quarta-feira, 20 de julho de 2011

NÓS DOS SEM-GRAVATA


Nova crónica da escritora Cristina Carvalho:

As piadas ministeriais existem. Aquelas piadas que mergulham e nadam velozmente sob as secretárias dos gabinetes, pelo meio de cardumes e cardumes de peixitos ávidos de mesuras, pelo meio das pernas das secretárias. Existem naqueles ambientes soturnos, tão soturnos como o mais negro coração. Pesadonas e desajeitadas, as piadas dos ministérios são inventadas e proferidas ali atrás dos violentos reposteiros de veludo grená: primeiro quase em silêncio, num dissimulado balbuciar, apenas um mexer de lábios; depois vão-se escapulindo por bocas, por gestos, por olhares, por esgares e por sorrisos tão rápidos e tão fugazes que num espaço de minutos já toda a gente sabe e já todos riem e já todos aplaudem a graçola! Se esta situação se passasse há quarenta anos era normal. Mas também se passa hoje. E a situação mais engraçada que tenho lido - boa piada de ministério - é a recente e já desgastada piada da autorização dos “sem gravata”. Com comunicado e tudo!

E o que é que faz um ser humano do género masculino sem gravata? Nada! Praticamente não rende! Um homem, num ministério, a trabalhar sem gravata é como fazer um leite-creme sem leite, um pastel de nata sem creme, é um dia perdido! Onde é que se deita a mão, naquele tique acostumado de ajeitar o nó da gravata, se não há gravata? Com que é que um cristão se enfeita pela manhã, se envaidece, o que é que tem para admirar em si próprio senão uma bela e boa gravata? Então durante o verão não se compram gravatas? E a produção de gravatas? Um homem sentado a uma secretária para uma reunião, mas sem gravata, não inspira as mesmas vénias nem os mesmos olhares nem os mesmos cumprimentos. E transpira na mesma. Um homem sem gravata é um desprotegido, é preciso que se note. Um homem sem gravata insinua uma espécie de desprazer, de solidão. Um sem-gravata é um desajeitado, um nu, um infeliz. É que a carga psicológica é enorme, temos de perceber isto! Mas existe alguém feliz sem gravata? É um caminhar lento, um avançar medroso por aqueles imensos corredores, é um bater envergonhadamente à porta «desculpe-me! Posso entrar? Hoje não me sinto muito bem…» E uma pessoa olha de repente e vê uma ave aflita ali a piar, entre-portas, desamparada e tímida, camisa aberta até ao segundo botão, pêlos peitorais que espreitam «é que estou sem gravata…!»

É o mesmo que abrir a porta ao homem que vem contar o gás ou a água ou a luz em cuecas e t-shirt «ai desculpe! Ainda não me arranjei!» Deve ser a mesma sensação de infelicidade, de apanhados na vertigem da negligência, o facto de serem confrontados com alguém sentado a uma secretária bem vestido e de gravata, alguém que desprezou as normas. Porque isto é assim mesmo: há sempre alguém nas margens da rebeldia! Mas esses são os felizes que trabalham engravatados e que se lhes apetecer, amanhã, até vêm em fato de banho.

CRISTINA CARVALHO
Crónica APNET do mês de Julho 2011

6 comentários:

Anónimo disse...

A proibição da gravata é tão estúpida quanto a mania idiota de abusar deste acessório.
Somos um pais de engravatados com um título académico qualquer cujo fato e claro está a gravata realçam a nossa posição de doutor, doutor de qualquer coisa mesmo que não saibamos fazer nada! é o pais que temos com mentalidade provinciana.
No estrangeiro os doutores sujam as mãos e metem-se debaixo dos carros para verem a avaria, aqui o doutor vai para o escritório trabalhar, em algo que não se sabe bem o quê, nem mesmo ele próprio apesar de lá trabalhar as vezes há décadas.

joão boaventura disse...

A propósito deste curioso acontecimento sobre o desuso da gravata nos corredores de determinado Ministério, imposto pela consolidada poupança energética, que tem sido o tema público debatido como uma ironia ministerial, e sobre o qual a Cristina Carvalho
tece considerandos oportunos e contundentes, com alguma ironia queiroziana, sobre a quebra do hábito das “good manners” dos actores institucionais, fica a sensação de os mesmos, ao fim de quatro anos, no retorno à vida, terem esquecido a arte de fazer o nó, ou os nós, de acordo com o padrão adoptado, pois não terão como Luís XIV um gravateiro que escolha e faça os nós reais.

Dada essa probabilidade, considerei oportuno oferecer aos mesmos a arte de como fazer um nó de gravata, esse ornamento banal, quase fútil e complicado, que se agarra ao corpo como se dele constituísse uma extensão. Neste sítio encontrarão, os sem-gravata, as mil e uma maneiras de reaprender a fazer o nó ou os nós da gravata, conforme o padrão mais adequado ao seu carácter, paciência e habilidade na reabilitação da arte perdida nos corredores do Ministério.

Posto isto propõe-se o visionamento de um filme de animação canadiano, com o título Le noeud cravate, onde o realizador desenvolve a história de Valentin para denunciar a desumanização do trabalho e o abuso do poder, optando o intérprete do filme por desempenhar o papel de acordeonista na rua.

Cordialmente

Anónimo disse...

Quem de humor não tem sentido
também não pode fazê-lo:
qualquer pedaço de gelo
só depois de derretido
é que deixará de sê-lo!

JCN

joão boaventura disse...

História abreviada da gravata pode ser visionada no video da gravata

Anónimo disse...

Se a gravata é que separa
do ser humano o macaco,
ao tornar-se coisa rara,
cada vez fica mais fraco
o factor que nos compara!

JCN

joão boaventura disse...

Na Enciclopédia rezam estes considerandos:

“Refira-se, a este propósito, que em alguns países como, por exemplo, no Japão, esta medida (denominada “Super Cool Biz”) foi mesmo oficialmente implementada no Parlamento, como forma de contribuir para a redução do consumo de energia em ar condicionado o que, numa sociedade tão tradicional como a Japonesa, mais do que uma mudança de camisa (da de mangas compridas para a de mangas curtas) e o abandono da gravata, consiste numa significativa mudança de hábitos e de estilo.”

Para saber mais basta aceder ao título O uso masculino de fato e camisa mas sem gravata é uma tendência que se tem vindo, gradualmente, a consolidar.

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