segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

PELO DINHEIRO FÍSICO CONTRA A EXCLUSÃO E A AUTOCRACIA DIGITAL. I Conferência da DENÁRIA PORTUGAL

Uma nova associação cívica surgiu no nosso país. A sua designação é "Denária Portugal" e o seu propósito é a defesa da circulação do papel moeda na sua versão física, palpável, de notas e moedas metálicas.
Teve a sua 1.ª Conferência na semana que terminou no dia 22 de Fevereiro. A oração de abertura foi proferida pelo Professor Mário Frota, seu mandatário nacional e nome distinto da defesa do consumidor. Aqui a reproduzimos, com alguns cortes.

Senhoras e Senhores
Distintos Conferencistas
Salve!

Aos que se propuseram aceder ao convite que se lhes dirigiu, uma palavra de apreço e de homenagem. De apreço porque se revelam despertos, na estonteante massificação dos fenómenos sociais, para iniciativas do jaez das que nos movem na imersão de modelos que se têm, quantas vezes, por menos úteis aos Homens e Mulheres e para a comunidade circum-envolvente. De homenagem porque em sociedade acrítica e ignominiosamente manipulável por interesses que se insinuam por formas menos ortodoxas, desfrutam de uma capacidade singular e crítica que se manifesta, quanto mais não seja, pelo intuito de ouvir, de filtrar, de impugnar, contraditando e concluir.

Em Paulo de Morais, uma voz a ecoar entre nós, como um toque a rebate em tempos de Cidadania comprometida e que arregimenta na Frente Cívica um dos últimos esteios de resistência ao amorfismo, ao acriticismo e à anestesia reinante, saúdo, afinal, quantos nos honram com a sua presença e conferem ao acto de lançamento da DENÁRIA PORTUGAL a relevância que se lhe reconhece.
Especial aceno às autoridades que se dispuseram a marcar presença: da Direcção-Geral do Consumidor, cuja figura primeira se acha ausente do País, à Autoridade Reguladora do Mercado em Geral, a ASAE.
Saúdo ainda quantos se propuseram integrar os painéis e acompanhar-nos na Jornada que ora nos congrega, do Banco de Portugal ao Banco Alimentar contra a Fome, da União Distrital das IPSS à apDC – Direito do Consumo/Portugal, da Confederação do Comércio de Portugal, à Associação Nacional de Freguesias e à Associação das Marcas de Retalho e Restauração.
Especial alusão aos moderadores em que repousa, afinal, a condução dos trabalhos que se pretende singular e marcante.
À Confederação do Comércio e Indústria Portuguesa, que nos acolhe nas suas vetustas instalações e ao seu preclaro presidente, Dr. Rui Miguel Nabeiro, o patente reconhecimento e o enlace de propósitos que no acto se reflecte.

Constitui para nós suma distinção, o outorgar-se-nos a missão de mandatário de uma instituição que surge em momento em que se intensificam as medidas para a exclusão das notas em papel e das moedas metálicas, em circulação, do giro comercial. E o facto revela-se-nos de uma crueza desumanizante: um cidadão sem acesso a meios de pagamento digitais que se acerque de um estabelecimento de padaria para adquirir dois papo-secos vê-lhe negado o acesso ao pão, alimento essencial, por não ser detentor de uma tarjeta de crédito e ou débito (...). A simples recusa de uma nota ou de moedas metálicas berra na paisagem do sistema e constitui uma afronta a direitos elementares. E, no entanto, aí está a impor se cerrem fileiras em homenagem a elementares princípios e a direitos inalienáveis (...).

A Denária Portugal surge, como emanação da sociedade civil, em momento delicado em que se pretende que a transição da denominada sociedade analógica para a sociedade digital ocorra de modo acelerado com eliminação de todos os traços do passado e uma legião de deserdados da fortuna a engrossar as hostes dos excluídos. E o escopo que se lhe imprime é o de assegurar, prima facie, que a moeda com curso legal subsista pelos relevantes e indescartáveis interesses que nela convergem.
Nada de tão elementar, nada de mais desafiante:
. Universalidade do acesso ao dinheiro, como o conhecemos, às notas em papel e às moedas metálicas;
. Inclusão financeira: diversidade de opções de meios de pagamento para que aos consumidores se não vede o acesso, segundo necessidades e conveniências, a distintos meios, mormente no que tange à legião dos que esmagados se acham entre os limiares da miséria e da pobreza;
. Numerário como ultima ratio, o valor de refúgio em caso de disrupção de outros meios de pagamento
. Numerário enquanto pilar da cultura da economia local e de proximidade nomeadamente no quadro do pequeno comércio e no dos negócios familiares
. Numerário como meio de controlo de disponibilidades e óbice ao fenómeno do excessivo endividamento arrostado pelo acesso à moeda digital e ao anatocismo (o inestancável fenómeno dos juros sobre juros que perturbam uma qualquer economia doméstica submersa no fenómeno do superendividamento)
. Numerário como elemento base para uma educação financeira, como alicerce, como suporte para a literacia financeira de crianças e jovens, mas também dos de idade mais avançada, enquanto imperativo inalienável emergente dos ditames da Comissão Europeia inscritos nos trabalhos preparatórios da Directiva do Crédito de 23 de Abril de 2008.
E, como pilares de um plano de actuação de conformidade, os objectivos que se lhe assinam, a saber: o Sensibilizar autoridades, agentes económicos e cidadãos em torno da importância de preservação do numerário como meio de pagamento; o Promover o alargamento da cobertura da rede de ATM a regiões deprimidas e de menor densidade populacional e, por conseguinte, manifestamente desfavorecidas o Zelar pelo cumprimento do direito à diversidade dos meios de pagamento, denunciando os segmentos de actividade que vedem o pagamento em numerário; o Garantir uma transição digital inclusiva susceptível de salvaguardar o direito dos consumidores do acesso ao dinheiro vivo, em numerário, à semelhança de outros países europeus, com real destaque para as conclusões ora reveladas pelo Bundesbank (Banco Central Alemão) que em um Fórum Nacional do BDGW, que houve lugar a 16 p.º p.º, em Berlim e em Brandenburgo, exaltou a relevância do papel moeda com curso legal como insubstituível, ainda que em ambiente de mudança (...).

Aliás, a Nova Agenda Europeia do Consumidor com a chancela das estâncias em que os 27 se congregam, nos eixos em que assenta e por que se desdobra, privilegia a transformação digital e a transição ecológica, como o alfa e o ómega dos objectivos que força é se logre alcançar no quinquénio 2021 / 2025. E nela se realça - no que ao sistema de pagamentos de pequenos montantes se reporta – o papel insubstituível da moeda com curso legal, que há que preservar, a todo o transe.

Em suma, o papel moeda com curso legal tem uma moldura irrecusável e como características: o anonimato, a inclusão, o seu emprego simples e fácil, a imediata disponibilidade, a gratuitidade do acesso (...), a segurança (cfr. o exponencial número de fraudes que hoje assolam o digital com valores absolutamente astronómicos em causa).
Aliás, sem nos determos, porque redundantes, nas mais características enunciadas, se elegermos o anonimato como exponencial valor de privacidade, já de si seria bastante para se conferir primazia ao dinheiro físico, ao numerário, como paliçada contra a persecução absoluta dos nossos passos pelos distintos poderes, num permanente refazimento de trajectos e de cursos de vida para um domínio maior. Da simples compra de uma côdea de pão à aquisição de uma badana de bacalhau no minimercado do bairro ou na passagem por uma portagem para um encontro inocente, mas na esfera da privacidade, tudo é detectável, tudo é controlável, sem forma de resistir a uma ditadura do digital a que ninguém escaparia.
Aliás, o domínio da nossa vida pelo digital exige, como refulge da Nova Agenda Europeia do Consumidor, se afeiçoe o ordenamento às realidades circum-adjacentes, como dos seus termos emerge:
“Necessidade de adaptar o edifício normativo de protecção do consumidor ao ambiente digital, já que os cidadãos se encontram expostos a não raras práticas comerciais desviantes: Definição de perfis, Publicidade oculta ou subliminar, Fraudes e burlas de extensão inenarrável, artifícios, sugestões e embustes com configurações inimagináveis, Informação falsa, falaciosa, tendenciosa e enganadora, Manipulação das avaliações dos consumidores”
Há que obstar a que tais objectivos se consumam, como, de resto, no domínio das vidas de cada e de todos pelo simples manuseamento de um simples cartão bancário.

Claro que ninguém propugna a exclusividade do dinheiro vivo, a contado, do dinheiro físico, das notas e das moedas metálicas. Claro que em matéria de pagamentos a dinheiro, em dinheiro vivo, a contado, também se registam excepções. Algo que é indispensável se revele para que não subsistam eventuais dúvidas, em um plano de moderação, razoabilidade e de controlo de excessos. Registe-se que há, pois, restrições legais ao pagamento com numerário, como decorre da Lei n.º 92/2017, de 22 de Agosto:
“É proibido pagar ou receber em numerário em transacções de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a 3.000 €, ou o seu equivalente em moeda estrangeira. Quando o pagamento for realizado por pessoas singulares não residentes em território português, e desde que não actuem na qualidade de empresários ou comerciantes, o limite ascende a 10 000 €. É proibido ainda o pagamento em numerário de impostos cujo montante exceda 500 €.”
O Banco Central Europeu entende interpelar-nos a propósito dos pagamentos em numerário: “Podem os comerciantes recusar-se a aceitar numerário como meio de pagamento?” Com base na Recomendação 2010/191/UE, de 22 de Março de 2010, da Comissão Europeia define cautelarmente: i. Os comerciantes não podem recusar pagamentos em numerário, a menos que as partes [os próprios e os consumidores] tenham acordado entre si a adopção de outros meios de pagamento; ii. A afixação de letreiros ou cartazes a indicar que o comerciante recusa  pagamentos em numerário, ou pagamentos em certas denominações de notas, não é por si só suficiente nem vinculante para os consumidores; iii. Para que colha, terá o comerciante de invocar fundadamente uma razão legítima para o efeito às entidades que superintendam nos sistemas de pagamento; iv. Entidades públicas que prestem serviços essenciais aos cidadãos não poderão aplicar restrições ou recusar em absoluto pagamentos em numerário sem razão válida, devidamente fundada e sancionada por quem de direito…

A violação destas regras não tem, porém, entre nós uma qualquer sanção, o que é algo que se reveste manifesta gravidade. Daí que o caminho, para se sustar a onda que pode, entretanto, submergir-nos, no afã de tudo reduzir ao digital (com as discriminações e as exclusões que daí advêm), seja o de forçar a mão ao legislador para que a recusa de aceitação de notas e moedas comporte sanções adequadas, proporcionadas e dissuasivas. Esse é um desideratum, entre outros, que a DENÁRIA PORTUGAL visa alcançar:
. persuadir o legislador, tão logo o regime volte à regularidade institucional, a que se estabeleça uma moldura punitiva, sancionatória sempre que se desrespeite o ordenamento e o sistema financeiro com a recusa de notas e moedas com curso legal no giro comercial.
. exigir que haja uma preocupação pedagógica, através dos departamentos conectados, em instruir o tecido empresarial em contacto directo com os consumidores finais acerca da aceitabilidade do dinheiro com curso legal, brandindo-se o rigor da lei sempre que haja defecções e se vede aos adquirentes a faculdade de pagar em numerário o que quer que seja.
Claro que há uma via indirecta para se infligir aos prevaricadores adequada sanção, a saber, sempre que haja uma denúncia de recusa ou o BdP detecte a detecte, é-lhe lícito, enquanto Regulador, emitir directrizes a que imponham se afeiçoem tais estabelecimentos aos ditames da lei. Se, porém, persistirem em uma tal atitude, recusando-se a observar as directrizes emanadas do Banco Central, poderão ser desencadeados os mecanismos processuais do crime de desobediência previsto e punido pelo Código Penal, em seu artigo 348:
“1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
2 - A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.”
A DENÁRIA PORTUGAL entende, porém, que à semelhança do que ocorre em hipóteses como as das práticas negociais desleais, há que esboçar uma moldura que em tudo se lhe compagine:
“Se as contra- ordenações … corresponderem a infracções generalizadas … o limite máximo das coimas a aplicar no âmbito de acções coordenadas, …, corresponde a 4 % do volume de negócios anual do infractor nos Estados-Membros em causa, sem prejuízo do seguinte:
Quando não esteja disponível informação sobre o volume de negócios anual do infractor, o limite máximo da coima é de 2 000 000 (euro).”
Como o sustentam as instâncias europeias, só sanções adequadas, proporcionais e dissuasivas poderão obstar à reiterada prática de infracções que põem em causa, em cada um dos espaços, a paz social e a são convivência entre cidadãos de parte inteira. Do plano constam, pois, contactos com decisores políticos para aperfeiçoamento do ordenamento no que tange a pagamentos até aos limites físicos admitidos com notoriedade para a enunciada moldura coercitiva de que o sistema carece instantemente, como se realçou.

Mas o Plano de Acção da DENÁRIA PORTUGAL não se esgota em um tal meio que se exercerá perante as estâncias do poder. Compreende uma mancheia de actividades que tendem, por um lado, a estimular o debate e a visibilidade que o tema de defesa do numerário demanda como veículo de prevenção dos riscos de restrição ao uso, ao emprego, à circulação do dinheiro físico; e, por outro, dar voz aos que, não tendo acesso a instrumentos de mediatização, são prejudicados por uma radical tendência de digitalização não inclusiva (,,,).

A conferência que ora principiou consubstancia o primeiro acto público da DENÁRIA PORTUGAL, que convém a justo título evidenciar, num plano, a um tempo, ambicioso e exequível, que revelará decerto os propósitos que no querer da instituição se imbricam (...).

A Democracia, na sua vertente económica, assente no pilar da liberdade de acesso ao mercado, na sustentabilidade e no esbatimento das desigualdades em particular dos hipervulneráveis, apela:
• Ao Princípio da Protecção dos Interesses Económicos do Consumidor plasmado no artigo 60 do Texto Fundamental cuja violação se centra no confinamento aos meios de pagamentos digitais com limitação ou exclusão absoluta do numerário:
• À Liberdade de Escolha que se veda quando se restringe ou elimina o numerário como meio de pagamento, ao arrepio das regras de direito privado consubstanciadas no direito civil, como direito privado comum, como no domínio do direito do consumo
• À segurança física contra as debilidades patentes na cibersegurança e como resultado da exponencial conduta delituosa global (com o furto ou o roubo de cartões, a sua clonagem e o assalto às reservas dos consumidores)
A DENÁRIA PORTUGAL, como instituição emergente da sociedade civil e de escopo não egoístico, não surge desinserida de um movimento global que aspira a análogos objectivos e se acha esparso pelo cosmos ante o inopinado avanço do digital catapultado sobretudo pela pandemia que submergiu as sete partidas do globo. Congéneres convenientemente estruturadas e com programas bem articulados no terreno avultam em: Espanha, Reino Unido, Suécia, EUA Austrália, o para além de instituições outras que se perfilam já no horizonte em França e na Alemanha em pugna pela subsistência de notas e moedas com curso legal.

Daí que o movimento tenda a universalizar-se: Portugal não poderia assistir impassível ao que ocorre em seu redor (...). À primeira conferência, que ora decorre, outras seguirão que o debate, na sociedade digital, em torno destes elementos, é algo de inevitável como princípio de tutela dos cidadãos ameaçados na esfera própria dos seus inalienáveis direitos.
A DENÁRIA PORTUGAL enlaçada em todos e cada um. Que saibam todos que com a DENÁRIA PORTUGAL poderão contar incondicionalmente, sem reservas nem tergiversações.
Votos se auguram de bons trabalhos.
Decerto que da Conferência sairemos mais enriquecidos, cônscios dos perigos que espreitam e das reacções que mister será desencadear."
Mário Frota

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O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...