria de se tornar Papa, sob o nome de Inocêncio XIII. Conti contou, a 16 de Agosto, ao Vaticano o que tinha visto: “O sujeito, que se comunicou faz tempo pretendia de querer fabricar um engenho para voar, fez por estes dias a experiência na presença do Rei havendo formado um corpo esférico de pouco peso: mas como a virtude impulsiva ou atractiva parece ser constituída por espíritos [álcool], estes pegaram fogo, e queimou-se o engenho da primeira vez sem se mover da terra, e da segunda embora se elevasse duas canas, igualmente se queimou; onde ele, empenhado em fazer crer que que não corre perigo a sua invenção, está fabricando outro engenho maior”.

Teria depois havido outros ensaios, mas não há grandes certezas sobre eles. Gusmão terá desistido de prosseguir o seu empreendimento, pelo que não enriqueceu com a patente. Certo é que os livros de história da ciência e tecnologia são hoje quase unânimes em reconhecer que as primeiras experiências de ascensão em balão, embora não tripulado, foram feitas por Gusmão com os seus protótipos de ar quente. Se o Presidente Cavaco Silva vai hoje à Áustria de avião, tal se deve a uma história da aeronáutica que se iniciou em Lisboa há 300 anos.

O fim de Gusmão foi, infelizmente, trágico como o dos seus primeiros balões. Com apenas 39 anos, morria, de doença e inanição, em Toledo, Espanha, numa apressada fuga da Inquisição, que o levou a tomar nome falso. A perseguição não tinha a ver com as suas invenções (fez outras além do balão, como um dispositivo para drenar água dos barcos, que registou na Holanda). Nem com uma eventual paixão por uma amante real (D. João V é também conhecido por o “Freirático” por ter mantido relações com várias freiras, como a Madre Paula, do Mosteiro de Odivelas). Havia uma acusação, bem fundamentada, de judaísmo, um libelo bem perigoso numa época em que o Rei gostava de assistir a autos de fé.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Se o Presidente Cavaco Silva vai hoje à Áustria de avião, tal se deve a uma história da aeronáutica que se iniciou em Lisboa há 300 anos."

O Fiolhais deve andar a beber às escondidas. A história da aeronáutica iniciou-se com a passarola do Gusmão? Não conheço nenhuma história da aeronáutica que o afirme. Por outro lado, a invenção do balão como condição da invenção dos aviões? Só com um copito a mais, ou não se sabendo quase nada sobre a história da aeronáutica....mas é claro, é o Fiolhais.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

A Torre do Tombo, biblioteca.

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