sábado, 3 de fevereiro de 2024

MITOS QUE PERSISTEM SOBRE O ENSINO E A APRENDIZAGEM

O jornalista Nacho Menese entrevistou Héctor Ruiz Martín, investigador em neurociências e psicologia cognitiva, a propósito da publicação do seu livro Edumitos (International Science Teaching Foundation, 2023) onde analisa várias concepções de aprendizagem e ensino que, apesar de comummente aceites, são incorretas ou, pelo menos, não colhem apoio científico. O artigo saiu no jornal El País, no passado dia 25 de Janeiro (aqui). Reproduzo, abaixo, o essencial dessa entrevista.
P. Muitas das concepções de que fala gozam quase de um estatuto de verdade inquestionável. Porque é que têm tanta aceitação se carecem de base científica?
R. Porque são muito intuitivas e a nossa experiência leva-nos a validá-las e também porque encaixam nas nossas expectativas (…). Contudo, a ciência permite-nos superar a experiência, facultando-nos provas. Por exemplo, a ciência moderna mostrou que uma das intuições mais evidentes, que o sol gira à volta da terra, está errada. Para que uma ideia seja popular tem de ser coerente com as experiências e conhecimentos que possuímos. De facto, tendemos a aceitar as ideias se elas encaixam nessas experiências e conhecimentos; quando não encaixam tendemos a ignorá-las.
 
P. Uma das concepções mais aceites refere-se aos estilos de aprendizagem, no sentido de que cada pessoa tem uma forma própria de aprender (…).
R. Esta concepção tem muitos elementos que parecem estar certos. Em inquéritos realizadas em dezenas de países, cerca de 90 % dos docentes e dos estudantes creem que uma pessoa aprende melhor quando lhe é proporcionada informação de acordo com o estilo de aprendizagem que julgam ter (…). Claro que há diferenças entre os alunos, mas elas respeitam sobretudo aos conhecimentos prévios, capacidades cognitivas, motivação… Foi muitas vezes posta à prova a relação entre o modo de receber a informação e a manifestação da aprendizagem e não foi possível confirmar a concepção. Claro que também confundimos o modo como mais nos agrada estudar com aquele que mais benefícios tem.
 
P. Mas sempre se falou de memória visual e auditiva. Isso é incorrecto?
R. É verdade que há pessoas com melhor memória visual e outras com melhor memória auditiva. O que sucede é que ter boa memória visual não significa que recordemos ou entendamos melhor a informação, o que recordamos melhor é o aspecto físico dos estímulos. 

P. Porque é que ouvir música não é bom para aprender?
R. (…) Devemos perceber que temos recursos cognitivos limitados para aprender. Há a memória de trabalho, que é o espaço mental em que retemos a informação a que prestamos atenção. É a partir dela que pensamos, imaginamos, que escutamos a voz interior quando lemos... Acontece que a quantidade de informação que podemos reter e manipular ao mesmo tempo nessa memória é muito limitada. Então, de que depende a informação que chega a esse espaço? Da nossa atenção. Quando digo “estou a prestar atenção a algo”, significa que estou a reter informação na memória de trabalho. Para aprender, quando estou a estudar, tenho de aproveitar esses recursos escassos e optimizá-los, sendo que qualquer outro estímulo externo vai ocupar espaço na memória de trabalho e reduzir os recursos cognitivos. Há quem diga: “Já me habituei e consigo concentrar-me”. Mas essa inibição implica um consumo de recursos cognitivos, que tem o seu custo. Claro que, se a alternativa é o ruído de muita gente a falar, é melhor a música. 
 
P. Põe também em causa a eficácia do learning by doing. Porquê?
R. Confunde-se o aprender fazendo com aprendizagem activa. Os dois conceitos são mal interpretados. Não é necessário estar fisicamente activo, fazer coisas, mas estar cognitivamente activo, ou seja, tentado entender e atribuir significado ao que se está a aprender. Isso implica uma conexão dos conhecimentos prévios à nova informação. Ler, por exemplo, pode ser uma aprendizagem activa se, enquanto lermos formos parando e interrogando o que lemos, explicando com as nossas próprias palavras. Por outro lado, podemos fazer experiências laboratoriais seguindo um guião e não aprendermos o que se pretende.
 
P. Sublinhar e copiar são técnicas de estudo que já pouco se usam, mas também elas não se afiguram tão eficazes como poderíamos pensar?
R. Essa é a palavra: eficácia. Tudo o que fazemos para aprender funciona mais os menos, mas a questão é o que se revela mais produtivo. Estratégias como copiar, sublinhar, ler e reler, fazer resumos dão-nos a impressão de que estamos a aprender, mas produzem aprendizagens de muito curto prazo. Há métodos mais eficazes, por exemplo: pormo-nos à prova, autoavaliarmo-nos... o que se chama “praticar a evocação”. Em vez de voltarmos a ler, procuramos na memória e explicamos. Isto para não comprovarmos apenas o que sabemos mas também para consolidarmos na memória o que sabemos, ficando com mais probabilidade de podermos recuperar, no futuro, o que lemos.

P. E fazer resumos é uma boa estratégia?
R. Depende. Se os fizermos bem, sim; mas se os fizermos como as investigações nos dizem que a maioria dos alunos os fazem (copiando e colando fragmentos do texto original), então não. Para que um resumo ajude a aprender tem de haver um processamento, tem de haver uma explicação por palavras próprias, que é uma maneira de dar significado.

P. E o que se passa com as emoções? Há quem defenda que uma actividade que apela às emoções faz com que se aprenda melhor. 
R. Aí há muitos mal-entendidos. É verdade que as emoções interferem na aprendizagem e que o factor emocional mais relevante é a motivação. Mas não porque se estivermos motivados recordamos melhor algo; a motivação ajuda a aprender mais e melhor porque nos empurra para realizarmos as actividades e a dedicarmos-lhe mais tempo e esforço (…). Cuidado, é verdade que as emoções tornam os acontecimentos da nossa vida memoráveis mas aqui estamos na memória episódica, que nos permite recordar os acontecimentos. A memória semântica, que contem os nossos conhecimentos, não precisa propriamente da activação para que aprendamos melhor, precisa de dar significado àquilo que pensamos. Quando se faz um apelo profundo às emoções na aula o que se consegue é que os alunos recordem o que se passou na aula mas não necessariamente o que se pretendia que aprendessem.

1 comentário:

Anónimo disse...

A matéria aqui abordada por Hector Ruiz Martin é mais complexa do que possa parecer à primeira vista. Senão vejamos: um pastor da Serra da Estrela, já devidamente diplomado e, portanto, senhor do perfil adequado à saída da escolaridade obrigatório, cuidará melhor do seu rebanho, se entender que não é a serra que se move, mas sim o sol que, efetivamente, ocupa diferentes posições no céu ao longo dos dias das diferentes estações do ano. Este mesmo pastor, se ingressar no ensino universitário e chegar a engenheiro aeroespacial, vai ter de considerar que a Terra tem movimento de rotação e move-se à volta do Sol, pois não está livre que um dia lhe encomendem o lançamento de um foguetão com destino à Lua. Por outro lado, em contexto de preparação para exame, todas essas técnicas de aprendizagem referidas, com boa fé, por Hector Ruiz, são, para a esmagadora maioria dos alunos, expedientes para conseguir passar no exame, independentemente de que se possa "aprender" alguma coisa. É prática comum nas disciplinas científicas, como sejam a Física ou a Matemática, de cursos de engenharia do ensino superior politécnico, os alunos não frequentarem as aulas teóricas, não estudarem por livros ou sebentas, e "aprenderem" a matéria do exame memorizando e repetindo mecanicamente as resoluções de exercícios e exames de épocas anteriores. Em termos de capacidades de aprendizagem, há uma minoria da população que revela grandes dificuldades, uma minoria que aprende facilmente e a maioria aprende com algum esforço.

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A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...