sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ensino Oficial, Ensino Convencionado e Ensino Privado


“Os locais mais sombrios do inferno estão reservados para aqueles que mantêm a neutralidade em tempos de crise” (Dante Alighieri, 1265-1321).

Perante a apatia, que eu quase diria generalizada, das escolas secundárias estatais confrontadas com a acção concertada do ensino privado com contrato de associação, estão grande número daquelas escolas do país transformadas em verdadeiros elefantes brancos com instalações quase vazias de alunos e com professores com horários zero que fazem pairar nuvens negras sobre o seu presente e o futuro dos possuidores de mestrados universitários com destino ao ensino oficial.

Mas será que se tornou tabu discutir esta temática com todos aqueles que o deviam fazer e o não fazem? Ou seja, uns tantos actuais professores das escolas sob a tutela directa do Estado parecem esquecidos do papel heróico e digno do maior respeito dos colegas que se empenharam em vida em dar um estatuto de grande qualidade e honorabilidade aos antigos liceus que os ventos de 25 de Abril soprados, em muitos casos, por sindicatos docentes em apoio de indivíduos cuja missão principal era promover a politização dos alunos, relegaram para o rol das coisas de somenos importância. Aliás, reminiscências de uma época em que chegou a ser proibida a passagem na rádio da canção de António Mourão, de que se transcreve parte do refrão: “Ò tempo volta para trás / Dá-me tudo o que eu perdi / Tem pena e dá-me a vida / A vida que eu já vivi.” Nem mesmo a rígida censura do Estado Novo se mostrou tão draconiana!

Apesar de toda uma adversidade, ainda há escolas oficiais que tudo fazem para sobreviver à tona de água da verdadeira mediocridade que inundou o ensino em Portugal. Casos de sucesso dos ensinos oficial ou particular convencionado quase se tornaram em excepções, honrosas excepções, que contrariam essa mediocridade. Como mero exemplo, ditado pela posição de destaque ocupada no ranking nacional de escolas oficiais em função da média das notas de exames nacionais do 12.º ano, o caso da Escola Secundária Infanta D. Maria, de Coimbra. Sem esquecer, e muito menos desconsiderar, muitas outras escolas sob a tutela directa estatal das margens do Mondego ou de todo o território nacional.

Tomando para mim uma citação de Edgar Morin, faço o seguinte apelo: “Peço que me ataquem frontalmente, me julguem pelas minhas ideias e não por aquilo que queriam que fossem as minhas ideias”. Isto é, a minha defesa em prol das escolas oficiais – que corre o risco de poder ser tomada como uma espécie de pregação no deserto - não significa, de forma alguma, um ataque às escolas privadas convencionadas. A cada uma delas o seu papel específico para não se tornarem as escolas públicas numa espécie de vazadouro de alunos que por elas optam como última escolha e não como eleição deliberada de tempos de glória ainda na memória colectiva dos portugueses.

Mas grande parte desta polémica, que está longe de ter chegado ao fim, se reduz a uma coisa tão simples como branco é galinha o põe: ser o ensino privado com contrato de associação uma alternativa ao ensino público e não como mera satisfação megalómana de carteiras pouco recheadas. Não considerar esta situação é transformar uma parcela importante do ensino privado sem subsídios estatais num barco à deriva à espera de um naufrágio em escolhos de um ensino privado convencionado em plena época de crise económica que exige sacrifícios de toda a ordem da população portuguesa.

Ou seja, reduzir esta questão ao binário ensino privado convencionado/ensino oficial é marginalizar o ensino privado independente dos dinheiros públicos com tradição valorosa e cimentada no panorama do ensino nacional. Para além disso, trata-se de um verdadeiro paradoxo numa sociedade que se deseja livre de uma tutela asfixiante do Estado que tudo faz e tudo controla até que se queixa de situações por ele próprio criadas.

Contrariando um exagerado pessimismo da alma lusitana, de que receio me ter feito intérprete, Almada Negreiros deixou-nos lampejos de esperança: “Os dias terríveis são, afinal, as vésperas dos dias admiráveis”. Mas que cheguem rapidamente esses dias admiráveis em benefício da sociedade portuguesa fustigada por ventos constantes de mudança que em nada ajudam o equilíbrio emocional da sua juventude e o seu rendimento escolar!

Na imagem: Escola Secundária Infanta D. Maria (Coimbra).

11 comentários:

João F.B.R. Simas disse...

Frequentemente o problema não está bem posto. Há colégios e colégios, uns são religioso outros não, uns aparecem no cimo dos rankings, outros aparecem no final, uns são subsidiados, outros não, uns entram em concorrência directa com o ensino público, usufruindo de subsídios e propinas que o ensino público não tem, outros não.
Uma vantagem que alguns estabelecimentos do ensino particular têm é a sua autonomia, o que não acontece com as escolas públicas. Se o Estado permitisse que as escolas públicas tivessem projectos diferenciados, com regras claras, talvez ou certamente, haveria escolas públicas que fariam muito melhor, com os recursos humanos que têm e que frequentemente não podem competir com os privados, devido à burocracia instalada, avaliação baseada em pressupostos medíocres.
Um dos problemas é mesmo o da autonomia das escolas, a escolha e a clareza dos projectos.
João Simas
Professor

Anónimo disse...

Este senhor não sabe do que fala: não há "instalações quase vazias de alunos e com professores com horários zero". Aliás os professores que porventura possam ficar sem horário são obrigados a ir para outra escola logo no início do ano. Informe-se antes de dissertar no vazio!

Rui Baptista disse...

Meu Caro João F.B.R. Simas:

O meu post teve, quanto mais não seja, a vantagem de despoletar o seu comentário na perspectiva de mostrar que em condições diferentes não se podem exigir resultados iguais, pese embora o mérito dos professores do ensino oficial que têm arrostado com todas as espécies de ataques vindos de cúpulas ministeriais que os transformaram (ou pretendem transformar) em títeres da sua majestosa vontade.

Ou seja, é pretendida, a todo o custo, a manutenção de um desastrado estado de coisas criticado por Manuel Laranjeira, em texto escrito no jornal “O Norte” (1908), ao referir-se a “uma sociedade, onde o pensamento representa um capital negativo, um fardo embaraçoso para jornadear pelo caminho da vida, num povo, onde essa minoria intelectual, que constitui o capital de orgulho de cada nação se vê condenado a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou a deixá-los cair desoladamente sob pena de ser esterilmente derrotado”.

Neste desgraçado país continua-se a caminhar a passo de caracol naquilo que deve ser feito para emendar erros do passado e a passos de gigante para criar novos erros. Seja como for,o seu comentário demonstra haver professores que não cruzam os braços e tudo fazem para não serem esterilmente derrotados. Bem haja!

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

Sublinho esta sua expressão:

"Para além disso, trata-se de um verdadeiro paradoxo numa sociedade que se deseja livre de uma tutela asfixiante do Estado que tudo faz e tudo controla até que se queixa de situações por ele próprio criadas."

Este monstro peganhento que estraga quase tudo onde toca graças aos boys e girls dos diversos partidos políticos ainda não percebeu que os colégios verdadeiramente privados, ou seja que não vivem do dinheiro dos contribuintes, passarão a ser mais umas escolinhas de trazer por casa totalmente submissas ao poder castrador do todo poderoso Estado.

Muita gente, antigamente a esquerda, hoje a direita, fala de mais liberdade, de mais sociedade, mas são palavras vãs. A esquerda (PS) transformou as escolas públicas em centros de guarda e entretenimento de crianças e jovens para os filhos de quem não tem dinheiro e/ou capacidade financeira para escolher uma escola a sério; a direita (PSD) tem andado a defender a atribuição de subsídios a escolas supostamente privadas! Qual a diferença entre um modelo e outro? Nenhum! E nenhum, porque o Estado (boys e girls) continua lá metido até ao pescoço.

Rui Baptista disse...

Anónimo (13.Fev., 01:11): O azedume que transparece da sua resposta leva-o a conclusões precipitadas. O que não constitui prova bastante para que eu pense – e, muito menos, escreva - que não sabe do que está a falar. Ou seja, a intenção da sua escrita é bem clara para quem a saiba ler nas entrelinhas das suas intenções!

Assim:

1. A referência, que faço, "a instalações quase vazias", reporta-se, como é bom de ver, em termos relativos, a instalações que tempos atrás, embora não muito distantes, em que um mesma escola rebentava pelas costuras e hoje tem uma população escolar bastante diminuta.

2. O facto dos professores "com horário zero" - substituído pelo seu eufemismo de ficarem sem horário - serem colocados noutras escolas, não invalida a minha afirmação. Apenas, denuncia a situação pouco agradável de terem que "andar com a casa às costas", abandonando os seus antigos alunos e ambiente de trabalho, sem que este facto seja levado sempre à letra de terem que mudar do local de residência. Desta forma, não só é criada instabilidade no quadro docente das escolas com este entra e sai como se cria um clima nada favorável para que elas ocupem lugar de destaque nos “rankings” nacionais.

Sem ponta de ironia, acredite, agradeço o seu comentário que vem romper o tabu, ou apenas o incómodo, que representa abordar certos assuntos que devem ser tratados como simples dever de cidadania, como tal, acima de motivações, ou até interesses, meramente pessoais.

“Alea jacta est”: o ensino, seja ele ministrado onde for, só tem a ganhar com a discussão de pontos de vista que encarem esta problemática em todos os seus aspectos. Os alunos e os professores do ensino oficial e do ensino privado não convencionado são faces de um mesmo mundo que não pode, ou melhor não deve, estar na escuridão enquanto o sol brilha em dias radiosos por outras bandas. Fazem todos parte de uma mesma família em que não deve haver filhos e enteados. Não perceber, ou não querer perceber, isto leva a ataques que não devem beliscar, sequer, o papel importante destas três espécies de ensino: o oficial, o privado convencionado e o privado “tout court”.

Infelizmente, até à data, a posição do Ministério da Educação não salvaguarda devidamente o papel importante deste do ensino convencionado no sistema educativo nacional que não pode ser desvirtuado e, muito menos, esquecido. E. muito menos, ser vítima de critérios ontem válidos e hoje serem tratados como um trapo velho que se deixa de vestir ou se manda mesmo para o caixote de lixo. Seria muito bom que os actuais erros se não repetissem e os actuais encontrassem uma situação de compromisso que salvaguardasse o investimento feito pelos colégios privados e, essencialmente, defendesse os interesses dos alunos e das sua famílias sem constituir uma sobrecarga para os impostos pagos por bolsas debilitadas pelo clima de crise económica actual.

Rui Baptista disse...

A última linha do 1.º § do meu comentário (anónimo 13 Fev., 01:11), como é óbvio, deveria ter terminado com a palavra "entrelinhas".

Rui Baptista disse...

Meu Caro Fartinho da Silva: Cá estamos nós novamente a discutir, num combate que não deve admitir deserções, a “Velha Tolice Humana” (que deu azo a imortais e sempre actuais páginas de Eça e Ramalho) em termos cordatos, mas que incomodam, para utilizar uma expressão sua “os boys e girls”. E não só!

Isto é, estas questões deveriam levar certas individualidades, estatais ou sindicais, a reverem um passado que contribuiu, em grande parte, para o estado actual de um ensino que quis transformar os professores em simples proletários preocupados apenas com questões laborais: vencimentos e horários de trabalho.

Julgo que seria conveniente, nem que fosse através das "Novas Oportunidades", de eles aprenderem, como ensina o Gestaltismo, que o todo é maior que a soma das partes. Desta forma, esta discussão não seria fatiada, e muito menos, viciada à partida por encarar separadamente os problemas que afectam em simultâneo, repito, em simultâneo, os caboucos do sistema educativo, marginalizando, como até aqui, os colégios não convencionados, os seus alunos e respectivas famílias que se sacrificam em lhes proporcionar aquilo que entendem ser o melhor ensino. Dispenso-me de indicar exemplos de colégios que têm dado, e continuam a dar, um contributo muito valioso na formação integral da sua massa estudantil justificativo da expressão por mim utilizada: melhor ensino.

Seria conveniente que esta discussão tivesse continuidade com novos contributos e novas perspectivas. É um assunto demasiado sério para ficar no segredo dos deuses ou de simples alquimistas que pretendem dar a entender que em tudo que tocam se transforma em ouro do mais puro quilate, esquecendo-se que "nem tudo que luz é ouro", como nos diz a sabedoria popular.

Em situações como esta, ocorre-me sempre a expressão lida algures: não fazer é deixar que os outros façam por nós.

Com um abraço solidário, votos de um bom resto de fim de semana.

José Batista da Ascenção disse...

Concordo com o texto e aprecio a generalidade dos comentários.
Realmente, a Escola Secundária Infanta D. Maria, como tantas outras no país, faz tudo o que pode, e o que os poderes lhe (não) deixam, para prestar um serviço de qualidade.
Não foi (até há não muito tempo...) pela falta (generalizada) de qualidade dos professores que o ensino público entrou num vórtice de irresponsabilidade, incompetência e ineficácia. Não foi. Até porque os professores de muitas escolas privadas que apresentam bons resultados são (ou foram, também) professores do ensino público...
O que "destruiu" o ensino foram as orientações "políticas" do próprio ministério e a acção de tantas estruturas intermédias, não apenas desnecessárias mas antes verdadeiramente deletérias...
Como diz João Simas, as escolas têm que ser autónomas e, acrescento eu, responsáveis e responsabilizáveis, perante as comunidades que servem, na observância das leis e das normas de um ministério emagrecido (emagrecido, emagrecido, emagrecido...) de funcionários sem função útil, e sujeitas a acção inspectiva competente.
Traduzido em linguagem vernácula: o ensino melhorará quando deixar de ser uma coutada de "amigos e porreiraços" e um refúgio para incompetentes.
Doutro modo, não se vai lá...
E claro, é preciso entretanto ir arranjando uns culpados, e chegou-se mesmo a permitir que esses culpados pudessem ser espancados no local de trabalho! E arranjar uns sistemas de avaliação que são prodígios de incompetêcia e injustiça... E servem para arranjar mais umas ocupações, de umas cabeças pensantes(?), que assim os engendraram e abortadamente os "pariram"...
Enfim, é o que temos tido...
E parece que os portugueses, de modo geral, são bastante complacentes (colaborativos?...)
E acabamos por ter... o que merecemos.
Mesmo que alguns protestem muito.
Assim o penso, assim o disse.

Rui Baptista disse...

Meu Caro José Batista da Ascenção: O seu comentário diz quase tudo. Só a competência, o brio, o entusiasmo (eu diria mesmo a carolice!) de muitos professores têm sido uma espécie de serviços de urgência para que o ensino não entre em colapso.

Seja-me permitido, portanto, um pequeno reparo quando escreve "cabeças pensantes (?)", ainda que com ponto de interrogação. Não serão antes crânios despojados de massa cinzenta? Por associação de ideias, faz-me lembrar um professor que conheci a quem os alunos chamavam escafandro. Perante a minha pergunta sobre a motivação da alcunha, foi-me dito que tinha uma grande cabeça sem nada lá dentro…

Encontrei em si a coragem suficiente para não colocar sob a mesma qualidade docente todos os professores, como um dirigente sindical que chegou a afirmar publicamente serem todos os professores bons com uns melhores do que outros. Tratou-se de uma generalização que em nada abona o respectivo critério de avaliação, que não convence os mais ingénuos e que em muito tem prejudicado os professores que se destacam pela sua inegável qualidade!

As escolas secundárias oficiais, a maior parte das vezes, herdam um ensino deficiente ministrado em graus de ensino anterior exigindo-lhes o milagre de tentar colmatar essas falhas. Depois, bem, depois, ainda sofrem “admoestações” públicas pelo mau estado em que esses alunos chegam às universidades que se recusam a serem simples "liceus superiores", como definiu alguém.

A terminar, como escreveu Saint-Exupéry, “se cada tijolo não estiver no seu lugar não haverá construção”. Mas isto é uma discussão que nos levaria para bem longe da temática em cima da mesa, produzindo um suspiro de alívio nos responsáveis da 5 de Outubro e para uns tantos indivíduos que comungam da cartilha do facilitismo.

Cordiais cumprimentos,

Paulo Rato disse...

Caro Rui Baptista,

Há tempos discordei de si, a propósito de algumas considerações sobre sindicalismo (se bem me recordo, já que abandonei o debate quando considerei estéril a sua prossecução e não voltei a essa "sequência").
Mas, como vou visitando regularmente o blogue, deparei com este seu artigo e subsequentes intervenções.
Tendo, então, tão fortemente discordado de si (a ponto de chegar à conclusão acima citada), não ficaria de bem comigo próprio se não o felicitasse, agora, por lhe pertencerem, em ambos os casos (e sem desapreço por outros comentadores), as intervenções mais lúcidas e bem fundamentadas, num tema que tem sido tratado, nomeadamente nos "media", de forma assaz confusa e desinformada.
Pessoalmente, deu-me um panorama bastante nítido de um assunto sobre o qual, como cidadão, tenho uma opinião, que encontrou, nas suas palavras, informação mais alargada e bases mais sólidas.
Paulo Rato

Rui Baptista disse...

Meu Caro Paulo Rato:

Em verdade, os nossos comentários, num dos meus posts anteriores, não primarem em ser uma troca de ideias com punhos de renda, embora (e o meu Amigo o confirmará ou não!) se tenham mantido em fronteiras em que, felizmente, neste nosso tempo e neste, por vezes, belicoso país, se não continua a dar, com raras excepções, guarida a polémicas ao estilo de Homem Cristo, fundador do Semanário “Povo de Aveiro” (1882). Em determinada altura Homem Cristo ao ser aconselhado pelo próprio filho para dar ao jornal uma maior moderação doutrinária respondeu-lhe: “Qual doutrina! O que eles querem é porrada!”

Mentiria se não dissesse que muito me satisfizeram as suas amáveis palavras. E, muito mais, me satisfez o facto de ter continuado a frequentar o “De rerum natura”.

Amistosos cumprimentos.

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