Com uma desolada
accolade a T. S. Eliot
Oceanos outrora maltratados,
envenenados, sujos, poluídos,
invadem, furiosos, assanhados,
os terrenos longamente corrompidos.
Os ventos devastadores vomitam
destruição, morte e porcaria:
medonhos terramotos dinamitam
grandes obras de arte e fancaria.
Morre-se à toa, sem dignidade,
homens, bichos e merda misturados,
os confortos da antiga cidade,
transformados em lixos despejados.
É uma lufa-lufa só de gritos,
gestos desastrados de quem se afunda,
ao encontro de corpos e detritos,
naquela epopeia nauseabunda.
Ninguém concebera tal desconcerto,
em dias de gozo descabelado:
logo se pervertia o descoberto,
com fero apetite de esfaimado.
Os horrores do clima anunciados,
mas nunca ou quase nunca ouvidos,
juntaram aos gritos dos afogados
a gritaria dos corpos ardidos.
O rei da selva por fim acossado,
encarando, impotente, vento e fogo;
o ofídio fugido e enrolado,
com o seu veneno fora de jogo.
Baleias na praia, desactivadas,
pássaros fugindo do ar ardente,
gentes, empurrando-se, desvairadas,
tentando evitar o inferno fulgente.
A razão subitamente anulada,
a emoção descontrolada, ao rubro:
a memória a desfazer-se, apagada,
ignorando se é Maio ou Outubro.
Portentoso fim, em cinemascópio,
do qual não vai ficar sequer memória:
tudo terá sido um caleidoscópio,
um breve e final momento sem história.
Eugénio Lisboa
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