quinta-feira, 28 de julho de 2011

Resultados dos Exames Nacionais de Português do 12.º Ano: Porquê tais resultados (2)?

Texto de Regina Rocha na continuação de outro aqui publicado.

PORQUÊ TAIS RESULTADOS (continuação)?

(2) O programa da disciplina de Português do Ensino Secundário e a prova de exame

O programa da disciplina de Português

Não é minha intenção fazer aqui uma crítica fundamentada ao Programa de Português do Ensino Secundário. Tal foi feito por diversos professores ao longo de anos, sem que tivesse havido abertura no sentido da sua revisão. De uma forma simplista – com tudo o que tal palavra significa –, apenas refiro que se trata de um programa com aspectos negativos no que diz respeito à extensão, à coerência, à objectividade e ao rigor, não se constituindo como um referente eficaz do trabalho do professor.

No caso dos problemas detectados nos alunos nesta prova, refira-se o seguinte:

a) em nenhuma página do programa se apresenta como objectivo que o aluno seja capaz de «identificar sensações»; no entanto, refere-se como objectivo que ele seja capaz de «distinguir factos de opiniões» (pág. 11), de «distinguir factos de atitudes e sentimentos» (pág. 51), de «distinguir factos de sentimentos, de atitudes e de opiniões» (págs. 52, 54), ou de «distinguir factos de sentimentos e de opiniões» (págs. 53, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63)[1];

b) em nenhuma página do programa se refere como objectivo que o aluno seja capaz de «explicar relações» ou de «relacionar conteúdos»[2], embora na pág. 32, no corpo das indicações sobre «Critérios de avaliação», surja numa das alíneas a indicação «estabelecer relações lógicas», que não é retomada em mais parte nenhuma do programa (nomeadamente nos objectivos), diferentemente do que acontece com outras indicações desses «Critérios de avaliação»;

c) em nenhuma página do programa se dão indicações sobre os poemas mais significativos de cada autor, cuja leitura é obrigatória para se responder cabalmente ao Grupo IB;

d) alguma da matéria gramatical que foi objecto de avaliação na prova ou não vem claramente expressa no programa de Português do Ensino Secundário, pertencendo ao programa do Ensino Básico (itens 1.3, 1.7, 2.2 e 2.3 do Grupo II), ou vem apenas indicada em tópico, sem a informação sobre o seu conteúdo, que sofre variações de gramática para gramática e da TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário) para o Dicionário Terminológico (itens 1.4, 1.5 e 1.6 do Grupo II).

Além do acima referido, deverá salientar-se a demasiada extensão do programa e a inexistência de definição do essencial, o que contribui para que tudo fique tratado de uma forma superficial, não ocorrendo, naturalmente, a respectiva aprendizagem.

A prova de exame

Até aqui focou-se o programa, mas poderá, naturalmente, desviar-se o foco para a prova de exame e perguntar-se se esta não deveria ter incidido mais claramente sobre os objectivos do programa de Português do Ensino Secundário, nomeadamente do 12.º Ano, como vem indicado no Documento emanado do GAVE de informação sobre este exame (Informação n.º 26.11, de 2010.11.08), que, a respeito da Leitura (o que corresponde ao Grupo IA da prova), contém como objecto de avaliação o seguinte[3] (págs. 2 e 3 dessa Informação n.º 26.11):
Leitura
1. reconhecer a matriz discursiva do texto;
2. explicitar o sentido global do texto;
3. processar a informação veiculada pelo texto, em função de um determinado objectivo;
4. distinguir factos de sentimentos e de opiniões;
5. explicitar relações representadas no texto (planos sintáctico, semântico-lexical, pragmático);
6. detectar linhas temáticas e de sentido, relacionando os diferentes elementos constitutivos
do texto;
7. inferir sentidos implícitos a partir de indícios vários;
8. determinar a intencionalidade comunicativa;
9. identificar elementos de estruturação do texto, ao nível das componentes genológica, retórica e estilística;
10. avaliar aspectos textuais relativos à dimensão estética e simbólica da língua;
11. utilizar informação paratextual, contextual e intertextual na construção de sentidos;
12. relacionar elementos do texto com o contexto de produção;
13. formular juízos de valor fundamentados;
14. interpretar relações entre linguagem verbal e códigos não verbais;
15. distinguir as funções argumentativa e crítica da imagem.

Como se pode ver pela prova, os pontos 1, 2, 4, 6 e 8 a 15 não foram observados. E, sobretudo, não foram observados os que estão formulados mais objectivamente (pontos 1, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 13). Assim, poderá considerar-se que os itens do Grupo IA se integram grosso modo, no ponto 3 (que é tão genérico que tudo abrange), no ponto 5, também genérico (os itens 3 e 4), e no ponto 7 (uma parte do item 2).

No entanto, poderão observar-se três aspectos:

a) o item 1 do Grupo I da prova não se integra claramente em nenhum dos pontos acima referidos, entre os quais figura «distinguir factos de sentimentos e opiniões» (4), o que poderá ter sido um dos motivos que levou os alunos a pensarem ser demasiado óbvio que lhe estivessem a perguntar por sensações visuais ou auditivas e referissem, incorrectamente, «sensação de bem-estar», «de alegria»[4], etc.

b)
no item 2 do Grupo I, apenas se pede que o examinando «caracterize o tempo da infância tal como é apresentado na terceira estrofe do poema», não se especificando que nessa caracterização deveriam ser focados dois tópicos, dois aspectos diferentes, como vem, depois, expresso nos Critérios de Classificação (pág. 7). Aliás, em rigor, nesta estrofe poder-se-iam, até, considerar quatro aspectos desse tempo de infância[5], e não dois. Assim, uma formulação mais objectiva poderia ter levado a respostas mais completas (ver também nota 1 deste texto).

c)
Embora os itens 3 e 4 do Grupo I da prova se integrem no ponto 5 da referida Informação n.º 26.11 no que diz respeito à Leitura, a formulação deste ponto é muito genérica: muitos professores e alunos ficariam, certamente, mais elucidados com uma especificação do que se pretende.

Fica a sensação de que se tentou que os dois primeiros itens do Grupo I fossem «fáceis», por mobilizarem capacidades que pareceria óbvio os alunos possuírem (identificar sensações, caracterizar). Ora, o «fácil» tem que ver com o que consta dos objectivos, foi objecto de ensino formal, se está à espera que seja questionado e seja claramente perguntado.

Se se souber claramente (professores e alunos) o que se pretende que os alunos saibam e que será objecto de avaliação, tudo se transforma em «fácil», mas se os objectivos são tão genéricos que tudo abrangem e se a prova de exame tem uma ou outra fragilidade a nível da validade, então, surge a dificuldade.

Este texto tem continuação.

Regina Rocha
_______________________

[1] Não se pretende aqui dizer que se admita que um aluno neste momento da sua escolaridade não saiba o que são sensações ou não saiba relacionar, mas, apenas, que o programa não contém tais objectivos claramente expressos, apresentando, no entanto, mais de uma centena de outros, com maior ou menor grau de especificidade, o que deixa os professores mergulhados em páginas e páginas de texto programático marcado por generalidades e repetições, sem um claro referente de ensino. Pontualmente se dirá que, se o programa contém objectivos específicos, como os acima mencionados no ponto 2. a) («distinguir factos de sentimentos, de atitudes e de opiniões»), então, seria lógico que também houvesse, nos objectivos, a indicação de «identificar sensações» ou «relacionar sentimentos com sensações» ou «estabelecer relações lógicas».
[2] Idem.
[3] A numeração que se segue não existe no texto original: surge aqui por uma questão de funcionalidade na referência.
[4] Não se está aqui a considerar irrelevante que um aluno não distinga uma sensação de um sentimento: apenas se está a tentar compreender por que motivo tal acontece.
[5] Os quatro aspectos são: (1) o ambiente de despreocupação feliz, sugerido pelo acto de brincar; (2) a vida protegida e afastada do mundo real, sugerida pelo facto de as crianças viverem «entre vasos de flores»; (3) a ausência de dúvidas, de incertezas, sugerida pela expressão «sem dúvida»; (4) a não consciência da passagem do tempo, sugerida na oração «vivem (…) eternamente».
[6]É obrigatória a leitura e análise de obras e textos de grande riqueza, muito exigentes: Os Lusíadas, de Luís de Camões; Mensagem, de Fernando Pessoa; poesia ortónima de Fernando Pessoa; poesia dos heterónimos de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos); Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro; Memorial do Convento, de José Saramago.

8 comentários:

Carlos Pires disse...

Uma opinião mais genérica sobre o assunto

Anónimo disse...

Haja quem seja sensato e conheça o programa de Português. Sou professora de Português há quase 30 anos, e subitamente, comecei a pensar que já não sabia ensinar, particularmente, os alunos do 12º ano. Ainda bem que há sintonia.
Obrigada!!

good churrasco ó auto de café.... disse...

Porquê tais exames com tais questões?

Porquê os livros de escolha nacional e os programas com o mesmo fim...

uniformizar a imbecilidade das interpretações

a resposta correcta e a incorreta

o português orthograficamente correto

e o português disléxico...pués

los pantalones de vaquero

prova de español de ? algures

diga como anda uma figura de estilo?

Dis aliter visum disse...

Não tem a ver com os exames nacionais, mas peço que leiam e façam um artigo sobre o seguinte:

Os directores de agrupamentos, em conluio com as Direcções Regionais de Educação, estão a contratar Técnicos de Diagnóstico e Encaminhamento e Profissionais de Reconhecimento e Validação de Competências para os centros de Novas Oportunidades.

Estes centros destinavam-se a passar diplomas. Ora Passos Coelho prometeu, e Nuno Crato reafirmou, que a pura passagem de diplomas ia acabar.

Só hoje contei 33 postos de trabalho e andam nisto há um mês. Estes técnicos são contratados até 31 de Dezembro de 2013.
Isto é dinheiro deitado para o lixo.

Anónimo disse...

A que "deuses" se refere vossemecê? JCN

Banda in barbar disse...

Qualquer Deus serve desde que tenha carne nos ossos ou mesmo que dê só para roer

Até Saramago é comestível
já o Sttau tem t's a mais
é como o dinossauro excelentíssimo

Anónimo disse...

Vossemecê já reparou que "Banda" é o suporte linguístico de "baqndalho"?... Barbaridades, meu caro, barbaridades... difíceis de "roer"! JCN

Anónimo disse...

Para ficar à banda da bandalheira, corrijo a grotesca gralha "baqndalho" por "bandalho". JCN

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...