sexta-feira, 1 de julho de 2011
OS COFRES VAZIOS
Minha crónica no "Público" de hoje:
Não é novidade nenhuma, entre nós, que um governo deixe a outro os cofres vazios. Ficou famosa a frase de Durão Barroso sobre o “país de tanga”, depois de, em 2002, ter tomado posse dos cofres em boa medida esvaziados pelos governos anteriores. E não se pense que a transmissão do continente sem o conteúdo se deve à diferença de família política dos chefes de governo cessante e entrante. Já em 1821, nos últimos dias do Brasil colonial, a transmissão do poder de uma para outra pessoa da mesma família biológica – o rei D. João VI e o seu filho D. Pedro, futuro Imperador – tinha sido feita deixando os cofres vazios. Os cofres, tanto em Portugal como nas antigas colónias, têm uma forte tradição de esvaziamento rápido.
Se há quase uma década o país estava de tanga, hoje bem pode dizer-se que está nu. E o espectáculo não é nada edificante. Portugal ocupa um lugar de topo no ranking da CMA Datavision, que mede a probabilidade de falência das nações: nesta altura a nossa está próxima dos 50 por cento. Uma das consolações que nos restam é a de verificar que o primeiro lugar, destacado, permanece ocupado pela Grécia. Se Portugal vai nu, a Grécia vai nua e anoréxica. Mais do que nós, os gregos, para já não falar dos irlandeses, cujo risco de incumprimento não difere muito do nosso, ajudaram a esvaziar os cofres da Europa. Durão Barroso não fala ainda da “Europa de tanga”, mas está a propôr um novo IVA europeu e um novo imposto sobre transacções financeiras, que permitam aumentar os proventos da Comissão a que tem presidido. Longe vão os tempos, no ano 2000, quando, embalada pela Cimeira de Lisboa organizada por Guterres, a Europa aspirava a ser, no prazo de uma década, “a economia do conhecimento mais competitiva e mais dinâmica do mundo, capaz de um crescimento económico duradouro acompanhado de uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e de maior coesão social”. Não o quer dar, nem emprestar, mas, ainda que o quisesse, a Europa, a crescer pouco, não tem muito mais dinheiro para enviar nem aos gregos nem a nós. Devemos a Mário Soares o rasgo de nos ter feito entrar na União Europeia, mas foi infeliz a sua afirmação recente de que “o que estão a fazer à Grécia é uma vergonha, porque a Grécia é a pátria e a inventora da democracia, da ciência e da cultura". Sócrates, o grego, não é um passaporte para a impunidade e a vergonha é a dos seus descendentes. Por esse argumento, a Europa deveria pagar uma pensão vitalícia a Portugal só porque chegámos outrora à Índia e ao Brasil.
A crise financeira que se vive por estes dias nos dois países à beira do default não tem uma solução simples e rápida. Mesmo que os euros abundassem, e dando de barato que os seus donos os queriam distribuir do mesmo modo generoso com que o fizeram até agora, ela não se resolve apenas transferindo mais e mais numerário, pois, como mostram os exemplos grego e português, dinheiro que entra facilmente sai também facilmente (em inglês, “easy coming, easy going”). Os problemas das economias dos países periféricos são antigos e estruturais, pelo que não se dissolvem com sucessivos banhos de euros. É preciso, em Portugal, uma nova forma de estar na vida, uma atitude activa e empreendedora, que nos permita sair num prazo razoável da dependência externa. É necessário que o país do “quero lá saber”, do “deixa estar” e do “logo se vê” dê lugar a um país com vontade e força. É mister que saibamos buscar e conservar a determinação com que noutros lados se constrói o futuro (e com que nós próprios, na diáspora, o construímos).
A milenar sabedoria chinesa diz que crise é também oportunidade. Ter os cofres vazios pode até ser benfazejo se servir para que nos metamos em brios e os enchamos à custa do nosso esforço em vez de esperar que outros o façam por especial favor. Está aí um novo governo. Terá ânimo para isso? Teremos nós ânimo para isso? Como disse o Padre António Vieira: “Os bens que mais nascem do ânimo que da fortuna melhor se asseguram, porque aqueles guardam-se no peito e estes cansam nos ombros.”
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17 comentários:
Pior que os cofres vazios
são os cérebos sem nada
postoa ao leme da armada
dos nossos poucos navios!
JCN
Finalmente a poesia deixou de ser banida. Ou seja, ha gente que depois de pensar toma juízo, nem todos são irrecuperáveis. É preciso é paciência com eles.
Corrijo as gralhas "cérebos" por "cérebros" e "postoa" por "postos". Má visão ou dedos grossos ou mesmo falta de atenção. JCN
Muita gente não percebeu ou não quis perceber que o problema não era a poesia em si, mas o desrespeito pelas regras elementares de participação num fórum de discussão.
Acaso não se pode "discutir" em forma poética? Qual o óbice? Insensibilidade? Limitação mental? Sabe-se lá! JCN
Vossemecê, sr. anónimo, até parece encapotadamente o autor da H(ilariante) R(eflexão). Parece mesmo! JCN
A respeito da poesia do JCN tenho ultimamente visto muitos e variados comentários, a roçar o indelicado e o desagradável!
Gostava que me explicassem quando foi que o Professor JCN desrespeitou regras, só porque gosta de escrever em poesia! Que regras são essas? Será algum novo decreto de lei que desconheça?
Acho que quem não gosta, que avance o comentário e não o leia. Para mim parece-me simples. Se calhar para alguns não é assim tão simples.
Saiamos do anonimato e sejamos homens!
Desliguemos o "complicómetro" e a insensatez e preocupemo-nos com coisas mais importantes!
Partilho da opinião de João Pedro Calafate.
Não compreendo a opção tomada, num blogue como este.
Embora respeite, pois na sua casa manda cada um...
Mas, o De Rerum está a ficar menos rico, menos interessante, menos poético...
E depois, todos nós tínhamos a oportunidade de aprender com a qualidade da escrita e do humor do Professor João de Castro Nunes. Isto para não falar da propriedade e rigor com que se pronuncia em matéria de latim.
Com ele todos podíamos aprender um bocadinho mais.
E de "borla"...
Porque, digam lá o que quiserem, mas, nos aspectos que atrás referi, ele mete-nos (a todos) num bolso. E nem precisa de grande algibeira.
Confesso: bastas vezes eu ainda passo por aqui na procura dos comentário dele. Em poesia, em prosa métrica... ou noutra prosa qualquer, desde que seja dele.
Mas hoje começamos a estranhar quem escreve (e necessariamente pensa) bem.
E desdenhamos, porque deixámos de (saber) apreciar. Penso eu, obviamente.
E ele atura-nos...
Caro Calafate:
Estou de acordo com tudo o que diz excepto no seu incitamento: "saiamos do anonimato sejamos homens". Por duas razões: (i) sem anonimato lá se ia a adrenalina, (ii) sejamos homens, é que com a crise a cirurgia levar-me-ia à falência e não quereria fazê-la sobretudo por causa dos orgasmos múltiplos que os machos desconhecem. De resto concordo consigo.
Caso para dizer, sr.anónimo, que quem não tem nome também não terá colhões! JCN
Cara anónima,
realmente deveria ter dito: Saiamos do anonimato e sejamos seres humanos!
Não percebo essa sua relação entre adrenalina e anonimato, mas cada um é livre de pensar o que bem entender.
Os meus melhores cumprimentos,
João Pedro Cesariny Calafate
Insisto, em prosa métrica:
Atirar pedras atrás / de uma parede qualquer / é próprio de um incapaz / de ser um homem sequer! JCN
Aquilino dizia por outra forma: "Quem não tem cara, não tem caralho"! JCN
O Marechal Gomes da Costa costumava dizer que, para ordinário, ordinário e meio! JCN
A conversa terminou... conforme começou: cofres vazios! JCN
Olha, olha, o comentário que fiz lá acima, finalmente apareceu.
Por já ter lido todos os posteriores sem que estivesse visível, pensei que a minha opinião tivesse sido objecto de censura.
E eu que, por causa disso, já tinha decidido não mais comentar no De Rerum Natura...
Caro Dr. José Batista da Ascenção:
No dia em que decidir levantar a tenda, terei todo o gosto em lhe fazer companhia onde quer que volte a armá-la, desde que seja em sítio "où souffle l'esprit". JCN
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