sábado, 5 de maio de 2012

Fichas de ligação

Não obstante a atenção que tenho dispensado ao vulgar desrespeito pelo direito dos alunos à privacidade e intimidade em contexto escolar, desconhecia uma Deliberação importantíssima da Comissão Nacional de Protecção de Dados decorrente de um caso concreto que lhe foi apresentado. Encontrei essa referência num texto da antropóloga Catarina Fróis, que assim o descreve:
O caso resume-se à disponibilização às escolas do ensino básico, por parte de centros de saúde do distrito de Braga, das fichas de saúde dos respectivos alunos, que, em alguns casos, incluíam informação médica dos seus familiares. Estas «fichas de ligação» (entre a escola e o serviço de saúde), conforme consta da deliberação, estavam ao cuidado da professora numa prateleira à vista pública na respectiva sala de aula. Delas constavam informações relativas quer aos alunos, quer à sua família directa, e que nem sempre tinham como principal ênfase a história clínica dos alunos. Por exemplo, «bronquite asmática até aos 3 anos de idade»; «pai e irmão com problemas de asma; «avós paternos diabéticos», «órfão de mãe, quase não contacta com o pai, vive com os avós maternos e irmão»(...) este caso é, a meu ver, pertinente quando pensado num contexto em que a informação que é recolhida pode ser disponibilizada para os mais variados fins, muitas vezes sem o conhecimento ou consentimento daquele que é visado, e pode assumir repercussões inesperadas. A informação que constava destes boletins, por exemplo, ao passo que é relevante no historial médico e psicológico do paciente - o caso da criança órfã ilustra este ponto, não excluindo a sua importância para a educadora escolar -, pode também ser discriminatória no tratamento, sobretudo em meios pequenos, onde a estigmatização com base em elementos deste tipo é frequentemente registada. Tendo sido posteriormente revogada a lei por fim a limitar as informações.
Apesar dessa Deliberação - que pode ser lida aqui - datar de 2004, ela parece ter tido pouco efeito, uma vez que posteriormente detectei na internet informação do mesmo tipo.

Continua-se, pois, a desrespeitar uma norma tão básica como é a protecção da privacidade, da intimidade, do direito à reserva da vida privada da criança e da sua família. E isto num sítio que, por ser de referência moral e ética - a escola -, tal não poderia de modo algum acontecer.

Referência bibliográfica: Fróis, C. (2008) (org.). A sociedade vigilante. Ensaios sobre identificação, vigilância e privacidade. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, pp. 123-124.

1 comentário:

José Batista da Ascenção disse...

A escola devia ser um sítio de referência

moral e ética.

Devia.

Mas, como se tornou um "monstro" de

complexidade, já não se regula por normas

básicas. Regula-se mais por normas

extraordinárias.

Incompreensíveis, por vezes em sentido literal.

Há mesmo um termo que há tempos passou a

designar "a filosofia" das escolas.

Mas é uma palavra de que alguns não gostam...

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