“Atingir o ideal é compreender o real” (Jean Jaurès, 1859-1914).
Na noite de ontem assisti a uma entrevista televisiva do antigo ministro da Educação do XIII Governo Constitucional, Marçal Grilo, que, de uma forma um tanto evasiva, quiçá, por (como ele próprio confessou) ser amigo dos actuais governantes da Educação, ministro e secretários de Estado, pouco adiantou sobre a maneira de melhorar este importante sector da vida portuguesa, com a polémica excepção de defender os contratos de associação do Estado com os colégios privados.
Sendo eu combatente sem quartel da criação de uma Ordem dos Professores, mas ainda sem ver a rendição dos seus opositores – embora tendo eu perdido o élan inicial por algumas das recentes ordens profissionais se terem “democratizado”, na assunção de uma espécie de “Novas Oportunidades”, colocando em pé de igualdade profissional (em direitos mas não em deveres) licenciados universitários e indivíduos com pouco mais do que a 4.ª classe do antigo ensino primário -, ocorreu-me à memória a defesa pública de Marçal Grilo das ordens profissionais em notícia do extinto semanário O Independente (Julho de 1997): “A estratégia de Marçal Grilo passa por colocar as ordens profissionais na linha de fogo às loucuras do mundo académico”.
Como não podia deixar de ser, aplaudi com as mãos ambas esta estratégia embora a tivesse como insólita porque, através de uma comissão nomeada para fazer a acreditação de cursos destinados à leccionação, o Estado chamava a si uma competência estabelecida para profissões de interesse público. Refiro-me ao direito de os licenciados, sem qualquer impedimento arbitrário e, por isso, de duvidosa intenção, criarem uma associação profissional pública, ao abrigo do próprio Direito Administrativo “com o fim de, por devolução de deveres do Estado, regular e disciplinar o exercício da respectiva actividade profissional” (Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral). Aliás, a própria Encíclica Rerum Novare, pela pena do Papa Leão XIII, defende essa doutrina: “Se os cidadãos são livres para se associarem devem sê-lo igualmente para se dotarem com os estatutos e regulamentos que lhes pareçam mais apropriados ao fim a que se miram”.
Entretanto, uns tantos professores, possivelmente, influenciados pela passividade do Ministério da Educação e intoxicados por uma insidiosa campanha sindical, como que diabolizam a criação de uma Ordem dos Professores. Et pour cause, num laxismo de competências, devido à ausência de uma Ordem dos Professores, foi, entretanto, autorizada a criação e funcionamento de escolas superiores de educação privadas para formação de professores, que logo se dispuseram a ministrar cursos complementares de formação acelerada que atribuíram, enquanto o diabo esfrega um olho, licenciaturas a indivíduos habilitados com cursos médios equiparados a bacharel para prosseguimento de estudos, tout court. Uma medida desastrosa até porque deu azo a que, devido à progressiva escassez de professores do 1º. ciclo do básico (antigos professores do ensino primário), as primeiras letras passassem a ser entregues, ainda que a título provisório, a presidentes de Junta.
Aqui chegado, surgem-me duas perguntas:
1.ª - A estratégia do então ministro Marçal Grilo passava “por colocar as ordens profissionais na linha de fogo às loucuras do mundo académico”, com a estranhíssima e inexplicável excepção de uma Ordem dos Professores. Porquê?
2.ª - Aos médicos e engenheiros, v. g., é-lhes reconhecida autoridade para determinarem o perfil da formação exigida para o respectivo exercício profissional, sendo inexplicavelmente passado um atestado de menoridade aos professores ao ser criada uma comissão para efectuar a respectiva acreditação (Público, 23/01/97). Porquê?
Por outro lado, é bem conhecida intoxicação da Fenprof contra a criação de uma Ordem dos Professores que só pode encontrar razão de ser no seu receio em perder um elevado número de associados que mantêm bem lubrificada a pesada máquina sindical a funcionar com a dispensa de docentes que, numa espécie de profissionalização, se eternizam nas respectivas direcções com sobrecarga para o erário público por onde continuam a ser pagos.
Entretanto, a duplicidade de critérios, ou simples opiniões, de Marçal Grilo em colocar as “ordens profissionais na linha de fogo às loucuras do mundo académico”, mas deixando de fora idêntica e louvável medida no que respeita aos professores, contribuiu para que fosse retardada a respectiva criação. Segundo sou levado também a pensar, esta oposição institucional do Ministério da Educação encontrou respaldo no facto de não querer abdicar da pesada e asfixiante tutela que vem exercendo sobre a numerosa classe docente, tornando-a presa fácil e obediente de normativos que a atingem, por vezes, na sua dignidade profissional, dificultando-lhe a capacidade de ser dona e senhora do seu próprio destino.
E isto é tanto mais grave na medida em que, na União Europeia, o comboio do desenvolvimento económico e social é posto em marcha pela locomotiva da Educação, nele só viajando indivíduos bem preparados académica e profissionalmente. Os outros ficarão na estação ou simples apeadeiros, com o diploma da sua ignorância, pedindo contas, mais cedo ou mais tarde, aos governantes responsáveis por esta situação. Mas, seja como for, no que respeita à criação de uma Ordem dos Professores, a exemplo de Vergílio Ferreira, “tenho esperança, esperança de que amanhã é que é”!
2 comentários:
Caro Rui Baptista,
A maioria dos professores "estamos" a corrigir exames nacionais, seguem-se os conselhos de turma após sairem as notas dos exames...
Este post devia voltar a sair lá para a segunda quinzena de julho.... embora por aí devamos estar também com os relatórios da avaliação de desempenho docente... mas já haverá mais disponibilidade.
Li com muito interesse o seu post, assim como o muito bom post recente de João Boavida!
HR
Meu Caro HR: Numa época em que noto uma certa apatia (ou melhor, desencanto) dos docentes, quiçá porque afobados em trabalhos de verdadeiros mangas-de-alpaca, em herança de Maria de Lurdes Rodrigues, não posso deixar de agradecer o tempo e a atenção que disponibilizou a este meu post em defesa de uma Ordem dos Professores.
Numa época de necessário balanço tem-me movido apenas essa intenção para que os defensores do actual “statu quo” não possam fazer passar a mensagem de que tudo corre bem no sistema educativo português tornando, como tal, a tarefa ingente que espera o actual ministro da Educação Nuno Crato numa espécie de bombeiro de pequenos fogos que se apagam com o simples sopro dos pulmões. Mas não são pequenos fogos, decididamente não são! E ele, julgo eu, sabe-o bem como sabem os sindicatos que se têm afobado em defender os interesses dos seus associados mesmo que contra os verdadeiros interesses da educação e dos seus usufrutuários mais directos: ao alunos.
Cordiais cumprimentos,
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