Texto de divulgação da Química que pedimos à professora Margarida Milheiro:
Alexandre-Emile
Béguyer de Chancourtois (1820-1886) foi o primeiro cientista a apresentar uma
representação dos elementos químicos, ordenada segundo a sua massa atómica e
propriedades físicas e químicas. Chamou-lhe parafuso
telúrico, a primeira organização de elementos
químicos em 3D. Mas Chancourtois não era químico, mas sim geólogo, tendo a sua
formação tido muita importância na representação que criou.
Chancourtois
apresentou a sua proposta de organização dos elementos químicos a 13 de Outubro
de 1862, no decorrer de uma sessão da Académie des Sciences em Paris.
Era constituída por uma tabela organizada sob a forma de um cilindro dividido
em 16 partes verticais iguais, baseado na massa atómica do oxigénio (massa
atómica ≈ 16). Elementos químicos com uma diferença de “números
característicos” de 16 apresentavam, para Chancourtois, propriedades químicas e
físicas semelhantes.
Chancourtois
ordenou os elementos químicos segundo a sua massa atómica, a que deu o nome de
“números característicos” (nombres caracteristiques, no original). Os
elementos químicos estão representados sobre uma linha descendente, da esquerda
para a direita, com um ângulo de 45º em relação ao eixo vertical, como se pode
ver na figura seguinte.
A
organização dos elementos no parafuso
telúrico permite que elementos da mesma “família” ou grupo
(elementos com propriedades físicas e químicas semelhantes) apareçam em linha
verticais, ordenados em ordem crescente de cima para baixo. Para Chancourtois
elementos químicos com uma diferença de “números característicos” de 16
apresentavam propriedades químicas e físicas semelhantes.
Chancourtois
agrupou correctamente elementos do grupo dos metais alcalinos (lítio
[Li], sódio [Na] e potássio [K]), metais alcalino-terrosos (magnésio
[Mg] e cálcio [Ca]) e elementos do grupo dos halogéneos (fluir [F] e
cloro [Cl]).
Quando
Chancourtois apresentou o parafuso
telúrico em 1862 existia ainda um grande debate relativo à
forma correcta de determinar a massa atómica dos elementos. Chancourtois seguiu
a hipótese apresentada pelo químico britânico William Prout (1785-1850), de que
“a massa atómica de cada elemento químico é um múltiplo inteiro da massa
atómica do hidrogénio” [massa atómica do hidrogénio ≈ 1,0]. Assim Chancourtois
arredondou os valores das massas atómicas de forma a tornarem-se números
inteiros. Um exemplo é o cloro (Cl), cuja massa atómica (≈ 35,5) foi
arredondada para 35, de forma a ficar exactamente alinhado verticalmente com o
flúor (F), de massa atómica 19 (19 + 16 = 35).
Chancourtois
chamou à sua representação “vis tellurique” ou parafuso telúrico. O nome
parafuso resulta da estrutura
cilíndrica e da leitura em espiral, de cima para baixo. O termo telúrico refere-se ao elemento químico
telúrio (Te), que ocupa o ponto central da tabela de Chancourtois. A posição do
elemento telúrio no centro da tabela parece não ter sido casual. O termo
telúrio vem de tellos (o termo grego para “terra”) e Chancourtois era geólogo.
Em Portugal o parafuso telúrico é
mais conhecido como caracol de
Chancourtois.
Embora
hoje seja conhecido apenas pela sua proposta de organização de elementos
químicos, no seu tempo Chancourtois era um famoso geólogo, professor
na área de Geologia na École
des Mines em Paris, França. Foi um dos responsáveis pela
cartografia do mapa geológico de França na escala 1:80 000 (função que manteve
até 1875). Para além disso Chancourtois foi oficial da Legião Francesa
(1856) e Chefe de Gabinete do Ministério de Argélia e das Colónias de Napoleão.
Em 1880 tornou-se Inspector Geral de Minas, da divisão das regiões Norte e
Oeste, cargo que reteve até à sua morte.
O parafuso telúrico,
sistema criado por Chancourtois para a ordenação dos elementos químicos, foi em
geral ignorado pela comunidade científica da época, em particular os químicos.
Vários factos contribuíram para isso:
(I) Chancourtois não era químico mas sim geólogo. Não tinha uma formação de
base em Química e para a construção do parafuso
telúrico baseou-se muito em conceitos de Geologia, tais como
a constituição química de minerais e rochas. A formação de Chancourtois como
geólogo também influenciou a escolha do cilindro (sólido geométrico) como bases
de representação do seu modelo assim como o próprio nome parafuso telúrico, de tellos, o termo grego para “terra”
(como referido anteriormente).
(II) Chancourtois não fez uma divulgação generalizada do seu modelo, o parafuso telúrico,
entre a comunidade científica (e entre os químicos em particular),
principalmente fora de França. Apenas publicou artigos em revistas francesas
(escritas em françes), não publicou nenhum artigo em revistas de Química e não
defendeu a sua prioridade na descoberta da periodicidade dos elementos químicos
perante Dmitri Mendeleev (1834-1907) ou Julius Lothar Meyer (1830-1895).
(III) O modelo do parafuso telúrico
foi apresentado na revista Comptes Rendus, da Académie des Sciences,
com a transcrição do discurso feito por Chancourtois perante elementos da
Académie em 1862. O texto é de difícil compreensão e cheio de referências de
Geologia. Pior ainda, o texto não é acompanhado por um esquema do parafuso telúrico
(que poderia ajudar na compreensão do texto) porque o esquema foi considerado
demasiado complexo pelo editor. Chancourtois publicou o esquema algum tempo
depois, sobre a forma de um panfleto que distribuiu entre amigos e conhecidos,
pelo que poucos tiveram acesso directo ao mesmo. O artigo onde Chancourtois
apresenta pela primeira vez o parafuso telúrico, pode ser encontrado em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k30115/f757.chemindefer.
(IV) Chancourtois introduziu no parafuso telúrico
componentes que não na época já não eram considerados elementos químicos, como
óxidos e cianetos, amónia e outros radicais.
Nota:
Texto adaptado do original, que pode ser encontrado no blog “Ema não é
uma avestruz”, escrito sob o pseudónimo de Rita Robalo Sobreiro.
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