domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sobre Kurt Jacobsohn (1904-1991)


Novo post do historiador António Mota de Aguiar, lembrando um químico judeu emigrado no século XX para Portugal (na figura o Instituto Bento de Rocha Cabral em Lisboa):

Kurt Jacobsohn nasceu em Berlim e doutorou-se em Química no Kaiser Wilhelm-Institut für Biochemie em 1929, com a classificação máxima. Num país com altos níveis de desenvolvimento científico como a Alemanha é natural pensar que ele encontraria os meios necessários de se fazer notabilizar pelos seus conhecimentos científicos. Mas Kurt Jacobsohn era de ascendência judaica alemã, e a Alemanha, na década de 20, já dava poderosos sinais do anti-semitismo que lavrava na sociedade.

O químico Jacobsohn veio para Portugal em 1929, três anos antes de, a 30 de Janeiro de 1933, Hitler chegar ao poder. A posição assumida por Einstein, que abandonou a Alemanha em 1932, ajuda-nos a compreender Kurt Jacobsohn. Vejamos o que ele disse, segundo um conhecido historiador de ciências espanhol:

“Mientras se me permita elegir, sólo viveré en um país en el que haya libertades políticas, tolerancia e igualdad de todos los ciudadanos ante la ley. La libertad política implica la libertad de expresar las proprias opiniones políticas verbalmente y por escrito, la tolerância implica el respeto por todas y cada una de las creencias individuales. Quienes más han hecho por la causa de la comprensión internacional, entre quines se encuentran muchos artistas, sufren, en ella, persecución”. [1]

De resto, esteve longe de ser o único cientista alemão que abandonou nessa época a Alemanha: de 1933 a 1941, cerca de meio milhão de pessoas abandonaram este país, dos quais 94% eram judeus, isto é, 470.000 [2]. Esta situação permite-nos pensar que Jacobsohn deve ter sentido a tempestade que se avizinhava e, na primeira oportunidade, deixou o seu país.

Com a vinda deste químico para Portugal, a nossa ciência saiu sobremaneira enriquecida. Jacobsohn veio dirigir a secção de química biológica do Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral (IRC), do qual era director, na altura, Ferreira de Mira, discípulo de Marck Athias. De 1929 a 1935 dedicou-se no laboratório do IRC à investigação bioquímica. Em 1935, adquiriu a nacionalidade portuguesa, viu os seus estudos realizados na Alemanha serem reconhecidos pela Universidade de Lisboa, e ingressou na carreira universitária, onde leccionou várias disciplinas da sua especialidade até 1974, quando se jubilou.

Viveu ainda mais seis anos em Portugal, mas, com a idade de oitenta anos foi viver para Israel, tendo falecido dez anos depois. Ao longo dos 50 anos da sua carreira científica em Portugal, publicou 290 trabalhos e vários livros, tendo assumido várias responsabilidades na Faculdade de Ciências de Lisboa, onde foi vice-reitor entre 1966 e 1970.

“No que se refere à investigação científica, Kurt Jacobsohn apresenta uma obra direccionada para a bioquímica, particularizada na enzimologia e no metabolismo celular, na qual se inserem diferentes tipos de trabalhos e de publicações, a saber: comunicações em congressos e simpósios, artigos de divulgação, obras pedagógicas e artigos de investigação científica. Na vertente pedagógica escreveu manuais de ensino dedicados não só à bioquímica, mas também às várias áreas da química” [3].

Com a reforma do ensino operado pela República em 1911 e o surgimento das Faculdades de Ciências de Lisboa, Porto e Coimbra criaram-se as condições para o aparecimento de escolas de investigação científica. Vários homens contribuíram para o surgimento da bioquímica entre nós pela acção que desenvolveram em prol da medicina experimental. Destacamos, antes de Jacobsohn, nos finais do século XIX Miguel Bombarda e Sousa Martins e, no limiar do século XX, Câmara Pestana e Marck Athias.

A investigação deixada pelas escolas de Marck Athias e Kurt Jacobsohn esteve na origem da bioquímica em Portugal. Se Ferreira de Mira e Celestino da Costa são os discípulos mais ilustres da primeira escola, Kurt Jacobsohn, pela seu labor na área da bioquímica, formou ao longo da sua longa carreira científica todo um grupo de seguidores. Estes homens

“…tornaram-se os pivots da inovação científica em Portugal, criando hábitos de investigação científica e de produção científica regular capaz de estimular vários seguidores em diferentes áreas do conhecimento, das quais a bioquímica se destaca”. [4]

António Mota de Aguiar

NOTAS:

[1] José Manuel de Sanchez Ron, El Siglo de la Ciência, p.41, Taurus, Barcelona
[2] Idem
[3] Isabel Amaral, A Emergência da Bioquímica em Portugal: As Escolas de Investigação de Marck Athias e de Kurt Jacobsohn, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 248
[4] Idem, p. 348.

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