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sábado, 20 de abril de 2013

Pois, quantificar...

Um passo aqui outro ali, a retórica da "avaliação-total-formalizada-burocrática-a-todo-o-momento-como-forma-de-caminhar-em-direcção-à-excelência-com-consequências-para-o-bem-de-todos-e-quicá-da-humanidade-etecetera" ganha terreno nos mais diversos campos profissionais e instala-se como prática.

Chamam-se especialistas com curriculo vitae de alto gabarito, contratam-se empresas com nomes pomposos em inglês para dar a entender uma inequívoca credibilidade e põem-se técnicos executores (que são apenas isso ou que têm de parecer apenas isso) no terreno. O toque final é dado por uma multiplicidade de procedimentos e, claro está, de instrumentos para apurar, tratar (de preferência com programas informáticos complexos) e cruzar e descruzar a informação.

No final, pode-se descomprimir, respirar fundo e ir beber uma cerveja: afinal foi garantido o rigor e a objectividade e deu-se mais um passo no sentido da justiça, da igualdade, e de outros valores maiores que fica sempre tão bem invocar, mesmo que (quando a cerveja começa a fazer efeito e as amarras às imposições se começam a quebrar) se diga que eles, os valores, são todos relativos e subjectivos e por isso, "cada um tem a sua verdade" e "quem sou eu para julgar os outros"...

Esqueçamos este parágrafo e voltemos ao anterior para dizer que na "função pública" tem-se feito da avalição do desempenho profissional a "bandeira de qualidade". Ufanamente, afirmam aos quatro ventos, sem mostrarem reservas ou entraves de qualquer espécie investigadores, responsáveis institucionais e muitíssimos profissionais que "agora, com essa avaliação, é que vai ser"...

Estas considerações são a propósito da decisão do director de informação da RTP em se avaliarem diariamente (sublinho diariamente) os jornalistas. Isto, explicou, numa tentativa de quantificar o seu trabalho... pois, quantificar... uma palavra central da retórica que acima me escapou.

NOTA: Este texto foi redigido a partir do artigo "Director quer jornalistas avaliados diariamente", da jornalista Filomena Araújo, publicado no Diário de Notícias (em papel) de 19 de Abril passado, página 51.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Can School Performance Be Measured Fairly?

Os leitores que se interessam pela temática da avaliação pedagógica, nela incluída a avaliação do desempenho de escolas, professores e alunos, poderão ler um dossier muito completo e rigoroso recentemente publicado no New York Times e intitulado Can School Performance Be Measured Fairly?

Com a contribuição de especialistas, alunos, pais, professores e outros educadores são debatidas as principais questões que essa avaliação levanta, algumas delas decorrentes da lei americana que ficou conhecida por No child left behind, cujo espírito está presente nos mais diversos sistemas educativos ocidentais. Tratando-se de uma determinação política, ainda que aceitável sob o ponto de vista ideológico e compreensível sob o ponto de vista social, esbarra com a acentuada, estereotipada e frequentemente acrítica exigência de "prestação de contas" a que muitos países se obrigam tanto interna como externamente.

sábado, 1 de outubro de 2011

Quotas!

Boneco chegada à caixa de correio do De Rerum Natura. Datado de 2008, mantém o sentido no quadro da avaliação do desempenho docente.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Desesperadamente... à procura de evidências

Nota a iniciar: O título deste texto é da autoria do professor de João Serôdio (in Diário de Coimbra, de 27 de Julho de 2011). A minha apropriação deve-se ao facto de ele traduzir na perfeição o (enorme) esforço dos professores neste final de ano, já de si tão conturbado, para sustentarem o relato das suas práticas para efeitos de avaliação do desempenho profissional.

Se fosse possível escolher um golpe de mestre para completar a desagregação do sistema educativo, dificilmente se conseguiria melhor do que a implantação do modelo de avaliação do desempenho docente (ainda) em vigor.

Apenas e só burocrático, consumindo os frágeis laços agregadores do corpo docente; injusto sob o ponto de vista dos princípios organizacionais e morais mais elementares, marginal ao conhecimento pedagógico-didáctico disponível, pretexto para “aprimoramentos” ao nível de escola, que lhe dão um toquezito de perversidade, tudo nele se concentrou.

O seu terminus, neste ano lectivo que se prolonga até à exaustão, é a redacção do relatório de auto-avaliação relativo a um biénio. Relatório que se traduz numa meia-dúzia de páginas onde o professor sistematiza aspectos (positivos e também negativos?) referentes a quatro dimensões: profissional, social e ética, participação na escola e relação com a comunidade educativa; desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; e desenvolvimento e formação.

E tudo isto é preciso fundamentar em evidências… gráficos e quadro, fotocópias, fotografias, impressão da página de um “site” ou de um “blog” em anexo…

Nada disto diz o que quer que seja acerca da eficácia do professor, da qualidade da escola, do funcionamento da educação formal. Nada disto vai melhorar o ensino, até porque os estragos do dito modelo de avaliação foram muitos e profundos…

A avaliação dos professores nos governos de Sócrates: um balanço

Sara Raposo, professora de Filosofia, co-autora do blogue A dúvida metódica e nossa leitora, escreveu três textos com carácter complementar sobre a avaliação do desempenho docente formalizada na anterior legislatura e ainda vigente. Com a sua autorização, aqui deixamos a ligação para esses textos: aqui, aqui e aqui.

domingo, 24 de julho de 2011

Tanto tempo perdido!

Quando o (novo) Modelo de Avaliação do Desempenho Docente foi divulgado tive o cuidado de imprimir e de ler a informação disponibilizada pelo Ministério da Educação e pelas diversas entidades a ele ligadas neste trabalho. Perdi horas e horas a tentar compreender e sistematizar essa informação e ensaiar grelhas em função dos aspectos propostos. Quando pensava dominar um discurso mínimo sobre o assunto, surgiram reformulações e reformulações das reformulações... reli-as e integrei-as nos meus esquemas mentais, mas quando o segundo (grande) dossier ficou abarrotado, tal como havia acontecido com o primeiro, desisti de me actualizar e, nessa medida, de pensar mais no assunto.

Tal como eu, mas de modo mais competente, profundo e operacional, milhares de professores de todos os patamares de ensino investiram tempo e paciência na preparação e concretização do processo de avaliação, seu e/ou dos colegas. Tempo roubado ao processo didáctico: planificação, trabalho com os alunos e sua avaliação. Um jornal, pela mão da jornalista por Kátia Catulo, fez (felizmente) o balanço das horas gastas pelas escolas:


"Quase 20 mil professores tiveram de avaliar mais de 118 mil colegas. Segundo os dados do Ministério da Educação, cada relator (professor avaliador) teve em média cinco professores para avaliar e uma hora e meia por semana do seu tempo para fazer essa tarefa. Contas feitas, o ensino público consumiu ao todo 30 mil horas por semana neste processo, o que equivale a 1250 dias no total. Os números têm por base as horas que a anterior tutela atribuiu aos docentes para avaliarem os colegas. Daí que professores e directores façam questão de esclarecer que este tempo pode variar, uma vez que não tem em conta o facto de os professores terem sob a sua responsabilidade a avaliação de colegas que pediram aulas assistidas - condição essencial para as notas de mérito (...).
Nada melhor que um exemplo concreto para ter uma estimativa do tempo que os relatores terão gasto com o actual modelo. José Rafael, professor de Português da Secundária Oliveira do Douro, em Gaia, avaliou seis colegas (dois com aulas assistidas) e, durante oito semanas, usou em média quatro horas semanais só para definir critérios e preencher as grelhas de avaliação. O avaliador tem de apreciar relatórios de auto-avaliação e preencher fichas com dezenas de páginas e dezenas de indicadores que se multiplicam por domínios, subdividem-se em níveis ou se reproduzem em dimensões, em conceitos ou em temas associados. «A este tempo será preciso ainda acrescentar as quatro aulas assistidas, que totalizam seis horas, e ainda seis reuniões de uma hora com os avaliados. A boa notícia, diz José Rafael, é que este processo está praticamente concluído. Agora a dor de cabeça passa para a comissão de coordenação da avaliação, um júri composto pelo director e mais quatro docentes nomeados pelo conselho pedagógico de cada escola. São eles que determinam quem são os merecedores das notas - insuficiente, suficiente, bom, muito bom e excelente - em função das quotas para cada agrupamento».

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Nuno Crato e o Exame de Acesso à Docência

“Perdemos com a revolução e a contra-revolução. Perdemos também com três décadas de facilidade e demagogia” (António Barreto, sociólogo e professor universitário).

Depois de ter publicado vários artigos de opinião em vários jornais e em cerca de uma dezena de posts neste blogue em defesa de uma Prova de Acesso à Carreira Docente (o primeiro datado de 15.Fev.2008), era minha intenção não perder mais tempo com os seus detractores. Mas faço-o por serem alguns deles verdadeiros demagogos que continuam a defender a continuação do ingresso na carreira docente através de concursos que tenham como condição única a nota do diploma de licenciatura (agora mestrado), quer seja outorgado por universidades públicas ou privadas, escolas superiores de educação públicas ou privadas, tratando de igual forma quem muito se esforçou em estudo sério ou quem nada ou pouco se avigorou na obtenção de um curso de duvidosa qualidade.

Aliás esta posição de descarado e injusto facilitismo tem sido, também, fortemente apoiada por um certo movimento sindical. Assim, a Fenprof, através de um seu comunicado (31/10/2009), “exigiu a extinção da espúria prova de ingresso na profissão docente e respeito pelas qualificações dos docentes e pela autonomia das escolas na verificação das condições para o exercício da profissão”. Ou seja e em síntese, verificada pela simples e discutível classificação do diploma de curso.

Como prova da falta desta prova de acesso, anos atrás, passou um programa da RTP, “O Elo mais Fraco”, com a participação de nove jovens professoras, que me mereceu o seguinte artigo de opinião, de que transcrevo um excerto (Público, 03/02/2003):

“Com dificuldade, concebo que um programa em que a tensão nervosa possa faz das suas possa justificar, por si só, aquilo que na gíria académica se dá o nome de ‘brancas’, como o esquecimento, como aconteceu, do conhecidíssimo ‘Teorema de Pitágoras’. Todavia, já não concebo certas respostas erradas, não dadas ou hesitadas, ante perguntas triviais do âmbito da disciplina que se ministra! E isto porque, ainda que a contragosto, possa admitir que os professores demonstrem um certo défice de cultura geral desde que contabilizem para si conhecimentos sólidos sobre a matéria que é suposto estarem habilitados a ensinarem. Só na conjugação de pouca cultura geral e escassos conhecimentos científicos pode ser encontrada justificação para o facto de, em uma das rondas de perguntas, essas concorrentes terem obtido a pontuação de zero pontos, e serem penalizadas no fim do concurso com a mais fraca prestação, relativamente a participantes que as precederem e com as mais diversas profissões tidas como muito menos exigentes no que tange a diplomas escolares”.

Não sei, nem isso vem muito ao caso, se as referidas professoras eram formadas pelo politécnico ou pela universidade. Mas o que eu me atrevo a apostar, dobrado contra singelo, é que sob o ponto de vista de conhecimentos da Língua Portuguesa, grande parte de professoras diplomadas pelas antigas Escolas do Magistério Primário teriam tido um melhor desempenho. E isto já para não falar das professoras licenciadas do antigo liceu (nome excomungado pelo 25 de Abril), muitas delas ainda exercendo o magistério nas agora escolas secundárias com a competência cientifica de profundas conhecedoras da matéria que leccionam.

Numa espécie de prova de fogo, com a nomeação de Nuno Crato para ministro da Educação, dono de uma personalidade forte, cuja voz se tem manifestado, sem tibiezas e desde sempre, com muita determinação pela criação de um prova de acesso à docência, fica-nos a certeza de que esta prova será uma das primeiras prioridades do seu mandato. Mais se consubstancia esta certeza pela nomeação de João Casanova Ferreira para secretário de Estado com a difícil incumbência do “espinhoso ‘dossiê, da avaliação docente e pelos processos de recrutamento, selecção, carreiras e formação de professores” (Público, 07/07/2011).

Eça, figura incontornável da literatura portuguesa, cítico impiedoso dos costumes da época, escreveu: “Para ensinar há uma condição a satisfazer: saber”. Ora, é na demonstração de um saber maior comparativamente com outros saberes menores que a prova de acesso à docência mais do que justifica a sua plena existência. Exige-a mesmo!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A FÍSICA E A QUÍMICA TROCADAS PELA FILOSOFIA

Recebi esta carta de um docente de Física-Química, que não quero identificar. A questão que ele coloca parece-me pertinente. Acho muito bem que haja exames de Filosofia, mas não entendo por que razão eles hão-se substituir os exames de Física-Química para quem queira seguir uma carreira científico-técnica!

"Na qualidade de docente de Física-Química do ensino secundário gostaria de dar a conhecer mais um decreto-lei pernicioso para a qualidade do ensino das ciências em Portugal.

Através do Decreto-Lei nº 50/2011, de 8 de Abril, o governo anterior permitiu, vergonhosamente, que alunos do secundário, da área de ciências, possam trocar um dos exames de Física-Química A ou Biologia-Geologia pelo exame de Filosofia.

Tal decreto lei é altamente nefasto para estas áreas disciplinares, tornando, pelo menos uma delas, subalterna em relação à Filosofia, algo difícil de compreender numa área disciplinar de ciências.

Penso que o sr Professor (...) poderia denunciar esta situação, e quem sabe se o próximo governo não revogaria este decreto-lei?

Numa altura em que é certo e sabido que o ensino em Portugal caminha, a passos largos, para uma enorme falta de qualidade e nivelamento por baixo, este decreto-lei é apenas mais uma machadada na destruição do ensino público e na castração dos alunos mais pobres, dando-lhes a entender que é possível subir na hierarquia social simplesmente fugindo do trabalho, do esforço e do rigor."


Ora nem mais! Os alunos com formação socrática poderão dizer com razão " sei que nada sei"...

domingo, 1 de maio de 2011

Entrevista a um investigador da educação finlandês

Catarina Gomes, jornalista do Público, entrevistou Jouni Välijärvi (na fotografia ao lado, da autoria de Ricardo Silva), investigador em Educação na Finlândia.

Pelo interesse de que esta entrevista, publicada na edição de hoje do jornal, se reveste, transcrevemo-la integramente. Não para seguirmos o "modelo finlandês", como este investigador refere no final, mas para pensarmos no nosso.



Defende que um dos segredos do sucesso finlandês é a qualidade do ensino primário. Por que é que os professores da primária têm tanta popularidade? Tem muito a ver com a nossa história. A Finlândia só é independente há 100 anos e os professores primários eram colocados por todo o país para espalhar a identidade nacional. É umas razões que explicam uma popularidade tão alta. Ser professor primário é tão prestigiado como ser médico ou advogado: os pais querem que os filhos sejam professores primários e, quando perguntam aos miúdos que acabaram o secundário que carreira querem seguir, a profissão surge nos dois primeiros lugares. E muitos dos que têm essa ambição não a conseguem alcançar, porque é muito difícil entrar para o curso.

A popularidade estende-se aos professores do secundário? Depende das áreas. No secundário, muitas vezes ir para professor não é uma primeira escolha, é um recurso, e isso tem reflexos na motivação dos professores e na aprendizagem.

Por que é que ser professor primário é tão apelativo? Uma das coisas mais importantes é a autonomia, em que cada professor organiza o trabalho como entende, por isso a questão da avaliação é muito sensível. As aulas estão muito fechadas sobre si mesmas, o que é uma força do sistema mas também uma fraqueza. Mas o facto é que os pais confiam nos professores e nas escolas.

Na Finlândia, o ensino primário prolonga-se por seis anos, as crianças ficam durante este período com o mesmo professor. Isso é importante? Sim, é a base de tudo. Costuma ser um professor que trabalha com eles ao longo dos seis anos, mas há escolas que dividem os anos por dois professores e pode haver outros professores que ajudam nalgumas matérias, por exemplo, em Matemática ou Desporto. Fica ao critério da escola.

Os poucos chumbos que existem são na primária... Analisando os alunos do 9.º ano, constata-se que só 2,6 por cento chumbaram e a grande maioria foi na primária. É mais eficaz reter um aluno um ano no início do que este ter que repetir um ano mais tarde, porque é uma altura em que estão a ser dadas as bases. Os professores finlandeses têm expectativas muito altas em termos académicos, incluindo os primários, mais até do que noutros países nórdicos. Por exemplo, na Dinamarca o ensino está mais centrado no bem-estar e felicidade das crianças do que nos resultados académicos. O modelo finlandês mistura os dois factores, preocupa-se com a felicidade e com a parte cognitiva, o que se traduz na aquisição de certos níveis na Escrita, Leitura e Matemática, algo que também já é importante na pré-primária.

O que faz com que um professor seja bom?
Perguntámos isso a alunos e concluímos que é quando sentem que percebe do tema que ensina e também, e este aspecto é interessante, quando sentem que se interessa por eles e está disposto a ter conversas que lhes dizem algo e que não têm necessariamente a ver com a cadeira que lecciona.

Questões como a sexualidade?
Sim, mas também quando o professor os ajuda a escolher o caminho que vão seguir, que está disposto a discutir com eles o porquê das suas escolhas.

As escolas finlandesas têm turmas pequenas. Este poderá ser outro factor de sucesso? São pequenas e os professores defendem que devem ser ainda mais pequenas. Eu sou céptico em relação à utilidade de reduzir as turmas. Actualmente, na primária, em média, temos 21 alunos por turma, no secundário 19. Eu acho que não é possível chegar a um número óptimo, que a dimensão das turmas deve depender dos alunos, do que se ensina. Até porque ter turmas mais pequenas significa ter mais professores e isso implica aumentar gastos. Penso que o dinheiro pode ser usado para criar mais apoios de acordo com o contexto de cada escola: há escolas em que 15 por cento são imigrantes.

Uma das conclusões da OCDE é a de que pagar bem a professores resulta em melhores resultados, porque aumenta a sua motivação.
Até certo nível. O importante são as condições de trabalho como um todo, o salário é um sinal. O mais importante é os professores sentirem que, quando têm dificuldades, não estão sozinhos, o que não é o caso em muitos países.

A Finlândia é um dos países onde se passa menos tempo na escola
.Quando se está na escola está-se concentrado na escola, quando se sai vai-se fazer outras coisas, são tempos perfeitamente separados. Na Coreia [outro país bem classificado no PISA], os alunos levantam-se às 6h00 e voltam a casa às 21h00, e ainda têm que fazer trabalhos de casa. Para estes jovens, a escola e a educação são tudo na vida. Os finlandeses, entre tempo na escola e trabalhos de casa, passam um total de 30 horas por semana, face a 50 horas da Coreia.

Moral da história?
A forma como os países conseguem bons resultados é completamente diferente. Esse é o reverso da medalha destes estudos internacionais que incentivam a imitação. Os países podem aprender uns com os outros, mas tem que se ter muito cuidado em transplantar modelos.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Será a avaliação docente a panaceia para todos os males do ensino?

“Temos como futuro o esquecimento” (Jorge Luís Borges, 1889-1986).

Não me pesa na consciência qualquer espécie de conivência com o estado caótico a que chegou o nosso ensino. Tenho o aval da publicação de dois livros da minha autoria: “Do Caos à Ordem dos Professores” (2004) e “O Leito de Procusto : Crónicas Sobre o Sistema Educativo” (2005). Ou seja, enjeito a responsabilidade pessoal de um futuro de esquecimento.

Perante a série de asneiras que se foram cometendo, ao longo dos anos, não se esgota, de forma alguma, a melhoria do ensino nacional com um processo de avaliação docente por melhor que ele seja, porque condicionado à própria imperfeição humana. Comecemos por abordar, ainda que brevemente, o caso das ordens profissionais, tomando por paradigma a Ordem dos Engenheiros. Suponhamos a inexistência da supracitada associação de direito público. Neste caso, teríamos Sócrates reconhecido oficialmente como licenciado em engenharia e outros “licenciados” do género pela Universidade Independente, a exemplo de uma padaria que fabricasse e vendesse pão roubado no seu peso e queimado na sua cozedura, a fazer autorizada concorrência com uma padaria honesta no peso e na qualidade das fornadas da respectiva produção.

Mas o governo, e ele bem sabe por que o fez, não se deixou vencer na sua campanha em defender diplomas de má qualidade. Não conseguindo que fosse retirada à Ordem dos Engenheiros (e a outras existentes na altura) a creditação dos cursos que lhe dão acesso logo retirou essa prerrogativa a novas ordens profissionais tornando-as servas de cursos criados sem rei nem roque, mormente, no ensino privado com destino à docência. Pois é isto que acontece com a água benta de um permissivo estatuto de carreira docente única que, em igualdade de direitos e desigualdade de devere, dá acesso a todo o indivíduo que se apresente perante o Ministério da Educação com um certificado de habilitações, quer tenha sido passado por estabelecimento de ensino de crédito firmado ou por uma escola privada de vão de escada. Mais grave do que isso: dando iguais direitos a quem se habilitou arduamente para a docência relativamente a diplomas que deviam servir, quando muito, para pendurar na parede em satisfação do ego dos respectivos portadores. Para além disso, beneficiaram de uma situação de complemento de habilitações permitida por lei, é justo dizê-lo, uns tantos dirigentes sindicais que se souberam aviar em terra antes de irem para o mar calmo de uma remota docência onde os espera o topo da carreira docente.

Para este statu quo de nada valeu a revolta gerada no próprio seio estudantil por a voz da razão ter sido abafada pela vozearia de um vergonhoso oportunismo. Ou porque, como escreveu Eça, “os estudantes, geralmente, têm a revolta muito fácil, mas muito curta; e desde que os barulhos são feitos unicamente por estudantes, a ordem renasce de repente, quando uma madrugada eles se sentem esfalfados de tanto berro e de tanto encontrão, e recolhem-se a casa para mudar de roupa e de entusiasmo”. Disso mesmo dou conta com esta transcrição de jornal que relata uma Assembleia Magna da Universidade de Coimbra, com a finalidade de defender “a qualidade do ensino superior” perante a possibilidade dos licenciados pelas Escolas Superiores de Educação poderem vir a leccionar no 3.º ciclo do ensino básico em concorrência desleal com os licenciados por universidades, a exemplo do já acontecido na docência do 2.º ciclo. Reza essa notícia do jornal:”Nós [universitários] suamos mais e trabalhamos mais do que os do Politécnico. ‘Setenta por cento marxista’, Cristina, originária de Bragança, estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia, subiu anteontem à noite ao palanque da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC), dissertou sobre as túnicas de Cristo e, às tantas, a propósito da alteração á Lei de Bases do Sistema Educativo, conseguiu arrancar a primeira chuva de aplausos da sessão ” (“Público”, 01/11/96).

Por entender, em concordância com Miguel Torga, que “maldito seja quem se nega aos seus nas horas apertadas”, e por ser na altura assistente de uma das Faculdades da Universidade de Coimbra, solicitei autorização para estar presente na referida assembleia tendo-me ela sido concedida, embora (como é natural) sem direito a voto. Dessa minha presença, transcrevo da já referida notícia: “Inédita, em assembleias magnas, foi a intervenção de um sindicalista, Rui Baptista, presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, solidarizou-se com as causas dos universitários e alertou para o facto de, hoje em dia, ‘toda a gente’ querer ir para o 3.º ciclo e o 1.º ciclo estar a ficar ‘sem professores’. O alerta coincidiu com uma das conclusões do parecer que a AAC vai enviar à Comissão parlamentar de Educação no sentido de se elaborar um estudo que averigúe as necessidades do país em matéria de professores nos próximos 10 a 15 anos. Um primeiro passo à procura do consenso perdido.” Ou seja um “primeiro passo” perdido nos corredores dos “Passos Perdidos” que, mais tarde, não viabilizou a criação de uma Ordem dos Professores que se pudesse responsabilizar por uma sólida formação académica dos respectivos associados. E isto é tanto mais estranho porquanto, em 1977, o extinto semanário “Independente”,noticiava que “a estratégia de Marçal Grilo [então ministro da Educação, como se sabe] passa por colocar as ordens profissionais na linha de fogo às loucuras do mundo académico”. Interroguei-me numa comunicação feita no decurso do “1.º Forum Pensar a Educação” (16,17 de Outubro de 97), intitulada “A Ordem dos Professores e as loucuras do Mundo Académico”: “Por isso, a que título a excepção dos professores licenciados continuarem escravizados a uma desordem profissional e na retaguarda ‘da linha de fogo às loucuras do mundo académico’”?

Desta forma, continua a docência a dar guarida a diplomas de vão de escada, a avaliar todos os professores como se tratassem de gémeos monozigóticos possuidores do mesmo genoma permitindo até que determinados graus de ensino básico pudessem ser da pertença de formações académicas diferenciadas, numa disputa quase fratricida, com o silenciamento do grito de alma da universitária de Coimbra que repiso: “Nós [universitários] suamos mais e trabalhamos mais do que os do Politécnico”.

Sou obrigado a reconhecer (até porque chamada a minha atenção para esse facto por comentários feitos ao meu anterior post, "A POLÉMICA SOBRE A AVALIAÇÃO DOCENTE") que a avaliação dos professores, por si só, não está capacitada para resolver os graves problemas de que enferma o nosso ensino em que uma prova de acesso à docência é rejeitada por sindicatos nacionais, pese embora estar fora da alçada da respectiva competência por não se tratar de uma questão salarial ou de horário de trabalho. A grave enfermidade de que padece o ensino em Portugal, provocada, por vezes, por detractores do saber científico e mezinhas de curandeiros da pedagogia, carece urgentemente de um tratamento de choque que passe por uma prova de acesso à docência, uma avaliação séria e a sério dos docentes não devendo a criação de uma Ordem dos Professores ser amputada de se constituir o garante da qualidade académica e profissional dos diplomas dos seus associados não assumindo, com isso, a responsabilidade dos actos de uma profissão declaradamente de interesse público que não pode estar escravizada a exigentes e destemperadas acções reivindicativas sindicais. No uso de uma expressão popular, “cada macaco no seu galho”!

Na imagem: Panaceia, Deusa da Cura, na mitologia grega.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A POLÉMICA SOBRE A AVALIAÇÃO DOCENTE

“Contestar a ideia de um certo homem ou defendida por um certo homem não é insultar esse mesmo homem: sabe-se isto no mundo inteiro e só se desconhece neste país” (António Sérgio, 1883-1969).

A avaliação dos professores é um assunto que tem feito correr muita tinta e criado polémicas em que parece ninguém se entender ou se querer entender.

Em inglória tentativa de querer fazer crer que, ao contrário de outras profissões em que há, por exemplo, bons e maus médicos, bons e maus sapateiros, assiste-se, aqui, a uma espécie de sindicalismo utópico, ou mesmo selvagem, porque, como diria Ortega y Gasset, “odeia os melhores”, fazendo-se, com isso, defensor de uma carreira docente única que não encontra paralelo em nenhuma outra parte do mundo.

Uma insólita singularidade que tanto se lhe dá como se lhe deu que uns tenham estudado mais e outros menos ou que os docente menos habilitados se pudessem ter reformado na flor da idade, ao 52 anos, e se exigisse aos mais habilitados a pena de mais quatro anos de serviço. Valha-nos, ao menos, isto: embora não tantos como Jacob serviu Labão, pai de Raquel.

Para esta espécie de doutrina sindical, que não distingue os que fazem da docência uma espécie de sacerdócio e outros um simples modo de vida, todos os professores são havidos como excepcionais, apenas com a diferença de uns serem mais excepcionais do que outros. Por outro lado, nunca se ouviu a voz dos prejudicados directos de tanta fartura, que leva a opinião pública a dela desconfiar, a levantar-se contra esta espécie de simulacro de avaliação. Somente, quando ocorreu a divisão entre professores titulares e professores tout court, aí sim, levantou-se um coro quase uníssono, aliás justíssimo, a discordar publicamente que professores de menor habilitação avaliassem professores mais habilitados.

Claro que no sistema de avaliação proposto por Maria de Lurdes Rodrigues e continuado por Isabel Alçada, sob a batuta de José Sócrates, que sob a avaliação deve sofrer do síndrome de uma avaliação feita por fax, “foi pior a emenda do que o soneto” ao transformar os professores em simples mangas-de-alpaca , escravizados, como escreveu Karl Marx, em carta a Engels, por “teólogos do Estado que fazem do Estado a sua propriedade privada, com recurso ao espírito de segredo, mantida por uma hierarquia que se protege do exterior pela sua natureza de corporação fechada”. E acrescentou Karl Marx: “A actividade criticamente científica aparece a esta burocracia ignorante, mas poderosa, como uma traição aos seus interesses, já que a autoridade é o princípio do seu saber e a idolatria da autoridade é a sua mentalidade”.

Mas esta desastrosa situação não justifica, de forma alguma, comentários insultuosos, falhos de qualquer ética que deve presidir a uma profissão que, no dizer de Pierre Bordieu, deveria ser o primeiro dos ofícios, dominada por um ódio visceral contra todos aqueles que defendem uma avaliação docente que não seja um simulacro de avaliação (em que, numa inversão de papéis, o avaliador de hoje passa a ser o avaliado de amanhã) ou uma avaliação em que conte uma discutível auto-avaliação com o penoso preenchimento de resmas de papel, afastando, com isso, o docente do seu verdadeiro mister: ENSINAR.

Isto é, só através de um sistema de avaliação dos professores, capacitando-o para bem distinguir o respectivo desempenho docente, se poderá pôr cobro à situação de Portugal se ter tornado, servindo-me de uma expressão de João Lobo Antunes, “num país de carreiristas”. Razão encontro, também, em Eça: “Deixemos no bengaleiro a nossa perpétua inclinação nacional de escutar odes – e entremos só com a tendência humana de resolver problemas”.

Salvo melhor opinião, a solução de uma avaliação séria dos professores deverá passar, também, pela criação de um corpo inspectivo devidamente habilitado e isento para não sofrer a influência diária do meio escolar em que as personagens avaliadoras e avaliadas convivem no seu dia-a-dia com as inerentes simpatias ou antipatias pessoais em reflexo de inclinações partidárias ou de qualquer outra natureza.

Esta uma mera opinião pessoal (e como é sabido, as opiniões valem o que valem) ou mesmo atrevida, mas segundo julgo, merecedora de reflexão por parte de quem estuda estes problemas com conhecimentos profundos de causa e razões devidamente fundamentadas. Mas nunca com a intenção subserviente de servir os desígnios políticos da tutela que vier a ocupar a 5 de Outubro ou de uma nefasta ditadura sindical.

sábado, 26 de março de 2011

Tudo se repetirá...

O modelo de avaliação do desempenho docente, vigente até à passada sexta-feita, foi concebido, planeado, implantado, alterado e voltado a alterar, e, agora, revogado, por razões políticas, económicas, retóricas… Os protagonistas principais – políticos, sindicatos, ideólogos… – invocaram, contudo, critérios de ordem ética, filosófica, pedagógica. Critérios que sempre vi ausentes desse modelo, ou nele deturpados em função das circunstâncias.

Novo governo virá e, com ele, um modelo de avaliação do desempenho docente surgirá (já se fala dele, por sinal). Arrisco dizer que tudo o que escrevi acima se repetirá...

E isto porque as funções docentes estão longe de estarem definidas, bem como as competências que se requerem para as concretizar. O mesmo se podendo dizer para os referências pedagógico-didácticas que permitem operacionalizá-las, trespassados que estão de teorias da mais variada proveniência e com a mais variada produção.

Na imagem: A estrutura da Avaliação do Desempenho Docente, proposta num determinado momento.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Excessivo contentamento

Excessivo contentamento. Esta é a qualificação que me ocorre ao ouvir os discursos do senhor Primeiro Ministro e da senhora Ministra da Educação sobre os resultados obtidos pelos nossos alunos no Programa de Avaliação Internacional de Estudantes, 2009.


Esta afirmação não assenta em qualquer suspeita sobre a qualidade do Programa nem a falhas graves na sua aplicação em Portugal.

Na verdade, trata-se dum Programa de monitorização da aprendizagem, que os sistemas educativos promovem, assente em pressupostos consistentes, que orientam a sua operacionalização e concretização. Tal enquadramento norteia o trabalho de recolha de dados, que é apoiado e supervisionado por peritos internacionais. Também o tratamento e apresentação desses dados, bem como as conclusões e sugestões deles decorrentes têm sido feitas com grande rigor e pertinência.

Podemos (e devemos) questionar os pressupostos que guiam o Programa, o qual apesar de independente não deixa de partilhar a filosofia da organização que o promove (OCDE), mas dentro dessa filosofia denota coerência e transparência.

Assim, a afirmação que acima fiz decorre do facto de serem muitos os alunos não abrangidos pelo Programa que levantam problemas sérios em termos de aprendizagem e serem também muitos os alunos abrangidos que se situarem abaixo da média global obtida. Um nível satisfatório de literacia na Leitura, na Matemática e nas Ciências generalizado é, portanto, um objectivo ainda distante, o que nos deve deixar bastante apreensivos.

Por outro lado, na melhoria dos resultados, não podemos desprezar o papel do treino no modelo de exames que o Pisa apresenta, assente essencialmente em problemas. Os exames nacionais têm seguido esse modelo, o mesmo acontecendo, progressivamente, com escolas e professores. Trata-se dum aspecto que emerge nos processo de avaliação e que pode iludir em parte os resultados.

Por outro lado, ainda, a evolução apurada no nosso sistema educativo não nos deve fazer esquecer as inúmeras dificuldades com que a educação escolar se confronta, desde a formação de professores, até ao ensino-aprendizagem em sala de aula e avaliação, passando pelas orientações curriculares e programáticas, pela avaliação do desempenho docente, pela produção e uso dos manuais escolares... Dificuldades que muitos (bons) professores, encararam e procuram superar, mas, deve sublinhar-se, com grande esforço, indo além do horário, sem compensações.

Faltou, pois, alguma reserva nos comentários políticos aos resultados do Pisa, o que em nada teria ofuscado a melhoria de resultados que felizmente conseguimos, antes lhe dava mais realismo.

Dados que mais se destacam no Pisa 2009

Amavelmente, o leitor João Boaventura enviou-nos o power-point que serviu de suporte à apresentação dos dados relativos ao desempenho dos alunos portugueses que mais se destacam no Programm of International Student Assessment (2009).

Tal apresentação aconteceu no passado dia 7, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e foi realizada por Carlos Pinto Ferreira, nosso representante no Programa.

sábado, 20 de novembro de 2010

Rigor, intuição, ensino estruturado e actividades exploratórias


Excerto da minha intervenção na conferência “Ensino da Matemática: Questões e Soluções”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
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Para iniciar a minha intervenção, gostaria de comentar o tema “Rigor versus intuição”. Rigor e intuição são, à partida, dois conceitos que tenho muita dificuldade de ver em oposição. De facto, qualquer matemático dirá que sem intuição não há Matemática. Sem intuição não podemos abordar um problema novo. (...) A intuição é o que nos permite vislumbrar estruturas ainda desconhecidas, percebê-las de maneira, digamos, muito subjectiva, muito etérea, muito pouco concretizada. É um vislumbre mental de Terra Incógnita. E é a partir desses mapas proporcionados pela intuição que podemos avançar com instrumentos mais rigorosos e mais pesados para perceber, compreender e resolver efectivamente um problema de Matemática. A intuição é um instrumento de trabalho indispensável para matemáticos, mas também para alunos em fase de aprendizagem.(...). No entanto, o que é interessante é que há aqui um paradoxo: também qualquer matemático dirá que quando ataca, quando aborda um problema novo, as primeiras intuições que tem estão com frequência erradas, pelo menos de forma parcial. No momento de escrever rigorosamente os nossos argumentos deparamo-nos com contrariedades e dificuldades que não tínhamos equacionado inicialmente na nossa construção intuitiva.(...) Fazer Matemática é por vezes frustrante, isto acontece muitas vezes!
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E não só acontece muitas vezes como acontece a qualquer pessoa. (...)Em meados dos anos noventa, tive a sorte de assistir a uma disciplina leccionada pelo professor Jean-Christophe Yoccoz, precisamente no ano em que ganhou uma medalha Fields. Naturalmente, todos gostavam no fim da aula de ir falar com ele e de lhe mostrar alguns problemas. (...) Em geral aproveitávamos para lhe mostrar os mais difíceis, aqueles que nos resistiam há mais tempo. Ele ouvia, ficava calado, sem exagero, não mais de trinta segundos, e de seguida começava a elaborar afincadamente no quadro várias possibilidades de resolução distintas. Nós ficávamos fascinados, não percebíamos como podia ser. Até que um dia, a meio de uma argumentação, hesitou, recuou e por fim disse algo como “Desculpem, isto não funciona bem como eu estava a pensar”. Ficámos perplexos. Notando a nossa confusão, disse com ironia: “Meus caros, não sei se estão a par, mas sabem que até eu tenho de pensar!” E acrescentou: “Vocês é que não sabem, mas a grande maioria das ideias que tenho acabam por se revelar erradas...” Se até um dos maiores matemáticos do século XX faz afirmações erradas se se deixar ficar pela intuição, o que dizer dos restantes mortais? Penso que é este o contexto correcto para se tratar da problemática “rigor versus intuição”. Não podemos ficar-nos pelo estado da intuição, apesar de ser necessário tê-la. A intuição tem de ser sempre verificada pelo rigor, mais não seja porque é em si é algo de muito falho.
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É esta deficiência que eu mais noto nos alunos que chegam todos os anos à Universidade. E é talvez a maior crítica que eu faria à maneira como se ensina hoje Matemática no ensino básico e secundário. Gostaria antes de mais de me distanciar vigorosamente do lugar-comum do professor universitário que atribui a “culpa” aos seus colegas do secundário. O que aqui vou criticar – e espero que se trate de uma crítica construtiva – é o programa, o currículo e algumas orientações pedagógicas que estão na moda (...), mas não são os professores que estão em causa. Na realidade, estes encontram-se muitas vezes literalmente espartilhados por todos estes elementos. Posto isto, eis o que gostaria de dizer: as definições precisas são o ponto inicial da Matemática. Sem definições para os objectos não conseguimos pensar. É impossível executar um raciocínio hipotético-dedutivo sobre objectos definidos de maneira intuitiva. Portanto, se todas as noções são ensinadas de forma vaga, o que nós estamos realmente a fazer é impedir que os alunos possam aprender Matemática: não poderão correlacionar objectos, aperceber-se das suas propriedades ou demonstrar teoremas. Isto acontece com frequência. Dou um exemplo simples: a noção de convergência de uma sucessão. É curioso, porque eu tenho alguns anfiteatros com muito bons alunos, que terminaram o ensino secundário com médias não inferiores a quinze valores(...). No entanto até hoje não tive um único que conseguisse, após doze anos de estudos pré-universitários - sendo que os três últimos são de especialidade - explicar-me razoavelmente o que significa dizer que uma sucessão converge para um determinado valor. Ficam-se por ideias intuitivas e até falsas como “a sucessão aproxima-se do seu limite” ou “a sucessão aproxima-se indefinidamente de um valor, o seu limite, sem nunca o alcançar”. É engraçada esta ideia completamente errada, com que muitos alunos saem do secundário, de que o limite é algo de “inalcançável”!(...) Tratando desta maneira altamente superficial a noção de convergência, não sabemos resolver um problema sério e interessante que envolva limites porque nem sequer o próprio conceito de partida está adquirido. Na verdade, o que fazemos ao não ensinar correctamente a noção de limite é um retrocesso de duzentos anos na história da Matemática. Os matemáticos dos séculos XVII e XVIII, que não tinham ainda compreendido totalmente esta noção tinham pontos de vista diferentes e acesas discussões sobre a convergência ou divergência de certas sucessões. (...) É preciso esperar por Bolzano e Cauchy no início do Século XIX para se obter uma definição séria e operacionalizável. E o que estas pessoas viram é perfeitamente explicável a partir do actual 10.º-11.º ano.
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É claro que me podem perguntar se é assim tão fundamental que se ensine a noção de limite rigorosamente no secundário. Não, de facto não o é, mas era importante que pelo menos alguma coisa se ensinasse rigorosamente. E isso muitas vezes não sucede. Olhemos por exemplo para a função exponencial, assunto central do programa do 12º. O que eu vejo nos manuais é que o gráfico dessa função tem uma certa forma, umas propriedades obscuras como “se a base é maior do que o 1 é crescente, se a base é menor do que 1 é decrescente”, umas ladainhas do tipo “bases iguais, somam-se os expoentes”, e pouco mais, a função em si nunca é definida. Temos uns desenhos e umas propriedades algébricas, e passadas três páginas, aí vão os exercícios! (...) Um outro exemplo: em finais dos anos oitenta, o aluno médio do 12.º ano sabia quase tudo sobre curvas cónicas, sobre as suas propriedades geométricas, directrizes, focos, excentricidade, equações reduzidas…etc. Hoje em dia, muitas vezes, tudo o que se tira de um aluno é que uma elipse é uma espécie de circunferência achatada. Isto é muito desolador, trata-se de um assunto de extrema importância que deveria estar adquirido no final do 12.º ano. Alguém decidiu retirar do programa a parte rigorosa, deixando apenas uns vestígios superficiais.
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Na geometria, na análise ou na álgebra, já não são ensinadas definições com as quais os alunos possam exercer e estudar Matemática seriamente. Assistimos assim ao desaparecimento progressivo da Matemática do currículo do ensino básico e secundário. Um pouco como se a Matemática se estivesse a esfarelar progressivamente até não ficar coisa nenhuma. Poder-se-á até dizer que o Ensino se está a aproximar perigosamente da divulgação cientifica, que sendo algo de muito importante também, possui uma natureza distinta. De facto, dizer que tender significa “aproximar-se muito” (...) ou dizer que a função exponencial “cresce muito”, ou dizer que uma elipse é uma “circunferência achatada”, são ideias que de um certo ponto de vista estão correctas, mas que cabem mais num livro de divulgação do que num manual de Ensino destinado a alunos de 16-18 anos. Assim, para concluir sobre esta questão do rigor e da intuição, digo que a segunda sem a primeira não tem qualquer valor, e que um ensino de Matemática que nada tem de rigoroso não é de facto Ensino de Matemática. Muitos pedagogos da situação consideram que estas ideias datam dos anos 50, cheiram a mofo e estão ultrapassadas. De facto enganam-se, estas ideias são bem mais antigas: têm 2500 anos e não 50, e constituem o próprio corpo da Matemática e toda a herança que nos foi deixada através dos séculos. É necessário que todo o Ensino Secundário seja totalmente e formalmente rigoroso? Não, e provavelmente nem seria desejável, mas é fulcral que pelo menos uma parte o seja.
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Gostaria ainda de comentar brevemente a segunda dicotomia sugerida, “Actividades exploratórias versus Ensino estruturado”. Mais uma vez não creio que se trate de uma verdadeira dicotomia. Sabemos que um ensino obstinadamente exploratório é pouco estruturado e tende a saltar etapas de aprendizagem indispensáveis. As actividades exploratórias podem e devem ajudar no Ensino, mas não podem ser um fim em si. Caso contrário, caímos nas ideias construtivistas que misturam os conceitos de maneira absolutamente confusa, em que se anda para a frente, se anda para trás, se anda para o lado e não se percebe o que se está a fazer, nem se chega a conclusão alguma! É a ideia da “investigação na sala de aula”, conceito muito comum em certas correntes da pedagogia falsamente moderna, que pretende que o aluno redescubra os conceitos científicos por si próprio. Obviamente, trata-se de uma ideia muito disparatada. Pensemos na noção de convergência de uma sucessão. Foi preciso esperar séculos até que alguém nos viesse colocar as ideias no lugar. Não me venham pois dizer que é manipulando umas sucessões, eventualmente com recurso a “novas tecnologias”, calculadoras e quadros interactivos, que os alunos vão perceber qual é a ideia correcta de limite. Isto é totalmente impossível. Só com um ensino estruturado e por vezes centrado no professor é que se consegue atingir o milagre do ensino. De que milagre estou a falar? No facto extremamente curioso de ser possível transmitir à geração seguinte tudo que necessitou de séculos para ser percebido. É de facto muito estranho que isto seja possível, mas é esta nossa capacidade de absorver os conhecimentos das gerações anteriores que possibilita sequer a ideia de civilização. Temos o dever de transmitir estes conhecimentos aos nossos alunos, e não brincar às investigações em sala de aula, sacrificando o corpo de conhecimentos acumulados que são o verdadeiro património da humanidade. (...) Como eu disse, as actividades exploratórias podem ajudar, mas não podem ser um fim em si. Por outro lado, contrariamente aos “especialistas” que defendem essa ideia mas que não entram numa sala de aula, qualquer professor do ensino básico e secundário sabe que nem sequer é viável, por questões de tempo, introduzir sistematicamente a matéria desta forma e de seguida fazer a necessária síntese.
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Muitas vezes os matemáticos são vistos como seres alienados e desligados da realidade, que abominam toda e qualquer actividade exploratória mais prática. Isto não corresponde à verdade: trata-se apenas de um truque retórico para afastar os cientistas dos debates sobre o Ensino, estratégia que infelizmente tem resultado.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

OS ERROS NOS EXAMES

Agora que os alunos candidatos ao ensino superior estão colocados, em resultado, pelo menos em parte, de exames nacionais, e que os novos exames estão a começar a ser preparados, é bom lembrar que o GAVE, o Gabinete do Ministério da Educação que é responsável pela elaboração dos ditos exames, tem deixado passar erros nas provas e, pior que tudo, tem uma dificuldade extrema em admitir erros, mesmo quando eles são de palmatória.

Um bom exemplo é o caso recente, que me foi transmitido por uma professora de Biologia e Geologia, referente à questão 2 do grupo III do exame de Biologia e Geologia (702) da 1ª fase do ano de 2010:

"2. Seleccione a única opção que contém os termos que preenchem, sequencialmente, os espaços seguintes, de modo a obter uma afirmação correcta.

No basalto da crosta oceânica, um isótopo radioactivo desintegra-se espontaneamente a uma taxa _______ ao longo do tempo e a sua percentagem, na rocha, tende a _______ com o afastamento da rocha à crista oceânica.

(A) constante ... diminuir
(B) variável ... aumentar
(C) constante ... aumentar
(D) variável ... diminuir"


(O exame e critérios de correcção podem também ser encontrados aqui )

A opção considerada correcta pelo GAVE é a opção A, isto é, julga que a taxa de decaimento radioactivo é constante. É um erro! Como muito bem diz a professora: "esta opção está em contradição com a abordagem que é feita nos manuais de 10º ano e livros da área."

De facto, a taxa de desintegração radioactiva, também chamada actividade, é variável com o tempo. É até, se assim se pode dizer, muito variável. A derivada de uma função exponencial, a função que descreve a evolução no tempo de uma amostra de núcleos radioactivos, é ainda uma função exponencial. Taxa de desintegração ou de decaimento é a medida da variação no tempo do número de isótopos radioactivos, que é proporcional ao número de isótopos radioactivos presentes. A opção correcta correcta era, portanto, (D). Assim, e cumprindo o seu dever, antes de se iniciar a correcção das provas a professora contactou o GAVE no sentido de alertar para o erro. Na véspera da afixação das notas recebeu uma resposta cheia de erros científicos. Tive acesso a esta resposta, que é um chorrilho de disparates, misturando conceitos distintos, que só pode vir de quem sabe pouco sobre processos radioactivos. Após nova argumentação pela professora citando um livro que é considerado uma referência pedagógica em todo o mundo, veio a resposta final do GAVE, pretendendo pôr uma pedra na questão. Desta vez, dizia pura e simplesmente que a argumentação "não estava no âmbito da disciplina de Biologia e Geologia" (sic). Quer dizer, o significado de taxa de desintegração seria variável: seria um em Biologia e Geologia e outro em Física! O autor de semelhante dislate não teve a coragem de assinar, escondendo o seu anonimato por detrás das iniciais GAVE. Mas deve haver um responsável nessa casa. Ou não há? Razão tem Nuno Crato e outros mais, cada vez mais, que pretendem que o GAVE saia da alçada do Ministério da Educação, para se tornar um órgão verdadeiramente independente e idóneo.

Pasme-se: os alunos que dominavam a matéria e responderam correctamente tiveram uma resposta considerada errada e, se calhar, não puderam entrar no curso que queriam. E os outros, que sabiam pouco (tão pouco como o GAVE) foram premiados com uns pontos e, quiçá, aí estão colocados. Assim vai o ensino em Portugal...

domingo, 25 de julho de 2010

A tragédia da Matemática no básico

Depoimento que prestei ao "Jornal de Leiria" e publicado no último número sobre os resultados dos exames e Matemática do 9.º ano:

Salta à vista que o ensino da Matemática é um dos maiores problemas nacionais. Os péssimos resultados dos exames do final do ensino básico são apenas um dos indicadores do desprezo pela Matemática que reina entre nós. O Ministério da Educação, que devia estar na primeira linha da defesa da Matemática, pouco ou nada tem feito na área. Pior: procura até esconder o seu falhanço. Os resultados do Plano de Matemática são aqueles que se vêem. Onde estão os relatórios com as conclusões? A tragédia será ainda maior se os responsáveis não forem mudados.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

MATEMÁTICA - UMA DOCÊNCIA CALAMITOSA

Novo post de Eugénio Lisboa sobre "o medo da matemática", o "ódio à matemática" e o "desprezo pela matemática":

"As dimensões apocalípticas do desastre que representam os resultados dos exames de matemática no nosso país constituem um verdadeiro crime situável muito para além de qualquer explicação complacente. Isto é: não vale a pena nomear bizantinas comissões de inquérito para se encontrar uma explicação óbvia e de dolorosa simplicidade: os resultados catastróficos dos alunos são o corolário directo e nu de uma inconcebível, criminosa e generalizada incompetência pedagógica dos professores. Os alunos são muito maus porque os professores são, na sua esmagadora maioria, inconcebivelmente maus – não se justifica ir procurar mais longe.

Chegou realmente a altura de se fazer uma avaliação séria – e independente – não do grau de conhecimentos dos alunos, mas sim da competência técnica e pedagógica dos professores. Prometo-vos que os resultados dessa avaliação vos darão pasto a entretenimento por muitos e bons anos. Quando estive a viver no Reino Unido (e estive lá dezassete alongados anos), os resultados dilacerantes no ensino secundário conduziram, a certa altura, a suspeitas que já se não podiam esconder debaixo do tapete. Em vista disso, procedeu-se a uma avaliação nacional do grau de competência dos professores: os resultados foram tais que o próprio sindicato dos profissionais do ensino não conseguiu fabricar explicações fantasistas – declarou, preto no branco, que as conclusões do inquérito fariam rir, se não fizessem chorar.

Bastará dizer que, dos professores avaliados (e tratou-se de uma ampla amostra representativa), não se encontrou um único que escrevesse inglês escorreito (os erros de ortografia eram aos montes) e pelo menos um professor de matemática não sabia calcular 10 por cento de 15 libras... Dispenso-me de dar mais pormenores mas recordo-me de ter enviado para o Ministério da Educação, em Lisboa, pour mémoire, um ofício com recortes abundantes e chocantes, colhidos na grande imprensa inglesa de referência. Foi um autêntico tumulto, mas os resultados eram apenas de esperar: a dimensão apocalíptica de um desastre tem sempre uma explicação extremamente simples. (Alcácer Quibir explica-se depressa).

De resto, quem quer que tenha vivido estes problemas não ignora que a matemática tem duas virtudes singulares: é, simultaneamente, a disciplina mais fácil de aprender e a que, uma vez “aprendida”, tem maior e mais duradouro poder de sedução – é apenas uma questão de competência do professor... Do segundo ao sétimo ano do liceu, em Lourenço Marques, tive a felicidade de ter tido sempre o mesmo professor de matemática – Vieira Júnior – que era um pedagogo excepcional. Julgo que, em seis anos consecutivos, não houve na minha turma, um único mau aluno de matemática. Mas houve, em contrapartida, um bando de “viciados”: quando se “acabava” um livro de exercícios dessa disciplina, ficávamos como o drogado a quem falta a droga – alguns dos meus colegas, na falta de terem dinheiro para comprar mais cadernos de exercícios, furtavam-nos nas livrarias (era “por bem”, como diria el-rei D. João I ...) Mal por mal, antes assaltar livrarias do que farmácias...

Tenho outras provas – sensacionais – de que uma pedagogia da matemática opera milagres. Em Lourenço Marques – também! – nos tempos em que ali fui aluno do liceu, havia, fora do ensino oficial, um “explicador” de Matemática que, por acaso, fora amigo de Fernando Pessoa e de Mário de Sá-Carneiro (deste último, possuía algumas cartas e o poeta de Dispersão dedicou-lhe, mesmo, a mais longa novela – "O Incesto" – do seu livro de ficção curta, "Princípio"). Gilberto Rola Pereira, o “Gilberto Rolla” da dedicatória de Sá-Carneiro, costumava receber, em artigo de morte, os casos perdidos da matemática oficial: seduzindo-os, com o magnetismo de um olhar malicioso desfechado por detrás de uns óculos em meia-lua (o blazer impecavelmente britânico e a juba branca emissora de luz também ajudavam), o Rola ia-lhes mostrando, como ilusionista experimentado, como a matemática era, ao mesmo tempo, bela, rigorosa e simples: por assim dizer, “inevitável”. O milagre acontecia sempre: o mau aluno tornava-se bom aluno, o inimigo da matemática apaixonava-se pela matemática. À surrelfa, o Rola ia-lhes também metendo debaixo do braço livros do Pessoa, do Sá-Carneiro, do Régio... Matemática e poesia, - poderia haver melhor combinação? Poderia haver sedução mais óbvia? Mas, se o Rola Pereira era o mágico supremo, o operador sistemático de milagres que nunca falhavam – o coelho saía invariavelmente da cartola, sem acidentes de percurso - , não era o único operador de milagres do burgo mítico que era Lourenço Marques: outros havia (o Danúbio, o Gabão, etc.) que sabiam como seduzir para o reino de Pitágoras os alunos mais relapsos: o Helder Macedo que o diga, ou o Rui Knopfli (se fosse vivo) que o dissesse, entre dezenas ou centenas de marretas submetidos à ortopedia cintilante daqueles professores-benfeitores. O chamado “medo da matemática” que, com o tempo, acaba por se converter em “ódio à matemática” e, por fim, em termos de uma autodefesa triste e pindérica, em “desprezo pela matemática”, deriva sempre de, em cada professor, não existir a matriz sedutora de um Rola Pereira, de um Danúbio ou de um Gabão: matriz feita de competência, de gosto de ensinar matemática ou, mais singelamente, de gosto de ensinar.

Com os resultados que estão à vista: tsunamis pedagógicos a perder de vista e pessoas supostamente cultas e com responsabilidades profissionais e políticas capazes de ler, sem pestanejar, a célebre passagem do celebrado "Tartarin de Tarascon", de Alphonse Daudet: “Atrás do camelo quatro mil árabes corriam, pés nus, gesticulando, rindo como loucos e fazendo rebrilhar ao sol seiscentos mil dentes mui alvos”. Isto é, Daudet, certamente, por dificuldades com a operação da divisão, atribuía, a cada árabe, 150 dentes, em vez dos canónicos trinta e dois ou menos... Como observaria Bertrand Russell, Daudet poderia ter evitado este percalço, ou aprendendo a dividir ou, então, pedindo à Sra. Daudet que abrisse a boca. O Professor brasileiro Júlio César de Mello e Souza, mais conhecido pelo famoso pseudónimo de Malba Tahan e autor de livros interessantíssimos como "O Homem que Calculava e Matemática Divertida e Curiosa", a propósito desta passagem do livro de Daudet, observava com não pouca graça: “Uma simples divisão de números inteiros nos mostra que Daudet, cuja vivacidade de espírito é inconfundível, atribuíu um total de 150 dentes para cada árabe, transformando os quatro mil perseguidores em criaturas fenomenais.”

Eis o que estão a fazer dos portugueses os responsáveis pelo ensino da matemática: estão a transformá-los em “criaturas fenomenais” e fenomenalmente imbuídas de arrogância para com a disciplina que foi ilustrada pelos nomes de Pitágoras, de Euclides, de Thales de Mileto, Abel, Leibnitz, Descartes, Newton, Euler, Bernoulli, Fourier, Gauss, Nappier, Fermat, Galois, Mira Fernandes, Aniceto Monteiro, Sebastião da Silva Dias ou Tiago Oliveira. É realmente o momento de dizer: chega! Pede-se a um futuro primeiro ministro que aqueça suficientemente as costas de um ministro da educação competente e não complicado, que talhe a direito e corrija aquilo que se deve ter a coragem de corrigir: no ensino não pode haver lugar para incompetentes. Mantê-los é crime sem redenção".
Eugénio Lisboa

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O que é e para que serve a Matemática?


Muitos governos, dizendo defender a matemática, tratam-na muito mal. Muitos alunos convivem mal com ela. O eduquês mais radical quer mesmo bani-la da escola (ver aqui). Alguns literatos, que ainda vão no tempo pré-snowiano, ignoram-na pura e simplesmente. Algumas pessoas com posses acham que não a têm de possuir. Vale a pena, por isso, deixar aqui a minha posição sobre o que é e para que serve a matemática que exprimi num debate com Fernando Santos e Álvaro Góis,moderado por Ana Sousa Dias, num congresso sobre enino da matemática promovido pela Sociedade Portuguesa de Matemática na Fundação Gulbenkian há cerca de um ano:

O que é a matemática do ponto de vista de um físico? Com certeza que, do ponto de vista de um engenheiro e de um ponto de vista de um economista, a matemática é um meio que proporciona riqueza. Mas, do ponto de vista de um físico, que também será o de um matemático, trata-se de uma riqueza em si. Precisamos de matemática? Sim, precisamos absoluta e desesperadamente de matemática. E precisamos dela não só aqui e agora, como também qualquer que seja o sítio e qualquer que seja o tempo. A matemática é uma das maiores criações humanas, uma das maiores criações intelectuais da humanidade. Precisamos tanto da matemática como precisamos da música, da filosofia ou de qualquer outra das grandes criações humanas.

Do ponto de vista de um físico, a matemática é totalmente inevitável. Não existe física sem matemática: há uma comunhão de cama, mesa e roupa lavada. Vivem as duas juntas desde que a física existe. O pai fundador da física que é Galileu disse: o livro da Natureza está escrito em caracteres matemáticos e só o consegue ler quem conhecer essa linguagem. Ele foi o primeiro a fazer experiências tão simples como a de deixar cair um objecto e reconhecer nesse fenómeno os “caracteres da matemática”, a começar pela linha recta – os objectos, que são simplesmente largados, caem ao longo uma linha recta. Está logo aqui um padrão geométrico, uma regularidade que tem tanto de simples como de belo. Além da geometria, na descrição da queda dos corpos entre também a álgebra, que já existia antes de Galileu e que ele usou para expressar que a distância percorrida é proporcional ao quadrado do tempo. Como um objecto caía muito depressa ele inventou o plano inclinado de modo que o movimento fosse devagar. Tratava de uma máquina simples para efectuar uma experiência científica em condições controladas. Note.se que Galileu não dispunha de relógio para medir o tempo. A tecnologia do relógio só surgiu depois. Teve de usar o seu próprio pulso! Se ele tivesse ficado alvoroçado com a descoberta da lei da queda dos graves, lá se ia a descoberta, pois não conseguiria verificar a fórmula da queda dos graves... Galileu fez, portanto, nascer a física numa união íntima com a matemática. Não há física sem matemática. As pessoas podem dizer que não gostam de matemática (se a conhecessem melhor, poderia ser que passassem a gostar), mas, nesse caso, não poderão ser físicos ou sequer aprofundar o estudo da física porque a matemática é a maneira de expressar verdades sobre o mundo físico da melhor maneira, da maneira mais simples e elegante.

A seguir a Galileu veio Newton. Conta a lenda que estava debaixo da macieira (não estava lá ninguém para verificar, a história pode ter sido engendrada por ele), e apercebe-se, num momento mágico de intuição, que a maçã e a Lua obedeciam à mesma lei física. Esse momento de descoberta é o que os construtivistas gostariam de ver nas nossas crianças, mas afinal não se vê: esses momentos de intuição são muito raros. Newton vê a maçã e a Lua e conclui: há uma unidade profunda entre eles, a força que faz cair a maçã, a força da gravidade, é a mesma força que faz andar a Lua em volta da Terra. Isto não é, convenhamos, de modo nenhum intuitivo, mas no entanto, Newton teve esta intuição. Depois, a partir das observações de Kepler, conseguiu deduzir, para a força da gravidade, a expressão matemática do inverso do quadrado da distância. É este conhecimento pormenorizado da força que nos permite hoje, por exemplo, enviar e controlar satélites, obtendo informação sobre o que passa no outro lado da Terra. O nosso conhecimento físico-matemático do mundo é um conhecimento operativo, quer dizer, nós vivemos melhor no mundo, somos mais ricos neste mundo, porque dispomos de conhecimento sobre ele. Sem esse conhecimento, como seria a nossa vida? Sem Galileu e Newton, como seria hoje a nossa vida? Repare-se que Galileu e Newton partiram de fenómenos concretos, usaram a matemática, que tem algo de abstracto, e, a partir das suas formulações, foi possível chegar a aplicações concretas. Já alguém disse que a matemática parte do concreto e procede de uma maneira lógica e sistemática. Foi também assim que fizeram os primeiros grandes físicos.

Depois, veio ainda um outro grande físico, Einstein, o físico que subiu aos ombros de Newton, que por sua vez tinha subido para os ombros do Galileu, Einstein também partiu do concreto para o abstracto. Em primeiro lugar, porque é que ele se interessou pela ciência? Quando tinha cinco anos o pai ofereceu-lhe uma bússola e a criança que havia de ser cientista ficou a pensar no mistério da bússola. Mais tarde, aos doze anos, alguém lhe deu o livro “Os Elementos” de Euclides. Portanto, o concreto, nele como em qualquer criança, apareceu primeiro que o abstracto. Einstein faltou a umas aulas de matemática no seu curso da Escola Politécnica de Zurique. No entanto, a matemática que ele precisava para a sua teoria da relatividade já estava toda feita e compilada. Tanto para a relatividade restrita como para a relatividade geral, caso em que é mais complicada, a matemática já estava disponível, ao contrário do que aconteceu com Newton que teve de desenvolver a matemática apropriada para descrever o movimento. Einstein, não tendo frequentado todas as aulas, teve de se socorrer de uns apontamentos de um colega mais assíduo. Foi um professor dele, Minkowski, que sabia obviamente mais matemática do que Einstein, que formulou mais tarde a teoria da relatividade restrita num quadro matemático mais simples e elegante do que o seu antigo discípulo. Em 2005 fez cem anos a teoria da relatividade restrita de Einstein. E, em 2008, fez cem anos que o professor de Einstein expôs a teoria do Einstein de uma maneira matematicamente muito atraente, designadamente, que o tempo, a quarta dimensão, pode ser concebido como uma grandeza que os matemáticos designam de “imaginária”. Se considerarmos um tempo imaginário, a geometria da relatividade restrita para o espaço-tempo a quatro dimensões é a velha geometria euclidiana, contida nos “Elementos”. Portanto, Einstein resistiu um pouco, não percebeu muito bem Minskowski de início, mas, depois, concordou que essa era, de facto, uma maneira bonita de expressar as suas ideias da relatividade. Lá veio, mais uma vez, a matemática em auxílio da física.

Para a relatividade geral, Einstein também conseguiu chegar a uma equação muito bela. De um lado da equação, colocou a geometria do mundo a quatro dimensões, do espaço de tempo, desta vez não euclidiana. E, do outro lado, colocou a matéria e a energia. Portanto, a matéria e a energia determinam a geometria do mundo e esta geometria já antes tinha sido desenvolvida pelos matemáticos.. Einstein veio mostrar, mais uma vez, o grande poder da abstracção matemática para descrever situações concretas, pois a gravidade geral descreve os fenómenos da gravitação. Pensavam os matemáticos do século XIX que tinham criado novas geometrias, as geometrias não-euclidianas, que não tinham aplicação visível. Um dos maiores matemáticos desse século, Gauss, preocupou-se com esses problemas. O que fez ele para testar a geometria não-euclidiana? Pois fez experiências concretas. Ele sabia que a soma dos ângulos de um triângulo era 180 graus, de acordo com a geometria de Euclides. E perguntou? Será que no nosso planeta se aplica a geometria de Euclides? Pôs uma lanterna aqui, outra ali a grande distância e outra ainda acolá, também a grande distância, e tentou medir os ângulos desse triângulo á superfície da Terra. Não encontrou grandes desvios, devido ao grande tamanho do nosso planeta. A equação de Einstein, conforme se veio a mostrar, sumaria o nosso conhecimento do macrocosmos. Descreve o Big Bang, os buracos negros, etc. Mais tarde o sábio procurou debalde, sempre com base na matemática, uma teoria unificada que conseguisse descrever ao mesmo tempo a força da gravidade e a força electromagnética, que inclui a força magnética que preside à agulha da bússola. Einstein é hoje visto, e justamente, como o protótipo do pensamento abstracto, do pensamento matemático que consegue apreender o cosmos, mas não nos esqueçamos que ele começou com a bússola que o pai lhe deu, que ele começou em criança com a manipulação de um objecto concreto.

Por último, a questão que aqui foi posta: precisamos em Portugal da matemática? O facto de se colocar a pergunta dá logo a informação sobre o estado do país. Um país que está bem não coloca essa pergunta. Será que nós somos concretos? Será que nós somos lógicos e sistemáticos? Se a matemática parte do concreto e é uma procura lógica e sistemática de conhecimento, será que nós usamos metodologias desse tipo nas nossas vidas? E a resposta é que, na minha opinião, infelizmente não, não o fazemos na medida suficiente. Bastará dar um exemplo. A noção portuguesa de tempo é a noção menos concreta possível. Quando uma pessoa diz, “amanhã encontramo-nos”, este amanhã não quer dizer rigorosamente nada. Com um americano, se eu disser amanhã encontramo-nos, tenho de acrescentar o local e a hora, o espaço e o tempo. Planeio um evento num dado ponto do espaço e num dado instante de tempo. . Aqui não, amanhã encontrar-nos-emos, se calhar, por aí... Há uma esperança vaga de eu amanhã me cruzar com uma dada pessoa. Por sua vez, a procura lógica e sistemática devia ser também uma constante nas nossas vidas e não é. Será que nós planeamos as coisas? Acho que somos mais conhecidos pelo improviso, um improviso que, em geral, tem más consequências. Se há uma festa que temos de organizar, nós dizemos, “logo se vê”, uma expressão muito portuguesa. E vamos dizendo isto até à véspera... Depois, na véspera, começa a chover e dizemos: “ainda bem que não preparámos nada, está a chover”. Noutro país mais desenvolvido, como por exemplo na Alemanha, ter-se-ia o plano A e o plano B. O plano A com chuva e o plano B sem chuva, contemplando todas as hipóteses. Esta é a maneira racional, lógica e sistemática, de operar o mundo.

A matemática não são apenas as linhas geométricas, não são apenas os números, é o raciocínio rigoroso, é o método de pensar com o qual se pode ver e operar o mundo. Dou um outro exemplo. Ontem planeei aqui estar às dez horas e pensei assim: para estar às dez horas em Lisboa, tenho de partir às oito horas em Coimbra, duas horas chega para a viagem não ultrapassando, no meu carro os limites de velocidade. O raciocínio está bem feito: fiz as contas pensando numa velocidade média. Mas cheguei tarde. Porquê? Porque houve um grande desastre às portas de Lisboa que fez parar o trânsito. As coisas decorreram de uma maneira não planeada, mas que eu devia ter planeado. Devia ter plano B. Eu devia ter previsto que, em Portugal, as coisas decorrem de maneira imprevísivel. Infelizmente, os acidentes acontecem aqui mais do que noutros países e acontecem porque as pessoas vão alegremente a 180 km/h sem pensar nas consequências. Já alguém disse, em tom humorístico, que os automobilistas portugueses tentam subir para cima das árvores e alguns conseguem mesmo… Portanto, nós temos, a vários níveis da nossa vida corrente, raciocínios mal feitos, raciocínios que o não são de facto, porque o raciocínio que não é lógico nem sistemático não merece ser chamado raciocínio.

Termino dizendo que vivemos, de facto, numa altura dificil nas nossas escolas, numa altura em que se pensa que um professor pode ser substituído por um computador Magalhães. Mas este debate aqui deu-nos algum conforto, com base nas experiências dos outros países, de países onde não se põe a pergunta sobre a necessidade da matemática. Havemos de ser como eles. Mas, para isso, temos de interiorizar o valor do raciocínio. Essa é a grande riqueza da matemática: pensar bem. A matemática é uma lição permanente para a nossa vida.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Ensino e aprendizagem em sala de aula

Informação recebida pelo De Rerum Natura.

Tertúlia em torno do livro Comportamento, aprendizagem e ensinagem na sala de aula, com o seu autor João A. Lopes, organizada pela Psiquilibros Edições e Fnac.

Será no dia 3 de Março, pelas 21.30h, no Fórum Fnac Braga.

Sobre o livro: O ensino é em si mesmo terapêutico, pelo que uma das melhores formas de promover a saúde mental dos alunos é ensiná-los bem, com entusiasmo e persistência. Alienar as responsabilidades dos professores em terapeutas, assistentes sociais, administradores, etc. é a forma mais directa de exibir impotência e incapacidade perante os alunos (os quais, como se sabe, raramente perdoam as fraquezas alheias) e abrir uma caixa de Pandora de (im)previsíveis consequências

Sobre o autor: João A. Lopes é Professor na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, e é Director dos Mestrados em Psicologia desta Universidade. Autor ou co-autor de artigos, capítulos e livros sobre problemas comportamentais e de aprendizagem

SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA.

Por A. Galopim de Carvalho Paisagem granítica na Serra da Gardunha. Já dissemos que não há um, mas sim, vários tipos de rochas a que o vulgo...