Com uma desolada
accolade a T. S. Eliot
Oceanos outrora maltratados,
envenenados, sujos, poluídos,
invadem, furiosos, assanhados,
os terrenos longamente corrompidos.
Os ventos devastadores vomitam
destruição, morte e porcaria:
medonhos terramotos dinamitam
grandes obras de arte e fancaria.
Morre-se à toa, sem dignidade,
homens, bichos e merda misturados,
os confortos da antiga cidade,
transformados em lixos despejados.
É uma lufa-lufa só de gritos,
gestos desastrados de quem se afunda,
ao encontro de corpos e detritos,
naquela epopeia nauseabunda.
Ninguém concebera tal desconcerto,
em dias de gozo descabelado:
logo se pervertia o descoberto,
com fero apetite de esfaimado.
Os horrores do clima anunciados,
mas nunca ou quase nunca ouvidos,
juntaram aos gritos dos afogados
a gritaria dos corpos ardidos.
O rei da selva por fim acossado,
encarando, impotente, vento e fogo;
o ofídio fugido e enrolado,
com o seu veneno fora de jogo.
Baleias na praia, desactivadas,
pássaros fugindo do ar ardente,
gentes, empurrando-se, desvairadas,
tentando evitar o inferno fulgente.
A razão subitamente anulada,
a emoção descontrolada, ao rubro:
a memória a desfazer-se, apagada,
ignorando se é Maio ou Outubro.
Portentoso fim, em cinemascópio,
do qual não vai ficar sequer memória:
tudo terá sido um caleidoscópio,
um breve e final momento sem história.
Eugénio Lisboa
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
PREFÁCIO A «De que somos feitos?», de Dan Levitt (Lua de Papel)
Meu prefácio ao mais recente livro de ciência da Lua de Papel: No tempo de Apolo na cidade de Delfos na Grécia Antiga havia uma inscri...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjM2Jn0QBXdcVmz1FjPXzooJfWxyMO4IpNVpanBLBO8bXqbM_O8ueab1id6R2Sx4m9AC_oJATK8pWM4cB-kYorXs0NnXfjyYKaWmYG0Mg1lKbKdJaYN2N_cHIC6_du9kY42vqMBsYClGGL9DkFAm4vDOncoapV-8vp9Dx0T9z5vJBRYFDbiockLW9wgUjA/w247-h371/NDV8MzAwNDczMjl8MjY1MjY3NzN8MTcxNjkwMjgwOTAwMA==.jpg)
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Por Eugénio Lisboa Texto antes publicado na Revista LER, Primavera de 2023 Dizia o grande dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, que ning...
-
Horrores que não nos podem sair da cabeça… Que pensam, de nós, crianças, cães, gatos, quando chovem, sobre eles, infernos, numa Palestina d...
Sem comentários:
Enviar um comentário