segunda-feira, 14 de maio de 2012

Um périplo instrutivo que contraria o abandono do ensino das humanidades na sociedade actual

A terminar a nota à recente vitória de Portugal no Certamen Horatianum (aqui, aqui e aqui), fizemos uma entrevista ao professor Jorge Moranguinho.

Muito objectivamente, qual é a situação do ensino das Clássicas no nosso país? Quantas escolas têm a opção? Quantos professores estão ligados a ela? Quantos alunos estão a aprender?

Por (in)consciência ou incompetência do Ministério da Educação, tem-se literalmente assistido a uma progressiva abolição das línguas clássicas no ensino secundário. São poucas as escolas que, hoje, incluem, na sua oferta formativa, o ensino do Latim e do Grego, ora por falta de alunos inscritos nessas disciplinas, ora por falta de professores com habilitações próprias para as lecionarem ou, o que também é verdade, que a tal se atrevam. O decréscimo de alunos que, por via de regra, todos os anos, se verifica na realização do exame nacional de Latim A é, muito provavelmente, a crónica de uma morte anunciada.
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Porque é que os alunos não têm Clássicas? 

De entre razões de vária ordem que levam os alunos a não ter as disciplinas de Latim e Grego no ensino secundário, destaco as seguintes: a maior certeza de um bom emprego através dos Cursos de Ciências e Tecnologias e de Ciências Socioeconómicas em detrimento dos Cursos de Línguas e Humanidades e de Artes Visuais; a ausência de ações de sensibilização durante o 9.º ano de escolaridade; a deficiente informação, muitas vezes prestada aos alunos, quando do ato de matrícula no 10.º ano de escolaridade; o facto de o Latim e o Grego serem disciplinas trabalhosas, que exigem estudo, se não diário, pelo menos regular.

Como vê o futuro das Clássicas entre nós?

Se nada for feito para alterar a grave situação em que se encontra o ensino das línguas clássicas, é com muita apreensão e ceticismo que vejo o seu futuro, não demorando muitos mais anos a que assistamos ao seu completo desaparecimento dos nossos currículos.

O que poderia ser feito para que as Clássicas chegassem a muitos mais alunos?

Sou de opinião de que o latim deveria ser uma língua obrigatória, desde o 7.º ao 12.º ano de escolaridade, com um programa que privilegiasse os conteúdos de funcionamento da língua no terceiro ciclo do ensino básico e de literatura no ensino secundário, abrangendo os conteúdos de civilização e cultura os dois níveis de ensino. Muito sinceramente, não vejo outra forma de compensar o latim do mal que lhe têm feito.

Incidindo no concurso, em que saiu vencedor com o aluno António Gil Cucu, ao comparar Portugal com outros países participantes, o que se lhe oferece dizer?

A participação de Portugal no Certamen Horatianum ou em concursos semelhantes permite-nos tomar consciência de realidades culturais e educativas completamente distintas da nossa, especialmente no que ao ensino do latim (e do grego) diz respeito. Em conversa com outros professores, facilmente nos damos conta da importância atribuída à disciplina de Latim nos diversos países europeus. Os estudantes estrangeiros, de facto, apresentam-se a concurso, no mínimo, com quatro anos de aprendizagem, o dobro dos de um estudante português. Sendo enormes as desvantagens em termos competitivos, o feito notável, alcançado pelo António, deveria pesar na consciência de quem tão mal tem tratado o latim. O primeiro lugar, atribuído a Portugal, premeia horas de estudo aturado que o António dedicou à sua preparação para o concurso, mas nunca poderá traduzir a valorização da disciplina de Latim na matriz dos cursos científico-humanísticos, porque, até aí, há muito, a tutela se encarregou de a ignorar.

Como conseguiu ensinar de modo tão eficaz que permitiu ao António ganhar?

O primeiro prémio foi tão surpreendente para o António quanto para mim, como seria para quaisquer alunos e professores portugueses, pelas razões anteriormente aduzidas. Não utilizaria o termo eficácia para descrever o êxito conseguido, até porque os louros vão inteirinhos para o António. A mim, coube-me a grata tarefa de continuar o excelente trabalho desenvolvido pela minha colega e amiga, Alexandra Azevedo, professora do António no 10.º ano de escolaridade. Treinei essencialmente, em contexto de sala de aula, as técnicas de tradução e os conteúdos de funcionamento da língua e, fora dela, sugeri algumas orientações metódicas quer para o estudo da vida e obra de Horácio quer para o comentário histórico, linguístico e literário exigido na prova.
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O que significa, na sua vida, ensinar Clássicas?

Nas línguas e culturas clássicas, reencontro a sabedoria, a simplicidade e a humanidade dos pensadores gregos e romanos que deram forma ao imaginário da cultura europeia. É para esse passeio pela Antiguidade que nos convida Roger-Pol Droit, autor de Voltar a Ler os Clássicos. Um périplo instrutivo que contraria o abandono do ensino das humanidades na sociedade actual. Há mais vida, contudo, para além do latim e do grego. E eu prezo-a muito!

Espero que numa próxima oportunidade possamos falar de um futuro menos assombrado para as Clássicas, ou, melhor, de um futuro menos assombrado para todos nós e para os que hão-de vir. Muito obrigada.

8 comentários:

Carla disse...

Eu acrescento outra razão às apresentadas pelo professor Jorge Moranguinho para o facto de poucos alunos escolherem Latim: poucos são os cursos universitários que consideram o exame nacional de Latim como uma possível prova de ingresso e, no meu entender, faria todo o sentido que o exame de Latim constasse da listagem das possíveis provas de ingresso de cursos como Direito, Arqueologia, e qualquer outro área das Línguas e Culturas (e porque não Biologia e Medicina e quem sabe outros?). Não digo que fosse prova de ingresso obrigatória, apenas que estivesse na lista das quatro ou cinco que, geralmente, as faculdades apresentam e de entre as quais os alunos têm de escolher uma ou duas. É uma questão de sensibilizar as faculdades. Penso que o raciocínio é que poucos são os alunos que têm Latim, logo não vale a pena sugerir o exame desta disciplina como prova de ingresso. E assim nasce um círculo vicioso: como não é prova de ingresso de quase nenhum curso, os alunos não tendem a escolher a disciplina...

Rui Baptista disse...

Esta entrevista trouxe-me recordações do meu saudoso tempo de aluno liceal de que dou aqui conta, salvaguardada uma outra imprecisão terminológica de uma memória que acusa o peso dos anos. Ou correndo eu mesmo o risco de me tornar num sapateiro que toca rabecão.

Assim, sou do tempo em que o Latim tinha lugar cativo e destacado no currículo escolar liceal. No primeiro ciclo, que ia do 1.º ao 3.º ano, era ministrado o ensino do Francês. No segundo ciclo, que decorria do 4.º ao 6.º ano, para além das aulas de Inglês, eram dadas aulas de Português-Latim pelo mesmo professor mas em aulas separadas. No 3.º ciclo (curso complementar dos liceus), constante de um ano, era feita a escolha, apenas, entre Letras e Ciências, conforme o curso superior a seguir.

Em Ciências, como foi o meu caso, o estudo incidia sobre matérias de natureza científica, com excepção da Filosofia (criminosamente tão maltratada nos dias de hoje) e OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação) que se estudava, esta última, apenas uma semana antes do exame final.

Como se deduz dos exemplos acima, pode inferir-se, falando de questões de ensino do passado e do presente, que se tem “andado à procura da rolha” (passe o plebeísmo). Resta esclarecer que logo no ano a seguir apareceram as muitas e variadas alíneas, que afunilaram o ensino em prejuízo de uma certa e necessária cultura geral, passando os exames a serem feitos no 2.º, 5.º e 7.º anos e não nos 3.º, 6.º e 7.º anos, como até então.

Não será altura de Portugal recuperar aquilo que o seu ensino teve de bom, como seja o ensino do Latim nas nossas escolas de grande utilidade num país em que muitas das suas actuais palavras encontram aí a sua raiz?

Não falo já do Grego pela dificuldade da sua aprendizagem a ponto de ter dado, segundo penso, origem à expressão “vejo-me grego”, quando, como agora, nos deparamos com situações difíceis de resolver na nossa vida complicada pela Troika , e ainda mais complicada num porvir pouco risonho. Triste, mesmo!

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista;

Eu já sabia da importância do ensino do latim, tinha lido isso na biografia do Professor Sebastião e Silva, são estas as palavras:

"Mais tarde, já internacionalmente consagrado como matemático, Sebastião e Silva proclamava convictamente as vantagens do ensino do Latim a todos os alunos dos liceus, como excelente instrumento de formação mental e promotor de consciente domínio da língua portuguesa."

Haverá certamente quem considere a ideia do ensino do Latim pouco oportuna, e sem grande interesse prático, sobretudo se vindo das pessoas que não aprenderam Latim que naturalmente não podem sentir os benefícios de tal aprendizagem, (eu também não aprendi) mas se duvidas ainda houver quanto a isso, estes testemunhos são esclarecedores.

Cláudia S. Tomazi disse...

Se permitem em modesto apelo: que em atenta evolução está a ciência. De sua vez na origem, o homem partiu a primórdio por dominar e desenvolver o movimento das mãos, cuja habilidade veio progredir do esforçadamente, galagando espaço em avanços da ferramenta aliada a consistência de raciocínio e que a par desta consistência, permitira em sintonia elaborar da inteligência a habilidade o marco de transição capaz do homem. E neste caminho, datando de altura já por libertar, de osso para sopa, refirindo-se das letras em aptidão da caligrafia, entendendo do trajeto em firmar-se raciocínio, compreende das origens a que aplica-se o latim; sendo de milenar percorre e reconhe, desenvolver da orientação o cognitivo e por expressão (salto digital) assimila, transita e desenvolve a inteligência.

O Latim além de um patrimônio cultural é contexto servil em aprimoramento do intelecto natural.

Da oportunidade a Professora Helena Damião aponta o aspecto muito consistente para o aprendizado, agradeço-lhe do post.

maria disse...

acho bem que se preocupem com as humanidades. afinal as exactas , tão racionais , tão anti mitos , não nos servem para nadinha naquilo que hoje precisamos . como vêm , a ciência é só um adereço , pouco mais que religião naquilo que é importante para a vida , como um todo , das pessoas. qual o contributo da ciência para sair da camisa de onze varas onde estamos? nada , neron , niente. continuem preocupamdo-se com a anti matéria e o buraco negro , pois.mas faz favor de não gozarem com a santissima trindade:)

Anónimo disse...

Ola,

Para mim, o desaparecimento programado do ensino do latim no secundario é um dos sinais mais preocupantes da carência do nosso ensino.

Um ensino exclusivamente preocupado com a preparação de provas de ingresso na universidade não é ensino nenhum. Não sei se ainda é assim (espero que não) mas no tempo em que entrei para a universidade, um aluno do ensino secundario português deixava de beneficiar de um ensino geral aos 15 anos para se concentrar apenas nas 3 matérias de que precisava para concorrer à universidade, onde por sua vez iria receber um ensino ainda mais "especializado".

Isto alguma vez é ensino ? Tenho pena mas acho que se trata exactamente do contrario... Em nenhum sitio do mundo podemos partir do principio de que um jovem de 15 anos aprendeu na escola o suficiente para ter uma cultura geral, ou mesmo para ter acesso a essa cultura geral !

So se fôr a brincar.

O desaparecimento do latim é emblematico : como não "serve" para ingressar na faculdade (nem sequer em direito, é uma tristeza, mas é assim, ou pelo menos era quando me formei), não é ensinado, pura e simplesmente. Portanto se um jovem quiser conhecer uma lingua tão importante para compreender o nosso patrimonio lingustico, literario, historico, politico, filosofico, cientifico, etc, ou mesmo apenas para saber o que significam as palavras que dão titulo a este blogue, o que a nossa administração lhe diz é : não procures na escola, que não estamos ca para isto.

A consequência desta calamidade é que nem a nivel profissional o "ensino" se aproveita. Quem exerce uma profissão onde é necessario escrever sabe bem a que ponto é dificil encontrar jovens com esta competência simples (em aparência).

Porque o que estamos a fazer quando orientamos o nosso ensino exclusivamente para a preparação do ensino universitario e de concursos finos, tão finos, que ninguém se abaixa a exigir neles o b-a-ba (ou o latim), chama-se pura e simplesmente um desperdicio contraproducente.

O desparecimento programado do latim, expoente maximo do abandono do ensino das humanidades no liceu, é a triste consequência de um sistema que acha "racional", e consentâneo com as ultimas modas importadas de Harvard ou de Singapura, considerar que os professores secundarios servem apenas para encher chouriços...

Bom, excedi-me um bocado la para o fim, mas é o que eu penso.

Boas

joão viegas

Joaquim disse...

Observa-se que o triste desmantelamento da educação que constato no Brasil não é apenas local, mas mundial.....É, creio, uma ação estratégica e deliberada....

Joaquim disse...

Ninguém pode entender a Natura Rerum se desprezar a Bíblia......

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