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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Destaque à progressiva subida de Portugal na escala do PISA

Imagem ilustra a notícia referida neste texto (aqui)

Os resultados alcançados pelos alunos portugueses na última passagem do Programa Internacional de Avalição de Estudantes (PISA), que incluiu setenta e três países e econominas independentes, têm sido notícia em vários jornais estrangeiros.


Numa notícia do The economist do passado sábado, intitulada O que pode o mundo aprender com os últimos resultados do teste PISA, dizia-se que a mudança de posição de Portugal - acima da média da OCDE -, apesar de ter demorado, era impressionante.

Aludia-se ao facto de temos, desde 2006, melhorado sempre o desempenho académico, ainda que de modo pouco pronunciado em cada ano.

Perguntou-se ao ex-ministo Nuno Crato quais as razões que justificariam uma subida, que teve um efeito de surpresa que foi além do nosso país (ver aqui).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Se conseguimos dar um passo tão positivo, talvez possamos pensar noutro

Ouvido um programa de rádio e lidas algumas notícias acerca dos resultados que os alunos portugueses de quinze anos obtiveram na última testagem do PISA (Programa International de Avaliação de Estudantes), analisada também alguma da informação disponibilizada pelo IAVE (Instituto de Avaliação Educacional), noto dois aspectos que tendem a ficar na penumbra e que, no meu entender, deviam ser consciencializados e discutidos.

1. O mencionado programa não mede, nem seria de esperar que medisse, todas as aprendizagens escolares. Mede algumas aprendizagens que se se determina que os alunos adquiram em algumas áreas disciplinares (Matemática, Ciências e Língua materna).

Sendo da responsabilidade da OCDE, e de modo coerente com as finalidades desta Organização - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico -, o programa mede, em concreto, as competências funcionais que essas áreas proporcionam "na resolução de situações relacionadas com o dia a dia", que consideram como especialmente adequadas para o desenvolvimento económico-financeiro dos "países ou economias" que nele participam.

O facto de os nossos alunos terem demonstrado um bom desempenho no referente a essas competências deve alegrar-nos, uma vez que se trata de desempenhos necessários para si próprios e para a sociedade.

2. Porém, devemos perguntar: está o nosso sistema educativo, à semelhança de muitos outros, a investir, de modo similar, noutras aprendizagens que são igualmente da sua responsabilidade

De modo mais explícito: está a dar a mesma atenção (legislativa, curricular e de ensino) a aprendizagens que têm "valor em si" mas nas quais não se vislumbra valor instrumental?

Não me parece. As artes e as humanidades, os domínios clássicos, muito conotados com esse valor, mas que não se reduzem a ele, têm sido afastados, secundarizados, o mesmo acontecendo a dimensões do trio matemática-ciências-línguas às quais não se atribui utilidade imediata.

Estes dois aspectos que se traduzem em verdadeiros problemas não são, é certo, exclusivos do nosso país, mas nem por isso os devemos descuidar. De facto, eles deveriam começar a preocupar-nos seriamente.

Se conseguimos dar um passo tão positivo no que respeita à demonstração das mencionadas competências funcionais, talvez agora possamos pensar em retomar o que na aprendizagem escolar tem sido sacrificado, em nome dessa demonstração.

A que se deve o facto de sermos o país que mais subiu no PISA?

Desde o início deste século que os sistemas de ensino do vasto espaço que é a OCDE e do espaço mais restrito que é a UE se têm concentrado cada vez mais na preparação dos alunos para mostrarem resultados nos programas internacionais de avaliação, nomeadamente o PISA e o TIMSS.

Os currículos são aferidos pelas opções que dão forma a esses programas: tem valor o que eles medem, perde valor o que não medem. As políticas educativas são julgadas pelos resultados e mudam-se em função disso mesmo. 

Estas evidências e outras levam-me a ter cada vez menos simpatia por tais programas. 

Posto isto, não posso deixar de registar a subida dos resultados académicos dos nossos alunos - em ciências, matemática e língua materna - que foram divulgados na passada semana, do TIMSS, e nesta semana, no PISA.

A que se deve isso? A que se deve o facto de sermos o país que mais subiu no PISA? 

Não certamente apenas e só às políticas e às mudanças curriculares, que é o que sobressai nas notícias nacionais e internacionais, mas também, e talvez sobretudo, ao trabalho dos professores que, muitas vezes em condições adversas, não desistem de ensinar.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Espelho meu, espelho meu... 1

Imagem retirada daqui
"Espelho meu, espelho meu, há alguém mais belo do que eu?". Esta é a pergunta que, insistentemente, a Madrasta da Branca de Neve faz ao seu Espelho Mágico e que, afinal, se revela numa verdadeira obsessão. Não lhe basta ser bela, quer ser a mais bela! Não lhe basta uma resposta, quer respostas confirmatórias sucessivas!

Os irmãos Grimm souberam captar e apresentar o que de há grande e de pequeno na alma humana, o que há de bom e de perverso, o que há de moderado e de exagerado, e por aí adiante. Nesta tendência particular, do exigir saber-a-todo-o-custo quem/o que está à frente, quem/o que ganha, foram certeiros! Efectivamente, tal tendência transformou-se num das grandes marcas dos tempos que correm, que mobiliza "mundos e fundos".

Tudo e todos têm de ser submetidos à pergunta, em suma, avaliados: Quem vende mais discos e mais livros? Que estação e programa de televisão e de rádio se vêem e se ouvem mais? Quem é mais sexy? Quem é o mais bem e o mais mal vestido? Qual é o melhor restaurante e o melhor chef? Que país está à frente na produção disto e daquilo? Quem é mais popular e mais fotogénico? Que empresa consegui mais lucros e que empresário é o mais dinâmico? Que jogador de futebol marcou mais golos e qual o que mais euros ou dólares ganha? Qual o blogue mais visitado e o vídeoclip mais visto? Qual a página de facebook com mais "amigos"? Qual o jovem mais influente no mundo? Etc, etc. etc... os exemplos não acabam.

As grandes marcas dos tempos denotam ideologias bem delineadas (a tal força social interesseira que arrasta as opiniões), que, para se aguentarem, adoptam formas politicamente correctas (são apresentadas de tal maneira certas e razoáveis, que discordar delas só pode ser um sinal de maldade ou de estupidez). Não há que ver: quem as interroga fica em xeque!

Tudo isto acontece na educação escolar, permeável que se encontra ao pensar e ao agir da sociedade.

Para evitar ser confundida com uma "torre de marfim", como variadíssimas vezes tem sido acusada, aligeira a filtragem em relação ao que é a sua própria vocação adopta as mais diversas tendências sociais, políticas, económicas. É neste contexto que se devem perspectivar os rankings de escolas e outras avaliações que nela e em torno dela se fazem.

Isso será objecto de próximo texto.

sábado, 20 de abril de 2013

Pois, quantificar...

Um passo aqui outro ali, a retórica da "avaliação-total-formalizada-burocrática-a-todo-o-momento-como-forma-de-caminhar-em-direcção-à-excelência-com-consequências-para-o-bem-de-todos-e-quicá-da-humanidade-etecetera" ganha terreno nos mais diversos campos profissionais e instala-se como prática.

Chamam-se especialistas com curriculo vitae de alto gabarito, contratam-se empresas com nomes pomposos em inglês para dar a entender uma inequívoca credibilidade e põem-se técnicos executores (que são apenas isso ou que têm de parecer apenas isso) no terreno. O toque final é dado por uma multiplicidade de procedimentos e, claro está, de instrumentos para apurar, tratar (de preferência com programas informáticos complexos) e cruzar e descruzar a informação.

No final, pode-se descomprimir, respirar fundo e ir beber uma cerveja: afinal foi garantido o rigor e a objectividade e deu-se mais um passo no sentido da justiça, da igualdade, e de outros valores maiores que fica sempre tão bem invocar, mesmo que (quando a cerveja começa a fazer efeito e as amarras às imposições se começam a quebrar) se diga que eles, os valores, são todos relativos e subjectivos e por isso, "cada um tem a sua verdade" e "quem sou eu para julgar os outros"...

Esqueçamos este parágrafo e voltemos ao anterior para dizer que na "função pública" tem-se feito da avalição do desempenho profissional a "bandeira de qualidade". Ufanamente, afirmam aos quatro ventos, sem mostrarem reservas ou entraves de qualquer espécie investigadores, responsáveis institucionais e muitíssimos profissionais que "agora, com essa avaliação, é que vai ser"...

Estas considerações são a propósito da decisão do director de informação da RTP em se avaliarem diariamente (sublinho diariamente) os jornalistas. Isto, explicou, numa tentativa de quantificar o seu trabalho... pois, quantificar... uma palavra central da retórica que acima me escapou.

NOTA: Este texto foi redigido a partir do artigo "Director quer jornalistas avaliados diariamente", da jornalista Filomena Araújo, publicado no Diário de Notícias (em papel) de 19 de Abril passado, página 51.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Can School Performance Be Measured Fairly?

Os leitores que se interessam pela temática da avaliação pedagógica, nela incluída a avaliação do desempenho de escolas, professores e alunos, poderão ler um dossier muito completo e rigoroso recentemente publicado no New York Times e intitulado Can School Performance Be Measured Fairly?

Com a contribuição de especialistas, alunos, pais, professores e outros educadores são debatidas as principais questões que essa avaliação levanta, algumas delas decorrentes da lei americana que ficou conhecida por No child left behind, cujo espírito está presente nos mais diversos sistemas educativos ocidentais. Tratando-se de uma determinação política, ainda que aceitável sob o ponto de vista ideológico e compreensível sob o ponto de vista social, esbarra com a acentuada, estereotipada e frequentemente acrítica exigência de "prestação de contas" a que muitos países se obrigam tanto interna como externamente.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Sobre os exames

Respostas (completas) que dei a perguntas que a jornalista Alexandra Inácio do Jornal de Notícias me fez sobre alterações na avaliação da aprendizagem.

Como sabe este é o último ano em que os alunos do 4.º ano farão provas de aferição. No próximo, as classificações contarão para as notas finais. Concorda com esta alteração? Quais os benefícios ou desvantagens dessa mudança para as aprendizagens dos alunos?

Uma coisa são as provas de aferição, com o objectivo de obter informação sobre a qualidade do currículo que é proporcionado aos alunos num determinado nível de escolaridade, outra coisa são as provas nacionais para atribuição de classificações aos alunos e, em última instância, decidir a sua passagem ou reprovação. Considerando que a partir dos resultados destas provas se pode inferir a qualidade do currículo, do que nele consta e da sua aplicação, aquelas provas podem ser dispensadas, até para não se sobrecarregarem os alunos com múltiplas testagens. Penso que há razões para se discordar e para se concordar com provas nacionais para atribuição de classificações aos alunos, mesmo que elas se situem no final do 1.º ciclo do ensino básico. Podem direccionar demasiado o ensino para aquilo que nelas constam, limitando experiências didácticas que podem ser enriquecedoras para os alunos; prepará-los apenas para responderem a essas provas tem de ser evitado. Mas essas provas podem responsabilizar os alunos na medida, claro está, das suas idades e focalizar a sua atenção, o que constitui um factor de aprendizagem; podem também ajudá-los a preparam-se para enfrentar desafios académicos mais exigentes, que se seguirão. Uma nota, ainda, derivada da experiência de avaliação para aferição que temos tido e que tem muito a ver com as percepções dos sujeitos envolvidos, designadamente dos alunos, que, não obstante a sua pouca idade, têm uma noção clara das circunstâncias: sabendo que o seu desempenho "não conta" em termos individuais, muitos tendem a responder despreocupadamente, de modo diferente do que responderiam se o seu desempenho “contasse”. Esta será uma ideia que lhe chega através dos pais ou de outras pessoas, e podemos dizer que não está certo transmiti-la às crianças, mas isso é uma coisa, outra coisa é o que, de facto, acontece. Sei que nos últimos anos muitas escolas e professores fizerem um trabalho contracorrente, mas não me parece que tenha mudado substancialmente essa percepção.

Qual o modelo de avaliação externa que defende, sobretudo para os alunos do 4.º ano? 

Não sei que noção de "modelo" tem em mente. O que lhe posso dizer a respeito da avaliação externa (à turma, à escola, ao sistema educativo) é que sem a pormos no centro de todas as atenções, que é definitivamente um sítio onde não deve estar, não podemos deixar de a considerar importante. De facto, para testar a aprendizagem conseguida, em certas circunstâncias é vantajoso que não sejam os professores das turmas, das escolas e dos sistemas educativos a fazerem e corrigirem as provas de avaliação, e isto porque estão demasiadamente próximos do contexto para não se deixarem influenciar por ele.

Um analista da OCDE, Paulo Santiago, defendeu esta semana que o sistema de ensino português é demasiado obcecado com os exames e resultados em vez de pela melhoria das aprendizagens, concorda?

A OCDE é responsável pelo Programa Internacional de Avaliação dos Alunos, o PISA, a que cada vez mais países aceitam sujeitar-se, pelo que depreendo que Portugal não seja um caso particular de obsessão por exames e resultados escolares, mas não conheço suficientemente outros sistemas educativos para poder corroborar ou infirmar a afirmação que refere. Percebo, no entanto que, de um modo geral, cada vez mais países investem mais na avaliação: participam em avaliações externas que permitem compará-los entre si e isso acaba por “forçar” a avaliação interna num sentido que talvez não devesse acontecer: a avaliação internar ganhar contornos da externa, sendo a sua lógica, instrumentos e critérios de correcção usados na preparação dos alunos para os grandes desafios avaliativos internacionais. Contudo, esta preocupação de prestação de contas, tanto “dentro como fora de portas”, que podemos e devemos questionar, não me parece incompatível com a preocupação de melhorar a aprendizagem, desde que esta preocupação não se subjugue àquela. São preocupações distintas, ainda que em determinados momentos se cruzem.

A aposta devia ser feita na avaliação formativa? De que forma e com que meios - as escolas possuem recursos para esse reforço?

Um erro frequente é opor a avaliação formativa à sumativa, dando-se a entender que o uso de uma exclui o uso da outra. Mais: uma, a formativa, com conotação positiva deve ser incentivada; a outra, a sumativa, com conotação negativa deve ser afastada. Não é assim: a avaliação formativa e a sumativa fazem parte de um modelo avaliativo devidamente fundamentado e testado. Trata-se de um erro grave que não deriva de conhecimento pedagógico, mas de apropriações que estão ou estiveram firmadas, inclusivamente, em letra de lei. Seria importante que se voltasse, também na área da pedagogia, a estudar os autores clássicos para perceber a razão e a substância das suas propostas, bem como, naturalmente, a sua evolução. A função destas duas modalidades é diferente mas a sua convivência necessária. Enquanto a avaliação formativa faculta informação frequente sobre as aquisições académicas de cada aluno com o objectivo de verificar se coincidem com o que se planificou, tendo uma função de suporte à aprendizagem; a avaliação sumativa faculta informação pontual sobre as aquisições académicas de cada aluno com o objecto de o situar numa escala de pontos, com o propósito de, como agora se diz, “prestação de contas”. Cada uma destas modalidades requer os seus instrumentos, estratégias e momentos, que não se podem misturar nem confundir.

A transformação das provas (este ano no 6.º ano, e a partir do próximo no 4.º) em exames podem aumentar as reprovações?

Não sabemos o que vai acontecer, mas podemos conjecturar que o que vais acontecer dependerá muito da preparação dos alunos relativamente ao que está previsto nos documentos curriculare e do grau de exigência das provas. As reprovações, que no nosso sistema educativo têm uma expressão elevada, são algo que não desejamos que aconteça. Mas, sendo um problema, eventualmente maior do que supomos, temos de o enfrentar e em diversas frentes: uma delas é proporcionar orientações claras aos professores, derivadas de conhecimento válido que se tem sobre a aprendizagem; outra é convocar os professores para o ensino, libertando-os de tarefas paralelas que lhe ocupam tempo e lhe consomem a energia; outra é diferenciar o ensino em função da evolução dos alunos na aprendizagem e pugnar para que cheguem a patamares desejáveis.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Com exames assim não vamos longe

No teste intermédio de filosofia do Ministério da Educação português, que se pode ler aqui, encontrei os seguintes erros:
  1. No item 1.2 do Grupo II o aluno tem quatro escolhas para completar a frase "Num argumento, denominam-se premissas...". Acontece que nenhuma das alternativas dada aos alunos está correcta. A alternativa que os autores da prova pensam que está correcta é a C: "...as proposições que justificam a conclusão". Isto está errado porque num argumento inválido as suas premissas não justificam a conclusão - apenas pretendem justificá-las, mas fracassam nesse desígnio.
  2. No item 1.3 do mesmo grupo a alternativa correcta, "a conclusão deriva necessariamente das premissas", tem falta de precisão pois "deriva necessariamente" é um pleonasmo -- quando uma proposição deriva de outra ou outras, deriva necessariamente, pois a relação de derivação entre premissas e conclusão é algo que ocorre apenas quando não há qualquer circunstância em que as primeiras sejam verdadeiras e a última falsa.
Pior do que os erros de pormenor, contudo, é o facto de a prova não avaliar qualquer competência filosófica última; apenas avalia competências filosóficas instrumentais. A compreensão dos conceitos e ideias dos filósofos é meramente instrumental para aprender a raciocinar filosoficamente. Avaliar apenas essa compreensão, mas não aquilo que constitui a sua finalidade seria como avaliar, no futebol, não a competência para jogar jogos de futebol, mas antes exercícios de flexões e corrida, que certamente fazem parte do treino dos futebolistas, mas não constituem a finalidade deste.

Para se fazer tolices destas, ainda por cima a nível nacional, mais vale acabar com os exames nacionais e deixar os filhos de cada qual entregue às arbitrariedades dos seus professores e escolas - desse modo, pelo menos alguns terão a sorte de ter professores competentes, que irão prepará-los com carinho e rigor para o que é crucial em filosofia, ao passo que com exames nacionais deste cariz todos são vítimas da incompetência educativa nacional costumeira. Ou será que estou a ver mal?

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A medição da simpatia

Como acontece a quase toda a gente, nesta época que vai ser, de certeza, lembrada pelas nossas preocupações pressurosamente avaliativas, fui solicitada para me pronunciar sobre o modo de atendimento neste, naquele e no outro serviço duma certa instituição.

Para isso, apresentaram-me, em sequência, vários questionários online, daqueles que não nos deixam saltar nenhum item – qualquer esquecimento ou recusa em responder impede-nos de passar para a “página” seguinte – e que, para não desanimarmos com a extensão, vão-nos dando informação, em percentagem, do que ainda falta preencher.

Nesses questionários, perguntava-se como é que eu classificava a “simpatia” dos funcionários. Não me lembro das outras características de personalidade em apreciação, que eram várias, mas lembro-me da “simpatia”, porque me questionou sobre o modo como temos de nos apresentar a outrem, sobretudo aos clientes, para sermos bem avaliados e, em última instância, mantermos o trabalho.

Ora, a “simpatia” não me parece propriamente uma característica profissional.

Porque é uma coisa muito própria da pessoa, do seu modo de ser (longe de mim afirmar que o modo de ser de cada um não se altera). Manifesta-se nas escolhas relacionais que vai fazendo e que dão corpo ao mundo privado que constrói e reconstrói. Traduz-se, digo eu, na disponibilidade de aproximação ao outro, num envolvimento e confiança e em expressões que não têm qualquer outra intenção a não ser ir vivendo.

Isto pode acontecer no mundo do trabalho? Admito que sim, mas nem sempre acontece e nem sequer é necessário (e, mesmo, desejável) que aconteça. Falo em geral, mas neste mundo público, o que importa é que as atitudes dos profissionais sejam compatíveis com as funções que desempenham e só isso. Algumas funções exigirão um sorriso que pode ser de simpatia ou   metamorfoseado de simpatia, outras funções nem sequer exigem qualquer tipo de sorriso.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Contra estes exames

O texto que se segue foi-nos enviado pela leitora Maria Paula Lago, professora e também investigadora nas áreas da Teoria da Literatura e da Língua e Literatura Portuguesas. Agradecemos a sua contribuição na análise de uma temática que urge ser repensada a nível nacional.

Sempre fui a favor do rigor no sistema de ensino; o contrário apenas leva, como aliás acontece nos dias de hoje, a que a escola reproduza os mecanismos de selecção social: quem pode, pode, e sabe, seja qual for a escola em que esteja matriculado; quem vem de baixo não tem qualquer hipótese de aceder, pela via do conhecimento, a um patamar superior. No entanto, face à súbita maré de rigor que mediaticamente se abate sobre o nosso sistema de ensino, face a afirmações e coincidências que, embora estranhas, não são de todo surpreendentes, sou, abertamente, contra os exames.

No que toca às afirmações, sou contra os exames que, mais do aferir transversalmente conhecimentos, servem como veículo mediático de proposições insondáveis – ou demasiado transparentes, se tomadas por um outro prisma. Ao afirmar que “as escolas prepararam mal os alunos” (Público, 24 de Julho de 2011), Hélder de Sousa, director do Gave, organismo responsável pela elaboração e critérios de correcção dos exames, está uma vez mais e como é habitual, a apontar o dedo aos professores, tentando contornar uma incontornável realidade: a de que os exames não foram bem preparados face aos alunos e ao que deles é expectável no âmbito da disciplina. Disso são prova as hesitações e imprecisões na definição dos critérios, os critérios confidenciais e a ameaça velada do dever de sigilo, elementos que são, uma vez mais, factores de pressão sobre os professores face às metas de sucesso desejadas – mas também marca de uma indesejável cumplicidade – e alguns diriam mesmo promiscuidade – entre quem avalia os saberes e quem produz, distribui e vende os saberes que irão ser avaliados.

Face a essa e a outras pressões centralistas, os professores são alvo fácil de modas e orientações científicas, didácticas e pedagógicas; a chancela do poder político e de uma pseudo-cientificidade, ainda que não validada – ou mesmo contestada – pela comunidade científica, impede a autonomia dos professores na construção de um saber sólido e consequente. Que tais modas e orientações sejam introduzidas nas provas de exame é um factor de peso nesse impedimento, e a sua inclusão nos exames é meio caminho andado para que elas sejam forçosamente geradoras de capital, seguramente não apenas simbólico. Por isso e assumidamente, sou contra os exames, ou melhor, sou contra estes exames.

Quanto às coincidências, elas existem apesar da habitual operação retórica da sua negação. Existem, pelo menos, na disciplina que lecciono, a de Língua Portuguesa, e, pelo menos, nos exames de 12.º ano. Para além de questões improcedentes e vagas que foram já assinaladas noutros lugares por vozes dificilmente contestáveis, de assinalar a espantosa coincidência de os dois textos seleccionados para análise dos exames de Português de 2011 constarem de um livrinho de preparação para os exames, versão 2011; de assinalar também a forma como, nos exames como no livrinho de preparação, o esoterismo da Nova Terminologia Gramatical se instala cada vez mais em exercícios de gramática pela gramática, a coberto de opções terminológicas cientificamente contestáveis e, num grande número dos casos, completamente inúteis para o desenvolvimento das competências de compreensão dos alunos.

Não cabe aqui retirar ilações ou conclusões sobre estas coincidências, mas o rigor está ausente dos aspectos assinalados, como parece também arredado da afirmação, em destaque na caixa “Em resumo” do artigo do Público mencionado, de que «sete dos catorze pontos que a média do exame de Português do 12.º ano perdeu por comparação a (sic) 2011 tiveram origem na troca, no grupo que testa os conhecimentos de gramática, de uma questão de associação por três questões de resposta curta»; não sendo especialista em ciências esotéricas como a da estatística (bem) aplicada, tal afirmação parece-me, no entanto, de difícil sustentabilidade.

De mais difícil sustentação é, no entanto, uma outra afirmação da peça jornalística, desta vez a coberto de voz anónima: «confirmou-se que os alunos de 12.º ano, a partir de um poema de Álvaro de Campos, voltaram a confundir ‘sentimentos’ com ‘sensações’». Não sei quem terá decidido, nos meandros do saber como os que dominam o nosso ensino, que, numa teoria sensacionista com a densidade da exposta e praticada por Pessoa – e sobretudo num poema de Campos – aquilo a que chamamos sensação só pode corresponder a uma sensação predominantemente física; no entanto, tal asserção é manifestamente errada – ou, pelo menos, de uma enorme falta de rigor.

Feita a prova dos factos, como sugere retoricamente o artigo do Público em destaque transversal e subliminar, sou contra os exames, ou melhor, contra estes exames marcados pela falta de rigor científico e pedagógico, pela indefinição e imprecisão face ao que com eles se pretende aferir e, sobretudo pela facilidade com se usam como instrumentos de desígnios misteriosos, nos quais é no entanto fácil perceber que não consta o que deveria ser o principal: o serviço público de avaliar aprendizagens essenciais para melhorar o ensino e beneficiar as gerações futuras.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Interpretar um poema de Álvaro de Campos


«Na casa defronte de mim e dos meus sonhos» é o primeiro verso do poema de Álvaro de Campos objecto de questionamento na prova de Exame de Português de 12.º Ano (1.ª Fase de 2011).

Muito se falou e se escreveu sobre a escolha do poema e as perguntas feitas no Exame de Português do 12.º ano - 1.ª fase. Houve quem respigasse um ou outro aspecto de natureza interpretativa sobre o mesmo, mas não terá sido divulgada uma interpretação total do poema. Ora, sendo o poema representativo de Álvaro de Campos e de uma das suas fases indicadas no Programa do Ensino Secundário, aquela em que o vemos irmão de Fernando Pessoa ortónimo na dor de pensar e na nostalgia da infância (tem a data de 16.06.1934, sensivelmente ano e meio antes da morte do poeta), parece pertinente apresentar uma interpretação de todo o poema (e não, apenas, de versos soltos).

A interpretação que se segue (e que, apesar da sua extensão, optámos por apresentar num só post) é da autoria de Maria Regina Rocha, professora de Português.

Como ponto prévio, será de referir que devemos olhar para um poema como um todo coerente: o poeta escreveu 9 estrofes (e não 8 ou 10), porque considerou que elas traduziam um pensamento com uma determinada unidade e, quando lhe colocou uma data e o deu por terminado, é porque algo que para o poeta era coerente ali ficou plasmado. Importa, pois, que nós, os seus leitores, estejamos à altura de o compreender. As palavras do poema, os versos, a pontuação, nada ali está por acaso: são peças de um puzzle coerente. Tentaremos, então, perceber essa coerência de pensamento numa análise estrofe a estrofe e verso a verso. Segue-se a transcrição do poema.

Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!

Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não são eu.

As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.

Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.

Que grande felicidade não ser eu!

Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.

Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.


Nada! Não sei...
Um nada que dói...

Só é possível obter uma ideia geral precisa do poema no final da sua leitura e da análise verso a verso. No entanto, após uma leitura de todo o poema, apenas leitura, sem ainda se proceder a análise, sobressai a ideia geral de que o sujeito poético se sente diferente de outros que observa e que tal situação lhe causa sofrimento. Passemos, então, à interpretação do poema estrofe a estrofe.

1.ª estrofe - O sujeito poético diz que na casa defronte de si e dos seus sonhos existe felicidade.
A casa não está dentro dos seus sonhos (na sua imaginação), mas «defronte» de si e «defronte» dos seus sonhos. Tal significa que aquela casa está defronte do sujeito poético no momento em que ele sonha, em que ele divaga, em que deixa o pensamento correr. E que nessa casa existe felicidade. A referência a essa felicidade é expressa por um verso exclamativo («que felicidade há sempre!»), sugerindo a admiração do poeta, eventualmente a estranheza, pelo facto de haver felicidade, ou pela dimensão dessa felicidade («que felicidade»), ou pela sua perenidade («há sempre»).

2.ª estrofe - No primeiro verso da estrofe, o sujeito poético especifica quem vive na casa: são pessoas que o poeta já viu, mas que verdadeiramente não conhece («pessoas que desconheço, que já vi mas não vi»). É compreensível: são pessoas para as quais o poeta já olhou, mas que, propriamente, não conhece, não sabe quem são nem o que pensam (viu, mas não viu).No segundo verso da estrofe, retoma a ideia da felicidade referida na primeira estrofe: essas pessoas são felizes. E acrescenta que o são porque não são ele. Começa aqui a expressão da diferença: se as pessoas são felizes porque não são o poeta, tal significa, por um lado, que aquelas pessoas têm uma perspectiva da vida diferente da do poeta (e é porque a têm que conseguem ser felizes: se fossem como o poeta, não seriam felizes), e, por outro lado, que o poeta não é feliz.

3.ª, 4.ª e 5.ª estrofes - Estas três estrofes têm uma unidade: caracterizam a felicidade das pessoas que o poeta observa.
Na 3.ª estrofe são referidas crianças que brincam, sem consciência da passagem do tempo («eternamente»), numa alegria de quem é inconsciente, de quem vive «entre vasos de flores», ou seja, rodeado do que é belo, sem a noção da realidade, do sofrimento.
Na 4.ª estrofe, é referido o cantar que ecoa dentro da casa, também sugestivo da alegria de quem canta fechado no seu mundo, na simplicidade da felicidade doméstica.
Nestas duas estrofes, repete-se a expressão «sem dúvida» (vv. 7 e 9), um comentário do próprio sujeito poético, que dá como certas essas características da vida dos outros: não tem dúvidas de que as crianças usufruem da felicidade e de que as pessoas cantam (isso ele vê, é a sua certeza).
O verso 10 («Sim, devem cantar.») traduz a constatação da lógica daquele tipo de viver: sim, têm de cantar, é lógico que cantem («dever» significa aqui obrigação: é sinónimo de «ter de»)[1]. Essa lógica é explicada na 5.ª estrofe: para aquelas pessoas tudo se ajusta, tudo está certo (a festa que revelam exteriormente é a que sentem interiormente). O verbo «dever» do verso 10 tem correspondência, no verso 12, na expressão «ter que» («Assim tem que ser»).
Então, as pessoas que o sujeito poético observa seguem o que é natural, cumprem a sua função de pertença ao meio em que se inserem, a cidade. O verso «O homem [ajusta-se] à Natureza, porque a cidade é Natureza» poderá interpretar-se como a tradução da harmonia do mundo que o poeta observa: a cidade é, para o homem que nela vive e à qual pertence, a Natureza[2].

6.ª estrofe - significa o seguinte: que felicidade o poeta não ser como aquelas pessoas! Observe-se que o verbo ser não está na 3.ª pessoa do plural, mas no singular. Se o verso fosse «Que grande felicidade não serem eu!», tal significaria que as pessoas eram felizes por não serem o poeta, ou que o poeta se regozijava por elas não serem como ele, mas o que é dito é totalmente diferente: que bom o poeta não ser assim, como essas pessoas!
Campos recusa identificar-se com aqueles embotados ou inconscientes que conseguem ser felizes.

7.ª estrofe - Depois desse verso de afirmação consciente da diferença e da recusa de uma felicidade apenas apanágio dos inconscientes, o sujeito poético como que pára para se interrogar sobre o que acabou de pensar e de escrever: «Mas os outros não sentirão assim também?»[3] (v. 15). Este verso quer dizer o seguinte: Será que os outros não pensam como o sujeito poético? Isto é, será que os outros também não se sentem diferentes?
Esta interrogação retórica leva o poeta a reflectir sobre o facto de, afinal, ninguém saber o que se passa no íntimo dos outros, pois o sentimento de cada um é algo pessoal, não podendo ser vivenciado por mais ninguém (v. 16): existe incomunicabilidade entre os seres no que diz respeito à revelação dos sentimentos (v. 17 – a metáfora da «casa com a janela fechada»: as pessoas não revelam o que sentem).
O poeta acrescenta que, quando há indícios de revelação de sentimentos («quando se abre» a janela – v. 18), ou há um vislumbre da felicidade inerente a quem não tem consciência da vida, a quem não pensa (a metáfora das crianças que brincam na varanda de grades, entre vasos de flores – vv. 18-20) ou de uma felicidade aparente («vasos de flores que nunca vi quais eram» – v. 20).

8.ª estrofe - Nesta estrofe, o poeta conclui o raciocínio desenvolvido na anterior, especificando que desconhecemos o que se passa no íntimo de cada um (v. 21 – «os outros nunca sentem») e que só é possível sentir enquanto primeira pessoa («nós» – v. 22).
Especifica, então, que nesse «nós» se integra o «eu» do sujeito poético (v. 24), mas, em vez de referir o que está a sentir – que era aquilo de que o leitor estaria à espera, pois, se quem sente somos «nós» (vv. 22-23), o «eu» também sentiria –, afirma, inesperadamente, que naquele momento já não está sentindo nada. Neste verso final da penúltima estrofe são, assim, de salientar dois aspectos: o facto de o poeta já ter sentido, já se ter identificado com os que constituem «nós», e de, naquele momento, já não estar sentindo nada. Surge, aqui, subtilmente, a «inépcia congénita para os sentimentos humanos e simples»[4], característica de Álvaro de Campos.

9.ª estrofe - O sujeito poético interroga-se, então, sobre o facto de não estar sentindo nada («Nada?»), considerando não ter a certeza disso («Não sei…») e explicando esse reticente «Não sei…»: é que esse tal «nada», afinal, «dói». O último verso («Um nada que dói») consiste, pois, num oxímoro que pode ser interpretado de duas formas:
– o facto de não estar a sentir nada incomoda o sujeito poético, fá-lo sofrer;
– o sujeito poético não sabe se, realmente, não está a sentir nada, pois esse tal hipotético «nada» «dói», fá-lo sofrer, isto é, fá-lo sentir.
O sujeito poético sugere, na última estrofe, que sente amargura por se aperceber de que não tem a capacidade de sentir felicidade: recusa a hipotética felicidade que os outros parecem deixar transparecer nos raros momentos em que se revelam, mas não encontra alternativa. O sujeito poético opta pela clarividência da impossibilidade de se sentir feliz, mas, simultaneamente, sofre. É que não está na sua natureza ser capaz de ser inconsciente de tal modo que pudesse sentir-se feliz sem se aperceber de que tal sentimento seria revelador da ausência de consciência[5].

Concluindo,

este poema de Álvaro de Campos é característico da sua fase de tédio, estado de alma traduzido num dos textos do Livro do Desassossego[6] de que se podem seleccionar alguns excertos: «O tédio é, sim, o aborrecimento do mundo, o mal-estar de estar vivendo, o cansaço de se ter vivido; o tédio é, deveras, a sensação carnal da vacuidade prolixa das coisas (…) o aborrecimento de outros mundos, quer existam quer não; o mal-estar de ter que viver, ainda que outro, ainda que de outro modo, ainda que noutro mundo (…)

O poema traduz, assim, a angústia existencial de quem está condenado a ver a felicidade dos outros, impossibilitado, pela sua natureza de ser pensante, de nela entrar e de usufruir qualquer bem-estar, dada a lucidez da percepção da inexistência de alternativa.

Poderá, naturalmente, haver outras interpretações do poema. O que importa é ensinar aos alunos que a interpretação tem de incidir na totalidade do poema, na compreensão de todas as peças que dele fazem parte e que se interligam num todo coerente, proporcionando-nos uma determinada revelação do mundo do «eu».

E, quando o «eu» é Fernando Pessoa em vertente de Álvaro de Campos, é sempre um desafio a sua interpretação.
__________________________

[1]No Livro do Desassossego, do heterónimo Bernardo Soares, o assunto é objecto de reflexão (os sublinhados são nossos):
«A monotonia das vidas vulgares é, aparentemente, pavorosa. Estou almoçando neste restaurante vulgar, e olho, para além do balcão, para a figura do cozinheiro, e, aqui ao pé de mim, para o criado já velho que me serve, como há trinta anos, creio, serve nesta casa. Que vidas são as destes homens? Há quarenta anos que aquela figura de homem vive quase todo o dia numa cozinha; tem umas breves folgas; dorme relativamente poucas horas; vai de vez em quando à terra, de onde volta sem hesitação e sem pena; armazena lentamente dinheiro lento, que se não propõe gastar; adoeceria se tivesse que retirar-se da sua cozinha (definitivamente) para os campos que comprou na Galiza; está em Lisboa há quarenta anos e nunca foi sequer à Rotunda, nem a um teatro, e há um só dia de Coliseu — palhaços nos vestígios interiores da sua vida. Casou não sei como nem porquê, tem quatro filhos e uma filha, e o seu sorriso, ao debruçar-se de lá do balcão em direcção a onde eu estou, exprime uma grande, uma solene, uma contente felicidade. E ele não disfarça, nem tem razão para que disfarce. Se a sente é porque verdadeiramente a tem. (…)
Revejo, com um pasmo assustado, o panorama destas vidas, e descubro, ao ir ter horror, pena, revolta delas, que quem não tem nem horror, nem pena, nem revolta, são os próprios que teriam direito a tê-las, são os mesmos que vivem essas vidas. É o erro central da imaginação literária: supor que os outros são nós e que devem sentir como nós. Mas, felizmente para a humanidade, cada homem é só quem é, sendo dado ao génio, apenas, o ser mais alguns outros.
Tudo, afinal, é dado em relação àquilo em que é dado. Um pequeno incidente de rua, que chama à porta o cozinheiro desta casa, entretém-no mais que me entretém a mim a contemplação da ideia mais original, a leitura do melhor livro, o mais grato dos sonhos inúteis. E, se a vida é essencialmente monotonia, o facto é que ele escapou à monotonia mais do que eu. E escapa à monotonia mais facilmente do que eu. A verdade não está com ele nem comigo, porque não está com ninguém; mas a felicidade está com ele deveras.»
[2] Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de Morais, 10.ª edição, Natureza, substantivo próprio (com letra maiúscula) significa: «Conjunto de todos os seres de que se compõe o Universo e dos fenómenos que nele se produzem»; «O Mundo físico; o conjunto dos fenómenos físicos e das causas que os determinam»; «Conjunto das forças que presidem aos diversos fenómenos de que os seres criados são objecto no espaço e no tempo». Saliente-se esta última acepção.
[3] No poema que tem como verso inicial «Ao volante do Chevrolet, pela Estrada de Sintra», diz o poeta (vv. 19-21):
« À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz.»
[4] Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Verbo, p. 121.
[5]O poeta traz consigo «o espinho essencial de ser consciente», como afirma no poema «Vilegiatura» (versos 12 a 15), escrito na mesma altura (1934):
«Vim para aqui repousar, Mas esqueci-me de me deixar lá em casa, Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente, A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir
[6] Bernardo Soares Pessoa, Livro do Desassossego, ed. Richard Zenith (1988), n.º 381, datado de 28.09.1932.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Resultados dos Exames Nacionais de Português do 12.º Ano: O que fazer para alterar a situação?

Segunda parte e última do texto da professora Maria Regina Rocha sobre os resultados do exame de Português, recentemente divulgados.

A primeira parte, composta por três textos, foi publicada aqui, aqui e aqui.


1. O programa da disciplina de Português do Ensino Secundário

É urgente uma revisão deste programa. Independentemente da elaboração de um novo programa a entrar em vigor no ano lectivo de 2012/2013 (que é algo simples, pois as experiências já foram tantas que é fácil a concepção de um programa que contenha o que deve ser considerado como fundamental neste nível de ensino), deverá proceder-se a um ajuste do programa já para o ano lectivo que vai entrar (2011/2012).

Este ajuste deveria ser já para o 10.º, o 11.º e o 12.º Ano, isto é, o programa seria o mesmo (não havendo qualquer problema a respeito de manuais), mas especificando-se claramente o que deveria ser leccionado e qual o grau de aprofundamento, com objectivos claramente enunciados .

2. O número de tempos lectivos atribuídos à disciplina

Não é só o programa que deve merecer atenção. É urgente a atribuição de mais tempo de aulas à disciplina de Português. Observe-se que a disciplina de Português no Ensino Secundário apenas tem duas aulas por semana (dois blocos de 90 minutos), diferentemente de todas as outras disciplinas com exame nacional, que têm três blocos de 90 minutos por semana (algumas, com um dos blocos com 135 minutos) e das disciplinas de opção, também com três blocos (e algumas com um dos blocos com 135 minutos).

Havendo apenas duas aulas por semana, por vezes (quando há um feriado nacional, por exemplo), a leccionação fica reduzida a uma aula na semana. Assim, a disciplina deveria ter um número de aulas idêntico ao das outras disciplinas com exame nacional: trata-se de uma disciplina considerada fundamental e, afinal, é-lhe atribuído menos tempo lectivo do que às outras?

A sugestão é a seguinte: ou a disciplina tem três blocos de 90 minutos por semana, ou – e esta é a melhor solução – se extinguem esses blocos de 90 minutos e se reintroduzem os tempos de 50 minutos (muito mais funcionais e eficazes a todos os níveis), podendo, assim, ser atribuídos 5 tempos de 50 minutos a esta disciplina. Para os professores que consideram útil uma vez na semana haver mais tempo para determinado tipo de actividades que exigem uma maior duração para ficarem completas, dois desses tempos poderão ser seguidos.

3. O ensino

É urgente formar os professores de Português, com um plano nacional que contemple claramente como se procede a um ensino formal que leve à aquisição e ao domínio das diversas competências exigidas nesta disciplina.

Os professores sabem ler e interpretar: se houver formação e indicações precisas por parte da tutela, o ensino será outro.

4. Os alunos e a importância do estudo

É urgente alterar o paradigma do facilitismo que imperou nos últimos tempos e que leva a que alguns alunos até se vangloriem de não estudar. O valor do conhecimento deverá ser um ponto inquestionável: pais e alunos deverão encarar a escola com o respeito que merece uma instituição que promove a formação dos cidadãos de um país.

5. A prova de exame

Deixei para o fim a referência à prova de Exame, pois o que importa essencialmente é o que a precede: o ensino dos nossos alunos e a aprendizagem que realizaram.

A concepção das provas de exame de Português do Ensino Secundário pode merecer uma ou outra referência de pormenor a respeito de um ou outro aspecto, mas, na generalidade, estas provas são válidas no que diz respeito à testagem das competências dos alunos. Por exemplo, analisando a prova da 2.ª Fase (que se realizou no passado dia 22 de Julho) e as competências aí testadas, podemos prever que os resultados serão melhores do que os da 1.ª Fase, mas as classificações e respectivas realizações dos nossos alunos vão continuar a ser merecedoras de reflexão.

A terminar,

não pode deixar de ser referida a qualidade do trabalho que o Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação (GAVE) tem vindo a desenvolver, não só na elaboração das provas e dos critérios de classificação como no apoio dado aos professores classificadores como na formação de professores no que diz respeito à avaliação, que deveria ser alargada a todos os docentes.

Maria Regina Rocha

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Resultados dos Exames Nacionais de Português do 12.º Ano: Porquê tais resultados (3 e 4)?

Texto de Regina Rocha na continuação de dois anteriores, aqui e aqui publicados.

PORQUÊ TAIS RESULTADOS (final)?

(3) O ensino

Os resultados desta prova revelam falta de objectividade e de rigor no ensino: muitos examinandos não sabem objectivamente o que significam os verbos de foco da pergunta (identifique, caracterize, relacione, etc.) e o que se espera como resposta correcta perante esses «comandos»; muitos não sabem fazer deduções, de modo a compreender a essência do texto; muitos não sabem mobilizar informação sobre as obras, pois não sabem seleccionar o essencial em relação a cada tópico; muitos examinandos não são capazes de estruturar convenientemente uma resposta, desconhecendo que há regras de estruturação que devem ser seguidas (quantos professores procedem a um ensino formal de como se estrutura uma resposta?); muitos examinandos não sabem formular um argumento e seleccionar provas que o sustentem (quantos professores procedem a um ensino formal de construção de argumentos?); muitos examinandos apresentam uma expressão escrita com gravíssimas incorrecções linguísticas, reveladoras de insuficiência de trabalho da escola nesse âmbito.

Ora, os professores tentam cumprir os programas, mas o programa de Português do 12.º Ano é muito extenso, nomeadamente os conteúdos da Leitura[1], e o tempo atribuído à disciplina insuficiente para se trabalhar, com a profundidade que se exige, tudo o que deve ser tratado (apenas dois blocos de 90 minutos por semana – isto é, 60 blocos por ano lectivo –, enquanto todas as outras disciplinas do Ensino Secundário com exame no 12.º Ano têm três blocos de 90 minutos por semana).

Assim, a preocupação dominante dos professores assenta no ensino e aprendizagem de conteúdos no domínio da Leitura (obras de escritores e respectivos aspectos indicados no programa) bem como na revisão e aprendizagem de conteúdos gramaticais, ficando subvalorizado na aula o ensino da Escrita, que exige muito tempo de preparação, de realização por parte dos alunos e de correcção. Sem tempo, ficam as indicações, o ensino genérico, mas muito pouca prática.

(4) A falta de estudo dos alunos

A disciplina de Português tem sido, ao longo do tempo, sujeita a uma desvalorização no que implica de estudo e de reflexão. Na generalidade, os alunos não atribuem valor à disciplina de Português, não dão valor ao estudo, não estudam: pensam, erradamente, que o Português não se estuda. Tal situação é transversal às diversas classes sociais. Os pais com possibilidades económicas têm a preocupação de fornecer aos seus educandos diversas actividades extra-escolares para o seu enriquecimento pessoal e cultural, mas muitas vezes não se apercebem de que alunos cansados de uma série de actividades ficam sem tempo ou capacidade física para o estudo organizado e eficaz, para a leitura e reflexão sobre a mesma, para a escrita e correcção dos textos.
____________________

[1] É obrigatória a leitura e análise de obras e textos de grande riqueza, muito exigentes: Os Lusíadas, de Luís de Camões; Mensagem, de Fernando Pessoa; poesia ortónima de Fernando Pessoa; poesia dos heterónimos de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos); Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro; Memorial do Convento, de José Saramago.

Este texto tem continuação.

Maria Regina Rocha

Resultados dos Exames Nacionais de Português do 12.º Ano: Porquê tais resultados (2)?

Texto de Regina Rocha na continuação de outro aqui publicado.

PORQUÊ TAIS RESULTADOS (continuação)?

(2) O programa da disciplina de Português do Ensino Secundário e a prova de exame

O programa da disciplina de Português

Não é minha intenção fazer aqui uma crítica fundamentada ao Programa de Português do Ensino Secundário. Tal foi feito por diversos professores ao longo de anos, sem que tivesse havido abertura no sentido da sua revisão. De uma forma simplista – com tudo o que tal palavra significa –, apenas refiro que se trata de um programa com aspectos negativos no que diz respeito à extensão, à coerência, à objectividade e ao rigor, não se constituindo como um referente eficaz do trabalho do professor.

No caso dos problemas detectados nos alunos nesta prova, refira-se o seguinte:

a) em nenhuma página do programa se apresenta como objectivo que o aluno seja capaz de «identificar sensações»; no entanto, refere-se como objectivo que ele seja capaz de «distinguir factos de opiniões» (pág. 11), de «distinguir factos de atitudes e sentimentos» (pág. 51), de «distinguir factos de sentimentos, de atitudes e de opiniões» (págs. 52, 54), ou de «distinguir factos de sentimentos e de opiniões» (págs. 53, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63)[1];

b) em nenhuma página do programa se refere como objectivo que o aluno seja capaz de «explicar relações» ou de «relacionar conteúdos»[2], embora na pág. 32, no corpo das indicações sobre «Critérios de avaliação», surja numa das alíneas a indicação «estabelecer relações lógicas», que não é retomada em mais parte nenhuma do programa (nomeadamente nos objectivos), diferentemente do que acontece com outras indicações desses «Critérios de avaliação»;

c) em nenhuma página do programa se dão indicações sobre os poemas mais significativos de cada autor, cuja leitura é obrigatória para se responder cabalmente ao Grupo IB;

d) alguma da matéria gramatical que foi objecto de avaliação na prova ou não vem claramente expressa no programa de Português do Ensino Secundário, pertencendo ao programa do Ensino Básico (itens 1.3, 1.7, 2.2 e 2.3 do Grupo II), ou vem apenas indicada em tópico, sem a informação sobre o seu conteúdo, que sofre variações de gramática para gramática e da TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário) para o Dicionário Terminológico (itens 1.4, 1.5 e 1.6 do Grupo II).

Além do acima referido, deverá salientar-se a demasiada extensão do programa e a inexistência de definição do essencial, o que contribui para que tudo fique tratado de uma forma superficial, não ocorrendo, naturalmente, a respectiva aprendizagem.

A prova de exame

Até aqui focou-se o programa, mas poderá, naturalmente, desviar-se o foco para a prova de exame e perguntar-se se esta não deveria ter incidido mais claramente sobre os objectivos do programa de Português do Ensino Secundário, nomeadamente do 12.º Ano, como vem indicado no Documento emanado do GAVE de informação sobre este exame (Informação n.º 26.11, de 2010.11.08), que, a respeito da Leitura (o que corresponde ao Grupo IA da prova), contém como objecto de avaliação o seguinte[3] (págs. 2 e 3 dessa Informação n.º 26.11):
Leitura
1. reconhecer a matriz discursiva do texto;
2. explicitar o sentido global do texto;
3. processar a informação veiculada pelo texto, em função de um determinado objectivo;
4. distinguir factos de sentimentos e de opiniões;
5. explicitar relações representadas no texto (planos sintáctico, semântico-lexical, pragmático);
6. detectar linhas temáticas e de sentido, relacionando os diferentes elementos constitutivos
do texto;
7. inferir sentidos implícitos a partir de indícios vários;
8. determinar a intencionalidade comunicativa;
9. identificar elementos de estruturação do texto, ao nível das componentes genológica, retórica e estilística;
10. avaliar aspectos textuais relativos à dimensão estética e simbólica da língua;
11. utilizar informação paratextual, contextual e intertextual na construção de sentidos;
12. relacionar elementos do texto com o contexto de produção;
13. formular juízos de valor fundamentados;
14. interpretar relações entre linguagem verbal e códigos não verbais;
15. distinguir as funções argumentativa e crítica da imagem.

Como se pode ver pela prova, os pontos 1, 2, 4, 6 e 8 a 15 não foram observados. E, sobretudo, não foram observados os que estão formulados mais objectivamente (pontos 1, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 13). Assim, poderá considerar-se que os itens do Grupo IA se integram grosso modo, no ponto 3 (que é tão genérico que tudo abrange), no ponto 5, também genérico (os itens 3 e 4), e no ponto 7 (uma parte do item 2).

No entanto, poderão observar-se três aspectos:

a) o item 1 do Grupo I da prova não se integra claramente em nenhum dos pontos acima referidos, entre os quais figura «distinguir factos de sentimentos e opiniões» (4), o que poderá ter sido um dos motivos que levou os alunos a pensarem ser demasiado óbvio que lhe estivessem a perguntar por sensações visuais ou auditivas e referissem, incorrectamente, «sensação de bem-estar», «de alegria»[4], etc.

b)
no item 2 do Grupo I, apenas se pede que o examinando «caracterize o tempo da infância tal como é apresentado na terceira estrofe do poema», não se especificando que nessa caracterização deveriam ser focados dois tópicos, dois aspectos diferentes, como vem, depois, expresso nos Critérios de Classificação (pág. 7). Aliás, em rigor, nesta estrofe poder-se-iam, até, considerar quatro aspectos desse tempo de infância[5], e não dois. Assim, uma formulação mais objectiva poderia ter levado a respostas mais completas (ver também nota 1 deste texto).

c)
Embora os itens 3 e 4 do Grupo I da prova se integrem no ponto 5 da referida Informação n.º 26.11 no que diz respeito à Leitura, a formulação deste ponto é muito genérica: muitos professores e alunos ficariam, certamente, mais elucidados com uma especificação do que se pretende.

Fica a sensação de que se tentou que os dois primeiros itens do Grupo I fossem «fáceis», por mobilizarem capacidades que pareceria óbvio os alunos possuírem (identificar sensações, caracterizar). Ora, o «fácil» tem que ver com o que consta dos objectivos, foi objecto de ensino formal, se está à espera que seja questionado e seja claramente perguntado.

Se se souber claramente (professores e alunos) o que se pretende que os alunos saibam e que será objecto de avaliação, tudo se transforma em «fácil», mas se os objectivos são tão genéricos que tudo abrangem e se a prova de exame tem uma ou outra fragilidade a nível da validade, então, surge a dificuldade.

Este texto tem continuação.

Regina Rocha
_______________________

[1] Não se pretende aqui dizer que se admita que um aluno neste momento da sua escolaridade não saiba o que são sensações ou não saiba relacionar, mas, apenas, que o programa não contém tais objectivos claramente expressos, apresentando, no entanto, mais de uma centena de outros, com maior ou menor grau de especificidade, o que deixa os professores mergulhados em páginas e páginas de texto programático marcado por generalidades e repetições, sem um claro referente de ensino. Pontualmente se dirá que, se o programa contém objectivos específicos, como os acima mencionados no ponto 2. a) («distinguir factos de sentimentos, de atitudes e de opiniões»), então, seria lógico que também houvesse, nos objectivos, a indicação de «identificar sensações» ou «relacionar sentimentos com sensações» ou «estabelecer relações lógicas».
[2] Idem.
[3] A numeração que se segue não existe no texto original: surge aqui por uma questão de funcionalidade na referência.
[4] Não se está aqui a considerar irrelevante que um aluno não distinga uma sensação de um sentimento: apenas se está a tentar compreender por que motivo tal acontece.
[5] Os quatro aspectos são: (1) o ambiente de despreocupação feliz, sugerido pelo acto de brincar; (2) a vida protegida e afastada do mundo real, sugerida pelo facto de as crianças viverem «entre vasos de flores»; (3) a ausência de dúvidas, de incertezas, sugerida pela expressão «sem dúvida»; (4) a não consciência da passagem do tempo, sugerida na oração «vivem (…) eternamente».
[6]É obrigatória a leitura e análise de obras e textos de grande riqueza, muito exigentes: Os Lusíadas, de Luís de Camões; Mensagem, de Fernando Pessoa; poesia ortónima de Fernando Pessoa; poesia dos heterónimos de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos); Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro; Memorial do Convento, de José Saramago.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Resultados dos Exames Nacionais de Português do 12.º Ano: Porquê tais resultados (1)?

Regina Rocha, professora de Português da Escola José Falcão de Coimbra, teve a amabilidade de partilhar a reflexão que fez acerca dos mais recentes exames nacionais de Português do 12.º ano.

O texto que escreveu é composto por duas partes - (1) Porquê tais resultados? (2) O que fazer para alterar a situação? -, que publicamos em sequência.

Os resultados da 1.ª Fase dos exames de Português de 12.º Ano foram preocupantes: 8,9 valores de média nacional; 55% de classificações negativas, em 68409 examinandos.

Dizer, como defendem alguns, que a média negativa dos exames nacionais de Português se deve ao facto de os alunos, na sua maioria, seguirem a via científica é incorrecto. A capacidade de interpretar um texto, de responder objectivamente sobre questões de natureza gramatical e de escrever sobe um tema, defendendo uma ideia, não tem que ver com o facto de os alunos seguirem uma ou outra via de ensino. Acresce que, na generalidade, os melhores alunos das escolas portuguesas têm vindo, desde há muitos anos, a optar pelo ramo científico.

As razões dos resultados deste exame de Português do 12.º Ano da 1.ª Fase de 2011 são óbvias. Basta observarem-se quatro aspectos:
(1) a prova de exame propriamente dita e as competências aí exigidas, que os examinandos não dominam;
(2) o programa da disciplina de Português do Ensino Secundário e o que a prova testa;
(3) o ensino que se faz;
(4) a falta de trabalho, de estudo, dos alunos.

Analisemos, então, uma a uma, estas quatro variáveis.

PORQUÊ TAIS RESULTADOS?

(1) A prova de exame e as competências que os examinandos revelaram não dominar

Grupo I A
Uma esmagadora maioria dos alunos obteve zero pontos na resposta ao item 1 do Grupo I, pois, em vez de identificar sensações (visuais e auditivas), identificou emoções ou sentimentos.
No item 2 deste grupo, pedia-se a caracterização do tempo de infância tal como era apresentado na terceira estrofe do poema, que era constituída apenas por três versos. Ora, muitos examinados responderam de forma incompleta, seleccionando apenas uma parte da informação contida na estrofe, a que aparecia em primeiro lugar e a mais óbvia. Tal é revelador de falta de rigor (não se preocuparam em analisar bem toda a estrofe, mas, apenas, o seu início), ou de falta de capacidade de análise e de dedução[1].
Nos itens 3 e 4, exigia-se que os examinandos soubessem relacionar («Explique a relação que o sujeito poético estabelece com ‘os outros’ nas seis primeiras estrofes do poema…»; «Relacione o conteúdo da última estrofe com as reflexões apresentadas nas duas estrofes anteriores.»). Ora, em muitos casos, os examinandos não foram capazes de referir a relação, limitando-se a tentar apresentar, por palavras suas ou pelas do texto, o conteúdo das estrofes indicadas. Em suma, os examinandos não revelaram saber que tipos de relação se podem estabelecer entre sujeitos ou entre partes de texto.

Grupo I B
Na resposta a este item, os examinandos perderam pontuação por não mostrarem conhecimento dos poemas de Ricardo Reis, um dos autores de leitura obrigatória, limitando-se a afirmações genéricas sobre esta poesia, mas sem se referirem ao conteúdo de poemas, à leitura que deveriam ter feito. Nota-se aqui falta de estudo, falta de leituras, ou falta de orientação precisa de como se responde a este tipo de item.

Grupo II
Os itens deste grupo eram claros: quem soubesse gramática, responderia correctamente.
A perda de pontuação neste grupo ocorreu essencialmente em três situações: a) na identificação de um sujeito colocado depois do predicado (item 2.2); b) na referência adequada a um antecedente (item 2.1); c) na classificação de uma oração (item 2.3). Tal é revelador ou de falta de conhecimento ou de falta de atenção, de leitura atenta e de rigor não só na análise das frases do texto como na redacção de respostas objectivas e completas.

Grupo III
A perda de pontuação neste item (em que se exigia a produção de um texto de reflexão) deveu-se essencialmente a cinco motivos: a) pedia-se que os examinandos focassem a importância da literatura, mas uma grande parte referiu-se à leitura, e não à literatura; b) muitos examinandos não consideraram a perspectiva exposta num excerto fornecido, de que teriam de partir para redigir o seu texto, isto é, não respeitaram uma das indicações dadas, limitando-se a referir o que pensavam sobre o assunto; c) acresce não ter sido feliz a escolha desse excerto[2], eventualmente descontextualizado, visto conter uma construção sintáctica defeituosa (falta um complemento ao termo «organizador fundamental»: organizador de quê?), de conteúdo complexo e francamente discutível (a rotina é uma tragédia?; a rotina ameaça a afectividade e as relações?); d) muitos examinados limitaram-se a discorrer sobre o tema, sem o recurso objectivo a dois argumentos e respectivos exemplos, como era exigido; e) as incorrecções linguísticas (de pontuação, de ortografia, de acentuação, de construção frásica) foram em número muito elevado, fazendo com que facilmente muitos examinandos obtivessem a pontuação zero na parte respeitante aos aspectos formais da resposta (que valiam 20 pontos).

Este texto tem continuação aqui.

Regina Rocha
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[1] Era necessário que os examinandos interpretassem que a estrofe «As crianças, que brincam às sacadas altas, / Vivem entre vasos de flores, /sem dúvida, eternamente» continha a ideia de que o tempo de infância se caracterizava «pela não consciência da passagem do tempo» (Critérios de Classificação, pág. 7), o que não era óbvio (tratava-se de uma inferência). Acresce que na pergunta não se indicava que a resposta devia focar dois tópicos, pelo que muitos examinandos se ficaram pela referência ao ambiente de despreocupação feliz sugerido no início da estrofe: resposta incompleta.

[2] O excerto de que os examinandos deveriam ter partido para a reflexão proposta (sobre «a importância da literatura para o ser humano») era o seguinte: «A importância da literatura para a criança, como para o adulto, é que ela é um “organizador fundamental”, que protege a vida contra a automatização e contra a “tragédia da rotina” que ameaça a afectividade e as relações.»
Manuel António Pina, «A Língua que os livros “para” crianças falam», in Palavra de Trapos. A Língua Que os Livros Falam, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

terça-feira, 5 de julho de 2011

Sobre avaliação

O post Tudo se teria evitado, gerou alguns comentários inteligentes, que merecem uma resposta em conjunto. Eu sei que há explicadores e colégios que ensinam para a boa nota, e que procuram ensinar os truques necessários para fintar a avaliação. Mas isso resulta do facto de as avaliações continuarem a não estar ao mesmo nível de preocupação do ensino e da aprendizagem, ou melhor provocarem outro tipo de preocupação, quando deviam provocar uma atenção do mesmo género. E também de continuar a ser vista como um aspecto secundário e posterior, e não devia ser. Ou melhor, quando não se investe bem nas avaliações, no aspeto formativo e instrutivo delas facilmente se põem ao serviço das boas notas, ou preocupadas só com as boas notas, o que deturpa as coisas.

Por outro lado, é fácil pô-las a ir ao encontro dos erros e das deficiências do ensino e da aprendizagem, utilizando-os em seu proveito. É óbvio que se eu tiro muito boa nota porque o explicador adivinhou as áreas em que ia incidir o exame, ou foi fácil adivinhar os temas, ou o modo como os temas seriam testados na avaliação; ou se me ensinou a melhor forma de responder, desprezando o resto da informação, necessária para a boa formação, isso só quer dizer que os professores fazem pontos em que só a informação considerada mais importante é avaliada, ou que incidem demasiado em certos aspetos, ou que verificam somente um número reduzido de competências, ou que não ligam grande importância à questão dos objetivos e a acham despicienda, ou nem sequer a percebem, etc. O que é um erro. Não só porque os alunos descobrem isso rapidamente e adaptam-se aos modos de perguntar, aos “temas”, mas também porque a matéria “mais importante”, se as coisas estiverem bem feitas e tiverem como objetivo uma boa formação, é um conceito sem grande significado. O menos importante é quase sempre necessário para que o mais importante se reconheça de facto como mais importante, isto é, adquira solidez, fundamento e funcionalidade intelectual e científica, que é o que interessa. Não quer dizer que não haja alguma hierarquia nos assuntos, mas que não se devem queimar etapas nem competências nem conhecimentos, porque todos são necessários e a avaliação deve dar conta disso.

Em termos de avaliação deve haver coerência entre aquilo que se ensina e se quer que os alunos aprendam e aquilo que se avalia. E coerência quer dizer sintonia de conhecimentos, de operações mentais, de relacionações, de solicitação e dinamização de conhecimentos, de compreensão de problemas e de estratégias na abordagem dos assuntos e na formulação das respostas, enfim de competências a obter. Para as quais são indispensáveis os conhecimentos, que devem ser avaliados com exigência adequada e rigor. Mas não pode a avaliação reduzir-se a isso, porque a formação é muito mais complexa e engloba todos estes aspetos; considerar só os conhecimentos e sobretudo os aspectos que permitem obter boas notas, desprezando o resto, é uma porta aberta para a fraude ou a formação enviesada e, por isso, falseada. Preparar exclusivamente para a avaliação é falsear a formação.

Mas a avaliação tem quase sempre formas de fugir a estes truques, e deve fazê-lo porque estes implicam quase sempre formas de aprisionar e de empobrecer a formação. Ora, para que isto não se verifique são necessários professores com muito boa formação ao nível da avaliação, com consciência tanto dos seus perigos como das suas enormes potencialidades, e, portanto, preocupados em utilizar modalidades de avaliação variadas, o mais possível contínuas e formativas. E portanto com testes bem feitos; isto é, sem truques, nem rasteiras, nem demasiado fáceis nem excessivamente difíceis, mas suficientemente discriminativos, isto é, capazes de distinguir entre alunos maus, médios, bons e excelentes e classificá-los em conformidade. Por exemplo, diz-se muito mal dos “testes americanos”. Mas isto não tem muita razão de ser. Se eu quiser avaliar, por exemplo, a capacidade de expor ideias, de discorrer, de argumentar, de redigir, é óbvio que o teste de escolha múltipla não avalia esses competências.

Mas para conhecimentos, capacidade de raciocinar, distinguir entre vários aspetos, discriminar, escolher entre opções certas e erradas com grau de dificuldade adequado, e se o teste estiver bem feito ele é (ou pode ser) mais discriminativo do que uma pergunta de resposta aberta. Neste tipo de respostas, como todos os professores sabem, alguns alunos dizem por vezes tais coisas, e de tal maneira, que, a certa altura das correções, se torna difícil avaliar com rigor o que lá está. É uma tarefa de grande complexidade, para a qual raramente se tem o tempo, a competência e a disponibilidade mental necessárias. O que a torna sujeita a muitos perigos.

Acresce que há motivos políticos e sociais que, por vezes, são introduzidos no sistema corrompendo os objetivos científicos e pedagógicos. Se eu quiser melhorar os resultados escolares ou reduzir a taxa de insucesso, faço testes fáceis e é evidente que obtenho melhores resultados. Mas isso degrada o sistema, introduz muita gente no mercado com competências e conhecimentos abaixo do que os diplomas dizem, o que é um fator de confusão e de desordem social e económica. Mas a decisão é política, e face às grandes percentagens de abandono ou de repetência, a tentação é grande. A educação e a investigação educacional não podem ser responsabilizadas por isto. Não se diga que isto é culpa das ciências da educação e da investigação que se faz, porque é acrescentar um obscurantismo a outros que por aí andam. Se se estudar, um pouco que seja, a investigação feita sobre a avaliação, podemos apreciar o progresso extraordinário que se obteve a este nível, e os recursos de que hoje os professores podem dispor para avaliar com rigor e para usar a avaliação como um auxiliar precioso para a formação dos alunos. Simplesmente isto requer recursos científicos e de tempo que não há, tendo que recorrer a formas mais elementares e mais fáceis, e, portanto, mais fáceis de boicotar.

A investigação já nos dá recursos, mas não temos todos os meios para a aplicar. Põe-se um problema algo parecido com o dos transplantes, de fígado, por exemplo. Segundo parece os conhecimentos e as técnicas têm evoluído muito, já se podem fazer com uma boa expectativa de sucesso, mas é uma operação altamente complexa, difícil e perigosa. Sendo assim, que se deve fazer? Pratica-se somente quando há todas as condições, para se reduzir ao máximo o perigo e potenciar o sucesso, ou, à falta de meios humanos, científicos ou económicos, fazemos os transplantes com o que há e seja o que Deus quiser? Ninguém hoje aceitaria esta segunda alternativa, não é verdade? Pois é esta que se aceita e se pratica em geral na educação. Com a agravante de que, muitas vezes, os que têm que fazer o trabalho têm um conhecimento apenas rudimentar das técnicas e dos conhecimentos que nelas estão implicados.

João Boavida

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Tudo se teria evitado

A barulheira nos jornais, o alarido nas televisões, a condenação pelas altas entidades, a má fama do Centro de Estudos Judiciais, a audiência pela Ministra da Justiça e a demissão da Diretora e, sobretudo, mais este descrédito para a Justiça - atual e futura; tudo. E até que esse sindicato contra-natura, o dos juízes, viesse culpabilizar, obviamente, o anterior Governo por este copianço num dado exame. Bastava que o professor soubesse da importância que tem a avaliação e do cuidado que deve revestir. E que é indispensável para qualquer curso ou tipo de formação; bastava, pois, que professor e alunos fizessem o que lhes competia.

Pequenas coisas da maior importância. É frequente pensar-se, mesmo entre professores, que ensinar e fazer aprender é suficiente, e que a avaliação é uma obrigação de segunda ordem, negligenciável. Já houve até “teorias” que a consideravam dispensável; não é. Faz parte do conjunto uma avaliação coerente com os objectivos a alcançar e os conteúdos a aprender. Para dar uma informação em retorno daquilo que se fez, e com garantia de rigor e igualdade de tratamento dos alunos. Se não houver uma boa avaliação, o processo fica incompleto e a formação pode tornar-se inútil ou até contraproducente. A investigação sobre avaliação educacional e pedagógica é imensa e tem proporcionado, não só formas mais rigorosas e justas de avaliar (através da docimologia, da doxologia da docimástica), mas demonstrado, também, as suas potencialidades formativas. E até a função determinante na aprendizagem e na qualidade desta, através da avaliação formativa, sobretudo pelas suas formas mais evoluídas do “assessment for learning” (avaliação para a aprendizagem).

Independentemente destes aspectos da investigação, todo a gente compreende que ao professor compete garantir, até para o seu bom-nome, rigor e justiça nas avaliações que faz. É óbvio que os alunos que copiam e que passam sem saber têm um tratamento de favor, em relação aos outros, o que é injusto. Mas, pior, introduzem vírus na sociedade e nas funções profissionais, porque passam por ter conhecimentos e competências que não têm. E pior ainda, ultrapassam muitas vezes outros mais preparados e honestos, o que é socialmente desastroso.

Ora isto acontece em muitos lados e não só no Centro de Estudos Judiciários. Mas quem vai meter na cabeça de professores deficientemente formados (ou cheios de preconceitos antipedagógicos e maus hábitos) que isto é prejudicial para todos? Quem vai ser capaz de lhes fazer perceber os desastres em cadeia que esta atitude provoca? E conseguir que muitos papás, que só querem o bem dos seus filhos, claro, deixem de pressionar os professores para os seus rebentos terem as melhores notas sem quererem saber de justiças? E quem vai agora emendar os erros que se fizeram nas mais variadas formações de professores, em institutos e escolas de toda a forma e feitio, com altíssimas classificações, e os seus diplomados a ultrapassar os de instituições cientificamente mais exigentes e de avaliações mais rigorosas e comedidas?

Como em múltiplas situações, bastava que se tivesse feito como era devido e teríamos evitado este vexame nacional. Mas como todos sabemos que há milhares de situações onde, em vez de funcionar bem, se desfunciona, por hábito, desleixo ou ignorância, vai haver mais alaridos assim? Talvez fosse um bom sinal. Se cada um começasse a funcionar como deve que salto nós não daríamos!

João Boavida

sábado, 21 de maio de 2011

Quantos planetas?

A que ano de escolaridade supõe o leitor que se destinará o teste intermédio de Ciências Físico-Químicas onde consta a seguinte pergunta:
"O sistema solar é constituído pelo Sol e pelos corpos celestes que orbitam à sua volta. Actualmente, considera-se que os planetas que fazem parte do sistema solar são Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno. Em 2006, Plutão deixou de ser classificado como um planeta, embora continue a fazer parte do sistema solar.

1. Actualmente, considera-se que o sistema solar é constituído por quantos planetas?
Resposta: ________________________________________________

Poderá confirmar a sua resposta aqui e verificar os critérios de classificação aqui.

SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA.

Por A. Galopim de Carvalho Paisagem granítica na Serra da Gardunha. Já dissemos que não há um, mas sim, vários tipos de rochas a que o vulgo...