quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

O BEM-ESTAR ANIMAL JÁ É ÁREA DE EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA NO CURRÍCULO ESCOLAR

Li a seguinte notícia no Público de hoje (ver aqui)

 
Deixemos a eterna questão do carácter opcional ou obrigatório da disciplina de Cidadania, ou de Educação para a cidadania, ou da Cidadania e desenvolvimento (isto para não invocar as múltiplas designações que sugiram antes destas) e o facto de esta componente estar mais dependente das políticas partidárias do que dos desígnios formativos que devem ser os da educação escolar pública, e foquemo-nos nos domínios e temas ou áreas, como se lhe queira chamar.

Ora, a partir de 2016, o Bem-estar animal (seja isso o que for, tal como o "bem-estar" humano... não se leia a desvalorização da vida animal, que, de resto, também inclui os humanos) está contemplado como domínio opcional (veja-se abaixo "Domínios opcionais") na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC). Ou seja, esta área já consta no currículo escolar, como se pode constatar num quadro constante na publicação oficial dessa Estratégia

Os agrupamentos de escolas/as escolas não agrupadas, ao abrigo da sua autonomia (atenção ao Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular vigente) podem, caso entendam, escolher esta área.

Poder-se-á dizer que não sendo obrigatória, corre-se o risco (se é um risco) de a área não ser escolhida. Bom, a autonomia permite, legalmente, fazer escolhas curriculares. E convenhamos, nem todas as dezassete (e outras) áreas atribuídas à cidadania podem ser obrigatórias, a menos que descartemos (ainda mais) o tempo de disciplinas escolares ou as dispensemos de todo.

Mas o que eu queria realçar é que, neste como noutros casos, seria muito conveniente que os políticos com responsabilidade na formulação de políticas curriculares, estudassem a fundo o currículo vigente (sim, dá trabalho, muito trabalho!) para que não fizessem passam para a opinião pública ideias que serão meias verdades.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

EDUCAÇÃO E VIDA INTELECTUAL

Do último número da revista Teoría de la Educación destaco um artigo - Educação e vida intelectual - que, ao arrepio, da tendência de instrumentalização do conhecimento, da funcionalidade que ele pode ter em termos imediatos, afirma o valor que ele tem na vida intelectual e que não lhe pode ser negado.

"Este texto aborda o valor e os desafios da vida intelectual, sublinhando que se trata de um bem humano acessível a todos (...). O autor defende que a vida intelectual enriquece a vida interior, permitindo uma compreensão mais profunda dessa vida (...). Este enriquecimento não depende do reconhecimento visível (...) mas desenvolve-se internamente. A vaidade é um dos principais perigos da vida intelectual, pois pode levar a desvios do caminho da verdadeira aprendizagem. Apesar do seu carácter solitário, a vida intelectual exige a interação com os outros para enriquecer a compreensão e o conhecimento. 

O autor recomenda que se estabeleçam pontes com pessoas de diferentes origens, mesmo fora do ambiente académico, para promover uma aprendizagem mais diversificada e mais rica. Relativamente à corrupção na vida intelectual, alerta para o perigo de utilizar o intelecto para ganhar poder ou estatuto, em vez de procurar o conhecimento pelo seu próprio interesse (...)

O gosto pela aprendizagem é apresentado como uma possibilidade de auto-conhecimento e de desenvolvimento pessoal. O autor critica a equiparação de todas as experiências intelectuais, como jogar videojogos e estudar, e defende uma hierarquia na educação que distinga isso mesmo. 
 
Por último, é referido o Projeto Catherine, uma iniciativa da Universidade de St. John's, que promove a vida intelectual através de conversas sobre grandes livros. Este projeto demonstra o interesse e a necessidade de espaços de desenvolvimento intelectual para além das instituições tradicionais"

sábado, 8 de fevereiro de 2025

UMA CURIOSIDADE EM QUE SE FALA DE CRISTALOGRAFIA.

Por A. Galopim de Carvalho

Hoje, ao falar de minerais, praticamente, já ninguém fala em sistemas cristalográficos (cúbico, tetragonal, monoclínico e outros), classes de simetria, eixos de rotação, planos de simetria, etc. Uma matéria linda que, quando mal ensinada, foi detestada pelos alunos que tiveram de a “empinar” para passarem no exame. 
 
Era a chamada Cristalografia Morfológica, disciplina de pendor geométrico e matemático que, no século XIX e primeira metade do XX, esteve na base de toda a investigação em Mineralogia. 
 
A recente Cristalografia Estrutural, possibilitada pela investigação com base na utilização dos raios X, é hoje um capítulo da Física do Estado Sólido e arrumou a dita Morfológica na “prateleira do esquecimento”.

Em termos da velha Cristalografia Morfológica, o quartzo α (alfa) representa a classe trapezoédrica trigonal, caracterizada pela existência de um eixo de rotação de grau 3 e de três de grau 2, situados no plano perpendicular ao eixo ternário, fazendo entre si ângulos de 120.º. Nestas condições, não tem centro nem planos de simetria. O quartzo β (beta) pertence à classe trapezoédrica hexagonal, com um eixo de rotação de grau 6 e três eixos de grau 2, situados no plano perpendicular ao dito eixo, fazendo, entre si, ângulos de 60.º. À semelhança do quartzo α, a conjugação destes operadores implica a ausência de centro de simetria. Hoje fala-se das respectivas estruturas íntimas, ou seja, do arrumo dos iões nas respectivas redes ditas cristalinas.

Quando se fala de quartzo, sem mais qualificativos, referimo-nos ao quartzo α (alfa) ou de baixa temperatura, presente e abundante em todos os grandes grupos de rochas da crosta, das ígneas ou magmáticas às metamórficas, passando pelas sedimentares e, ainda, pela imensa maioria dos corpos filonianos pegmatíticos e hidrotermais.
 
Por tradição, o conceito de cristal implicava o carácter poliédrico (facetado) do sólido, fosse ele uma substância mineral ou orgânica, natural ou produzida artificialmente. Tal concepção foi abandonada a partir do momento em que (com a descoberta dos raios X) se tornou conhecida a estrutura íntima, à escala atómica, dos corpos no estado sólido. Assim, cristal é hoje entendido como uma porção uniforme de matéria cristalina, isto é, matéria caracterizada por uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo redes tridimensionais, próprias de cada espécie. 
 
Um tal arranjo geométrico interno deste tipo é posto em evidência, entre outras manifestações, pelas faces do cristal pela existência e orientação dos planos de clivagem e das maclas. Mas nem sempre a matéria cristalina se manifesta com a configuração de um cristal, no sentido vulgar do termo, isto é, no de um corpo poliédrico, total ou parcialmente limitado por faces planas. Um grão de quartzo, no seio do granito ou solto, como grão de areia da praia, não tem forma poliédrica, mas é matéria cristalina.
 
Vem isto a propósito da fotografia, do lado direito, inferior, da imagem, onde são visíveis pequenos triângulos.

Fotomicrografia obtida ao microscópio dito de varrimento (“scan”) põe em evidência a classe trigonal do quartzo alfa ou de baixa temperatura e mostra que mesmo um simples grão de areia, (arrancado por erosão de uma qualquer rocha (não vulcânica), é matéria cristalina. É, digamos assim, parte de um cristal que não teve condições para se manifestar. como foi o caso exemplificado na outra fotografia.

A "PRIVATIZAÇÃO OCULTA" DAS ESCOLAS PÚBLICAS. UM ESTUDO QUE NOS AJUDA A PENSAR NO SISTEMA DE ENSINO PORTUGUÊS

Há poucas semanas uma professora do primeiro ciclo do ensino básico, com mais de trinta anos de carreira, contava-me que, no presente ano lectivo, o agrupamento de escolas onde lecciona, aceitou integrar o "projecto pedagógico", intitulado DigitALL, promovido pela Fundação Vodafone. Dizia-me que o projecto havia sido imposto a todos os professores desse ciclo, que a sua opinião não foi pedida e que, além do mais, não lhe agradava ver no seu espaço de ensino, ocupando uma hora semanal ao longo do ano letivo, "parceiros" sem credenciais para educar.

Apesar de estar atenta a "projectos" engendrados por "entidades privadas que participam no nosso sistema de ensino", ainda não conhecia este. Eles surgem com frequência crescente e de onde menos se espera, não é fácil acompanhar o seu surgimento.

Tratei de me informar. Nenhuma novidade: a mesma retórica, os mesmos procedimentos, as mesmas redes (ver, o projecto, por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui; o acolhimento por municípios e agrupamentos de escolas, por exemplo aqui, aqui, aqui).

Mais um stakeholder que alega a "responsabilidade social", a que agora se junta a "sustentabilidade"; diz querer participar graciosa e desinteressadamente na salvação da escola pública. Já recebeu muitos prémios por isso. É reconhecido como "parceiro de qualidade" pela Direção-Geral da Educação, estabelece protocolos com municípios (chega a dezenas) e, claro, com agrupamentos de escolas (chega a quase centena e meia), e, como se percebe, a milhares de alunos. Promete ampliar a sua acção.

Poucos dias depois de ter recolhido informação, tive conhecimento do artigo de carácter teórico-empírico, assinado por Erika Martins e Sofia Viseu, saído muito recentemente, sobre o "projecto" a que me refiro.

Em concreto, o artigo incide na forma como as escolas públicas portuguesas interpretam, traduzem e contextualizam programas promovidos por fundações privadas, com especial destaque para o DigitAL. A análise documental e entrevistas realizadas a actores que aí laboram revela o acolhimento crescente de programas filantrópicos "prontos a usar" e, em consequência, da sua normalização. Nas palavras das investigadoras:

«... estes dados convergem para a ideia de que o sector privado utiliza o conceito de filantropia para criar, expandir e promover a sua presença nas escolas, esbatendo assim as fronteiras entre serviços públicos e privados. Este fenómeno cria uma forma de “privatização oculta” nas escolas (Ball e Youdell 2007), posicionando as intervenções filantrópicas como uma “alternativa necessária” à educação pública».

Quem tem alguma responsabilidade na escola pública, devia ("devia" porque, na verdade, é uma questão de dever, de ética) pensar nas consequências que advêm desta conclusão.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Arroz de coelho

Por A. Galopim de Carvalho

O nosso arroz de coelho, preparado com a metade dianteira do animal, o devant de lapin no dizer dos franceses, nasceu em Paris, no início dos anos 60 do século que passou, no antigo Hotel Blanadet, 51, Rue Monge, no 5 ème arrondissement, em plena rive gauche, designação dada a esta zona na margem esquerda do Sena, então muito frequentada por artistas e intelectuais. Aí se situavam o Museum National d’Histoire Naturelle, o Collège de France, a École de Mines, a Sorbonne, a École Politechnique e outras instituições de ensino superior e de investigação científica onde estudavam e estagiavam uma dezena de portugueses, entre geólogos, físicos, biólogos e até um sociólogo, todos eles residentes no velho e simpático hotel. Concentrados no 6.º andar, que um de nós baptizou de “Avenida das Tílias”, aí se viveu, por mais ou menos tempo, em apartamentos ou em quartos simples, consoante se tratasse de casal ou de pessoa só.

Muitas e muitas vezes, aos domingos, reuníamo-nos em longos e animados almoços, ora no nosso apartamento ora no dos Martinhos, os únicos com o espaço suficiente para sentar uma dezena de lusitanos, ávidos de falar a própria língua, ao fim de uma semana literal e, às vezes, penosamente francófona, saudosos de saborear qualquer coisa que nos trouxesse a casa e nos recompusesse para mais uma semana de Réstaurant Universitaire, de self-services ou de refeições comidas à pressa, à base de baguettes, jambon, patées ou queijo Brie. Foi neste contexto que, um certo domingo, servimos aos nossos conterrâneos, colegas e vizinhos o dito e saboroso arroz de coelho.

Nessa altura, em que o franco francês rondava os seis escudos (o preço de um litro de gasolina), comprava-se no talho um coelho médio por sete a oito francos, com a curiosa particularidade de a metade dianteira, o devant, quase sempre rejeitado por uma clientela de viver mais desafogado, ser vendido aos clientes de menores posses, como era o nosso caso, por apenas um franco, e o dérrière, pelos restantes seis ou sete.

Com as cabeças, mãos, costelas e fressuras de quatro ou cinco coelhos comia-se, no dizer de todos, o melhor arroz do dito, um pouco ao jeito do sabor da cabidela perfumada com cominhos.

– Este manjar, - dizia o Miguel Ramos, um dos lusitanos, a chupar à mão, uma a uma, as finas costelinhas, – devia ser comido acompanhado de louvores à Natureza e à arte de quem o confeccionou. Tais almoços, bem regados por bons tintos du Rhône e outros bem escolhidos, e pela sempre fresca, saborosa, perfumada e estaladiça baguette, prolongavam-se tarde fora, de mistura com muita conversa e animação, que crescia na razão inversa do nível do líquido nas respectivas bouteilles.

– Abre aí outra – dizia o António Ribeiro – que esta já disse o que tinha a dizer.

El Cid Campeador contado a crianças e jovens

Disponibilizo aqui o último texto que escrevi para o Ponto SJ - Portal dos Jesuítas Portugueses sobre um conjunto de publicações para a infância e juventude que seguem a pista de um herói de Espanha (El Cid Campeador), aproximado de outros heróis de outros países, nações, lugares. 
 
A grande valia da obra, no seu conjunto (são vários os volumes que a compõem) é o fundamento histórico que subjaz à construção das histórias, bem como a transposição que é feita para a contemporaneidade da vida e circunstâncias desse herói.

Revisitar (em papel, através de imagens e textos criados e escrutinados por especialistas de diversas áreas), o passado, com as suas grandezas e fraquezas, talvez ajude os mais novos a compreender o presente e, para o pior e o melhor, a constância da condição humana.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

PERDER A ALMA POR UM PRATO DE LENTILHAS

A poesia de Eugénio Lisboa como leitura da intemporal (e, portanto, actual) condição humana.
Perder a alma é sempre um mal,
mas perdê-la, ou por uma fortuna,
ou, mesmo, um sumptuoso pedestal,
ou tesouro oculto numa duna,

ou cátedra e outras maravilhas,
um título ou um penduricalho,
perdê-la por um prato de lentilhas
é, para a salvação, bem fraco galho.

Que a ambição seja, ao menos, digna
daquilo por que a alma se perde:
descomunal, ainda que maligna,

invasora como floresta verde!
A ambição nunca se quer pequena,
mesmo que louca e extraterrena!


Eugénio Lisboa

O BEM-ESTAR ANIMAL JÁ É ÁREA DE EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA NO CURRÍCULO ESCOLAR

Li a seguinte notícia no Público de hoje (ver aqui )   Deixemos a eterna questão do carácter opcional ou obrigatório da disciplina de Cidada...