domingo, 24 de julho de 2011

Tanto tempo perdido!

Quando o (novo) Modelo de Avaliação do Desempenho Docente foi divulgado tive o cuidado de imprimir e de ler a informação disponibilizada pelo Ministério da Educação e pelas diversas entidades a ele ligadas neste trabalho. Perdi horas e horas a tentar compreender e sistematizar essa informação e ensaiar grelhas em função dos aspectos propostos. Quando pensava dominar um discurso mínimo sobre o assunto, surgiram reformulações e reformulações das reformulações... reli-as e integrei-as nos meus esquemas mentais, mas quando o segundo (grande) dossier ficou abarrotado, tal como havia acontecido com o primeiro, desisti de me actualizar e, nessa medida, de pensar mais no assunto.

Tal como eu, mas de modo mais competente, profundo e operacional, milhares de professores de todos os patamares de ensino investiram tempo e paciência na preparação e concretização do processo de avaliação, seu e/ou dos colegas. Tempo roubado ao processo didáctico: planificação, trabalho com os alunos e sua avaliação. Um jornal, pela mão da jornalista por Kátia Catulo, fez (felizmente) o balanço das horas gastas pelas escolas:


"Quase 20 mil professores tiveram de avaliar mais de 118 mil colegas. Segundo os dados do Ministério da Educação, cada relator (professor avaliador) teve em média cinco professores para avaliar e uma hora e meia por semana do seu tempo para fazer essa tarefa. Contas feitas, o ensino público consumiu ao todo 30 mil horas por semana neste processo, o que equivale a 1250 dias no total. Os números têm por base as horas que a anterior tutela atribuiu aos docentes para avaliarem os colegas. Daí que professores e directores façam questão de esclarecer que este tempo pode variar, uma vez que não tem em conta o facto de os professores terem sob a sua responsabilidade a avaliação de colegas que pediram aulas assistidas - condição essencial para as notas de mérito (...).
Nada melhor que um exemplo concreto para ter uma estimativa do tempo que os relatores terão gasto com o actual modelo. José Rafael, professor de Português da Secundária Oliveira do Douro, em Gaia, avaliou seis colegas (dois com aulas assistidas) e, durante oito semanas, usou em média quatro horas semanais só para definir critérios e preencher as grelhas de avaliação. O avaliador tem de apreciar relatórios de auto-avaliação e preencher fichas com dezenas de páginas e dezenas de indicadores que se multiplicam por domínios, subdividem-se em níveis ou se reproduzem em dimensões, em conceitos ou em temas associados. «A este tempo será preciso ainda acrescentar as quatro aulas assistidas, que totalizam seis horas, e ainda seis reuniões de uma hora com os avaliados. A boa notícia, diz José Rafael, é que este processo está praticamente concluído. Agora a dor de cabeça passa para a comissão de coordenação da avaliação, um júri composto pelo director e mais quatro docentes nomeados pelo conselho pedagógico de cada escola. São eles que determinam quem são os merecedores das notas - insuficiente, suficiente, bom, muito bom e excelente - em função das quotas para cada agrupamento».

9 comentários:

Anónimo disse...

Todo o processo carece de sentido. Se há professores avaliadores que me merecem o maior respeito, outros há a quem não reconheço qualquer competência (estive ligada à formação de cerca de 100 professores e por esta amostra, pequena é certo, posso constatar que alguns dos piores são agora avaliadores e alguns dos melhores são classificados por avaliadores muito aquém do avaliado). Quanto ao texto de Katia Catulo permito-me plagiar, alterando-o, um excerto ,(...)uma das más notícias, digo eu , é que este processo agora passa para a comissão de coordenação da avaliação, um júri composto pelo director e mais quatro docentes nomeados pelo conselho pedagógico de cada escola(...).
Sobre estes júris , entre os quais existem júris excelentes e idóneos, já denunciei, para muitos o seu aspecto "maquiavélico". Tendo em conta o que atrás referi bem como o nº de horas que continuo a lidar com escolas e professores, posso garantir que, pela mão destes últimos as excelências(virtuais) correspondem na maioria dos casos e mediocridades reias e subserviências totais,enquanto que as excelências reais nunca são consideradas como tal
Regina Gouveia

José Batista da Ascenção disse...

Confirmo a opinião da Colega Regina Gouveia. E poderia fundamentar pormenorizadamente (e muito alongadamente...) diversos aspectos inacreditáveis do processo. Mas, para ser mais resumido, transcrevo de um artigo de hoje publicado no jornal Público, o modo como Guilherme Valente se refere a este modelo de avaliação: "imbecil, injusto, impraticável e desmotivador, inesperadamente ainda em vigor"...
Não é birra de Guilherme Valente, não. A coisa é mesmo aberrante. Tão aberrante que não se percebe como não foi posta imediatamente no lixo. E não se diga que isso prejudicaria quem pediu para ser avaliado, porque para esses podia sempre concluir-se o processo. Assim como se devia permitir aos que sentem náuseas com tudo o que, nesta matéria, se passa nas escolas, que solicitassem junto dos serviços administrativos uma higienização dos seus processos individuais, limpando-os dos conspurcantes anexos relativos aos simulacros de avaliação ordenados pelos ministérios da educação do anterior governo.
Uma tal vergonha, nunca eu julguei possível.
Um amigo meu, distinto professor de Português, António Bastos de seu nome, reformado há meia dúzia de anos, tendo concluído a sua carreira no liceu Sá de Miranda, em Braga, epidermicamente alérgico ao regime político anterior ao 25 de Abril, diz com espanto e indignação que, quando foi avaliado pelos fascistas, em anos sucessivos, reconhecia, ao menos, competência técnica aos avaliadores...

Anónimo disse...

Perder tempo para nada
é de perder a cabeça,
muito embora não pareça
senão pura caçoada!

JCN

Fartinho da Silva disse...

Este processo faz lembrar aquelas empresas norte americanas muito grandes dos anos 70 do século passado em que alimentar a burocracia inventada pelos gestores intermédios começou a ser mais importante que satisfazer as necessidades do cliente... julgo que todos sabemos o que aconteceu às empresas que não arrepiaram caminho...!

joão boaventura disse...

A função do engenheiro é fazer obras, e a avaliação faz-se contemplando as estradas e as pontes depois de construídas. Se as obras não caem, o engenheiro é excelente.

A função do arquitecto é planear, e a avaliação faz-se contemplando a criação. Se o equilíbrio das formas se mantém e convida a apreciar as obras com encantamento, o arquitecto é excelente pela magia nelas patenteada.

A função do médico é curar e operar, e a avaliação faz-se pelos resultados das consultas e das operações. Se o médico consegue curar 90% e os operadores, 80%, ambos são excelentes porque concluíram os seus trabalhos sem necessidade de consultas assistidas nem operações assistidas, e chamadas ao gabinete para lhes dizer que a consulta correu bem, mas…blá,blá, blá, e a operação, idem aspas, mas blá,blá, blá.

A função do professor é ensinar, e a sua obra avalia-se pelos resultados obtidos nas classificações finais e passagens dos alunos. Se passaram 100% é excelente, se passou 80% é muito bom, se 60%, bom…

Se ninguém desconfia dos engenheiros, nem dos arquitectos, nem dos médicos, nem dos operadores, porque são pessoas responsáveis, pergunto por que razões ponderadas os professores constituem a única classe suspeita numa sociedade ? Aulas assistidas é um sinal deprimente do regime escolar bem retratado por Foucault, e desmotiva qualquer professor que é vigiado e depois punido, como se uma ou duas aulas assistidas, mesmo mal dadas, em dias não, constituíssem o sinal claro e evidente da catástrofe final.

Onde está a lógica ? Onde é possível a justa avaliação ? No aleatório deduz-se todas as aulas do ano lectivo? E o problema põe-se na escolha? Se há-de ser um de dentro ou um de fora ? Se da área ou fora da área ? Que Ministério é este, preocupado com o banal, o inútil, o infrutífero, o lateral, o aleatório, o acaso, a ninharia, a inconsistência, o ilógico, o falso ? Os alunos não merecem mais ?

Se a obra, de engenharia, arquitectónica, ou médica,se desmorona, são chamados à responsabilidade. Só o professor não é chamado à responsabilidade ? É uma casta diferente ? É um irresponsável vitalício, vitaliciamente vigiado, desde que entra na escola?

Alguns alegam que a implantar-se este sistema, os professores passariam todos os alunos. E continuamos a classificar os professores de irresponsáveis ?

Chegados a este ponto só restaria encontrar uma fórmula que permitisse verificar a validade dos resultados percentuais, mas só no final, como no engenheiro, no arquitecto, no médico.

Se se perpetuarem as aulas assistidas pelos avaliadores, significa que o Ministério não acredita na formação dos professores, nem nas instituições que os prepararam; então a função do governo é o de avaliá-las, e exigir rigor e excelência aos formadores de professores.

Rigor e excelência a montante do processo e não a jusante, por tardio e ineficaz. O processo actual está logicamente invertido, por mais cómodo, e não resolve senão virtualmente os objectivos pretendidos, e desmotiva os professores, quando não os estigmatiza, porque, perante os alunos, uma aula assistida por um estranho, significa que a professora não deve ser competente. Por isso está a ser "vigiada e castigada"(Foucault). Mantemos assim a chama viva do estigma.

Os professores são os engenheiros da sabedoria, os arquitectos das almas, os médicos dos cuidados e atenções a prestar aos alunos. Mas os olhares têm outros horizontes, por desnorteados e confusos, desde que esta tempestade foi levantada pela Professora Maria de Lurdes Rodrigues.

Vamos manter os erros ?

José Batista da Ascenção disse...

Caro João Boaventura,

Sempre a pôr o dedo na ferida.
Como pessoa e como professor (do ensino secundário), agradeço-lhe.

joão boaventura disse...

Caro José Batista da Ascenção

Como pessoa e como professor agradeço a atenção do colega mas, infelizmente, as chamadas de atenção entram nos cestos dos papeis.

O erro maior foi, não só o nascimento avaliativo dos professores, mas a sua manutenção, e a procura forçada de encontrar uma solução.

Mesmo entendendo-se que a preocupação do Governo é de ordem económica, com a alegação de que todos são diferentes, e que devem compensar os melhores e atrasar os despreocupados, penso, e por ventura mal, que esses objectivos podem alcançar-se pelo sistema das percentagens, como sugeri, subindo escalões desde que o percentil fosse ponderado, e abaixo do qual ninguém pode subir de escalão.

Relativamente à conferência da validade da percentagem de passagens, era preferível uma prova escrita final, antes do termo do ano lectivo, ou um avaliador, não do professor, mas dos alunos por interrogatório aleatório, o que daria o valor aproximado da percentagem alcançada.

Pôr um avaliador numa sala de aula, discrimina e desmotiva o professor perante a turma, e convida ao desrespeito por parte dos alunos porque induzirão que ele não deverá ser eficiente.

Mas ninguém quer saber do professor, nem encontrar fórmulas que motivem o mesmo.

São só agravos e ofensas.

A Inquisição está aí.

Cordialmente

José Batista da Ascenção disse...

Caro João Boaventura:

Estamos num tempo em que se desencadeou e mantém uma espécie de paranóia sobre a avaliação de professores. Pena que não tenha havido e não haja, em muitas circunstâncias e relativamente a certas "escolas", grande preocupação com a qualidade da formação e competência de quem entrou/entra para a profissão docente.
Claro que ninguém quer saber dos professores, a não ser para os massacrar e ofender, em agravos sucessivos. Motivá-los? - Só se for para fugirem/desistirem da profissão. O que têm conseguido.
Eu só não vislumbro os ganhos com isso.
Trata-se, realmente, de uma espécie de fogueira inquisitorial. Talvez uma elevação do grau que Maria de Lurdes Rodrigues referiu ao afirmar que as escolas "estavam sentadas à lareira".
Quem, criminosamente, os "sent(enci)ou"?

m disse...

É antigo esse artifo, porém parece hoje
.

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