sábado, 19 de fevereiro de 2011

O país e as faquinhas de barrar

Uma certa marca de manteiga oferece, em cada embalagem, uma faquinha. As faquinhas têm cabos coloridos, verdes, azuis, etc. Permitem fazer conjuntos de uma só cor ou de cores diferentes. Podem usar-se para barrar pão fresco, tostas, bolachas com manteiga, paté, queijo, doces vários.. Não ficam nada mal numa mesa do dia-a-dia ou de visitas mais chegadas.

E, melhor do que tudo, não tendo código de barras, podem, com discrição, separar-se da embalagem de manteiga, bastando rasgar-se um auto-colante que as segura, e guardarem-se algures, no bolso ou na carteira… Ficam a preço zero, não custam nada!

A avaliar pela quantidade de embalagens de manteiga a que falta a faquinha, no supermercado onde vou, deduzo que este seja o raciocínio de alguns que por lá se passeiam.

Uma coisa sem importância absolutamente nenhuma, dirão os leitores. Talvez... Mas, não deixo de pensar que pode ser uma coisa importante, uma coisa que (mesmo que apenas e só no domínio do simbólico) explique porque é que, como país, toleramos, nas palavras de Salgueiro Maia, “o estado a que chegámos” na política, na economia, na saúde, na educação… porque é que toleramos as imposturas com que nos deparamos todos os dias, porque é que toleramos os múltiplos discursos falaciosos, porque é que toleramos o óbvio retrocesso nos direitos humanos básicos, porque é que toleramos as pessoas que sabemos desonestas, porque é que toleramos a humilhação dissimulada, o permanente controlo, porque é que toleramos quem sorri elegante e manipulativamente... E, sobretudo, porque é que não toleramos de maneira nenhuma quem nos apresenta claramente a verdade, quem nos aponta caminhos que nos desviem dos vários abismos que vemos à nossa frente, ou ao nosso lado...

Num país em que se destacam da embalagem de manteiga faquinhas para barrar ainda teremos capacidade para perceber o que significa destacar da embalagem de manteiga faquinhas para barrar?

12 comentários:

Anónimo disse...

Eu trouxe para casa a faquinha de barrar e o pacote de manteiga. Vários dos meus colegas de turma, de uma turma de um centro de formação do Centro de Emprego e Formação Profissional, todos com o 12.º ano de escolaridade, chamariam-me de "totó" se vissem o que fiz.

Como aliás, me chamaram muitas vezes, quando não levei cábulas para testes, quando terminei um trabalho no dia dos namorados para não entregar fora do prazo, quando terminei trabalhos dois dias antes do final do prazo, quando não escolhi o tema mais fácil para um trabalho, quando passei um fim de semana em casa para trabalhar para o curso, ...

Eu sei o que significa destacar da embalagem de manteiga faquinhas de barrar. Por isso não o fiz. Esses meus colegas não sabem. Ao contrário deles passei por uma das mais exigentes Faculdades do país e apesar de não ter concluído o curso, aprendi muito. Nomeadamente, que a actitude mais fácil a tomar num momento, pode ter um custo elevado a médio ou longo prazo.

Aprendi que fazer cábulas para um teste tem elevados custos a longo prazo. Aprendi que deixar o estudo e trabalhos para "a última hora" tem custos elevados a longo prazo.

E aprendi também que o "estado a que chegámos" resulta das opções fáceis que tomamos no dia-a-dia, com custos elevados a longo prazo. Opções como tolerar a má educação, o desrespeito pelos valores, o desrespeito pelos direitos, ...

Anónimo disse...

desculpe a minha ignorância,mas:o que é barrar
manteiga ?

Anónimo disse...

@anónimo das 13:27.

a faquinha não lhe chegava, teve também de levar o pacote...

há tipos a quem se dá um dedo e querem logo o braço.

foge....

Carlos Albuquerque disse...

Helena: ainda a chamam mal-educada por escrever estas coisas.

Anónimo disse...

Porque o exemplo vem de “CIMA”.
Se as elites políticas acumulam imoralmente reformas do Estado e outras benesses. Onde se provam leis no parlamento sem deputados, mas as suas assinaturas constam nos respectivos documentos. O presidente da Republica promulga e um ex-deputado “Senior” acha que se o parlamento não tem “quórum” ás sextas não devia haver parlamento ás sextas-feiras.
Por estas e outras coisas não nos podemos admirar pelo facto das pessoas levarem as facas de barrar manteiga.

Botelho disse...

Quem fala de uma faquinha de barrar manteiga, pode muito bem falar de um DVD de um filme (não comprou o original - fez uma cópia), de uma venda que se fez e não se apresentou no IRC (fica-se com o lucro e deixamos de dar ao estado - que somos todos nós - para ficar apenas no bolso do vendedor). O país, ESTE PAÍS, está cheio de "pequenos" exemplos.
Os que cumprem são gozados pelos que alegremente se vangloriam dos seus pecaminosos atos, que são um modo de mostrarem que o estado - que somos todos nós - não os conseguem alcançar.
Queixamos-nos dos que não cumprem. Conhecemos-los mas não fazemos nada para os denunciar. Ficamos com receio de sermos mal visto por querer apregoar a verdade. Fracos e oprimidos pela falta de razão que destrói e corrói o estado - que somos todos nós - e acabamos corroídos e corrompidos porque somos nós o estado.

Anónimo disse...

De facto não se barra a manteiga, só o pão. Mas...

Anónimo disse...

"E, sobretudo, porque é que não toleramos de maneira nenhuma quem nos apresenta claramente a verdade, quem nos aponta caminhos que nos desviem dos vários abismos que vemos à nossa frente, ou ao nosso lado..." Ora aqui está a explicação de tanto rancor contra o Primeiro Ministro neste blogue tanto entre autores como entre os seus comentadores.

Anónimo disse...

Conheço quem tenha trazido a faquinha mas de um hotel. Faquinha e o resto do talher. No aeroporto foi detectada no raio-x. Tal era o hábito de trazer coisas do hotel que nem se lembrou da segurança nos aeroportos...

José Jorge Frade disse...

Os "pequenos hábitos" que se começam "inocentemenete" a desenvolver vão paulatinamente crescendo e insensivelmente se transformando em algo que constrói um mundo de valores distorcidos, que as consciências já insensibilizadas não criticam...
Obrigado pelo excelente e reflexivo texto, que nos relembra como tudo começa e se banaliza. Até quando? Só dependerá da mudança de atitude de cada um.

Francisco Pelejão Camejo disse...

Abril, um outro, está a chegar ... já estamos em final de Fevereiro. Mas mesmo que entretanto nada mude, já se sente outra vez o perfume da primavera! Estamos fartos! Achamos que quase tudo nos ultrapassa, sentimo-nos injustiçados e enganados.Protesta-se por tudo e por nada.
Mas ... que fazer?!...

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Pouco. São dois anos deste conceito.

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