quinta-feira, 10 de maio de 2012

Sobre os exames

Respostas (completas) que dei a perguntas que a jornalista Alexandra Inácio do Jornal de Notícias me fez sobre alterações na avaliação da aprendizagem.

Como sabe este é o último ano em que os alunos do 4.º ano farão provas de aferição. No próximo, as classificações contarão para as notas finais. Concorda com esta alteração? Quais os benefícios ou desvantagens dessa mudança para as aprendizagens dos alunos?

Uma coisa são as provas de aferição, com o objectivo de obter informação sobre a qualidade do currículo que é proporcionado aos alunos num determinado nível de escolaridade, outra coisa são as provas nacionais para atribuição de classificações aos alunos e, em última instância, decidir a sua passagem ou reprovação. Considerando que a partir dos resultados destas provas se pode inferir a qualidade do currículo, do que nele consta e da sua aplicação, aquelas provas podem ser dispensadas, até para não se sobrecarregarem os alunos com múltiplas testagens. Penso que há razões para se discordar e para se concordar com provas nacionais para atribuição de classificações aos alunos, mesmo que elas se situem no final do 1.º ciclo do ensino básico. Podem direccionar demasiado o ensino para aquilo que nelas constam, limitando experiências didácticas que podem ser enriquecedoras para os alunos; prepará-los apenas para responderem a essas provas tem de ser evitado. Mas essas provas podem responsabilizar os alunos na medida, claro está, das suas idades e focalizar a sua atenção, o que constitui um factor de aprendizagem; podem também ajudá-los a preparam-se para enfrentar desafios académicos mais exigentes, que se seguirão. Uma nota, ainda, derivada da experiência de avaliação para aferição que temos tido e que tem muito a ver com as percepções dos sujeitos envolvidos, designadamente dos alunos, que, não obstante a sua pouca idade, têm uma noção clara das circunstâncias: sabendo que o seu desempenho "não conta" em termos individuais, muitos tendem a responder despreocupadamente, de modo diferente do que responderiam se o seu desempenho “contasse”. Esta será uma ideia que lhe chega através dos pais ou de outras pessoas, e podemos dizer que não está certo transmiti-la às crianças, mas isso é uma coisa, outra coisa é o que, de facto, acontece. Sei que nos últimos anos muitas escolas e professores fizerem um trabalho contracorrente, mas não me parece que tenha mudado substancialmente essa percepção.

Qual o modelo de avaliação externa que defende, sobretudo para os alunos do 4.º ano? 

Não sei que noção de "modelo" tem em mente. O que lhe posso dizer a respeito da avaliação externa (à turma, à escola, ao sistema educativo) é que sem a pormos no centro de todas as atenções, que é definitivamente um sítio onde não deve estar, não podemos deixar de a considerar importante. De facto, para testar a aprendizagem conseguida, em certas circunstâncias é vantajoso que não sejam os professores das turmas, das escolas e dos sistemas educativos a fazerem e corrigirem as provas de avaliação, e isto porque estão demasiadamente próximos do contexto para não se deixarem influenciar por ele.

Um analista da OCDE, Paulo Santiago, defendeu esta semana que o sistema de ensino português é demasiado obcecado com os exames e resultados em vez de pela melhoria das aprendizagens, concorda?

A OCDE é responsável pelo Programa Internacional de Avaliação dos Alunos, o PISA, a que cada vez mais países aceitam sujeitar-se, pelo que depreendo que Portugal não seja um caso particular de obsessão por exames e resultados escolares, mas não conheço suficientemente outros sistemas educativos para poder corroborar ou infirmar a afirmação que refere. Percebo, no entanto que, de um modo geral, cada vez mais países investem mais na avaliação: participam em avaliações externas que permitem compará-los entre si e isso acaba por “forçar” a avaliação interna num sentido que talvez não devesse acontecer: a avaliação internar ganhar contornos da externa, sendo a sua lógica, instrumentos e critérios de correcção usados na preparação dos alunos para os grandes desafios avaliativos internacionais. Contudo, esta preocupação de prestação de contas, tanto “dentro como fora de portas”, que podemos e devemos questionar, não me parece incompatível com a preocupação de melhorar a aprendizagem, desde que esta preocupação não se subjugue àquela. São preocupações distintas, ainda que em determinados momentos se cruzem.

A aposta devia ser feita na avaliação formativa? De que forma e com que meios - as escolas possuem recursos para esse reforço?

Um erro frequente é opor a avaliação formativa à sumativa, dando-se a entender que o uso de uma exclui o uso da outra. Mais: uma, a formativa, com conotação positiva deve ser incentivada; a outra, a sumativa, com conotação negativa deve ser afastada. Não é assim: a avaliação formativa e a sumativa fazem parte de um modelo avaliativo devidamente fundamentado e testado. Trata-se de um erro grave que não deriva de conhecimento pedagógico, mas de apropriações que estão ou estiveram firmadas, inclusivamente, em letra de lei. Seria importante que se voltasse, também na área da pedagogia, a estudar os autores clássicos para perceber a razão e a substância das suas propostas, bem como, naturalmente, a sua evolução. A função destas duas modalidades é diferente mas a sua convivência necessária. Enquanto a avaliação formativa faculta informação frequente sobre as aquisições académicas de cada aluno com o objectivo de verificar se coincidem com o que se planificou, tendo uma função de suporte à aprendizagem; a avaliação sumativa faculta informação pontual sobre as aquisições académicas de cada aluno com o objecto de o situar numa escala de pontos, com o propósito de, como agora se diz, “prestação de contas”. Cada uma destas modalidades requer os seus instrumentos, estratégias e momentos, que não se podem misturar nem confundir.

A transformação das provas (este ano no 6.º ano, e a partir do próximo no 4.º) em exames podem aumentar as reprovações?

Não sabemos o que vai acontecer, mas podemos conjecturar que o que vais acontecer dependerá muito da preparação dos alunos relativamente ao que está previsto nos documentos curriculare e do grau de exigência das provas. As reprovações, que no nosso sistema educativo têm uma expressão elevada, são algo que não desejamos que aconteça. Mas, sendo um problema, eventualmente maior do que supomos, temos de o enfrentar e em diversas frentes: uma delas é proporcionar orientações claras aos professores, derivadas de conhecimento válido que se tem sobre a aprendizagem; outra é convocar os professores para o ensino, libertando-os de tarefas paralelas que lhe ocupam tempo e lhe consomem a energia; outra é diferenciar o ensino em função da evolução dos alunos na aprendizagem e pugnar para que cheguem a patamares desejáveis.

5 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Talvez convenha não endeusar a opinião de analistas da

OCDE. Talvez porque passam muitos anos sem viver as

situações reais de cada contexto escolar, quero

dizer, sem darem umas aulitas a alunos concretos em

situações concretas, de tempos a tempos. Depois ficam

muito sábios, excessivamente sábios, e vá de dizer e

tornar a dizer, e por aí fora...

O ensino português é demasiado obcecado com exames? A

sério?

Eu tenho dúvidas. Muitas...

Sara Raposo disse...

Para melhorar a qualidade do ensino é necessário que existam bons programas, exames nacionais (bem feitos é claro!) e professores com tempo para estudar e ensinar. Nada disto existe na situação actual.

Podem-se assegurar estas condições de trabalho aos professores?

Cláudia S. Tomazi disse...

A possibilidade da formação dígna atende especificamente da concretude, a exemplo da citação muito feliz do Professor José Batista da Ascensão! E se permite acrescento da importância legítima do contacto, deve-se a qualidade do dito: superprofessor* cujo favorecimento e mérito consistem da abordagem intelectual de facto (preparo) para com a tenra infância, em que o fortalecimento da convicção humana é o vínco que permanece em primeiro assento. Acrescento ainda, estende-se por concentrar em decorrência da vitalidade e disposição para o aprendizado, reforço, mediante interferência concreta cuja importância destaca das impressões ao posterior em concorrer do campo virtual pela dinâmica que estão de vinho a vinagre. Portanto, creio que a voz activa do professor compreende da similaridade afectiva, fundisse, estende-se como construção permanente e imprescindível, galgando espaço desta necessidade, juz da prioridade do acolher humano e que é impacto da ansia em firmar-se quando o infante no crivo por intensidade, forma a idéia que o acompanhará da incessante busca ao aprimoramento social; quisera a criança inserir no mundo, exemplo a identidade do que fora seu professor, um herói ou não, que estimulou as melhores impressões do mundo real como lembrança. O descobrir-se diferenças tardia é a causa de muito trauma da atualidade e que concentra,escoa e desata sistemas, como fenômenos de globalização ou do empenho a riscos desnecessários, pois o mundo adequa-se por absorver a quem do preparo ou do referido impacto, ingresse sem crise existêncial tardia.

superprofessor* é um termo que figurei para distinguir os que empenham-se da necessidade a combater da inércia no aprendizado.

"Somente a consciência individual do agente dá testemunho dos atos sem testemunha, e não há ato mais desprovido de testemunha externa do que o ato de conhecer."
Olavo de Carvalho

Xico disse...

Ainda me lembro quando descobri que o meu filho, bom aluno a matemática como diziam as notas e afirmava a professora, não sabia fazer contas de aritmética. Falei com a professora que me confirmou ser bom aluno a matemática. Disse-lhe que não sabia fazer contas. Apesar disso manteve a resposta. O miúdo ficou angustiado por descobrir afinal que não sabia matemática, uma vez que não a conseguia aplicar na vida do dia a dia.
Se isto não é um crime feito aos alunos, e se não causa traumas, então o que é crime e o que causa traumas?

Anónimo disse...

Parece-me que a Sara Raposo tocou no ponto fraco. Não só o atual sistema não dá condições aos professores para aprender e ensinar, como os dissuade desse propósito, mesmo quando eles mostram alguma intenção de o prosseguir. Velhos ou novos professores, dedicados à profissão (que os há) são imediatamente "tragados", nas escolas, pela política dos permanentes projetos, mais lúdicos que didáticos, muitas vezes de qualidade medíocre, que visam a angariação de alunos e financiamentos a qualquer custo. E, ao fazer depender a sua avaliação da capaidade de coordenar estes projetos, automaticamente obrigam-nos a relegar para segundo plano todo o trabalho letivo. Enquanto assim for...
Cumprimentos
Paula

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