terça-feira, 15 de maio de 2012

A universidade dos porcos

Para contrabalançar o discurso de Manuel Nunes, eis, via Dúvida Metódica, uma maneira de olhar para o ensino sem preconceitos elitistas e sem devaneios de altura.




É curioso como os seres humanos denunciam o seu passado nas árvores ao associar o estar acima -- na árvore, entenda-se -- com ser melhor, e o estar abaixo como ser pior.

Mais curioso ainda é que se os portugueses estivessem à espera das elites cultas para acabar com a vergonha da ditadura de Marcelo Caetano, ainda hoje estávamos à espera que a primavera árabe nos chegasse. Quem nos livrou daquelas superlativas elites cultas foi o povo de Lisboa e os soldados e capitães de Abril, e não os professores -- que na altura, recorde-se, tinham muitíssimo mais prestígio social do que têm hoje, porque eram menos e eram muitíssimo privilegiados, comparando com o resto da população, e é isso que faz tantos professores chorar hoje de raiva por um passado que não volta mais. O pior de Portugal sempre foram precisamente as elites: cheias de pretensão e de discursos supostamente elevados, são de uma boçalidade impressionante.

Acresce que em nenhuma profissão se pode estar à espera que todos sejam muitíssimo dedicados e em absoluto comprometidos com ela; isso não acontece em profissão alguma, e nunca acontecerá. O que precisamos de ter em qualquer profissão, seja ela o ensino ou a apanha do lixo, é profissionalismo: competência.

E não é também curioso que o elogio da importância superlativa de uma dada profissão seja feito por quem tem essa profissão? Além disso, que contributos reais deu tal pessoa à sua profissão, além de um discurso empolgado e pretensioso? Publicou livros para jovens estudantes? Para professores? Fez sites de apoio? Dá-se ao trabalho de ensinar e ajudar os que nem seus alunos são? Esse é o trabalho básico -- de porco -- que precisamos. E é porque nunca o tivémos, apesar de sempre termos tido, ao longo da história, discursos empolgados e elitistas, que somos um dos países mais incultos da Europa.

4 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Caro Desidério Murcho

Cuidado com essa coisa de publicar muitos

livros.

Eu cá entendo que para aí 95% dos livros que

se publicam era melhor que não se publicassem.

Hoje, há muito bicho careta que julga que tem

muito a dizer e vá de publicar livros, fazer

blogues, etc.. E vai-se a ver nem escrever

sabem... Ora, se houvesse menos livros maus

destruíam-se menos árvores, fazia-se menos

entulho e era mais fácil a cada mortal

encontrar um livro decente ou um blogue

legível...

Agora no resto, no armanço, tem toda a razão.

O problema é que muitos dos que escrevem

livros ou fazem blogues fazem-no pelo mesmo

motivo.

É uma espécie de gritar: - Ó pra mim, já viram?

E nós temos que ver...

Que bom, se todos nós valorizássemos os que

merecem o título de mestres, em qualquer área.

Diga-me, para que hão-de tantos aspirantes a

músicos e cantores dar-nos cabo das orelhas e

da paciência se há tanta música deliciosa

feita por aqueles (poucos) que são realmente

dotados?

Mas no resto tem carradas de razão, repito.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Desidério Murcho;


O Senhor comete um grave erro ao confundir as elites com os brutos. É aos brutos que se deve a “pretensão” e os “discursos supostamente elevados”.
Nunca os brutos serão elites; e as elites serão sempre necessárias.
Nesta nota da biografia do Professor Sebastião e Silva, o Senhor Professor perceberá isso;

"Nota: O fascículo dos "Anais" da Faculdade de Ciências do Porto, então previsto como número especial inteiramente consagrado à excelsa memória de José Sebastião e Silva, não chegou a ser publicado, por motivo do veto imposto a esse projecto (de verdadeiro interesse nacional) pelo então Director dos referidos "Anais". Este e outros vetos de que foram alvo outras projectadas manifestações de homenagem póstuma à grande figura nacional que é José Sebastião e Silva, - todos esses vetos constituem afinal tocantes confissões de sentido reconhecimento de um facto essencial que sempre ensombrou a vida de Sebastião e Silva, - a saber: esse Homem era demasiado grande para a tacanhez primária do meio em que nasceu e viveu.

O drama que foi a vida do nosso grande Cientista e Professor José Sebastião e Silva (vida em grande parte gasta na luta contra o meio) faz lembrar irresistivelmente a célebre síntese que, na hora da agonia, o notável estadista liberal Rodrigo da Fonseca Magalhães proferiu, já com voz trémula: «Nasci entre brutos, vivi entre brutos, morro entre brutos». O mesmo poderia ter dito, ao morrer dramaticamente em 25/Maio/1972, o nosso grande cientista e Professor José Sebastião e Silva. Volvidos quase 19 anos sobre a data dessa perda trágica para o País, a ignóbil conspiração de silêncio que (ao longo de um vinténio), omnimodamente, vigilantes esbirros têm mantido sobre a excelsa memória do grande Português José Sebastião e Silva, permite já afirmar hoje (Abril de 1991) que a triunfal falange dos brutos (exorcizados em 1858 pelo agonizante Rodrigo Fonseca Magalhães) se multiplicou e se aguerriu, hoje em dia (década de 1990) com tão impunes ousadia e impudor que nada deixam a desejar. É como é.”


Cordialmente,

Desidério Murcho disse...

O meu protesto é contra quem protesta contra a falta de qualidade no ensino mas não faz o trabalho crucial de escrever bons livros para ajudar estudantes e professores a fazer melhor do que fazem.

Quanto ao problema de haver muito entulho no meio da qualidade, é algo que me parece inevitável (é assim em todas as áreas: a maior parte da música é lixo, a maior parte da poesia é lixo, a maior parte dos jornais são lixo, etc.). Mas mais grave, muito mais grave, é não haver no meio do lixo coisas boas. E se as houver, que se dane o lixo.

Sara Raposo disse...

Desidério,
O problema é que ser-se profissional implica expor o trabalho que se faz, sujeitá-lo ao olhar crítico dos outros e, em Portugal, muitas pessoas não entendem a exposição do que fazem como uma forma de aprender com os outros e de fazerem melhor. Há a tendência para se considerar que quem se expõe publicamente se quer apenas promover a si e aos seus interesses.

Perceber que melhorar o ensino de uma disciplina (a Filosofia ou outra qualquer) passa expor o que se faz – sujeitando-se às críticas dos que sabem mais - é algo que alguns professores não compreendem nem praticam (e têm horror a quem ousa fazê-lo). A tendência é ver o mundo a partir do umbigo (e por vezes da mesquinhez) e não perceber que todos, em última análise, têm a ganhar com essa exposição pública do trabalho realizado. Ainda assim, eu tenho algum optimismo em relação ao futuro. Creio que se alguns (mesmo que poucos) adoptarem uma atitude diferente, apesar disso não mudar muito no imediato, a longo prazo acabará por fazer diferença.

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