quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Os três quartos de século da Escola Secundária de José Falcão de Coimbra


“A História leva o seu tempo. A História faz memória”
(Gertrude Stein, 1874-1946).

Num tempo em que o ensino privado com contrato de associação é, por vezes, havido como exemplo capaz de dar ao país um ensino de maior qualidade relativamente ao ensino oficial deverá ser acolhido como acto de inteira justiça a homenagem que decorre em Coimbra ao ex-Liceu Normal D. João III, hoje Escola Secundária de José Falcão. Em nome da qualidade de ensino ministrado nas suas salas de aula se pronunciaram, com conhecimento de causa, nomes de grande vulto da academia, da política e da vida económica da cidade nas margens do Mondego com projecção dentro de fronteiras nacionais e mesmo para além delas.

Que seja perdoada, portanto, à minha humilde pessoa o poder deslustrar o brilho desses testemunhos com a opacidade da minha prosa que terá o possível mérito de ser ditada por quem aí exerceu a docência logo a seguir ao 25 de Abril. Ou seja, numa época conturbada em que a política educativa cedia lugar aos partidos políticos de esquerda, mais ou menos radicais, que disputavam entre si o rumo a tomar pelos então liceus, num país em plena convulsão revolucionária.

Regressado de Moçambique em 75, nesta escola secundária ingressei como professor efectivo (como então se dizia) numa altura em que as RGA se sucediam em prejuízo das aulas e do normal funcionamento de uma casa em que a política era a cartilha que substituía Os Lusíadas” em opróbrio para com o seu autor. Desse tempo, de justiça me parece prestar homenagem póstuma ao timoneiro da escola em águas turbulentas que, apesar de conotado com o Partido Comunista, soube, através de fino e cordial trato e espírito de bem servir os interesses da educação, conciliar posições e interesses políticos antagónicos. Refiro-me ao Dr. Ivo Cortesão, a quem fiquei devedor do facto da minha nomeação, por concurso público e em comissão de serviço, para assistente da Universidade do Porto depender de autorização da minha escola de origem. Essa autorização não só foi dada como foi acompanhada por palavras elogiosas à minha pessoa, que estava longe de comungar das mesmas ideias políticas das suas.

Nessa então já Escola Secundária de José Falcão, tive a honra de conviver com uma verdadeira elite de professores cujos nomes me escuso de nomear aqui para não cometer o erro involuntário de omissão por esquecimento ou para não tornar fastidioso aos leitores essa listagem. Outros houve, enfim, que serviam os desígnios da mediocridade ao tornarem-se prosélitos de um novo estatuto de carreira docente (promulgada por Roberto Carneiro, pressionado por grande número de organizações profissionais de professores) incapaz de separar o trigo do joio quer em formação académica, quer em desempenho profisisonal, quer em prestígio individual dos docentes.

E aqui chegado, não posso deixar de apoiar as minhas palavras no facto de, antes da sua promulgação, o topo da carreira docente ser a letra A para os licenciados, a letra B para os bacharéis e a letra C para os possuidores de habilitação menor. Daqui passou-se, de supetão, para uma nova carreira em que as letras de topo foram substituídas por escalões: 10.º escalão para licenciados e 9.º para bacharéis. Isto é, na expressão popular, em passagem de cavalo para burro, os usufrutuários da letra A regrediram para o 8.º e 7.º escalões, conforme eram possuidores ou não do antigo exame de estado.

Foi atingido por esta demagógica medida em que, segundo Eça, “em Portugal, boa madrinha, todos somos nobres, todos fazemos parte do Estado, e todos nos tratamos por Excelência”, uma personagem de grande humanismo, o Dr. Álvaro da Silveira, brilhantíssimo professor de Matemática da Escola Secundária José Falcão e ex-reitor do Liceu D. Duarte de Coimbra, que atingiu o limite de idade quando cumpria a via sacra que o levaria ao 10.º escalão. A sua data de aniversário interrompeu, porém, esse processo dando-lhe, para além da diminuição do vencimento de aposentação, o grande desgosto de se quedar no mesmo escalão que diplomados com o curso do antigo magistério primário ungidos pela graça de terem nascido escassos alguns dias depois dele.

Foram vitimados por esta gritante injustiça verdadeiros heróis, hoje recordados na homenagem promovida pela sua direcção, pelo seu contributo para que a Escola tenha sobrevivido a épocas conturbadas e continue na senda que lhe deu o justo destaque.

Nesta efeméride foram recordados 75 jubilosos anos de vida para que permaneçam bem vivos pois, como escreveu Ugo Belfi, e foi aqui recordado por Eugénio Lisboa, “as memórias são como as pedras: o tempo e a distância corroem-nas como ácido”.

3 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Na Escola Secundária de José Falcão fiz, no ano de 1984/85, o meu estágio (integrado na licenciatura) como professor de biologia/geologia. Grandes professores havia por lá, nessa altura. Como agora, e entre eles há quem tenha feito parte do meu grupo de estágio, nessa escola, nesse mesmo ano.
Gratas recordações.

Fartinho da Silva disse...

Pelo que me contam, na actual "avaliação" docente, professores bacharéis andam a avaliar cientificamente docentes com mestrado (dos antigos) e até com doutoramento!

José Batista da Ascenção disse...

Ui!, Fartinho da Silva, isso e não apenas.
Nalgumas escolas anda tudo à batatada, a reunir as evidências (agora diz-se assim...), num fura-fura estúpido para ver quem vai passar no funil...
Ora, estando o país como está, impressiona uma tal "corrida" para... nada.
Enfim, esta "avaliação"(?) é uma "espantação". Triste.

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