sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
FUGA DE CÉREBROS
Minha crónica no "Público" de hoje:
Eduardo Lourenço afirmou esta semana, numa lição dada na Biblioteca Joanina, que o acontecimento mais importante da história da Europa foi a reforma religiosa, que separou a Europa do Norte e Central da Europa do Sul e do Leste. Infelizmente, a Espanha e Portugal ficaram do lado a menor velocidade. E o fosso não parece diminuir. O governo alemão acaba de anunciar a sua intenção de promover a emigração de trabalhadores altamente qualificados do Sul e do Leste da Europa. Os engenheiros espanhóis e portugueses estão entre os alvos preferenciais de uma acção que visa prosseguir o crescimento da economia alemã: o valor de 3,6 por cento registado no ano passado foi o maior desde a reunificação! Angela Merkel encontrou-se ontem em Madrid com José Luis Zapatero para tratar, entre outras, desta questão, e José Sócrates faria bem em preparar-se para também ele discutir com ela o mesmo assunto.
O problema do desemprego espanhol é bem grave. Ultrapassou já os 20 por cento e tem incidência especial entre os jovens, incluindo os mais qualificados. Por outro lado, a Alemanha precisa de ocupar com emigrantes mais de meio milhão de postos de trabalho, de entre os quais cerca de 50 000 lugares de engenheiros. É, por isso, natural que o “engenheiro Pepe” queira ir trabalhar para a Alemanha. O nome vem num título do jornal El País – “Vente a Alemania Ingeniero Pepe” – evocando um filme espanhol de 1971 – “Vente a Alemania Pepe” –, que retrata o sonho alemão nessa época na Península Ibérica: Angelito, que aparece numa aldeia aragonesa num espampanante Mercedes a gabar a Alemanha e as suas mulheres, convence Pepe a “dar o salto” e este descobre, à sua custa, que a vida de emigrante é bem menos atraente do que lhe tinham contado. Agora, são os filhos do senhor Pepe, de posse de um diploma universitário, falando o inglês e com uma experiência cosmopolita proporcionada pelo programa Erasmus, que buscam o El Dorado germânico. Dantes fugiam os braços, agora fogem os cérebros.
O fenómeno da deslocação do melhor capital humano dá pelo nome inglês de brain drain. Os alemães já sofreram desse mal. A Universidade de Oxford, que antes da Segunda Guerra Mundial não conseguia competir científicamente com Cambridge, beneficiou da iniciativa de um físico inglês que sabia alemão e foi à Alemanha recolher cérebros. E os Estados Unidos beneficiaram amplamente da fuga de cérebros alemães antes, durante e após essa guerra (o engenheiro von Braun foi preso e convencido a construir foguetões do outro lado do Atlântico). Invertendo o fluxo migratório, principalmente depois da reunificação, a Alemanha passou a atrair cientistas e engenheiros, informáticos e arquitectos. Agora quer mais, de origem europeia e, portanto, mais permeáveis à cultura alemã, ao mesmo tempo que reconhece o falhanço da política de integração de trabalhadores menos qualificados, na sua maioria turcos (a chanceler Merkel não teve pejo em dizer que “ o multiculturalismo fracassou completamente”). A locomotiva da economia europeia já não quer apenas quem construa as carruagens, quer também quem desenhe os novos TGV, um verdadeiro negócio da China desde que a China se tornou compradora.
Nos anos 60 e 70 partilhámos com o país vizinho um destino de emigração. Hoje, para saber o que se vai passar em Portugal, é útil olhar para Espanha, um pouco mais próximo da Alemanha. O nosso “engenheiro José”, desencantado com o desemprego, com o trabalho temporário ou com a falta de perspectivas na carreira, vai, tal como o seu colega Pepe, sentir-se tentado pela chamada alemã (não estou a falar de José Sócrates, bem entendido, pois não acredito que ele queira voltar ao seu breve passado de engenheiro). Será bom para o engenheiro José, mas não o será decerto para nós, que nos últimos anos, ajudados por fundos europeus, investimos de modo notável na qualificação dos jovens, em particular nas áreas da ciência e da tecnologia, e agora nos arriscamos a perder o retorno desse investimento. Vamos a ver o que Sócrates diz a Merkel...
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20 comentários:
Se Portugal tem ficado protestante, hoje éramos todos ricos e prósperos.
Estas são as simplificações mais absurdas que tentam disfarçar racismos mais ou menos encapotados.
Protestantes, católicos ou ateus, os espanhóis e os portugueses teriam ficado sempre do lado a menor velocidade.
Não é a primeira vez que a Alemanha recruta Engenheiros em Portugal. Iniciativas de outros países já existiram também no passado (lembro-me da Noruega há pouco tempo). O programa EURES ajuda nesses processos e já não é recente.
Dito isto peço-lhe que reflicta. De que servem "cérebros" se a potencialidade deles não é usada?
Não produzem riqueza, não produzem nada. Não há em Portugal muitas empresas que necessitem cérebros. A maioria que contrata engenheiros poderia contratar gente com curso técnologico e dar-lhes uma formação de uns poucos de meses.
A maioria dos "cérebros" que sai das faculdades de engenharia deste país vai estupidificar em muito pouco tempo. Neste momento considero vantajoso para o país que alguns recursos humanos vão para o exterior adquirir know-how inexistente por estes lados. Talvez daqui a uns anos com o retorno destas pessoas ou quem sabe graças a alguns cérebros empreendedores a situação económica seja diferente e o país possa dar uso aos cérebros que gera.
Por favor, levem-me deste país para fora.
A Alemanha não estará interessada em importar políticos nossos? Independentemente do valor dos respectivos diplomas?
Caro Dr. Rui Baptista:
Se nos levam estes polichinelos, quem ficaria para nos entreter... com as suas facécias? JCN
As afirmações de Eduardo Lourenço, aqui referidas, remetem-nos para as Conferências do Casino e para o texto de Antero de Quental «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares».
Um exemplar do livro com esse texto está a ser sorteado [AQUI].
Independentemente da resposta que o Socas dê à Merkel, os alemães, ou suecos, ou dinamarqueses, ou qualquer povo de um país decente pode contar comigo quando acabar o curso.
Não me parece que seja assim tão mau.
Estamos também a receber "cérebros" de todo o mundo, é bom não esquecer.
Os que já trabalham por cá e que têm boas condições de trabalho, penso que não irão embora.
Estou a ser ingénua e optimista?
Continuar a atribuir a decadência de Portugal às mesmas causas que Antero definiu há mais de 120 anos é continuar a enterrar a cabeça na areia.
Caro anónimo das 10:15
Concordo consigo. Há a ideia muito espalhada, apesar de errada, (C. Fiolhais parece ter contribuído muito para espalhar esse erro) de que se ensinarmos Física e Matemática, Literatura, etc. etc. aos índios do Amazonas, eles em algum tempo ficam ricos e poderosos como a Alemanha. É não entender o capitalismo. Know How não chega, é preciso capital!
Quem deu a Eduardo Lourenço legitimidade... para nos julgar na nossa qualidade de portugueses? JCN
O Brain Drain não pode nem deve ser visto como um mal que nos acontece por culpa do capital Germânico. Não será natural que os nossos "Brains" queiram conhecer mais culturas além do rectângulo à beira mar plantado? Somos ou não cidadãos do Mundo? Como queremos que as nossas empresas exportem se não tivermos quadros que a certa altura nas suas vidas se tenham aventurado a zarpar para outros portos e a conhecer outras culturas? O estabelecimento de uma rede de contactos altamente qualificados a trabalhar em empresas por esse mundo fora deve ser visto como uma porta aberta às exportações e à internacionalização das empresas Lusas. Será o Brain Drain um problema ou uma oportunidade? Poderá o retorno do investimento em I&D ser atingido através da utilização da redes de contactos que Portugal tem por esse mundo fora?
ajudados por fundos europeus, investimos de modo notável na desqualificação dos jovens,
em particular nas áreas da advocacia e comunicação social e economias e gestões variadas e engenharias desde as agrícolas às zootécnicas passando por outras tão exóticas cujos nomes se extinguiram
investimos mal em ciência e tecnologia
e investimos pouco na formação de trabalhadores
e de doutorados e mestres sem ideias
e de cérebros cheios de disparates
está o país cheio
fi(olhais)= mas(olhais)pouco
tendendo para zero
conseguir resolver testes
não é o mesmo que compreender
e isto reflete-se nos milhares de pequenos kaiser's e napoleões de pacotilha que enchem as escolas públicas e muitas universidades
barões do nada
burocratas do desconhecimento
produtores de teses sem tesão ou sem tosão
tosões de ouro precisam-se
Vervolgreacties worden verzonden naar lucifer2012
precisavamos era de mais piratas informáticos
ajudados por fundos europeus, investimos de modo notável na desqualificação dos jovens,
em particular nas áreas da advocacia e comunicação social e economias e gestões variadas e engenharias desde as agrícolas às zootécnicas passando por outras tão exóticas cujos nomes se extinguiram
investimos mal em ciência e tecnologia
e investimos pouco na formação de trabalhadores
e de doutorados e mestres sem ideias
e de cérebros cheios de disparates
está o país cheio
fi(olhais)= mas(olhais)pouco
tendendo para zero
conseguir resolver testes
não é o mesmo que compreender
e isto reflete-se nos milhares de pequenos kaiser's e napoleões de pacotilha que enchem as escolas públicas e muitas universidades
barões do nada
burocratas do desconhecimento
produtores de teses sem tesão ou sem tosão
tosões de ouro precisam-se
5 de Fevereiro de 2011 21:28
A falta de empreendedorismo dos licenciados mestres e doutorandos que vivem em geral às custas da manjedoura pública são outro problema
câmaras municipais com engenheiros do ambiente, engenheiros químicos
vice-presidentes de câmaras que foram da universidade para um cargo vitalício num concelho qualquer começando numa lista de junta e subindo a pulso
fica bem ter um engenheiro de qualquer coisa nas listas partidárias
E qualquer engenheiro que tenha trabalhado na Alemanha sabe o desprezo que o pessoal técnico sente pelos engenheiros de importação, incapazes de orientar o trabalho, com pouca capacidade técnica enfim....wordt zichtbaar na
Eu também sou de opinião de que os ignorantes é que sabem e têm coisas nos miolos.
Só não se entende como é que o cérebro desse cavalheiro da foto ainda não foi capturado para algum estudo de caso...
Agora falo como mãe.
Tenho 3 filhos adolescentes, uma já no ensino superior e os outros a caminho.
E digo-lhes: estudem, o País precisa de gente boa para se levantar do buraco em que caiu. E eles dizem-me que os amigos vão para fora e ficam lá, que aqui não há emprego e quando há os impostos e as condições de vida fazem as pessoas desesperar.
E eu sei que provavelmente também eles se irão um dia destes, fronteira fora, melhorar o país dos alemães ou dos ingleses, como começa a ser natural. Enquanto a Portugal chegam aviões cheios de gente fugida dos países de Leste, da China, dos Palop, do Brasil.
E sabem que mais? Dói-me esta perspectiva e este desconsolo nacional de entregar o nosso melhor a uma Europa decadente e triste. Dói-me a ideia de os saber longe, e de me separar do imenso brilho que lhes leio no coração e na alma.
Não é só de cérebros que o nosso país se esvazia: é de alma, senhores.
É de alma.
M.I.L. - Lisboa, 48 anos.
Anónimo disse...
Eu também sou de opinião de que os ignorantes é que sabem e têm coisas nos miolos.
a maior parte da ignorância é acreditar que se sabe algo pelo simples facto de ter atingido um mestrado em anonimato....
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