Por Eugénio Lisboa
Desde tempos muito remotos, os escritores usam truques para captarem a
atenção dos leitores. Truques, diga-se de passagem, nem sempre muito
subtis e até, por vezes, francamente grosseiros. São aquilo a que
podemos, com alguma razão, apelidar de “isca narrativa”. A construção de
um mistério, a criação de uma expectativa, um momento de “suspense”,
uma pontinha de sexo ou de pornografia, há muitas maneiras de captar a
atenção do leitor.
A peça de Sófocles, Rei Édipo, mantém o espectador ou o leitor suspenso até ao último minuto, sem por isso descer da sua majestade trágica. Charles Dickens, quando escrevia os seus romances extremamente populares, usava de imensos truques para manter o leitor cativo. Conta-se que, ao publicar, em fascículos, o seu romance Old Curiosity Shop (A Loja de Antiguidades), à medida que o romance se aproximava do fim, os leitores viviam cada vez mais ansiosos por saber se a pequenita Nell, personagem do romance, morreria ou não. E, um dia, quando, em Nova Iorque, no cais, muitas pessoas aguardavam a chegada de um barco que trazia os últimos fascículos do romance, quando o navio finalmente se preparava para encostar ao cais, alguns dos presentes não se contiveram e gritaram para bordo, para o comandante: “A pequenita Nell morreu ou não morreu?”
Não é a existência ou não existência de uma isca narrativa que torna a narrativa menos nobre ou mais nobre. Os romances policiais de Simenon, Chandler, Hammett ou Robert B. Parker usam de isca, sem pudor, e nem por isso perdem seja o que for em qualidade literária. O que pode afectar essa qualidade literária é o uso mais ou menos indiscreto da isca. Quando a isca narrativa é o principal ingrediente da atracção do livro, temos então o caldo entornado.
A peça de Sófocles, Rei Édipo, mantém o espectador ou o leitor suspenso até ao último minuto, sem por isso descer da sua majestade trágica. Charles Dickens, quando escrevia os seus romances extremamente populares, usava de imensos truques para manter o leitor cativo. Conta-se que, ao publicar, em fascículos, o seu romance Old Curiosity Shop (A Loja de Antiguidades), à medida que o romance se aproximava do fim, os leitores viviam cada vez mais ansiosos por saber se a pequenita Nell, personagem do romance, morreria ou não. E, um dia, quando, em Nova Iorque, no cais, muitas pessoas aguardavam a chegada de um barco que trazia os últimos fascículos do romance, quando o navio finalmente se preparava para encostar ao cais, alguns dos presentes não se contiveram e gritaram para bordo, para o comandante: “A pequenita Nell morreu ou não morreu?”
Não é a existência ou não existência de uma isca narrativa que torna a narrativa menos nobre ou mais nobre. Os romances policiais de Simenon, Chandler, Hammett ou Robert B. Parker usam de isca, sem pudor, e nem por isso perdem seja o que for em qualidade literária. O que pode afectar essa qualidade literária é o uso mais ou menos indiscreto da isca. Quando a isca narrativa é o principal ingrediente da atracção do livro, temos então o caldo entornado.
O
meu amigo (já falecido) Fernando Namora, que era, aliás, amigo e
admirador do escritor brasileiro Jorge Amado, contou-me um dia, acerca
deste, uma história que me arrepiou. Jorge Amado veio a Lisboa e trouxe
consigo o manuscrito do seu, à data, último romance. Deu-o a ler ao
autor de Retalhos da Vida de um Médico, com a seguinte
recomendação: que o Fernando lesse o livro com muita atenção e que, no
fim, lhe dissesse, com muita franqueza, se o romance tinha ou não sexo
suficiente. Se achasse que não tinha, que lho dissesse e ele, nesse caso
“botava mais”. Não podia ter sido mais claro. Mas também não podia ter
revelado, de modo mais grosseiro, “ao que ia”: a venda alargada da sua
mercadoria, alterando-lhe a composição dos ingredientes, ao gosto do
leitor.
Frequentemente, é o editor ou o agente literário quem exerce pressão sobre o autor, de modo a incentivá-lo a acrescentar o teor de isca narrativa. O conhecido autor de livros de ficção científica, Isaac Asimov, conta a história do autor cujo agente lhe disse que os seus livros não se vendiam porque, neles, não havia sexo em quantidade suficiente. Não havia sexo suficiente?, repontou o autor indignado. “De que é que V. está a falar? Olhe, logo aqui, na primeira página do livro, a cortesã precipita-se para fora do quarto, completamente nua, e corre em direcção à rua, com o herói a persegui-la, tão nu como ela, e num estado explicitamente descrito como de erecção sexual”. “Pois sim”, respondeu o agente, “mas isso vem só no final da página!” Para o agente, todo o interesse do livro estava, não no livro em si, mas apenas nessa isca narrativa, ali posta para captar o olho e a lascívia do leitor.
Frequentemente, é o editor ou o agente literário quem exerce pressão sobre o autor, de modo a incentivá-lo a acrescentar o teor de isca narrativa. O conhecido autor de livros de ficção científica, Isaac Asimov, conta a história do autor cujo agente lhe disse que os seus livros não se vendiam porque, neles, não havia sexo em quantidade suficiente. Não havia sexo suficiente?, repontou o autor indignado. “De que é que V. está a falar? Olhe, logo aqui, na primeira página do livro, a cortesã precipita-se para fora do quarto, completamente nua, e corre em direcção à rua, com o herói a persegui-la, tão nu como ela, e num estado explicitamente descrito como de erecção sexual”. “Pois sim”, respondeu o agente, “mas isso vem só no final da página!” Para o agente, todo o interesse do livro estava, não no livro em si, mas apenas nessa isca narrativa, ali posta para captar o olho e a lascívia do leitor.
Ora
bem: que se use a isca para “segurar” o leitor, vá, mas usar a isca
como alimento principal do leitor é uma verdadeira perversão, que a
verdadeira grande literatura não acolhe. Só os vendilhões “botam mais”,
quando acham que o leitor não tem o suficiente.
Eugénio Lisboa
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