quinta-feira, 17 de maio de 2012

O NEGÓCIO DAS REVISTAS CIENTÍFICAS DE ACESSO PAGO



Segundo uma notícia recente, publicada no edição on-line do jornal inglês Guardian, Winston Hide, um dos editores da prestigiada revista Genomics, demitiu-se. A razão segundo o próprio é esta:

"Eu não posso trabalhar mais para um sistema que põe o lucro acima da investigação"

Em causa está o facto de a Genomics, que faz parte do poderoso grupo editorial Elsevier, ser uma revista de acesso pago (siga esta ligação, veja a extensa lista de publicações que fazem parte deste grupo e avalie o poder que a Elsevier terá a negociar a venda do acesso às suas publicações, que comercializa em pacotes como os pacotes de canais da TV Cabo). Isto significa que muitos investigadores, nomeadamente os que trabalham em países africanos (exemplo dado por Winston Hide, que é oriundo da Africa do Sul) não têm acesso aos resultados de investigação mais recentes. Têm que perder uma parte considerável do seu tempo a "mendigar artigos", ou seja a enviar emails aos autores  a pedir para que lhes enviem uma cópia em pdf.

Acrescentaria que isto não acontece apenas no caso de países africanos. Mesmo em instituições portuguesas, com uma boa biblioteca e acesso a publicações on-line, é normal os investigadores depararem-se com artigos barrados e em que no lugar do artigo que pretendem ler surge um formulário para introduzir os dados do cartão de crédito.

Isto é absurdo.

Grande parte da investigação fundamental, em qualquer lugar do mundo, é paga com fundos públicos. Não faz sentido pagar para ter acesso aos seus resultados. Em última análise, para além dos investigadores, os próprios cidadãos deverão ter o direito de lerem os artigos científicos que contêm os resultados de trabalhos de investigação pagos com o dinheiro dos seus impostos.

Acresce a isto que, por vezes, os autores têm que também pagar para que o artigo seja publicado (para incluir figuras, por exemplo) e que os revisores (os famosos, do sistema de revisão pelos pares) não são pagos. E muitas vezes os editores também não. São funções que se entende que fazem parte das obrigações de um cientistas.

Ou seja: os contribuintes pagam para que a investigação se realize e não raras vezes pagam também à revista para que o artigo seja publicado. Os revisores e editores fazem o trabalho de graça. As editoras vendem o acesso às revistas, que é pago mais uma vez pelos contribuintes, para que os cientistas do seu país os possam ler. Os contribuintes, esses, não lêem nada. Lêem, quanto muito, notícias na comunicação social acerca dos artigos. Se quiserem consultar o artigo científico original: têm que pagar novamente. É um negócio da China (literalmente, na medida em que grande parte da produção científica actual tem origem na China).

Houve talvez um tempo em que se justificasse o acesso pago, tendo em conta as despesas de distribuição em massa de uma publicação. Esse tempo, como é evidente, acabou.

Há hoje novos modelos de publicação de acesso livre, como é o caso da Public Library of Science (PLoS). Neste caso, são os autores que pagam uma pequena contribuição, assumida e tabelada, para que o artigo seja publicado. Essa pequena contribuição, no contexto de um projecto de investigação, não têm um valor significativo. E os artigos publicados podem depois ser livremente lidos por qualquer pessoa.

Há quem não goste desta solução. Mas há outros modelos. Como repositórios públicos de artigos científicos. Segundo alguns dos modelos, nem sequer são necessários artigos científicos (o artigo científico, pela importância que tem na progressão na carreira dos cientistas, tornou-se num fim em si, quando deveria ser um meio para divulgar os resultados). Até há quem pense que, tal como aconteceu com a produção de videos, a produção científica deixará de ser um exclusivo das instituições e profissionais de investigação. E que, tal como acontece a captação e edição de videos, poderá ser feita em casa por amadores.

De momento, as agências de financiamento públicas, como a nossa FCT, deveriam estar atentas e proibir que sejam publicados resultados dos projectos de investigação por elas financiados em revistas que não sejam de acesso livre. Inteiramente livre para toda a gente.

3 comentários:

Armando Quintas disse...

"De momento, as agências de financiamento públicas, como a nossa FCT, deveriam estar atentas e proibir que sejam publicados resultados dos projetos de investigação por elas financiados em revistas que não sejam de acesso livre. Inteiramente livre para toda a gente."

E já agora obrigar à divulgação dos resultados em sito online acessível dos projetos por ela pagos que são feitos e dos quais nunca mais se ouvem falar!

Eu não dou dinheiro para essas revistas, todo o conhecimento deveria ser gratuito, o autor publicava gratuitamente, o revisor revia gratuitamente e o cidadão acedia gratuitamente. O preço de manutenção de um servidor internet para uma revista com uma web page simples com pdf é simplesmente residual comparado com as porcarias nas quais os governos gastam dinheiro!

Anónimo disse...

Boa Tarde,

Esta foi uma das razões pela qual há um ano atrás nasceu em Portugal nas mãos de 2 jovens Portugueses um Projecto de uma Revista Científica Online de Acesso Livre denominada: REVISTA E-PSI.

A REVISTA E-PSI é um espaço online multidisciplinar que funciona como um repositório de ARTIGOS CIENTÍFICOS, de livre acesso ao leitor, abrangendo diversos temas de interesse nas áreas da PSICOLOGIA, da EDUCAÇÃO e da SAÚDE. Procuramos contribuir para a valorização do trabalho dos investigadores, docentes e profissionais na Comunidade Científica Nacional e Internacional, dando-lhes visibilidade. ACEITAMOS ARTIGOS PARA PUBLICAÇÃO sobre estudos empíricos, artigos teóricos, revisão de estudos ou comunicações.

Para conhecer melhor os nossos OBJECTIVOS, para ler os artigos já publicados ou para propor o seu artigo para publicação, consulte o nosso site: http://epsi-revista.webnode.pt/

Trabalhamos de forma voluntária e não remunerada neste projecto. O que nos vai dando alento são os elogios que nos têm sido dados por diversos profissionais.

Se gostarem deste projecto da Revista E-Psi, pedia que o divulgassem, pois não tem sido fácil divulga-lo...

Muito obrigada pela vossa atenção,
Os meus respeitosos cumprimentos
Catarina Marques-Costa (Editora Fundadora da Revista E-PSI)

Anónimo disse...

Venho partilhar convosco uma EXCELENTE NOTICIA:
A Revista E-Psi já se encontra indexada no Directory of Open Access Journals – DOAJ -
(http://www.doaj.org/doaj?func=search&template&uiLanguage=en&query=revista+e-psi) !

O nosso muito obrigado a todos os que nos ajudaram direta ou indiretamente neste árduo caminho.

Cordialmente,
Catarina Marques-Costa

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