“A auto-satisfação é inimiga do estudo. Se queremos realmente aprender alguma coisa, devemos começar por libertar-nos disso. Em relação a nós próprios devemos ser 'insaciáveis na aprendizagem' e em relação aos outros, 'insaciáveis no ensino'” (Mao Tsé-Tung, 1893-1976).
No meu último post, “Onde se fala do Ministério da Educação, do Processo de Bolonha e de uma Ordem dos Professores” (20/07/2011), escreveu Fartinho da Silva o seguinte comentário:
“Caro Rui Baptista: Para o lobby das 'ciências' da educação e para os restantes grupos de pressão que se sentam à mesa do Orçamento de Estado é essencial manter a divisão artificial entre ensino não superior e superior....”
Foi com o prazer que me dá ler prosa feita com “soberaníssimo bom senso”, de que nos falava Antero, que li o seu comentário e me eis a cumprir, uma vez mais, o meu hábito de responder às questões por si levantadas sob a forma de bilhete postal, caído em desuso. Assim:
Prezado Fartinho da Silva:
Na verdade, persistir no erro de continuar a haver dois ministérios, um, o da Educação, abrangente desde o ensino infantil ao ensino secundário, outro, o do Ensino Superior, era o mesmo que tolerar a aberrante separação entre um ensino propedêutico ao ensino universitário e o ensino propriamente universitário com os malefícios apontados no meu post.
Aliás, na minha idade e experiência de anos passados na docência, já nada me devia espantar. Mas o que é certo é que me espanta. Espanta-me que se possa ingressar na universidade através das “Novas Oportunidades” (ou novos oportunismos?) e, simultaneamente, se obrigue os jovens alunos a fazer exigentes exames do 12.º ano (exames aliás da minha inteira concordância); espanta-me, ainda, que o sério “Exame AD-HOC” de acesso ao ensino superior, para quem fosse um verdadeiro autodidacta (e não, como escreveu o poeta brasileiro Mário Quintana, “um ignorante por conta própria”) com exigentes provas, a nível nacional, de Português, Cultura Geral e uma prova específica em função do curso superior de candidatura, tenha sido substituído por uma "Prova de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos", a cargo dos próprios cursos que precisam, como de pão para a boca, de angariar alunos para manterem portas escancaradas que deviam estar, há muito tempo, fechadas a cadeado. Prova essa crismada agora com a designação (por o nome de baptismo ser demasiado abreviado?) de “Provas especialmente destinadas a avaliar a capacidade para a frequência do ensino superior dos maiores de 23 anos” (Decreto-Lei n.º 64/2006, de 21 Março). Ufa!, receio bem que se fique mais cansado em pronunciar este majestático nome do que em cumprir as respectivas provas. Finalmente, espanta-me…espanta-me…espanta-me haver pessoas que julguem poder endireitar a sombra torta de uma vara sem a tirar do sol de um descarado facilitismo.
Mas que quer, meu caro Fartinho da Silva, quem se tem batido contra todos estes atropelos cometidos num ensino em que a mediocridade, pouco a pouco, e de forma insidiosa, se foi sobrepondo ao mérito, não se deve deixar abater pelo desânimo do Poeta de “Orpheu”: “Já não me importo / Até com o que amo eu creio amar /Sou um navio que chegou a um porto / E cujo movimento é ali estar”.
Importemo-nos, portanto, meu caro Fartinho da Silva! Lá virá o dia em que o prestígio do professor do ensino secundário será recuperado. Aquele prestígio de que nos falou Clara Pinto Correia que, ao referir-se aos antigo professores do liceu, escreveu que “devíamos beijar-lhes as fímbrias do manto" (“O Render dos Heróis”, Diário de Notícias, 09.Julho.1995). Em nome de um prestígio perdido granjeado, por exemplo, pelo antigo Liceu Pedro Nunes de Lisboa por ter no seu corpo docente, entre outros, a figura muito respeitada do pedagogo Rómulo de Carvalho e ter diplomado gente de grande valor no domínio da vida científica, literária, artística, económica e social do país, não seria boa altura acabar com o nome de escola secundária devolvendo-lhe o nome de liceu proscrito em resquícios revolucionários?
Ou terão sido, assim, tantos os maus serviços prestados pelo chamado liceu que justifique ter sido castigado com uma borracha que lhe apagou uma identidade secular? Ou, ainda, pior do que isso, matando dois coelhos de uma só cajadada cometendo idêntico e monstruoso agravo para com um ensino técnico industrial e comercial de muito prestígio pelos excelentes serviços prestados ao país e à sociedade portuguesa que se viu privada desses valiosos quadros técnicos.
Ora, quer se queira ou não, a tomada de medidas terapêuticas corajosas para a educação passa, também, por um actividade docente com poderes de autoridade pública que não se compadeça com uma simples aspirina para acalmar uma sintomatologia dolorosa deixando que as maleitas do sistema educativo prossigam o seu devastador caminho. Enganam-se os seus detractores, de natureza sindical ou não, que, em veredas de influências políticas ou em vielas esconsas de inconfessáveis interesses pessoais ou institucionais, teimam em não ver que a criação de uma Ordem dos Professores deixou de ser uma pequena bola de neve para se tornar numa avalanche que alguns adultos teimam em ter em suas mãos para brincadeiras de inverno de crianças.
Mas esta criação deve ser acompanhada da derrogação da medida que sonegou às ordens profissionais do provir a sua própria essência, descaracterizando-as, et pour cause, transformando-as numa caricatura de si próprias por deixarem de poder certificar os diplomas que dão acesso à profissão docente retirando-lhes, assim, a garantia de que os cursos de má qualidade não sobrevivam até que o escândalo público, ou o mau exercício dos seus diplomados, os obrigue fechar.
Felizmente, caro Fartinho da Silva, o actual governo de coligação corrigiu o erro, com escreve no seu comentário, da “divisão artificial entre o ensino não superior e superior”. Mas porque pouco ou nada se resolve, segundo a parábola de Marcos, com “remendo novo costurado em vestes velhas”, são estas questões a merecerem uma resposta de um tempo presente que não deve ficar para a história por se acomodar aos erros do passado devolvendo aos vindouros um futuro sem ter erradicado as verdadeiras asneiras de uma educação nacional em que se joga o futuro da juventude e o destino do própria sociedade portuguesa.
Cumprimentos amistosos,
Rui Baptista.
7 comentários:
"A auto-satisfação é inimiga do estudo".
Parece uma visão bastante pessimista da questão, como encarar o trabalho como necessariamente e nada mais do que uma obrigação, um mal necessário.
Talvez mais correcto fosse "A auto-satisfação imediata é inimiga do estudo". Ou outra forma de dizer que o estudo não é só facilidades, que julgo que seria o que autor pretendia dizer porque caso contrário até seria uma contradição promover a aprendizagem.
Para mim, pessoalmente, hoje em dia a auto-satisfação não é inimiga do estudo, mas sim razão de ser do estudo.
Pôr citações de Mao ou de Estaline é quase igual
Além de serem auto-satisfações inimigas do estudo
e amigas do estado
quando os gajos não gostavam do que escreviam
os ghost writher's tornavam-se subitamente mais ghost's e menos writher's
e Mao "escreveu" mais volumes que o vice-reitor de Évora que andou agora nos jornais
e Mao certificava-se que ninguém o acusaria de plágio
Caro anónimo (23 julho; 11.51):
Obrigado pelo comentário. Claro que os pensamentos chineses vivem de uma cultura muito própria, para mais se de natureza política e logo de Mao Tzé-Tung. Mas vou tentar uma análise pessoal:
1. "A auto-satisfação é inimiga do estudo": julgo poder depreender que um aluno que tenha como meta apenas passar à tangente (e com isso se contente) demonstra que o estudo mais aprofundado não está no seu horizonte.
2. "Ad contrario", ainda segundo Mao, devemos "ser insaciáveis na aprendizagem": ou seja, a nossa meta deve ser uma aprendizagem que nos torne primeiros entre pares.
Este pensamento, aliás, econtra alma gémea num outro da sua autoria: "Um caminho demasiado plano não desenvolve os músculos das pernas".
Caro "Banda in barbar": O seu comentário trouxe respaldo ao meu comentário em que escrevi que o pensamento de Mao "tem natureza política e logo de Mao!".
Queria eu dizer na minha que me faltava a experiência de ter sido Mao na minha juventude ( e ter lido o livro Vermelho) ou ser "Bom" na minha avançada idade. Nem sequer tenho simpatia desportiva pelo Benfica, embora se possa ser de esquerda totalitária e ter-se preferência pelo Sporting ou pelo Porto. Ou ser-se mesmo "abstémio" nestas coisas da bola.
Enfim, vá lá a gente compreender certos paradoxos!
Mas sou tolerante quando se trata de simples pensamentos que possa ter como válidos, tenham elas mesmo a paternidade de ditadores sanguinários como Mao, Staline ou Hitler.
A interpretação discutível que fiz da frase de Mao autorizou a minha consciência antitotalitária a tê-la como digna de citação. Apenas isto. Nada mais!
Cordialmente,
2.ª linha do penúltimo §: tenham elas, não; tenham eles, sim.
Pobre de quem se confessa
satisfeito do que faz:
é sinal, essa é que é essa,
de que mais não é capaz!
JCN
Caro Rui Baptista,
Agradeço muito o seu bilhete postal e concordo inteiramente com o conteúdo do mesmo.
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