segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
O que é Amador é Bom
A minha crónica semanal no jornal i
Passaria pela sua cabeça ser operado por um cirurgião amador ou entregar a feitura do seu IRS a alguém que ache piada a números? Claro que não! Mas fique a saber que, em matéria de astronomia, profissionais e amadores têm um relação tão profunda como necessária. Neste mês essa relação teve mais um momento invariavelmente elevado, no qual que "variável" foi a palavra-chave. Há um certo tipo de estrelas que apresentam uma visível alteração no seu brilho, alteração que pode ser irregular ou regular num espaço de tempo que pode ir de horas a anos. Estas estrelas são particularmente importantes para os astrónomos porque o seu estudo permite compreender melhor as etapas da vida estelar e estabelecer melhor as distâncias que nos separam das mesmas. São também dos objectos celestes mais apaixonantes para os astrónomos amadores. Desde 1911 que a American Association of Variable Star Observers cataloga este tipo de estrelas, um século de noites fraternais de pais, avós e filhos para benefício dos profissionais. A 19 de Fevereiro, o astrónomo amador belga Franz-Josef Hambsch rubricou a observação número 20 000 000, fazendo deste projecto a mais antiga relação de amor entre profissionais, amadores e cosmos. Já são perto de 1,7 milhões de horas de observação e, apesar de a paixão não ser mensurável, estima-se que ele exigiria um financiamento de 27,5 milhões de dólares caso fosse feito profissionalmente. "Amador" nem sempre é pejorativo!
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Sobre Kurt Jacobsohn (1904-1991)
Novo post do historiador António Mota de Aguiar, lembrando um químico judeu emigrado no século XX para Portugal (na figura o Instituto Bento de Rocha Cabral em Lisboa):
Kurt Jacobsohn nasceu em Berlim e doutorou-se em Química no Kaiser Wilhelm-Institut für Biochemie em 1929, com a classificação máxima. Num país com altos níveis de desenvolvimento científico como a Alemanha é natural pensar que ele encontraria os meios necessários de se fazer notabilizar pelos seus conhecimentos científicos. Mas Kurt Jacobsohn era de ascendência judaica alemã, e a Alemanha, na década de 20, já dava poderosos sinais do anti-semitismo que lavrava na sociedade.
O químico Jacobsohn veio para Portugal em 1929, três anos antes de, a 30 de Janeiro de 1933, Hitler chegar ao poder. A posição assumida por Einstein, que abandonou a Alemanha em 1932, ajuda-nos a compreender Kurt Jacobsohn. Vejamos o que ele disse, segundo um conhecido historiador de ciências espanhol:
“Mientras se me permita elegir, sólo viveré en um país en el que haya libertades políticas, tolerancia e igualdad de todos los ciudadanos ante la ley. La libertad política implica la libertad de expresar las proprias opiniones políticas verbalmente y por escrito, la tolerância implica el respeto por todas y cada una de las creencias individuales. Quienes más han hecho por la causa de la comprensión internacional, entre quines se encuentran muchos artistas, sufren, en ella, persecución”. [1]
De resto, esteve longe de ser o único cientista alemão que abandonou nessa época a Alemanha: de 1933 a 1941, cerca de meio milhão de pessoas abandonaram este país, dos quais 94% eram judeus, isto é, 470.000 [2]. Esta situação permite-nos pensar que Jacobsohn deve ter sentido a tempestade que se avizinhava e, na primeira oportunidade, deixou o seu país.
Com a vinda deste químico para Portugal, a nossa ciência saiu sobremaneira enriquecida. Jacobsohn veio dirigir a secção de química biológica do Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral (IRC), do qual era director, na altura, Ferreira de Mira, discípulo de Marck Athias. De 1929 a 1935 dedicou-se no laboratório do IRC à investigação bioquímica. Em 1935, adquiriu a nacionalidade portuguesa, viu os seus estudos realizados na Alemanha serem reconhecidos pela Universidade de Lisboa, e ingressou na carreira universitária, onde leccionou várias disciplinas da sua especialidade até 1974, quando se jubilou.
Viveu ainda mais seis anos em Portugal, mas, com a idade de oitenta anos foi viver para Israel, tendo falecido dez anos depois. Ao longo dos 50 anos da sua carreira científica em Portugal, publicou 290 trabalhos e vários livros, tendo assumido várias responsabilidades na Faculdade de Ciências de Lisboa, onde foi vice-reitor entre 1966 e 1970.
“No que se refere à investigação científica, Kurt Jacobsohn apresenta uma obra direccionada para a bioquímica, particularizada na enzimologia e no metabolismo celular, na qual se inserem diferentes tipos de trabalhos e de publicações, a saber: comunicações em congressos e simpósios, artigos de divulgação, obras pedagógicas e artigos de investigação científica. Na vertente pedagógica escreveu manuais de ensino dedicados não só à bioquímica, mas também às várias áreas da química” [3].
Com a reforma do ensino operado pela República em 1911 e o surgimento das Faculdades de Ciências de Lisboa, Porto e Coimbra criaram-se as condições para o aparecimento de escolas de investigação científica. Vários homens contribuíram para o surgimento da bioquímica entre nós pela acção que desenvolveram em prol da medicina experimental. Destacamos, antes de Jacobsohn, nos finais do século XIX Miguel Bombarda e Sousa Martins e, no limiar do século XX, Câmara Pestana e Marck Athias.
A investigação deixada pelas escolas de Marck Athias e Kurt Jacobsohn esteve na origem da bioquímica em Portugal. Se Ferreira de Mira e Celestino da Costa são os discípulos mais ilustres da primeira escola, Kurt Jacobsohn, pela seu labor na área da bioquímica, formou ao longo da sua longa carreira científica todo um grupo de seguidores. Estes homens
“…tornaram-se os pivots da inovação científica em Portugal, criando hábitos de investigação científica e de produção científica regular capaz de estimular vários seguidores em diferentes áreas do conhecimento, das quais a bioquímica se destaca”. [4]
António Mota de Aguiar
NOTAS:
[1] José Manuel de Sanchez Ron, El Siglo de la Ciência, p.41, Taurus, Barcelona
[2] Idem
[3] Isabel Amaral, A Emergência da Bioquímica em Portugal: As Escolas de Investigação de Marck Athias e de Kurt Jacobsohn, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 248
[4] Idem, p. 348.
"Ora veja, «livre de valores» não passa de um disparate..."
A introdução da educação sexual no currículo do Ensino Básico, obrigatória a partir do presente ano lectivo, requer a sua operacionalização ao nível de cada escola/agrupamento de escolas (Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto; Portaria 196-A/2010; Decreto-Lei n.º 18/2011, de 2 de Fevereiro).
As orientações mínimas do Ministério da Educação desencadeiam as mais variadas dúvidas entre os professores: de conceptualização, de planificação, de ensino-aprendizagem, de avaliação...
Frequentam acções de formação disponibilizadas por colegas e/ou especialistas - das áreas da saúde, da psicologia e da pedagogia -, numa tentativa de perceberem como devem fazer e desenvolver os projectos para leccionarem a nova componente, projectos estes que podem ser para uso próprio ou para uso de outros professores.
O olhar que deitei por algumas dessas acções de formação e por alguns desses projectos, fez-me perceber que há ideias erradas que se repetem. Uma dessas ideias é da neutralidade educativa: "ser tão neutral quanto possível", "adoptar uma posição absolutamente neutra", "respeitar opiniões sem fazer juízos de valor"...
Ora, acontece que a neutralidade é a negação da própria educação formal: quem elabora o currículo que guia essa educação e quem o usa para ensinar não pode deixar de fazer opções curriculares, ainda que recuse ou negue fazê-las.
Mais, declarar que não se fazem ou não se querem fazer opções curriculares é já fazer uma opção curricular (a de não fazer opções curriculares e de deixar os alunos seguirem o caminho que entenderem, que lhes interesse seguir...).
Sendo a educação sexual, diz-se, guiada por valores, adoptar uma atitude de neutralidade axiológica, uma atitude livre de valores, como diz J. Bronowski, "não passa de um disparate..." (in A responsabilidade do cientista e outros escritos, 181 e 153-156). Vale a pena ler o texto deste matemático e também epistemólogo:
As orientações mínimas do Ministério da Educação desencadeiam as mais variadas dúvidas entre os professores: de conceptualização, de planificação, de ensino-aprendizagem, de avaliação...
Frequentam acções de formação disponibilizadas por colegas e/ou especialistas - das áreas da saúde, da psicologia e da pedagogia -, numa tentativa de perceberem como devem fazer e desenvolver os projectos para leccionarem a nova componente, projectos estes que podem ser para uso próprio ou para uso de outros professores.
O olhar que deitei por algumas dessas acções de formação e por alguns desses projectos, fez-me perceber que há ideias erradas que se repetem. Uma dessas ideias é da neutralidade educativa: "ser tão neutral quanto possível", "adoptar uma posição absolutamente neutra", "respeitar opiniões sem fazer juízos de valor"...
Ora, acontece que a neutralidade é a negação da própria educação formal: quem elabora o currículo que guia essa educação e quem o usa para ensinar não pode deixar de fazer opções curriculares, ainda que recuse ou negue fazê-las.
Mais, declarar que não se fazem ou não se querem fazer opções curriculares é já fazer uma opção curricular (a de não fazer opções curriculares e de deixar os alunos seguirem o caminho que entenderem, que lhes interesse seguir...).
Sendo a educação sexual, diz-se, guiada por valores, adoptar uma atitude de neutralidade axiológica, uma atitude livre de valores, como diz J. Bronowski, "não passa de um disparate..." (in A responsabilidade do cientista e outros escritos, 181 e 153-156). Vale a pena ler o texto deste matemático e também epistemólogo:
"Ora veja, «livre de valores» não passa de um disparate, dado que a liberdade menos valiosa que há no mundo — e a maior escravidão — é precisamente uma liberdade «livre de valores» (...)
Os conceitos de valor são profundos e difíceis, exactamente porque fazem duas coisas ao mesmo tempo: aglomeram os homens em sociedade e, contudo, garantem-lhes uma liberdade que os torna homens singulares. Uma filosofia que não reconheça ambas as necessidades não pode desenvolver valores e, na realidade, não os admite. Isto é verdade numa filosofia (...) tal como o materialismo dialéctico, em que a comunidade estabelece o modo de conduta do indivíduo; não existe espaço para ele se interrogar sobre o modo como deveria actuar.
É igualmente verdadeiro nos sistemas individualistas (...) tais como o positivismo lógico e o seu derivado moderno, a filosofia analítica (...) Torna-se manifesto que o único critério do verdadeiro e falso que é aceite é o indivíduo, então não há base alguma para um acordo social. A pergunta de como o homem se deve comportar é uma questão social, que envolve sempre diversas pessoas, e, se ele não aceita qualquer evidência nem qualquer juízo senão o seu próprio, não possui os meios para elaborar uma resposta adequada (...).
A falácia que aprisiona o positivista e o analista é a suposição de que ele pode examinar o que é verdadeiro e o que é falso sem consultar ninguém, a não ser ele próprio. Tal facto, evidentemente, inibe-o de fazer qualquer juízo de social. Suponhamos então que abandonamos esta hipótese e reconhecemos que, mesmo na verificação dos factos, necessitamos do auxílio dos outros. Que é que se segue?"
Azulejos pedagógicos
Informação recebida do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra:
Nova edição do programa “Trilhos” a 27 de Fevereiro
Azulejos que ensinam matemática motivam passeio pela Alta de Coimbra
“A cidade deve tomar consciência dessa experiência única”, acredita António Leal Duarte.
Já foram apresentados como sendo os "PowerPoint " do século XVII. Coimbra esconde alguns azulejos jesuítas que já serviram para ensinar matemática, física e astronomia. O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (UC) dedica-lhes uma edição do programa Trilhos, no domingo, dia 27 de Fevereiro, às 11 horas. O “Passeio com os Azulejos Jesuítas” será conduzido por António Leal Duarte, docente no Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), numa iniciativa pensada para as famílias.
Peças essenciais para a história da Ciência em Portugal, os azulejos em causa reproduzem figuras de um compêndio de geometria usado nas escolas da Companhia de Jesus, súmula que foi substituído por um outro, com as Reformas educativas do Marquês de Pombal.
António Leal Duarte explica por que razão esta colecção de azulejos é tão importante. “Uma descoberta arqueológica junto ao Laboratorio Quimico, no passado mês de Novembro, permitiu transformar aquilo que era uma suposição numa certeza: passou a ser seguro que estes azulejos (que, originalmente, deviam ser mais de 500, dos quais restam cerca de dúzia e meia) se encontravam no Colégio das Artes de Coimbra da Companhia de Jesus, tendo sido, possivelmente, retirados das paredes aquando das transformações ocorridas nos Colégios Jesuítas, por ocasião da Reforma em 1772”, realça o especialista.
Uma experiência pedagógica de grande interesse e única no mundo
O professor de Matemática indica, também, que Coimbra foi palco, nos finais do século XVII e princípios do século XVIII, de uma experiência pedagógica de “grande interesse e única no mundo”. “Em geral, os azulejos são usados com função decorativa. Neste caso, o objectivo desta colecção seria unicamente didáctico: o "PowerPoint" do século XVII, como já lhes chamou o Professor Henrique Leitão, grande especialista do ensino e da Ciência dos Jesuítas”, esclarece.
António Leal Duarte sublinha ainda que nada de semelhante é conhecido na época e que uma rápida pesquisa na internet pode revelar o interesse que esta colecção começa a despertar, nomeadamente no Brasil. “Julgo, por isso, que a cidade de Coimbra deve tomar consciência dessa experiência única”, remata o investigador. Relembra ainda as palavras do conhecido historiador de Ciência do século XX, George Sarton, defendendo que não se pode estudar a História da Matemática do século XVI ou XVII, sem “encontrar um Jesuíta em cada canto”. “Embora os Jesuítas portugueses cultivassem mais as Humanidades, também tiveram algum papel no ensino da Matemática, como estes azulejos testemunham”, refere António Leal Duarte.
O passeio pelos edifícios jesuítas da Alta de Coimbra terminará com uma visita aos azulejos do Museu Nacional Machado de Castro (MNMC), que organiza o passeio com o Museu. Os “Trilhos” do Museu da Ciência da UC decorrem uma vez por mês, sempre ao domingo, entre as 11h e as 12 horas. A participação é gratuita, mas requer, contudo, de marcação prévia por e-mail (geral@museudaciencia.org) ou por telefone (239 85 43 50), uma vez que o número de inscrições é limitado a 25 participantes.
Mais informações: aqui,
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Ainda os três quartos de século da Escola Secundária de José Falcão
“ A insatisfação é o primeiro passo para o progresso de um homem e de uma nação” (Oscar Wilde, 1854-1900).
Os três comentários dos professores José Batista da Ascenção e Fartinho da Silva ao meu último post, “Os três quartos de século da Escola Secundária de José Falcão de Coimbra” (24/02/2011), em minha justiça, merecem ser meditados publicamente pelas questões neles levantadas. Que me seja permitido, no entanto, acrescentar estas duas outras questões:
- O quer dizer de antigos professores de trabalhos manuais (a maioria deles de posse de cursos secundários incompletos) que são presidentes de conselhos directivos, até de Escolas Secundárias?
- E de cursos de escolas (ditas) superiores que, em meia dúzia de meses, lhes venderam uma licenciatura dando-lhes acesso ao 10.º escalão?
É este Portugal do século XXI que Eça, já no século XIX, dizia ser vítima da “bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem”.
Ou seja, um retrato a papel químico do que se passa (e continua a passar, infelizmente) num ensino que despreza a memória dos seus melhores professores e castiga com o látego da prepotência todo o docente que se sacrifica para alterar o estado actual de coisas de uma profissão merecedora,nas palavras de Pierre Bourdieu, de ser “o primeiro dos ofícios”.
Mas, para isso, há que exigir como condição sine qua non do seu exercício o domínio básico do idioma pátrio, escrito e falado. Porque tristezas não pagam dívidas, conto que circulou, anos atrás, ao que se dizia com o cunho de verdade, a história picaresca do docente que chega à sala dos professores, com o ar de domador de feras em que a porta da rua se faz chicote, dizendo: “Hoje, durante uma aula minha, um aluno portou-se mal e eu ‘puze-o’ na rua”. Por comiseração, um professor que assistiu a esta ‘bravata pedagógica’ não teve coragem de logo aí o emendar. Mas, no dia seguinte, muito diplomaticamente, como quem não quer a coisa, e principalmente para que ele não continuasse a servir de correia de transmissão de uma crassa ignorância perante os alunos, disse-lhe: “Tem graça, hoje um aluno portou-se também mal na minha aula e eu pu-lo na rua”. Logo teve como resposta: “Pulos? Eu admitia lá que alunos meus dessem pulos nas minhas aulas!”.
Tudo isto acontece pela indulgência de um sistema de avaliação interpares (?), em que uns tantos mais não são do que oportunistas que tudo fazem para subir na vida profissional e económica com a varinha mágica que anteriormente lhes atribuiu licenciaturas pouco mais valiosas do que o honrado exame da antiga 4.ª classe com a diferença que este exigia aos seus portadores que tivessem os conhecimentos que aí se atestavam. Era uma época de exigência, uma época em que se não tomava gato por lebre!
Infelizmente, não têm encontrado eco no seio da actividade docente palavras avisadas de António Nóvoa (1987): “O exercício de uma profissão faz apelos a normas e comportamentos éticos que orientem a prática profissional e as relações tanto entre os próprios práticos como entre estes e os outros actores sociais”.
Entretanto, continuam a cair em saco roto palavras por mim proferidas com transcrição num jornal de grande tiragem: “O Estado, ao mostrar-se incapaz de tutelar devidamente os múltiplos problemas da actividade docente e dos seus profissionais, cedendo demasiado a exigências sindicais, interesses de alguns dos seus profissionais e a pressões estudantis, deverá delegar numa Ordem dos Professores algumas das suas funções, a exemplo do que fez com outras profissões de idêntica, ou até menor, exigência de formação académica” (Jornal de Notícias, 06/06/1996).
Como diz o povo, “quem cala consente”, consente que a docência não exija uma cédula profissional, consente que se titulem como professores todos aqueles que ministrem aulas. Claro que uma Ordem dos Professores não resolveria os inúmeros problemas da Educação mas seria um passo importante para o seu progresso. Esta é uma discussão sempre em aberto, sem vislumbre de solução à vista, e que, revisitando Eça, com o prazer e o proveito com que sempre o faço, “estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem"!
Os três comentários dos professores José Batista da Ascenção e Fartinho da Silva ao meu último post, “Os três quartos de século da Escola Secundária de José Falcão de Coimbra” (24/02/2011), em minha justiça, merecem ser meditados publicamente pelas questões neles levantadas. Que me seja permitido, no entanto, acrescentar estas duas outras questões:
- O quer dizer de antigos professores de trabalhos manuais (a maioria deles de posse de cursos secundários incompletos) que são presidentes de conselhos directivos, até de Escolas Secundárias?
- E de cursos de escolas (ditas) superiores que, em meia dúzia de meses, lhes venderam uma licenciatura dando-lhes acesso ao 10.º escalão?
É este Portugal do século XXI que Eça, já no século XIX, dizia ser vítima da “bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem”.
Ou seja, um retrato a papel químico do que se passa (e continua a passar, infelizmente) num ensino que despreza a memória dos seus melhores professores e castiga com o látego da prepotência todo o docente que se sacrifica para alterar o estado actual de coisas de uma profissão merecedora,nas palavras de Pierre Bourdieu, de ser “o primeiro dos ofícios”.
Mas, para isso, há que exigir como condição sine qua non do seu exercício o domínio básico do idioma pátrio, escrito e falado. Porque tristezas não pagam dívidas, conto que circulou, anos atrás, ao que se dizia com o cunho de verdade, a história picaresca do docente que chega à sala dos professores, com o ar de domador de feras em que a porta da rua se faz chicote, dizendo: “Hoje, durante uma aula minha, um aluno portou-se mal e eu ‘puze-o’ na rua”. Por comiseração, um professor que assistiu a esta ‘bravata pedagógica’ não teve coragem de logo aí o emendar. Mas, no dia seguinte, muito diplomaticamente, como quem não quer a coisa, e principalmente para que ele não continuasse a servir de correia de transmissão de uma crassa ignorância perante os alunos, disse-lhe: “Tem graça, hoje um aluno portou-se também mal na minha aula e eu pu-lo na rua”. Logo teve como resposta: “Pulos? Eu admitia lá que alunos meus dessem pulos nas minhas aulas!”.
Tudo isto acontece pela indulgência de um sistema de avaliação interpares (?), em que uns tantos mais não são do que oportunistas que tudo fazem para subir na vida profissional e económica com a varinha mágica que anteriormente lhes atribuiu licenciaturas pouco mais valiosas do que o honrado exame da antiga 4.ª classe com a diferença que este exigia aos seus portadores que tivessem os conhecimentos que aí se atestavam. Era uma época de exigência, uma época em que se não tomava gato por lebre!
Infelizmente, não têm encontrado eco no seio da actividade docente palavras avisadas de António Nóvoa (1987): “O exercício de uma profissão faz apelos a normas e comportamentos éticos que orientem a prática profissional e as relações tanto entre os próprios práticos como entre estes e os outros actores sociais”.
Entretanto, continuam a cair em saco roto palavras por mim proferidas com transcrição num jornal de grande tiragem: “O Estado, ao mostrar-se incapaz de tutelar devidamente os múltiplos problemas da actividade docente e dos seus profissionais, cedendo demasiado a exigências sindicais, interesses de alguns dos seus profissionais e a pressões estudantis, deverá delegar numa Ordem dos Professores algumas das suas funções, a exemplo do que fez com outras profissões de idêntica, ou até menor, exigência de formação académica” (Jornal de Notícias, 06/06/1996).
Como diz o povo, “quem cala consente”, consente que a docência não exija uma cédula profissional, consente que se titulem como professores todos aqueles que ministrem aulas. Claro que uma Ordem dos Professores não resolveria os inúmeros problemas da Educação mas seria um passo importante para o seu progresso. Esta é uma discussão sempre em aberto, sem vislumbre de solução à vista, e que, revisitando Eça, com o prazer e o proveito com que sempre o faço, “estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem"!
Portugal no seu pior
Agora que todos andam a falar da Parva que sou d’ Os Deolinda, quem conhece esta do Paco Bandeira?
«Viva Portugal do “deixa andar”
Viva o futebol cada vez mais
Viva a Liberdade, viva a impunidade
Dos aldrabões quejandos e que tais
Viva o Tribunal, viva o juiz
E paga o justo pelo pecador
Viva a incompetência, viva a arrogância
Viva Portugal no seu melhor
Refrão:
Viva a notícia, da chafurda social
De que o Povo tanto gosta
Espectáculo da devassa
Viva o delator sem fuça
É a morte do artista
Viva a pepineira do «show-off»
Dos apresentadores de televisão
Viva a voz do tacho de quem vem de baixo
Do chefe do ministro do patrão
E viva a vilanagem financeira
E a licenciatura virtual
Viva a corretagem, viva a roubalheira
Viva a edição do «Tal & Qual»
Refrão
E viva a inveja nacional
Viva o fausto, viva a exibição
Da dívida calada, que hoje não se paga
Mas amanhã os outros pagarão
Viva a moda, viva o Carnaval
olarilas, olarilolé
Viva a tatuagem, brindo à bebunagem
Que vai na Internet e na TV
Refrão
Calem-se o Cravinho e o bastonário
O Medina, o Neto e sempre o Zé
Viva o foguetório, conto do vigário
Que dá p’ra Aeroporto e TGV
Viva o mundo da publicidade
O «share» ou não «share» eis a questão
O esperto da sondagem, o assessor de imagem
Viva o fazedor de opinião»
Autêntica canção de "escárnio e mal dizer" é o esplendor de Portugal no seu pior. Música de intervenção bem melhor que a d’ Os Deolinda, sobre a tal geração “parva”, de que tanta análise sociológica se anda a fazer. Parva não, mas sim explorada. E que ao fazer a ligação da escravatura e da exploração com o estudo e a cultura, presta um mau serviço à juventude. O Miguel Esteves Cardoso, no Público, já veio chamar a atenção para o gosto acomodatício desta geração “parva”, que esta música mais que tudo reflete. A casinha dos pais, (dizem eles) e o carrinho ou mota comprados pelos “velhotes”, a crédito, as exigências intoleráveis e a má criação hoje vulgar e antigamente rara (digo eu).
Pelo menos esta do Paco Bandeira atira para onde deve atirar. Alvos não faltam. E, sendo uma espécie de chula, é mais coerente e entra melhor no ouvido. Só é pena que nenhum meio de grande audiência tenha dado por isso (anda no You Tube mas ainda não dei por ela em nenhuma Rádio ou Televisão). Porque será? Será por razões políticas, ou porque há demasiada gente a quem assenta a carapuça?
João Boavida
«Viva Portugal do “deixa andar”
Viva o futebol cada vez mais
Viva a Liberdade, viva a impunidade
Dos aldrabões quejandos e que tais
Viva o Tribunal, viva o juiz
E paga o justo pelo pecador
Viva a incompetência, viva a arrogância
Viva Portugal no seu melhor
Refrão:
Viva a notícia, da chafurda social
De que o Povo tanto gosta
Espectáculo da devassa
Viva o delator sem fuça
É a morte do artista
Viva a pepineira do «show-off»
Dos apresentadores de televisão
Viva a voz do tacho de quem vem de baixo
Do chefe do ministro do patrão
E viva a vilanagem financeira
E a licenciatura virtual
Viva a corretagem, viva a roubalheira
Viva a edição do «Tal & Qual»
Refrão
E viva a inveja nacional
Viva o fausto, viva a exibição
Da dívida calada, que hoje não se paga
Mas amanhã os outros pagarão
Viva a moda, viva o Carnaval
olarilas, olarilolé
Viva a tatuagem, brindo à bebunagem
Que vai na Internet e na TV
Refrão
Calem-se o Cravinho e o bastonário
O Medina, o Neto e sempre o Zé
Viva o foguetório, conto do vigário
Que dá p’ra Aeroporto e TGV
Viva o mundo da publicidade
O «share» ou não «share» eis a questão
O esperto da sondagem, o assessor de imagem
Viva o fazedor de opinião»
Autêntica canção de "escárnio e mal dizer" é o esplendor de Portugal no seu pior. Música de intervenção bem melhor que a d’ Os Deolinda, sobre a tal geração “parva”, de que tanta análise sociológica se anda a fazer. Parva não, mas sim explorada. E que ao fazer a ligação da escravatura e da exploração com o estudo e a cultura, presta um mau serviço à juventude. O Miguel Esteves Cardoso, no Público, já veio chamar a atenção para o gosto acomodatício desta geração “parva”, que esta música mais que tudo reflete. A casinha dos pais, (dizem eles) e o carrinho ou mota comprados pelos “velhotes”, a crédito, as exigências intoleráveis e a má criação hoje vulgar e antigamente rara (digo eu).
Pelo menos esta do Paco Bandeira atira para onde deve atirar. Alvos não faltam. E, sendo uma espécie de chula, é mais coerente e entra melhor no ouvido. Só é pena que nenhum meio de grande audiência tenha dado por isso (anda no You Tube mas ainda não dei por ela em nenhuma Rádio ou Televisão). Porque será? Será por razões políticas, ou porque há demasiada gente a quem assenta a carapuça?
João Boavida
Ainda Galileu
Faz hoje precisamente 395 anos que Galileu recebe o seu primeiro aviso formal da Igreja Católica; da voz do Cardeal Belarmino, o génio Renascentista é "aconselhado" a abandonar o ensino e divulgação das ideias heliocêntricas de Copérnico. E o resto é conhecido! As suas publicações são banidas, mas a audácia e coragem de um já na altura conhecido e enorme editor holandês de seu nome Louis Elzevir, que retira às escondidas da Igreja a obra de Galileu com a ajuda e conhecimento do próprio, fazem com que a palavra de Galileu chegue a toda a Europa...
Louis Elzevir, mais um herói completamente desconhecido mas fundamental da História da Ciência.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
O ENSINO DAS CIÊNCIAS: DE MAL A PIOR
Minha crónica no "Sol" de hoje, sobre um assunto que já abodei neste blogue:
O Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação, que já tem deixado passar erros em várias provas nacionais, não pára de nos espantar. Agora resolveu, num teste intermédio do 11.º ano da disciplina de Física e Química A, repito do 11.º ano, fazer uma transcrição de um livro meu (“Física Divertida”, Gradiva, 1991), com apenas quatro linhas mas adaptada (adaptada?), e pedir aos alunos para "transcrever" (sic) uma informação trivial que se encontra no texto. Queria tão só que os alunos fizessem uma transcrição a partir da transcrição que o Gabinete tinha feito, como se apenas estivesse interessado saber, num teste de Física do secundário, se os jovens sabiam o que significa aquela palavra. Talvez o Ministério venha um dia a pedir, para poupar esforço e tinta, que os alunos sublinhem uma frase a fim de obterem toda a pontuação. E talvez inclua nos testes de Física um glossário com o significado das palavras usadas nos enunciados.
A Divisão Técnica de Educação da Sociedade Portuguesa de Física ficou justamente indignada com aquela prova:
"A questão 1 do Grupo I na qual o aluno deve transcrever a parte de um texto, de apenas 4 linhas, que refere o que Oersted observou, não é admissível neste ano de escolaridade. Esta questão pode ser respondida por um aluno do 2º ciclo do ensino básico que nunca tenha estudado o assunto abordado (...) Este teste intermédio dá indicações erradas aos alunos sobre as suas aprendizagens e não os estimula ao esforço que é necessário para que sejam atingidos os objectivos de aprendizagem da disciplina.”
Não posso estar mais de acordo. Para que o leitor julgue por si próprio, com este exemplo singelo, o estado do nosso ensino das ciências, deixo o pedaço do meu texto que foi usado pelo Ministério da Educação:
"Durante algum tempo o magnetismo e a electricidade ignoraram-se mutuamente. Foi só no início do século XIX que um dinamarquês, Hans Christian Oersted, reparou que uma agulha magnética sofria um desvio quando colocada perto de um circuito eléctrico, à semelhança do que acontecia quando estava perto de um íman. Existia pois uma relação entre electricidade e magnetismo.”
E deixo a pergunta que o Ministério colocou aos alunos: “Transcreva a parte do texto que refere o que Oersted observou."
Podia ter-lhes, ao menos, pedido para usarem palavras suas. Ou para interpretarem o que Oersted observou, tal como o próprio fez. Mas não. Escolheu o mais fácil. Claramente, está a preparar o alargamento da escolaridade obrigatória para doze anos através do lamentável caminho que vem sendo seguido até aqui: o caminho da facilidade progressiva.
Os Censos vão às Escolas - O que está nas entrelinhas
A iniciativa do Instituto Nacional de Estatística relativa aos Censos 2011, aprovada pelo Ministério da Educação e a que me referi em dois textos anteriores, não pode deixar de constituir um intolerável desrespeito:
- pelas funções da escola, que se deve concentrar na leccionação do currículo pré-estabelecido, de modo a cumpri-lo da melhor maneira, sem a constante interferência de solicitações avulsas como esta;
- pela profissionalidade docente, em cujo âmbito cabe a elaboração autónoma de planos e a gestão das aulas, o que, neste caso, é ignorado ou, mesmo, negado;
- pelas famílias, que, nesta mobilização nacional, são envolvidas indirectamente, por interposta pessoa – os professores que, de modo mais ou menos consciente, influenciam os alunos que, por sua vez, influenciam os pais e encarregados de educação;
- pelos alunos, que são desviados das suas actividades de aprendizagem, para, de modo uniforme e cego, realizarem tarefas que em nada contribuem para o seu desenvolvimento cognitivo;
- pela relação família-aluno, em que, numa inversão de papéis, se atribui à criança ou o adolescente a função e a responsabilidade de sensibilizar os adultos e os ajudar a responder à dita mobilização.
Isto para não falar do controlo institucional que se insinua neste envolvimento das escolas-professores-alunos-famílias, e que é tão declaradamente evidente nas tarefas da aula do 1.º Ciclo.
- pelas funções da escola, que se deve concentrar na leccionação do currículo pré-estabelecido, de modo a cumpri-lo da melhor maneira, sem a constante interferência de solicitações avulsas como esta;
- pela profissionalidade docente, em cujo âmbito cabe a elaboração autónoma de planos e a gestão das aulas, o que, neste caso, é ignorado ou, mesmo, negado;
- pelas famílias, que, nesta mobilização nacional, são envolvidas indirectamente, por interposta pessoa – os professores que, de modo mais ou menos consciente, influenciam os alunos que, por sua vez, influenciam os pais e encarregados de educação;
- pelos alunos, que são desviados das suas actividades de aprendizagem, para, de modo uniforme e cego, realizarem tarefas que em nada contribuem para o seu desenvolvimento cognitivo;
- pela relação família-aluno, em que, numa inversão de papéis, se atribui à criança ou o adolescente a função e a responsabilidade de sensibilizar os adultos e os ajudar a responder à dita mobilização.
Isto para não falar do controlo institucional que se insinua neste envolvimento das escolas-professores-alunos-famílias, e que é tão declaradamente evidente nas tarefas da aula do 1.º Ciclo.
Os Censos vão às Escolas – “Tu também contas”
Na sequência de texto anterior, apresento neste post os planos-de-aula-prontos-a-usar-pelos-professores, da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística (que, tanto quanto sei, não é uma entidade com credenciais pedagógicas nem tem qualquer legitimidade para determinar o que os alunos devem aprender na escola) com o total apoio do Ministério da Educação.
Para a aula do 1.º Ciclo recomendam-se “duas ligações curriculares” – “Estudo do Meio” e Área de Projecto” –, e estabelecem-se três objectivos que, apesar de conterem erros, parecem ser dirigidos ao professor: dar a conhecer aos alunos dos diversos graus de ensino: o que são, para que servem e como se fazem os Censos; mobilizar os pais e familiares dos alunos para a participação nos Censos 2011; incentivar os alunos para ajudar os pais na resposta aos Censos 2011 pela Internet.
De seguida, vêm os conteúdos, mas agora já dirigidos aos alunos: explica-se-lhes muito claramente o que são os Censos, para que servem, quem os faz, e como se fazem.
Logo a seguir, em cor diferente, apresenta-se-lhes uma mensagem envolvente: “Nestes Censos vais ter um papel decisivo: Incentiva e ajuda os teus familiares a responder pela internet. Quantas mais respostas tivermos pela internet mais rápido iremos ficar a saber quantos somos, o que fazemos e como vivemos!” E a rematar: “Tu também contas!"
Muda o registo para o professor e surge a tarefa que ele deve prontamente executar: dar a preencher aos alunos a ficha “O Meu Censo” e, de seguida, apurar os seguintes resultados da turma: Quantos são os rapazes e as raparigas? Quantos têm 6, 7, 8, 9 ou 10 anos? Quantos nasceram em determinado local? Quantos têm irmãos?
Em anexo está a ficha com "bonecos" coloridos, onde cada menino deve escrever o seu nome completo, a idade, o sexo, a morada, o local de nascimento, quantas pessoas vivem na sua casa e se tem ou não irmãos.
Para a aula dos 2.º e 3.º Ciclo recomendam-se outras “ligações curriculares” – História e Geografia de Portugal; Geografia, História, Matemática; Área de Projecto; Formação Cívica – mas os objectivos são os mesmos.
Os conteúdos, mais extensos, incluem uma abordagem histórica que começa antes de Cristo e termina em Portugal, em 2001.
A mesma mensagem para envolver os alunos e, passando-se por cima do professor, apresenta-lhes as tarefas com desenhos e outras representações gráficas que é normal em manuais e exames, pressupondo que eles só conseguem resolver problemas muito concretos. Convido o leitor a dar uma vista de olhos porque… só visto!
Não resisto, no entanto a deixar um exemplo:
O Presidente da Câmara de VilaCensos pretende construir uma nova infraestrutura num bairro da vila, onde foram demolidos prédios velhos. Este espaço deverá ser utilizado pelas pessoas que moram nessa zona. O Presidente está indeciso entre construir um parque ou um centro comercial. Se o número de crianças e de idosos for superior a 50% do total da população a opção será construir um parque. Caso contrário, os adultos estarão em maioria e o Presidente irá construir um centro comercial. Ajuda o Presidente da Câmara de VilaCensos a tomar a decisão do que construir no espaço identificado na Figura 1, calculando o número de crianças, adultos e idosos que vivem na vizinhança, nas casas A a J.
Para a aula do Secundário recomendam-se as “ligações curriculares” de História, Geografia, História e Economia, mas a estrutura do conteúdo mantém-se, complexificando-se ligeiramente em relação à aula anterior.
De notar que, neste ciclo os alunos deixam de ser tratados por “tu” para serem tratados por “você”. Afinal, é outro patamar… o que se percebe nas tarefas (que… para uma aula... bem, não estou a ver como se poderão concretizar, mas talvez o dito Instituto possa explicar), que são:
- um teste de conhecimentos:
- um inquérito nas suas várias fases: definição das questões, recolha de dados, tratamento dos dados e apresentação dos resultados. Sugere-se como temática do inquérito “Planos de Futuro”, relacionada com o futuro escolar e profissional dos alunos das turmas do secundário da escola e
- um pequeno estudo sobre os Censos em Portugal de 1864 a 2001. Para tal, aceda ao site http://censos.ine.pt/ , onde pode consultar também a informação recolhida e apurada nos Censos já realizados. Seleccione um ou mais indicadores e analise a evolução desses indicadores ao longo do tempo. Por exemplo, considere a variável população residente; comece por registar numa tabela os dados relativos à população portuguesa residente em Portugal, no período de 1864 a 2001; represente graficamente os dados e analise a evolução da população ao longo deste período de tempo. No final, elabore um relatório com as principais conclusões desse estudo.
A conclusão desta extensa descrição parece ser: com tão esmerados planos, os professores não têm qualquer trabalho acrescido, bastando que os apliquem e, assim, contribuam para o sucesso dos Censos 2011! Ma será assim?
(continua)
Para a aula do 1.º Ciclo recomendam-se “duas ligações curriculares” – “Estudo do Meio” e Área de Projecto” –, e estabelecem-se três objectivos que, apesar de conterem erros, parecem ser dirigidos ao professor: dar a conhecer aos alunos dos diversos graus de ensino: o que são, para que servem e como se fazem os Censos; mobilizar os pais e familiares dos alunos para a participação nos Censos 2011; incentivar os alunos para ajudar os pais na resposta aos Censos 2011 pela Internet.
De seguida, vêm os conteúdos, mas agora já dirigidos aos alunos: explica-se-lhes muito claramente o que são os Censos, para que servem, quem os faz, e como se fazem.
Logo a seguir, em cor diferente, apresenta-se-lhes uma mensagem envolvente: “Nestes Censos vais ter um papel decisivo: Incentiva e ajuda os teus familiares a responder pela internet. Quantas mais respostas tivermos pela internet mais rápido iremos ficar a saber quantos somos, o que fazemos e como vivemos!” E a rematar: “Tu também contas!"
Muda o registo para o professor e surge a tarefa que ele deve prontamente executar: dar a preencher aos alunos a ficha “O Meu Censo” e, de seguida, apurar os seguintes resultados da turma: Quantos são os rapazes e as raparigas? Quantos têm 6, 7, 8, 9 ou 10 anos? Quantos nasceram em determinado local? Quantos têm irmãos?
Em anexo está a ficha com "bonecos" coloridos, onde cada menino deve escrever o seu nome completo, a idade, o sexo, a morada, o local de nascimento, quantas pessoas vivem na sua casa e se tem ou não irmãos.
Para a aula dos 2.º e 3.º Ciclo recomendam-se outras “ligações curriculares” – História e Geografia de Portugal; Geografia, História, Matemática; Área de Projecto; Formação Cívica – mas os objectivos são os mesmos.
Os conteúdos, mais extensos, incluem uma abordagem histórica que começa antes de Cristo e termina em Portugal, em 2001.
A mesma mensagem para envolver os alunos e, passando-se por cima do professor, apresenta-lhes as tarefas com desenhos e outras representações gráficas que é normal em manuais e exames, pressupondo que eles só conseguem resolver problemas muito concretos. Convido o leitor a dar uma vista de olhos porque… só visto!
Não resisto, no entanto a deixar um exemplo:
O Presidente da Câmara de VilaCensos pretende construir uma nova infraestrutura num bairro da vila, onde foram demolidos prédios velhos. Este espaço deverá ser utilizado pelas pessoas que moram nessa zona. O Presidente está indeciso entre construir um parque ou um centro comercial. Se o número de crianças e de idosos for superior a 50% do total da população a opção será construir um parque. Caso contrário, os adultos estarão em maioria e o Presidente irá construir um centro comercial. Ajuda o Presidente da Câmara de VilaCensos a tomar a decisão do que construir no espaço identificado na Figura 1, calculando o número de crianças, adultos e idosos que vivem na vizinhança, nas casas A a J.
Para a aula do Secundário recomendam-se as “ligações curriculares” de História, Geografia, História e Economia, mas a estrutura do conteúdo mantém-se, complexificando-se ligeiramente em relação à aula anterior.
De notar que, neste ciclo os alunos deixam de ser tratados por “tu” para serem tratados por “você”. Afinal, é outro patamar… o que se percebe nas tarefas (que… para uma aula... bem, não estou a ver como se poderão concretizar, mas talvez o dito Instituto possa explicar), que são:
- um teste de conhecimentos:
- um inquérito nas suas várias fases: definição das questões, recolha de dados, tratamento dos dados e apresentação dos resultados. Sugere-se como temática do inquérito “Planos de Futuro”, relacionada com o futuro escolar e profissional dos alunos das turmas do secundário da escola e
- um pequeno estudo sobre os Censos em Portugal de 1864 a 2001. Para tal, aceda ao site http://censos.ine.pt/ , onde pode consultar também a informação recolhida e apurada nos Censos já realizados. Seleccione um ou mais indicadores e analise a evolução desses indicadores ao longo do tempo. Por exemplo, considere a variável população residente; comece por registar numa tabela os dados relativos à população portuguesa residente em Portugal, no período de 1864 a 2001; represente graficamente os dados e analise a evolução da população ao longo deste período de tempo. No final, elabore um relatório com as principais conclusões desse estudo.
A conclusão desta extensa descrição parece ser: com tão esmerados planos, os professores não têm qualquer trabalho acrescido, bastando que os apliquem e, assim, contribuam para o sucesso dos Censos 2011! Ma será assim?
(continua)
Os Censos vão às Escolas - Ministre uma aula
Quando li a informação que abaixo exponho, pura e simplesmente não acreditei no que estava a ler, pensei estar a deturpar as palavras, as frases, quem sabe até a entrar numa qualquer “dimensão paralela” da realidade. O leitor fará o seu próprio juízo…
Receberam ou estão a receber as escolas/agrupamentos de escolas portuguesas, públicas e privadas, uma mensagem electrónica do Instituto Nacional de Estatística. Nessa mensagem, dirigida ao Director, esclarece-se que se vai realizar, em Março e Abril próximos, uns "Censos" que se querem bem sucedidos.
Começo aqui a estranhar… Porque é que este Instituto manda uma mensagem às escolas com tal declaração?
Passo ao parágrafo seguinte e leio, incrédula, que se solicita a “colaboração empenhada dos professores e alunos, dos vários níveis de ensino”. A colaboração destes sujeitos para quê? Uns estão na escola para ensinar, os outros para aprender o que consta do currículo e dos programas e, nestes documentos, que me lembre, nunca vi os tais Censos referidos.
No terceiro parágrafo, do estado de incredulidade passei ao de estarrecimento, quando li e voltei a ler tantas as vezes quantas foram necessárias para perceber que não tinha entrado num processo alucinatório, que aos professores se pedia (ou melhor, se determinava) que “ministrassem uma aula sobre a temática dos Censos”.
Mais: este Instituto com a Equipa de uma tal ALEA – Acção Local de Estatística Aplicada –, que não interessa para o caso o que seja, “concebeu três tipos de aulas” onde os professores devem explicar "o que são, para que servem e como se fazem os Censos 2011"… Não fosse isto o bastante para qualquer pessoa dar um grito de revolta, acrescenta-se que, “foram previstas pequenas tarefas” que os alunos devem realizar no final de cada aula, para “os ajudar a compreender e a consolidar melhor algumas das matérias tratadas”.
Devia ter voltado a mim e ficado descansada quando li que “o Ministério da Educação foi previamente consultado sobre este processo, tendo-lhe dado o seu total apoio por Despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Educação”, mas foi precisamente nesse momento que tive a estranha impressão da gravidade do que os professores têm de fazer.
(continua)
Receberam ou estão a receber as escolas/agrupamentos de escolas portuguesas, públicas e privadas, uma mensagem electrónica do Instituto Nacional de Estatística. Nessa mensagem, dirigida ao Director, esclarece-se que se vai realizar, em Março e Abril próximos, uns "Censos" que se querem bem sucedidos.
Começo aqui a estranhar… Porque é que este Instituto manda uma mensagem às escolas com tal declaração?
Passo ao parágrafo seguinte e leio, incrédula, que se solicita a “colaboração empenhada dos professores e alunos, dos vários níveis de ensino”. A colaboração destes sujeitos para quê? Uns estão na escola para ensinar, os outros para aprender o que consta do currículo e dos programas e, nestes documentos, que me lembre, nunca vi os tais Censos referidos.
No terceiro parágrafo, do estado de incredulidade passei ao de estarrecimento, quando li e voltei a ler tantas as vezes quantas foram necessárias para perceber que não tinha entrado num processo alucinatório, que aos professores se pedia (ou melhor, se determinava) que “ministrassem uma aula sobre a temática dos Censos”.
Mais: este Instituto com a Equipa de uma tal ALEA – Acção Local de Estatística Aplicada –, que não interessa para o caso o que seja, “concebeu três tipos de aulas” onde os professores devem explicar "o que são, para que servem e como se fazem os Censos 2011"… Não fosse isto o bastante para qualquer pessoa dar um grito de revolta, acrescenta-se que, “foram previstas pequenas tarefas” que os alunos devem realizar no final de cada aula, para “os ajudar a compreender e a consolidar melhor algumas das matérias tratadas”.
Devia ter voltado a mim e ficado descansada quando li que “o Ministério da Educação foi previamente consultado sobre este processo, tendo-lhe dado o seu total apoio por Despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Educação”, mas foi precisamente nesse momento que tive a estranha impressão da gravidade do que os professores têm de fazer.
(continua)
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Os três quartos de século da Escola Secundária de José Falcão de Coimbra
“A História leva o seu tempo. A História faz memória” (Gertrude Stein, 1874-1946).
Num tempo em que o ensino privado com contrato de associação é, por vezes, havido como exemplo capaz de dar ao país um ensino de maior qualidade relativamente ao ensino oficial deverá ser acolhido como acto de inteira justiça a homenagem que decorre em Coimbra ao ex-Liceu Normal D. João III, hoje Escola Secundária de José Falcão. Em nome da qualidade de ensino ministrado nas suas salas de aula se pronunciaram, com conhecimento de causa, nomes de grande vulto da academia, da política e da vida económica da cidade nas margens do Mondego com projecção dentro de fronteiras nacionais e mesmo para além delas.
Que seja perdoada, portanto, à minha humilde pessoa o poder deslustrar o brilho desses testemunhos com a opacidade da minha prosa que terá o possível mérito de ser ditada por quem aí exerceu a docência logo a seguir ao 25 de Abril. Ou seja, numa época conturbada em que a política educativa cedia lugar aos partidos políticos de esquerda, mais ou menos radicais, que disputavam entre si o rumo a tomar pelos então liceus, num país em plena convulsão revolucionária.
Regressado de Moçambique em 75, nesta escola secundária ingressei como professor efectivo (como então se dizia) numa altura em que as RGA se sucediam em prejuízo das aulas e do normal funcionamento de uma casa em que a política era a cartilha que substituía Os Lusíadas” em opróbrio para com o seu autor. Desse tempo, de justiça me parece prestar homenagem póstuma ao timoneiro da escola em águas turbulentas que, apesar de conotado com o Partido Comunista, soube, através de fino e cordial trato e espírito de bem servir os interesses da educação, conciliar posições e interesses políticos antagónicos. Refiro-me ao Dr. Ivo Cortesão, a quem fiquei devedor do facto da minha nomeação, por concurso público e em comissão de serviço, para assistente da Universidade do Porto depender de autorização da minha escola de origem. Essa autorização não só foi dada como foi acompanhada por palavras elogiosas à minha pessoa, que estava longe de comungar das mesmas ideias políticas das suas.
Nessa então já Escola Secundária de José Falcão, tive a honra de conviver com uma verdadeira elite de professores cujos nomes me escuso de nomear aqui para não cometer o erro involuntário de omissão por esquecimento ou para não tornar fastidioso aos leitores essa listagem. Outros houve, enfim, que serviam os desígnios da mediocridade ao tornarem-se prosélitos de um novo estatuto de carreira docente (promulgada por Roberto Carneiro, pressionado por grande número de organizações profissionais de professores) incapaz de separar o trigo do joio quer em formação académica, quer em desempenho profisisonal, quer em prestígio individual dos docentes.
E aqui chegado, não posso deixar de apoiar as minhas palavras no facto de, antes da sua promulgação, o topo da carreira docente ser a letra A para os licenciados, a letra B para os bacharéis e a letra C para os possuidores de habilitação menor. Daqui passou-se, de supetão, para uma nova carreira em que as letras de topo foram substituídas por escalões: 10.º escalão para licenciados e 9.º para bacharéis. Isto é, na expressão popular, em passagem de cavalo para burro, os usufrutuários da letra A regrediram para o 8.º e 7.º escalões, conforme eram possuidores ou não do antigo exame de estado.
Foi atingido por esta demagógica medida em que, segundo Eça, “em Portugal, boa madrinha, todos somos nobres, todos fazemos parte do Estado, e todos nos tratamos por Excelência”, uma personagem de grande humanismo, o Dr. Álvaro da Silveira, brilhantíssimo professor de Matemática da Escola Secundária José Falcão e ex-reitor do Liceu D. Duarte de Coimbra, que atingiu o limite de idade quando cumpria a via sacra que o levaria ao 10.º escalão. A sua data de aniversário interrompeu, porém, esse processo dando-lhe, para além da diminuição do vencimento de aposentação, o grande desgosto de se quedar no mesmo escalão que diplomados com o curso do antigo magistério primário ungidos pela graça de terem nascido escassos alguns dias depois dele.
Foram vitimados por esta gritante injustiça verdadeiros heróis, hoje recordados na homenagem promovida pela sua direcção, pelo seu contributo para que a Escola tenha sobrevivido a épocas conturbadas e continue na senda que lhe deu o justo destaque.
Nesta efeméride foram recordados 75 jubilosos anos de vida para que permaneçam bem vivos pois, como escreveu Ugo Belfi, e foi aqui recordado por Eugénio Lisboa, “as memórias são como as pedras: o tempo e a distância corroem-nas como ácido”.
Foram vitimados por esta gritante injustiça verdadeiros heróis, hoje recordados na homenagem promovida pela sua direcção, pelo seu contributo para que a Escola tenha sobrevivido a épocas conturbadas e continue na senda que lhe deu o justo destaque.
Nesta efeméride foram recordados 75 jubilosos anos de vida para que permaneçam bem vivos pois, como escreveu Ugo Belfi, e foi aqui recordado por Eugénio Lisboa, “as memórias são como as pedras: o tempo e a distância corroem-nas como ácido”.
Chamada para trabalhos de história da ciência luso-brasileira
Informação recebida do Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universiodade de Coimbra:
O Congresso Luso-Brasileiro da História das Ciências terá lugar em Coimbra de 26 a 29 de Outubro de 2011. Este congresso assinala os 100 anos da criação da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, que resultou da fusão das Faculdades de Filosofia e Matemática, criadas pela Reforma Pombalina.
O encontro visa dar a conhecer melhor a História da Ciência em Coimbra desde a edificação do primeiro colégio jesuíta em 1547, no tempo de D. João III, até 1933, quando começa o Estado Novo. O ensino das matemáticas e das ciências físicas e naturais conheceu um forte impulso com a Reforma Pombalina, em 1772, que rompeu com a neoescolástica e estabeleceu o ensino experimental. Nessa como nas noutras épocas a relação com o Brasil sempre foi forte. Será privilegiada no Congresso a História da Ciência relacionada com a Universidade de Coimbra bem como as relações luso-brasileiras.
Submissão de trabalhos:
· Os autores devem submeter um resumo da respectiva comunicação, com um máximo de 250 palavras, através do site easychair CLBHC-2011, até ao dia 31 de Março de 2011. A confirmação de aceitação de comunicações será feita até ao dia 30 de Maio de 2011.
· A submissão do texto completo para publicação no Livro de Actas do Congresso deve também ser feita através do mesmo site até ao dia 30 de Setembro de 2011.
Para mais informações consultar o endereço: http://www.uc.pt/congressos/clbhc
O SISTEMA PERIÓDICO - PRIMO LEVI
Informação recebida do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra:
O SISTEMA PERIÓDICO - PRIMO LEVI
apresentado por Sebastião Formosinho
Departamento de Química da FCTUC
3 de Março 18H00
Museu da Ciência da Universidade de Coimbra
Entrada livre
Em Março de 1975 é publicado originariamente O Sistema Periódico. Este livro é uma colecção de pequenas histórias, a maioria episódios da vida do seu autor, Primo Levi, mas também dois contos ficcionais que ele escreveu antes de ser enviado para Auschwitz, todos relacionados, de algum modo, com os elementos químicos.
À primeira vista, encontramo-nos perante a autobiografia de um químico articulada em vinte e um momentos, cada um relacionado com um elemento: o azoto, o carbono, o chumbo, o níquel e por aí em diante – vários encontros com a matéria ou, se quisermos, o relato da luta entre o homem empreendedor e o mundo que o rodeia feito através das pequenas histórias de um ofício.
Café, Livros e Ciência é um projecto de comunicação de ciência com o objectivo principal de promover a leitura de livros de ciência junto do público em geral. Este evento acontece num ambiente informal, onde o café acompanha os livros. Trata-se de uma parceria entre o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, o Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho e a Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro e acontece na primeira quinta-feira de cada mês num périplo por cada instituição parceira. Os eventos contam com uma cobertura multimédia que posteriormente será colocada no sítio internet de cada parceiro.
O SISTEMA PERIÓDICO - PRIMO LEVI
apresentado por Sebastião Formosinho
Departamento de Química da FCTUC
3 de Março 18H00
Museu da Ciência da Universidade de Coimbra
Entrada livre
Em Março de 1975 é publicado originariamente O Sistema Periódico. Este livro é uma colecção de pequenas histórias, a maioria episódios da vida do seu autor, Primo Levi, mas também dois contos ficcionais que ele escreveu antes de ser enviado para Auschwitz, todos relacionados, de algum modo, com os elementos químicos.
À primeira vista, encontramo-nos perante a autobiografia de um químico articulada em vinte e um momentos, cada um relacionado com um elemento: o azoto, o carbono, o chumbo, o níquel e por aí em diante – vários encontros com a matéria ou, se quisermos, o relato da luta entre o homem empreendedor e o mundo que o rodeia feito através das pequenas histórias de um ofício.
Café, Livros e Ciência é um projecto de comunicação de ciência com o objectivo principal de promover a leitura de livros de ciência junto do público em geral. Este evento acontece num ambiente informal, onde o café acompanha os livros. Trata-se de uma parceria entre o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, o Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho e a Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro e acontece na primeira quinta-feira de cada mês num périplo por cada instituição parceira. Os eventos contam com uma cobertura multimédia que posteriormente será colocada no sítio internet de cada parceiro.
A educação chinesa
Sobre o recente livro de uma mãe chinesa, recebemos este texto do professor Hélio Dias, que dirige a Estação Ciência da Universidade de S. Paulo, no Brasil:
Na década de 50, os Estados Unidos estavam mergulhados na Guerra Fria. Diante da ameaça russa, os homens construíam abrigos nucleares e as velhinhas procuravam comunistas embaixo da cama. De repente, desaba o seu mundo. Sobe um foguetaço russo levando o Sputnik. O primeiro satélite artificial desintegra a supremacia científica americana. Mas daquele país sempre vieram respostas decididas, como prêmios Nobel reescrevendo os livros de ciência (aliás, por aqui, ainda há quem não acredite em livros de qualidade). Logo foram à Lua.
Passam-se os tempos, a Rússia afunda. Mas surge uma nova assombração: a China. Faz um século, no país desmoralizado pelo ópio e pelo imperialismo, exércitos das grandes potências zanzavam em seu território, sem que houvessem sido convidados. Canhoneiras americanas patrulhavam o Rio Yangtzé. Vêm o comunismo, a Revolução Cultural e fomes medonhas. Nas últimas décadas, porém, o país se recompõe e, poupando 40% do PIB, cresce a taxas espantosas. Nos Estados Unidos, políticas financeiras levianas tornam o país dependente dos dinheiros chineses e a indústria americana está se mudando para lá.
Mas é ainda pior. O teste do Pisa tornou-se a olimpíada da educação mundial. Enquanto estava a Finlândia em primeiro lugar, vá lá, quem teme um minipaís que faz celulares? Mas decola um novo Sputnik: o campeão absoluto no último Pisa é a cidade de Xangai! Enquanto isso, os americanos amargam posições entre a 15ª e a 31ª (para registro: este ensaio estava pronto quando Obama falou de Sputnik).
Na cacofonia das perplexidades, vira best-seller um livro de Amy Chua (Battle Hymn of a Tiger Mother). Nele, tim-tim por tim-tim, essa professora sino-americana de direito (em Yale) conta como educou suas filhas, ao estilo chinês. Entre outras coisas, eram proibidas de participar de teatro, de atividades extracurriculares, de ver TV ou jogar no computador, de tirar qualquer nota que não fosse A, de obter qualquer colocação que não fosse o primeiro lugar e de tocar qualquer coisa que não fosse piano ou violino (e por duas ou três horas de prática diária). Filhos estressados? Enquanto 70% das mães ocidentais temem as pressões sobre os filhos, 0% das chinesas se preocupa com isso. Se os filhos não se saem bem, é vergonha para os pais. Para evitarem a desonra, gastam dez vezes mais tempo ajudando os filhos nos deveres - em comparação com as mães ocidentais.
Para os orientais, nada é divertido ou agradável, até que seja totalmente dominado. Portanto, não se pergunta à criança se quer estudar, praticar ou se gosta do que está fazendo. É crença deles, gosto se adquire na prática obsessiva e do sucesso que vem dela. Se malandrava ou tirava notas ruins, Chua era chamada pela mãe de "lixo". A vergonha foi um santo remédio e não deixou cicatrizes na personalidade. Se a nota foi menos que A, só pode ser por vadiagem, pois se toma como certo que o filho pode obter os resultados esperados. Daí as inevitáveis explosões de fúria paternal, sem as preocupações ocidentais de traumatizar as crianças.
De camarote, assistimos às dúvidas da família americana. Como enfrentará o Sputnik chinês? De um lado, o medo psicanalítico dos traumas. De outro, os sucessos da linha dura, estilo chinês. Mas e nós, ainda mais condescendentes com nossos delicados pimpolhos? Até que uma pitadinha de mãe chinesa não seria má ideia. Com plena tranquilidade de que jamais veremos tais exageros implantados pelos nossos pais molengões, vejamos algumas boas ideias.
Cabe aos pais ter uma participação muito ativa na educação dos filhos, gastar bom tempo nesses misteres, bem como ter expectativas ambiciosas e frequentemente comunicadas. Cabe cobrar e ser avaro nos perdões instantâneos, mas, também, louvar os sucessos. Ter peninha da pobre criança que não tem vontade de estudar é trocar o conforto emocional de hoje pelo futuro do filho (mais fácil dizer do que fazer!). É errado acreditar que a educação deve ser sempre leve e divertida. Fica assim, depois que se toma o gostinho de lidar com assuntos entendidos. Antes, é suor. A melhor maneira de adquirir confiança em si é aprender o que antes parecia impossível. O papel dos pais é fazer com que isso aconteça, por árduo que seja.
Hélio Dias
Site: www.drheliodias.com
Educação de tigresa
Uma professora de Direito de Yale, de nome Amy Chua (na foto ao lado, do New York Times e reproduzida no Público) deu à estampa recentemente um livro que tem por título Battle Hymn of the Tiger Mother, onde explica em pormenor os métodos que os pais usaram para a educar e que ela, como mãe, usa para educar as suas cinco filhas.
Isto não seria tema de conversa não fosse o caso de a sua ascendência chinesa a ter inclinado para métodos educativos que os ocidentais "bem pensantes" há muito catalogaram como perversos.
Dois dos lemas mais fortes do Século da Criança foram: Nada de imposição de regras nem de castigos, pois as crianças estão direccionadas para o Bem e todas as situações educativas se resolvem com diálogo e argumentação; e nada de repetição nem de esforço, pois as crianças são intuitivas e criativas.
.
Ora, é a isso mesmo a que a dita senhora não dá muito crédito e... a América estranhou. Em sequência, como é habitual neste tipo de assuntos, uns defendem-na e outros acusam-na aberta e entusiasticamente.
.
Quer nos inclinemos, por lá ou por cá, para um lado ou para o outro, estou com a dita senhora quando ela diz: "Acho óptimo que exista uma conversa nacional sobre isso. Parece uma conversa que precisava de acontecer. Sinto que [o livro] ganhou vida própria."
.
Vale a pena ler a entrevista que o Público lhe fez ( aqui ).
Isto não seria tema de conversa não fosse o caso de a sua ascendência chinesa a ter inclinado para métodos educativos que os ocidentais "bem pensantes" há muito catalogaram como perversos.
Dois dos lemas mais fortes do Século da Criança foram: Nada de imposição de regras nem de castigos, pois as crianças estão direccionadas para o Bem e todas as situações educativas se resolvem com diálogo e argumentação; e nada de repetição nem de esforço, pois as crianças são intuitivas e criativas.
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Ora, é a isso mesmo a que a dita senhora não dá muito crédito e... a América estranhou. Em sequência, como é habitual neste tipo de assuntos, uns defendem-na e outros acusam-na aberta e entusiasticamente.
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Quer nos inclinemos, por lá ou por cá, para um lado ou para o outro, estou com a dita senhora quando ela diz: "Acho óptimo que exista uma conversa nacional sobre isso. Parece uma conversa que precisava de acontecer. Sinto que [o livro] ganhou vida própria."
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Vale a pena ler a entrevista que o Público lhe fez ( aqui ).
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Fim do mundo: Mito ou verdade?
Um aluno de Área de Projecto do ensino secundário Luís Almeida) fez-me uma entrevista para um seu trabalho intitulado "Mito ou verdade". Partilho-as aqui (também está no blogue do entrevistador: "Mitouverdade"):
P- O alinhamento do Sol no Solstício de Inverno de 2012 com o centro da Via Láctea, no Equador galáctico, apenas acontece uma vez a cada 26 000 anos e coincide com o fim do calendário de contagem longa dos maias. Sabe-se que no centro da Galáxia existe um buraco negro supermassivo. Baseados em Einstein e em alguma informação astronómica, há quem diga que o alinhamento com este buraco negro super massivo levará a uma mudança do campo magnético terrestre, o que levará a tsunamis, vulcões, terramotos, etc. Isto é possível ou trata-se de um simples mito?
R- Trata-se de um simples mito. Provavelmente há um grande buraco negro no centro da Galáxia, mas a história dos maias e do alinhamento não faz sentido nenhum.
P- A previsão feita por vários astrofísicos de que em 2012 a actividade solar vai atingir um ponto muito elevado (tornando-se numa catástrofe para a Terra e os outros planetas visto que existem ciclos solares e que entre 28 de Outubro e 4 de Novembro de 2003, ocorreram algumas das maiores explosões solares já registadas completando assim o ciclo de 11 anos em 2012) é uma previsão viável?
R- Sempre houve ciclos de actividade do Sol. Nunca houve no passado registos de catástrofes como alguns agora anunciam.
P- Os cientistas encontraram grandes buracos no campo magnético da Terra, que se relacionam com a inversão dos polos Norte e Sul. Os geofísicos sabem que, de tempos em tempos, as polaridades se invertem e que a mais recente inversão ocorreu há 700 mil anos. A Terra ficará parada durante 2 ou 3 dias e recomeçará a girar no sentido oposto dando-se uma reversão total do campo magnético, que consequências drásticas puderam surtir deste acontecimento?
R- É verdade que houve, no passado, inversões do campo magnético terrestre. Como é um fenómeno irregular não se consegue prever (está relacionado com o comportamento caótico do dínamo terrestre). Pouco se sabe sobre o modo como se dá essa inversão de polaridade.
P- A alteração geomagnética ou impulso electromagnético levaria à inutilização de todos os equipamentos electrónicos?
R- Julgo que não atendendo a que o campo magnético terrestre não iria aumentar.
P- Acha que uma nova era glaciar poderá estar relacionada com este fenómeno?
R- Acho que não, não estou a ver o nexo causal.
P- No século XVI, Nostradamus escreveu: “No ano 1999, sétimo mês / Do céu virá o grande rei do terror”… Foi precisamente no mês de Agosto (7º mês do Calendário Juliano, o calendário utilizado no tempo de Nostradamus) no dia 11, que se deu o eclipse total do sol. Como se explica que Nostradamus tenha conseguido fazer esta previsão? Acha que foi mera coincidência?
R- As profecias de Nostradamus são apenas algumas de muitas que são feitas. Estão, em geral, erradas. Quando acertam (por vezes, forçando a interpretação pois a previsão foi demasiado vaga), é por mera coincidência. Sim, há coincidências. Diz-se tanta coisa que alguma coisa do que se diz acaba por estar certa.
P- Muitos amantes da temática do “fim do mundo”, muito possivelmente inspirando-se nos filmes de ficção cientifica, afirmam que a única alternativa ao fim do mundo (em 2012) é a fuga para o espaço numa espécie de “naves cruzeiro”. Acha que isso vai ser possível em 2012? Aconselha as pessoas a fazê-lo? Acha que o ser humano conseguiria aguentar durante muito tempo nestas “naves cruzeiro”?
R- Os filmes de ficção científica, são isso mesmo: ficção. Também vi um filme recente sobre esse tema, mas era muito mau... E muito pouco verosímil. Não vai ser nem possível nem necessária uma "fuga" dessas em 2012. Não aconselho, por isso, as pessoas a tentá-la. Acho que o ser humano "não conseguiria aguentar" muito tempo em naves desse tipo.
P- Como sabe há 65 milhões de anos deu-se a extinção dos dinossauros e na prática deu-se um fim do mundo (pelo menos a alteração deste). Acha que isso é possível com os seres humanos a curto prazo? Porquê?
R- Chamar fim do mundo ao fim dos dinossauros é um bocadinho exagerado. Sim, não é impossível que um meteorito colida com a Terra e torne a vida humana aqui difícil ou mesmo impraticável: mas é muito pouco provável. De resto, o homem tem hoje meios de causar ele próprio uma catástrofe no seu planeta. Esperemos que tenha a sensatez de não o fazer.
P- Como vai passar o dia 21 de Dezembro de 2012? Vai ficar com algum tipo de receio? Vai tomar algum tipo de precauções?
R- Normalmente, como outro dia qualquer. Não vou ter nenhum receio. Não vou tomar nenhumas precauções.
Esteiros
Anúncio recebido da Imprensa da Universidade de Coimbra:
Incluída no ciclo de tertúlias (com organização de Ana Paula Arnaut) sobre as obras eleitas no âmbito do projecto “Dez Paixões em Forma de Romance” (uma parceria Imporensa da Universidade- Centro de Literatura Portuguesa -Biblioteca Geral) realiza-se uma tertúlia sobre a obra Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, que terá lugar no próximo dia 2 de Março (4.ª feira), pelas 18h00, no Museu Nacional de Machado de Castro, contando com a presença de António Apolinário Lourenço e de Carlos Fiolhais. A entrada é livre.
Clicar para ver cartaz.
MARIA DE SOUSA AO JL
Maria de Sousa, a bióloga que ganhou o Prémio Universidade de Coimbra 2011, declarou numa recente entrevista ao JL (a Maria Leonor Nunes e Luís Ricardo Duarte):
"JL- A Ciência não está separada da Literatura?
MA- Nem pode estar. Se temos uma aproximação ao mundo com alguma profunsdidade e sensibiklidade, sabe-se que o que vai durar são as palavras. E quem faz ciência, sabe que o quie faz é transitório. E há alguma sede de perdurar. Só se sabe o que não se sabe. Vai-se sabendo algumas coisas, mas podem durar ou não. Mas uma coisa que escrevemos fica.
(...) JL- A poesia pode "inspirar" a ciência?
MS- A melhor ciência é aquela que se aproxima da poesia.
JL- Em que sentido?
MS- Faz-se investigação para saber, por exemplo, por que razão o vinho está no copo, pequenas coisas que vão constituindo o edifício do conhecimento. E, de repente, chega um tipo como Einstein, que muda o mundo pela sua percepção de uma coisa. É uma criatividade tão forte que se aproximna de um ato poético. Aí fica como uma palavra, como um verso de Shakespeare."
Fomento de vocações científicas
Excerto do meu livro "A Ciência em Portugal", saído há pouco na Fundação Francisco Manuel dos Santos, na colecção "Ensaios da Fundação" e que se encontra à venda, entre outros sítios, na cadeia de supermercados Pingo Doce:
Uma sociedade desenvolvida necessita de atrair para a ciência e tecnologias alunos em quantidade e qualidade suficientes. Isso pressupõe o fomento de vocações científicas, o que significa não só vocações para a criação da ciência mas também para a aplicação da ciência na vida prática.
Tem-se assistido em todo o mundo a um declínio do número de jovens que procuram cursos e carreiras de ciência e tecnologia, no sentido estrito, em favor da procura de cursos de ciências sociais e outros. E o problema atinge-nos também. Precisamos de mais cientistas e engenheiros, se compararmos os nossos índices dessas profissões com os índices dos países mais desenvolvidos da Europa, a que pertencemos. Toda a Europa, para se desenvolver rumo à “economia mais desenvolvida do mundo” (um objectivo da chamada Estratégia de Lisboa do ano 2000, cuja concretização ficou bastante aquém do previsto) necessita de mais pessoas com formação em ciência e tecnologia.
Como superar este evidente desfasamento entre oferta de jovens e procura pela sociedade e pelo mercado? Por que é que os jovens se afastam, pode mesmo dizer-se, se auto-excluem, da ciência e da tecnologia? As causas são várias, mas entroncam no distanciamento entre ciência e sociedade. Se é verdade que a ciência é impulsionadora do progresso social, proporcionando aos cidadãos níveis de conforto inalcançáveis sem o seu concurso (em múltiplos sectores: na saúde, alimentação, habitação, transportes, comunicações, lazer, etc.), não é menos certo que parte importante da sociedade receia a ciência, chegando mesmo nalguns casos extremos a recusá-la liminarmente. A ciência, depois dos desastres de Bhopal e Chernobyl (para não falar de outros mais recentes, como o derrame petrolífero no Golfo do México), está associada a perigos, não se encontrando interiorizada a noção de que o risco é inerente a qualquer actividade humana e que a própria ciência, mais e melhor do que ninguém, poderá prever, evitar e diminuir os riscos.
Por outro lado, as duas ciências mais básicas – a matemática e a física – apresentam dificuldades intrínsecas de aprendizagem. As duas estão relacionadas de perto e sua aprendizagem exige um processo gradual e sem hiatos.
Em Portugal, onde o fenómeno mundial da fuga da ciência chegou com algum atraso, a recente queda demográfica no ensino superior não ajuda. Havendo menos jovens, haverá também menos candidatos a cursos de ciência e tecnologia. E, além disso, somos vítimas do deficiente rendimento dos estudos de ciência a nível do nosso básico e do secundário. Os exames do final do secundário revelam, como vimos, terríveis insuficiências na preparação da maioria dos jovens nas disciplinas científicas de base.
Que podem as escolas de ensino superior e o Governo fazer? Pois podem multiplicar e melhorar as acções de marketing das ciências, que em muitos locais já têm sido promovidas. Nesse aspecto os projectos e as colaborações entre as escolas do ensino básico e secundário e as escolas do ensino superior são decisivas. Palestras dos cientistas nas próprias escolas ou em centros e museus de ciência são úteis para aproximar os jovens das ciências e motivá-los para o seu estudo. As acções dos alunos, organizados em associações juvenis (incluindo os clubes de ciência nas escolas), podem também contribuir. Os Dias Abertos das Universidades e, em geral, de institutos e laboratórios de investigação são igualmente positivos. As actividades de Verão, como o programa Ciência Viva nas Férias ou as Universidades de Verão, são também benéficas por aproximarem jovens pré-universitários das instituições do ensino superior. A iniciativa Despertar para a Ciência, da responsabilidade da FCT, com o apoio da Fundação Gulbenkian, foi igualmente meritória ao motivar para a ciência jovens em várias regiões do país (nomeadamente nas universidades de Lisboa, Porto, Coimbra, Faro e regiões autónomas).
Todos estes são meios mais ou menos informais. Mas há também, na escola, que melhorar o ensino das ciências para atrair os jovens. Como se deve dar o despertar para a ciência nas crianças e nos jovens? A maneira mais eficaz parece ser através de actividades experimentais proporcionadas o mais cedo possível. A ciência é, ao fim e ao cabo, o conhecimento do mundo e, para conhecer o mundo, é preciso agarrar, mexer, experimentar. É isso precisamente que uma criança faz a partir do momento que nasce: agarra, mexe, experimenta, para conhecer o mundo onde entrou há pouco tempo.
De facto, a curiosidade é a mola que propulsiona a descoberta. E uma criança nasce “equipada” com uma curiosidade natural. Antes de experimentar, devem ser colocadas interrogações: Como é? Por que é? As respostas só poderão ser encontradas depois de fazer, ver e pensar. E, encontradas algumas respostas, fica-se pronto para enfrentar novas interrogações.
Uma criança que desperte para a ciência não tem necessariamente de ser um cientista ou um tecnólogo. Ao crescer, tornar-se-á num cidadão mais informado e consciente a respeito do mundo que o rodeia, qualquer que seja o ramo de actividade pelo qual enverede. Será uma pessoa não facilmente enganável, uma pessoa mais apta a escolher perante as várias opções que a vida constantemente lhe coloca. Uma criança que desperte para a ciência, mesmo que não venha a exercer uma profissão científica ou técnica, fará ideia do que é a ciência e a tecnologia. E perceberá que não é preciso ter uma grande cabeleira como Einstein para se ser cientista, mas que este tem, na esmagadora maioria dos casos, um aspecto absolutamente normal.
Será que nos nossos jardins-escolas e nas nossas escolas do primeiro ciclo do ensino básico se desperta para a ciência? Infelizmente, e apesar de alguns bons exemplos, tal não se dá ainda na medida desejável. No ensino básico, a ciência, que se chama “estudo do meio” (sic), não tem o devido relevo e, no ensino pré-escolar, a ciência quase não existe. A experimentação, que deveria ser o caminho para que os alunos passassem a ver a ciência como a compreensão do mundo em que vivem, está ainda em falta. Há razões para recear que os nossos alunos estejam a fugir da ciência por não terem tido contacto com ela na idade adequada. Fogem mas nem sabem bem de quê e porque nem sequer sabem o que é.
A comparação com países mais desenvolvidos devia iluminar-nos sobre as mudanças que urge realizar. Por exemplo, o currículo do ensino básico na Grã-Bretanha prescreve os conhecimentos científicos a alcançar e as capacidades a atingir em cada patamar da escolaridade mais baixa. A experimentação científica é promovida de um modo efectivo, recomendando-se a colocação de perguntas e a procura de respostas a elas. Em contraste, o currículo português, em vez de apregoar objectivos concretos e meios concretos de os alcançar, está envolto num incompreensível jargão pedagógico (que já foi sugestivamente baptizado de “eduquês”).
O problema português da educação científica reside em grande parte na formação dos professores dos primeiros níveis de ensino. Com efeito, acontece que a maior parte dos nossos professores do pré-escolar ou da escola básica, nos seus três ciclos, não despertaram eles próprios para a ciência suficientemente cedo. Não tratam a ciência por “tu”, pelo que não podem fazer com que os alunos a tratem desse modo… O nosso défice no ensino das ciências só pode ser enfrentado se houver boa formação de professores do ensino básico. Um investimento desse tipo deve ser feito nesse nível de ensino e no pré-escolar, o que pode ser realizado com materiais simples e baratos. De pequenino que se torce o pepino? Não, de pequenino é que se torce o destino!
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
A maior colecção de mapas antigos
Com a devida vénia, publicamos o artigo de Diogo Passos (com Jorge Campos e Félix Ribeiro) , saído hoje em "A Cabra", jornal universitário de Coimbra (na figura versão de 1570, no atlas de Ortelius, do mapa de Álvares Seco):
O primeiro sinal de interesse demonstrado na coleção remonta a 2003, ano em que foram depositados cerca de mil artigos da coleção privada de Nabais Conde na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC). Numa primeira instância, os mapas rumaram à biblioteca com a finalidade de serem catalogados e digitalizados, mas acabaram por, mais tarde, ser adquiridos pela UC.
No início de fevereiro, a BGUC completou a coleção adquirindo os últimos artigos a Nabais Conde, intitulando o acervo com o nome do anterior detentor, professor na UC. A compra financiada pela reitoria foi, nas palavras de Carlos Fiolhais, diretor da BGUC, “uma adição extraordinária” ao arquivo já depositado.
Dos muitos artigos que compõem esta coleção, salienta-se aquele que é conhecido como o primeiro mapa de Portugal cuja impressão data de 1561. Desenhado por Fernando Álvaro -ou Álvares - Secco, este mapa apresenta diversas particularidades como, por exemplo, o facto de Portugal se apresentar na horizontal. Na opinião de Fernanda Cravidão, coordenadora e investigadora do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), “há várias explicações e não se sabe ao certo porque é que está assim”. Fernanda Cravidão justifica as “imprecisões” evocando a escala inscrita no mapa, o que reflete “o desconhecimento do território”. Uma outra particularidade é o facto de não estar uma rosa-dosventos inscrita, o que segundo a geógrafa justifica a “desorientação” do mapa. Todavia a coordenadora do CEGOT crê que, numa altura em que as impressões e os desenhos eram feitos de uma forma incipiente. Os “defeitos do mapa são relativos”, uma vez que os mapas têm que ser “contextualizados” no tempo. Assim, a obra de Álvares Secco constitui-se como o “mapa possível” para altura.
Um astrofísico virado para a cartografia Nabais Conde, investigador físico da UC, acredita que as pessoas desenvolvem outros interesses para além das suas profissões. Por esse motivo, e também por ter chegado à conclusão que um dos problemas que ainda não estava resolvido era a falta de “um conjunto de mapas antigos de Portugal” no nosso país, Nabais Conde dedicou 25 anos da sua vida a este seu “hobbie”. O medo de que a coleção se pudesse “dispersar” foi razão suficiente para a ceder à “sua” universidade. Apesar dos atuais cortes orçamentais para o ensino superior, o astrofísico acredita que esta aquisição era “uma oportunidade única” e que é tudo uma “questão de prioridades”.
Esta opinião converge com a posição de Carlos Fiolhais pois, como o próprio afirma, encontrou-se uma boa “relação custo-benefício”. Os mapas serão expostos “em breve”. Relativamente ao mapa de Álvares Secco, adquirido por Nabais Conde na casa de leilões Sothebys em Londres, o diretor-adjunto da BGUC António Maia Amaral explica que o mapa original se perdeu, mas como foi “tão apreciado” na capital italiana acabou por ser copiado para uma tábua de cobre, para posterior impressão. Não se pode precisar quantos mapas terão sido impressos na altura. No entanto, segundo Carlos Fiolhais, não haverá “mais de vinte exemplares” em todo o mundo. O exemplar adquirido pela BGUC assume-se, portanto, como o “único completo em Portugal”, uma vez que o exemplar que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal está “cortado”.
O diretor da BGUC afirmou que parte da coleção será exposta “muito em breve”, na Biblioteca Joanina da UC.
Inteligência Artificial: desejos, promessas e realidades
Informação recebida do Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, em Coimbra:
Inteligência Artificial: desejos, promessas e realidades
Ernesto Costa - Universidade de Coimbra
6ª feira, 25 de Fevereiro
Início: 21:15
Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho
Rés-do-chão, Departamento de Física
Desde sempre o Homem foi um construtor de artefactos, procurando através deles superar as suas limitações e amplificar as suas capacidades. Quando, em meados do século passado, surgiu esse objecto novo que designamos por computador, muitos foram os que viram finalmente a possibilidade do Homem se superar naquilo que mais o distingue dos outros seres vivos: a inteligência. Foi em Agosto de 1956 que 10 investigadores se juntaram, pela primeira vez, para discutir a possibilidade da existência de máquinas inteligentes, de uma Inteligência Artificial (IA). Hoje, 55 anos depois do seu0 aparecimento, que balanço podemos fazer? Nesta palestra, destinada a uma público genérico, pretende-se confrontar os desejos e as promessas, com a realidade. Começando pela interrogação filosófica sobre a possibilidade de uma IA. Dar-se-á conta que, afinal, não existe uma IA mas sim várias, e que a história deste novo domínio interdisciplinar, onde se cruzam as áreas da computação, da cognição, das neurociências e da biologia, é um pouco a história do confronto entre várias localizações num espaço multidimensional (simbólicas, conexionistas, de inspiração biológica), umas mais fundamentalistas,outras mais dialogantes e propondo soluções híbridas. No meio da pluralidade de opções ilustradas em exemplos simples, é mostrado o denominador comum, centrado no conceito de agente. Através de exemplos do nosso quotidiano, de como hoje convivemos (dependemos?), de soluções inteligentes para a nossa sobrevivência, levantar-se-ão questões, de modo breve, acerca dos caminhos dos diferentes futuros possíveis, na certeza de que a melhor maneira de prever o futuro é construí-lo.
Sobre o autor:
Ernesto Costa é membro do Departamento de Engenharia Informática, da Universidade de Coimbra. É co-fundador do Centro de Informática e Sistemas da UC (CISUC) e fundador do Grupo de Inteligência Artificial, que presidiu até 2003, ano em que fundou o grupo de Sistemas Complexos e Evolutivos, integrado no CISUC. Actualmente faz investigação em computação de inspiração biológica, tendo recebido vários prémios internacionais nesta nova área e organizado diversos eventos internacionais.
Com larga produção científica, já granjeou prémios para as suas publicações: recebendo em 2009 EvoStar Award for Outstanding Contributions to the Field of Evolutionary Computation. O seu livro Inteligência Artificial, em co-autoria com Anabela Simões, já mereceu uma segunda edição em 2008.
Inteligência Artificial: desejos, promessas e realidades
Ernesto Costa - Universidade de Coimbra
6ª feira, 25 de Fevereiro
Início: 21:15
Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho
Rés-do-chão, Departamento de Física
Desde sempre o Homem foi um construtor de artefactos, procurando através deles superar as suas limitações e amplificar as suas capacidades. Quando, em meados do século passado, surgiu esse objecto novo que designamos por computador, muitos foram os que viram finalmente a possibilidade do Homem se superar naquilo que mais o distingue dos outros seres vivos: a inteligência. Foi em Agosto de 1956 que 10 investigadores se juntaram, pela primeira vez, para discutir a possibilidade da existência de máquinas inteligentes, de uma Inteligência Artificial (IA). Hoje, 55 anos depois do seu0 aparecimento, que balanço podemos fazer? Nesta palestra, destinada a uma público genérico, pretende-se confrontar os desejos e as promessas, com a realidade. Começando pela interrogação filosófica sobre a possibilidade de uma IA. Dar-se-á conta que, afinal, não existe uma IA mas sim várias, e que a história deste novo domínio interdisciplinar, onde se cruzam as áreas da computação, da cognição, das neurociências e da biologia, é um pouco a história do confronto entre várias localizações num espaço multidimensional (simbólicas, conexionistas, de inspiração biológica), umas mais fundamentalistas,outras mais dialogantes e propondo soluções híbridas. No meio da pluralidade de opções ilustradas em exemplos simples, é mostrado o denominador comum, centrado no conceito de agente. Através de exemplos do nosso quotidiano, de como hoje convivemos (dependemos?), de soluções inteligentes para a nossa sobrevivência, levantar-se-ão questões, de modo breve, acerca dos caminhos dos diferentes futuros possíveis, na certeza de que a melhor maneira de prever o futuro é construí-lo.
Sobre o autor:
Ernesto Costa é membro do Departamento de Engenharia Informática, da Universidade de Coimbra. É co-fundador do Centro de Informática e Sistemas da UC (CISUC) e fundador do Grupo de Inteligência Artificial, que presidiu até 2003, ano em que fundou o grupo de Sistemas Complexos e Evolutivos, integrado no CISUC. Actualmente faz investigação em computação de inspiração biológica, tendo recebido vários prémios internacionais nesta nova área e organizado diversos eventos internacionais.
Com larga produção científica, já granjeou prémios para as suas publicações: recebendo em 2009 EvoStar Award for Outstanding Contributions to the Field of Evolutionary Computation. O seu livro Inteligência Artificial, em co-autoria com Anabela Simões, já mereceu uma segunda edição em 2008.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Justiça pela Internet
Um dia, o doutor Joaquim de Carvalho, um dos grandes professores da Universidade de Coimbra, no século XX, e um dos grandes investigadores da nossa cultura, interrompeu uma aula e disse: "Meus senhores, peço-vos desculpa mas não me sinto bem, vou ter que terminar aqui a lição". Sabendo-o já muito doente, os alunos saíram com ele da sala e não o deixaram ir sozinho, acompanharam-no até casa, junto à Sé Velha; todos.
Este episódio de carinhoso respeito e admiração pelo mestre, pouco antes da sua morte, em 1958, foi-me contado por um dos que o viveu, o meu amigo José Manuel Mota de Sousa, e veio-me à memória a propósito de uma notícia publicada no diário As Beiras, de uns alunos que, na Faculdade de Letras, esperaram na sala de exame pelo professor, que, por engano (dele ou da Secretaria?) estava à espera deles noutra sala. É uma descoordenação algo caricata, mas que pode acontecer. O facto não valia a notícia, se não fora a delação, e portanto acabou por valer como caso exemplar de uma certa gente.
Uma das coisas que mais entristece é ver como se criou uma espécie de impudor em relação a certas atitudes, e como à custa de uns direitos algo tortos se arvora em justiceiro qualquer Zé-ninguém e todo o bicho-careta vende a alma por dez reis. As televisões estão cheias disto. E no «direito à indignação», de que muitos gostam de abusar, sobretudo se estiver por perto a televisão, há quem não respeite nada e goste de fazer disso espetáculo.
Ora, é importante para todos nós, enquanto pessoas e comunidade, que o que merece respeito seja respeitado. Parece claro que os irrespeitosos não o fazem por mal, mas por estupidez, falta-lhes dimensão, não vêem para lá da própria tacanhez. O que até tira importância à coisa. Mas, mesmo que seja relativa - tem a desimportância de quem não tem importância nenhuma – não deixa de ser um tóxico moral que nos incomoda e desmoraliza.
Ainda seria tolerável se se tratasse de um professor sem nível intelectual ou moral, ou useiro e vezeiro nestas coisas, ou se fosse pessoa prepotente e injusta. Mas não. Na edição “on line” do jornal, um aluno, comentando a notícia, diz que o referido professor é «das pessoas mais cultas e sensíveis com o qual tive o prazer de trabalhar». Outro, afirma: «Foi meu professor e considero-o extremamente humano e culto». E ainda outro: «Grande Professor e Grande Ser Humano. Todas as suas qualidades, morais e profissionais estão acima de qualquer suspeita ou insinuação». E todos criticam os que, por um motivo daqueles, foram denunciar o caso.
Tristes tempos em que um professor, de grande cultura, humanidade e elevado profissionalismo fica sujeito à acusação pública por uma pequena falha de que não se chega a saber se foi culpado. Belos tempos, por outro lado, onde um conjunto de alunos vem defendê-lo em nome de qualidades muito mais importantes, aquelas que de facto interessam num professor: cultura, competência e honestidade. Em todo o caso, e à portuguesa, do que gostamos mesmo e de tapar as qualidades e mostrar os defeitos, como pedintes mostrando as chagas a quem passa.
Valeu-nos neste caso a Santa Internet para fazer justiça.
João Boavida
Este episódio de carinhoso respeito e admiração pelo mestre, pouco antes da sua morte, em 1958, foi-me contado por um dos que o viveu, o meu amigo José Manuel Mota de Sousa, e veio-me à memória a propósito de uma notícia publicada no diário As Beiras, de uns alunos que, na Faculdade de Letras, esperaram na sala de exame pelo professor, que, por engano (dele ou da Secretaria?) estava à espera deles noutra sala. É uma descoordenação algo caricata, mas que pode acontecer. O facto não valia a notícia, se não fora a delação, e portanto acabou por valer como caso exemplar de uma certa gente.
Uma das coisas que mais entristece é ver como se criou uma espécie de impudor em relação a certas atitudes, e como à custa de uns direitos algo tortos se arvora em justiceiro qualquer Zé-ninguém e todo o bicho-careta vende a alma por dez reis. As televisões estão cheias disto. E no «direito à indignação», de que muitos gostam de abusar, sobretudo se estiver por perto a televisão, há quem não respeite nada e goste de fazer disso espetáculo.
Ora, é importante para todos nós, enquanto pessoas e comunidade, que o que merece respeito seja respeitado. Parece claro que os irrespeitosos não o fazem por mal, mas por estupidez, falta-lhes dimensão, não vêem para lá da própria tacanhez. O que até tira importância à coisa. Mas, mesmo que seja relativa - tem a desimportância de quem não tem importância nenhuma – não deixa de ser um tóxico moral que nos incomoda e desmoraliza.
Ainda seria tolerável se se tratasse de um professor sem nível intelectual ou moral, ou useiro e vezeiro nestas coisas, ou se fosse pessoa prepotente e injusta. Mas não. Na edição “on line” do jornal, um aluno, comentando a notícia, diz que o referido professor é «das pessoas mais cultas e sensíveis com o qual tive o prazer de trabalhar». Outro, afirma: «Foi meu professor e considero-o extremamente humano e culto». E ainda outro: «Grande Professor e Grande Ser Humano. Todas as suas qualidades, morais e profissionais estão acima de qualquer suspeita ou insinuação». E todos criticam os que, por um motivo daqueles, foram denunciar o caso.
Tristes tempos em que um professor, de grande cultura, humanidade e elevado profissionalismo fica sujeito à acusação pública por uma pequena falha de que não se chega a saber se foi culpado. Belos tempos, por outro lado, onde um conjunto de alunos vem defendê-lo em nome de qualidades muito mais importantes, aquelas que de facto interessam num professor: cultura, competência e honestidade. Em todo o caso, e à portuguesa, do que gostamos mesmo e de tapar as qualidades e mostrar os defeitos, como pedintes mostrando as chagas a quem passa.
Valeu-nos neste caso a Santa Internet para fazer justiça.
João Boavida
O BESOURO E A PALMEIRA
A minha crónica semanal no "Diário de Coimbra".
Esta é uma história que acaba em Coimbra.
Um viajante biólogo galáctico que passasse pela terra há cerca de 145,5 milhões de anos atrás (início do Cretácio) observaria uma enorme diversidade de dinossauros, compaginando em florestas de fetos, cavalinhas, cicadáceas e algumas coníferas, etc., com pequenos mamíferos, tartarugas, répteis, crocodilos e insectos como os besouros (coleópteros), entre muitos outros seres vivos.
Se o viajante regressasse à Terra cerca de 80 milhões de anos depois (fim do Cretácio superior), há cerca de 65,5 milhões de anos atrás, ficaria surpreendido com uma profunda alteração na biosfera: uma perda de 60% na biodiversidade, indicando que os ecossistemas do planeta teriam passado por momentos de dramática e súbita mudança – o evento KT.
Contudo, a sensação de perda seria rapidamente substituída pela de maravilhamento por encontrar um planeta paradisíaco, revestido por uma flora tropical com inúmeras e novas espécies de plantas com flores (angiospérmicas), como as magnólias, cerejeiras, araucárias, faias, figueiras, palmeiras, entre outras famílias de arbustos e arvores florescentes, uniformemente distribuídas pelo planeta.
Seria recebido por um planeta renovado e florido, refeito de um luto aparentemente inacabável e pesaroso!
Sentiria um clima tropical global, com uma temperatura média cerca de quatro graus superior à dos nossos dias. Espantosamente, o viajante conseguiria encontrar, por exemplo, palmeiras distribuídas desde o equador a latitudes hoje ocupadas pela Gronelândia!
Para além de novas espécies de animais mamíferos e placentários, observaria revoadas de novas espécies de pássaros e enxames de novos insectos como borboletas e abelhas a participar co-evolutivamente na selecção de cores e padrões florais.
Verificaria que alguns mamíferos pequenos não se tinham extinguido, mas sim evoluído, assim como inúmeros representantes de grupos de insectos como as moscas e besouros resistentes e já conhecidos desde a última visita.
Se o imaginário viajante biólogo tivesse visitado na semana passada o terceiro planeta a contar do Sol, teria ficado com certeza muito admirado pela biodiversidade nos ecossistemas que nos últimos 60 milhões anos matizaram a biosfera da Terra.
E, num recanto tropical no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, o viajante observaria que uma palmeira da espécie Phoenix sylvestris (originária do sul do Paquistão, Índia e Bangladesh) estava a ser abatida por um espécimen do Homo sapiens especializado no abate arborícola, sob as ordens das autoridades responsáveis.
Exemplar único neste Jardim Botânico e talvez mesmo em Portugal, a palmeira, com cerca de 12 metros de altura e 78 anos de idade, foi declarada infectada por um escaravelho vermelho, coleóptero da espécie Rhynchophorus ferrugineus, originário da Ásia.
Este besouro, com aspecto de tâmara, tem vindo a globalizar-se alastrando a sua presença para África e Europa - terá chegado ao mediterrâneo europeu por volta de 1980.
Hospedeiro de palmeiras não participa na polinização das suas flores. Muito pelo contrário, durante a fase larvar do seu ciclo de vida, depois de ter eclodido dos ovos depositados na base da coroa da palmeira, alimenta-se de folhas novas e tenras, escava buracos com 1 metro de comprimento no tronco o que danifica tecidos internos vitais para a planta, soçobrando a morte da mesma.
Para informação do turista galáctico, as outras espécies de palmeiras do Recanto Tropical do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, recordação viva de alguma vegetação do final do período Cretácico, irão ser alvo de tratamento de prevenção anti-escaravelho-vermelho, evitando assim um mesmo fim precoce: cinzas.
António Piedade
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