quarta-feira, 20 de julho de 2011

Onde se fala do Ministério da Educação, do Processo de Bolonha e de uma Ordem dos Professores

“O tempo passado e o tempo presente, fazem ambos parte do tempo futuro” (T.S.Eliot, 1888-1965).

Na vigência do anterior Governo, do Partido Socialista, havia dois ministérios a tutelar o ensino não superior (infantil, básico e secundário) e o ensino superior (universitário e politécnico). Hoje, em que o Governo de coligação PSD/CDS tem um único ministério que abrange desde o ensino infantil ao universitário, começa-se a assistir a uma polémica, ainda que em quase surdina, contra a inclusão de todos os graus de ensino num único ministério.

Mas esta solução parece-me mais vantajosa por evitar um ministério de ensino superior desarticulado dos restantes graus de ensino, a exemplo de um corpo tetraplégico em que os comandos motores cerebrais se encontram desligados do resto do corpo. Mas, como não há bela sem senão, em argumento contrário poderá ser objectado que se torna uma missão demasiado vasta e complexa para ficar na dependência de um único ministério, ainda que compartimentado em diversas secretarias de Estado. Suporto a minha posição de um único ministério a tutelar a Educação com a analogia da direcção das orquestras sinfónicas por um único maestro para uma sintonia perfeita entre todos os seus executantes.

Assim, devidamente autorizado pelo então presidente da Secção Regional de Coimbra da Ordem dos Engenheiros, Eng.º Celestino Quaresma, tive a oportunidade de defender este meu ponto de vista no Seminário “Reflexos da Declaração de Bolonha” (Coimbra, 12 e 13 Nov. 2004), promovido pelo Conselho Nacional de Profissões Liberais, em que participei como uma espécie de “outsider” tendo como credencial a minha condição de presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, defensor da criação de uma Ordem dos Professores.

Nessa qualidade assisti a diversos debates, respeitantes a directivas emanadas da União Europeia sobre o ensino superior, entre eles a discussão do grau académico a atribuir aos três primeiros anos de estudos universitários, tendo em linha de conta a sua uniformização e livre circulação de diplomados entre países da União Europeia com profissões acreditadas pelas nove ordens profissionais portuguesas existentes na altura, por ordem alfabética: advogados, arquitectos, biólogos, economistas, engenheiros, farmacêuticos, médicos, médicos dentistas e médicos veterinários.

Embora tendo o destino das coisas para inglês ver, saiu deste seminário o parecer unânime de que o grau académico a atribuir ao diploma inicial de estudos universitários deveria ser o de bacharel, em tradução da palavra inglesa bachelor, utilizado nos Estados Unidos e nos países anglo-saxónicos. Assim, desta forma e por decisão governamental de um país que, à sombra de princípios democráticos de audição dos interessados, parece ter prazer sádico em auscultar os parceiros sociais, ainda que com o estatuto de “interesse público”, para decidir precisamente o contrário, criando a actual confusão entre licenciados anteriores e posteriores a Bolonha que se assemelham, entre si, como as imagens distorcidas dos espelhos das feiras populares.

Participei activamente no Workshop 2, subordinado ao tema “O Acesso às Profissões”, com a minha experiência docente em faculdades da Universidade do Porto e Universidade de Coimbra. Nesse workshop ficou evidenciada a necessidade de uma sólida formação técnica, científica e cultural para o exercício das profissões tuteladas por ordens com a duração mínima de cinco anos. Houve consenso em que só com um exercício profissional devidamente creditado por uma Ordem os professores poderão ter voz activa e decisiva, por exemplo sobre os programas do ensino secundário propedêuticos ao ingresso no ensino superior.

Ainda nessa mesma altura tive a oportunidade de chamar a atenção para a desarticulação entre o ensino secundário e o ensino universitário, dando como exemplo o facto de o professor universitário António Manuel Baptista se queixar de haver alunos universitários de Física que desconheciam o princípio de Arquimedes. Mais aduzi, como reforço, uma conversa havida com um professor catedrático de Química que me confidenciou que parte do ano inicial da licenciatura sob a sua regência é ocupada a ensinar matérias descuradas, ou deficientemente dadas, nos programas do ensino secundário.

Aparentemente, estavam estas minhas considerações um tanto a latere do núcleo duro do referido workshop como, aliás, foi reconhecido no preâmbulo das respectivas conclusões que aqui reproduzo:

“Torna-se imperativo referir que este workshop foi pautado por uma excelente intervenção de todos os participantes, quer qualitativa quer quantitativamente. Por diversas vezes, houve ligeiros desvios em relação ao tema conduto, desvios estes que, genericamente, não se desenquadraram do cerne da questão, apenas lhe atribuíram uma visão mais global e enriquecedora. Assim, tornou-se consequente a obtenção de várias conclusões, algumas das quais poderão extravasar o tema supracitado, mas que julgamos serem pertinentes para todo este processo”.


Tendo como corolário o preâmbulo atrás citado, foram registadas seis conclusões, transcrevendo eu a segunda:

“O Processo de Bolonha deverá repensar todo o ensino e não apenas o ensino superior. Torna-se difícil, se não mesmo impossível, reestruturar cursos do ensino superior quando há falhas na formação do aluno que se evidenciam aquando da sua presença no mesmo. Estas falhas funcionam como um entrave à fluidez do ensino superior”.


Nesta conclusão saiu reprovada uma tutela ministerial bicéfala para o ensino superior e ensino não superior em desobediência ao princípio de Saint Exupéry: “Se cada tijolo não estiver no seu lugar não haverá construção”. Ou haverá uma construção em caboucos defeituosos que tanto têm prejudicado a qualidade do sistema educativo nacional posta à prova nos desastrosos e recentes exames nacionais de Português e Matemática do 9.º ano do básico e 12.º ano do secundário.

5 comentários:

Anónimo disse...

Havendo que refundir
o sector da educação,
a primeira operação
era sem vacilação
fazer à bomba implodir
a actual situação!

JCN

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

Para o lobby das "ciências" da educação e para os restantes grupos de pressão que se sentam à mesa do Orçamento de Estado é essencial manter a divisão artificial entre ensino não superior e superior....

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN: A teia de facilitismo criada no sistema educativo português tem deixado de fora algumas das aranhas que as teceram.

Mas que se destruam essas teias, esas aranhas permanecem a tecer nas cavernas da ignorância novas teias. Temo não haver volta a dar-lhe, num pessimismo doentio, ou que levará o seu tempo, num optimismo sadio, por maior que seja a competência, o bom senso ou a vontade férrea de quem quer que esteja à frente da pesada máquina do Ministério da Educação. Ainda não se chegou ao caos, mas para lá se caminha em que as medalhas ganhas nas Olimpíadas de Matemática aqueçam o inverno do nosso descontentamento, ainda que sejam escassas excepções a confirmar a regra.

Por isso, enquanto há vida há esperança no novo Ministro da Educação. Só não há esperança nenhuma que os grão de areia de um sindicalismo que perfilha o princípio de quanto pior melhor não tudo faça para emperrar novamente a máquina indo para além das suas atribuições, ou do próprio desígnio para que estão mandatados pelos sócios, continuando a querer tratar os professores como uma massa acéfala que se move sem vontade própria presa em liames de um número exagerado de sindicatos ( que atingem a casa das dezenas!) que tão depressa dizem uns dos outros o que nem sequer Maomé disse do toucinho como, em igual pressa, se unem numa plataforma que os não conduz rumo ao espaço livre da poluição do planeta terra mas, isso, sim, que torna, ainda mais, irrespirável o ambiente de pura burocracia que se vive nas escolas transformando os professores em verdadeiros mangas-de-alpaca que preenchem noites e dias papéis que lhe darão acesso a um novo escalão, quer sejam óptimos, bons, péssimos ou maus educadores.

E o novo desafio aí está: a criação de um sistema de avaliação dos professores que não seja uma espécie de loja de roupa prête-à-porter para indivíduos altos ou baixos, gordos ou magros mas que adapte a roupa às características de quem a veste com os arranjos necessários. Mas lá virão os remendões do costume a propor que se baixe a bainha das calças e das saias por mais ajustadas que elas estejam. Não há Armani, Dior, costureira ou alfaiate de bairro que agrade a todos. Mas o estado andrajoso, ou mesmo de nudez, em que tem vivido a avaliação dos professores não pode continuar com o recurso à praia do Meco. Dentro de meses, temos o inverno a bater-nos à porta…

Pessimismo exagerado da minha parte? Tive um grande amigo, falecido anos atrás, que, quando em tertúlia de café, eu mostrava um certo optimismo me advertia com a sua experiência de vida de alguns anos mais: “Prefiro ser um pessimista que se engana, a ser um optimista que se engana”. Hoje dou-lhe razão!

Rui Baptista disse...

Correcções ao meu comentário (24 Julho; 11:01), com o pedido de desculpas aos seu destinatário e possíveis leitores:

1.ª. linha, 2.º §: Mesmo que.
7.ª linha do mesmo §: aquecem.
2.ª linha, 3.º §: grãos

Anónimo disse...

Tem razão, caro Doutor,
quanto ao caso das aranhas:
ante as suas artimanhas
tudo o mais perde o valor!

JCN

50 ANOS DE CIÊNCIA EM PORTUGAL: UM DEPOIMENTO PESSOAL

 Meu artigo no último As Artes entre as Letras (no foto minha no Verão de 1975 quando participei no Youth Science Fortnight em Londres; esto...