Com a devida vénia citamos a parte final do artigo de José Manuel Fernandes no Público de hoje, sobre o caso de uma senhora encontrada morta dentro de casa ao fim de nove anos. A morte pode passar despercebida, mas o fisco acaba sempre por encontrar o cadáver.
"Triste país que só se sobressalta quando, de repente, pousa o olhar sobre uma ainda mais triste praceta na Rinchoa, um daqueles subúrbios de Lisboa onde os prédios se amontoam à vista da linha férrea, prédios sem identidade e já sem cor, pousados em ruas onde os passeios chegaram depois das silvas, bairros onde se vem para dormir e, também, para morrer. Como a Augusta Duarte Martinho, que caiu um dia na cozinha e por lá ficou quase nove anos, o cãozito na varanda à espera dela até também morrer, uma vizinha inquieta, os outros nem por isso, a GNR indiferente, o tribunal surdo, o carteiro sabe-se lá, a família ainda menos. Normal? Quase: num país onde quase uma em cada dez pessoas vive sozinha, onde haverá quase meio milhão de idosos sem outra companhia que a das paredes, morrer em casa, sem ajuda, sem alarme, não surpreende. E assim ficar por nove anos? Acontece. Tinha de acontecer. Porque não há maior solidão do que a de viver de portas trancadas no meio dessas colmeias suburbanas. Porque todos estão apressados (para ver a telenovela) ou todos estão desinteressados (para não terem de abrir um auto lá na esquadra). Só o fisco não dorme. Somos cidadãos para ter um cartão que atrapalha, mas somos sobretudo servos dos impostos, súbditos do fisco, pois só ele nunca se esquece nem nunca perdoa. Como não se esqueceu de Augusta Duarte Martinho. Por isso chegou primeiro que todos os outros serviços do Estado à Praceta das Amoreiras, e chegou para tomar conta friamente de um apartamento penhorado com uma idosa morta lá dentro. Chegou com a mesma eficiência com que fez sorrir na quarta-feira um secretário de Estado meio deslumbrado. Só não chegou a tempo de salvar o cãozito e os dois pássaros. Azar do cão. E deste triste país. "
José Manuel Fernandes
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
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29 comentários:
Mesmo que o JMF possa ter razão, nestes últimos anos, entrou em pela via de mal de tudo, escrever/dizer, e nunca algo de positivo encontrar.
De facto, é muito pouco assim estar...
A.Küttner de Magalhaes
A. Kuettner, mesmo que possa ter razão no que diz, escolheu um post e um tema muito errados para o fazer.
Explique-nos, assim, o que há de positivo nesta macabra e triste história?...
Vani
Desgraçadamente há tudo de negativo neste tema, como é mais que evidente!!! Quando perguntou já saberia a respsta. Ainda me parece que não endoidei de vez!!!
Mas ..tal como nos nossos benditos telejornais..aqui...estamos a bater numa desgraça, a explorar a desgraça, de preferencia alheia, que não nossa..que dentro de dias desaparece, para dar lugar a outra, e depois a outra, esta nunca mais se resolve...mas há-de voltar, quando for necessario agitar memorias, e depois vai-se..e assim sucessivamete.
Não estamos a querer resolver, tanto de tremendamete mau que nos rodeia, estamos a querer propagandear as desgraças, para ter espaço...é muito, muito pouco.
E se a ideia for cada dia encontrar a noticia mais escabrod«sa para explorar a até ao limite e saltar para outra, e para outra..é pouco, convenhamos.
Não acha?
um abraço
Augusto Küttner de Magalhães
Triste e bem triste, é verdade,
mas não somente por isto,
pois vendo bem, pelo visto,
coisa há de mais gravidade,
que faz do nosso país,
aos olhos dos estrangeiros,
uma nação infeliz
governada por sendeiros!
JCN
JCN
Um bonito poema, mas muito pouco para ajudar a resolver os nossos problemas..... talvez se nós nos virmos com bons olhos os outros tambem nos assim bvjam...mas lamurias, é pouco, mesmo em bonito verso.....
Fado....que triste fado...
Nao acha????
A história é triste mas não passa disso mesmo. É um fait divers que alimenta a morbidade típica de muitos, escritores e leitores. Porquê tanto interesse que até aqui é publicada? Há coisas bem mais importantes com que nos preocuparmos e que urge discutir. Por exemplo, a qualidade dos nossos políticos e da nossa democracia! Ninguém tem a ousadia de propor uma democracia diferente em que os cidadãos não estejam escravizados à partidarite que a invadiu e que se auto-regulamenta para que assim continue? É tempo de agir e de não mais votar enquanto o sistema for pôr uma cruzinha em A, B, ou C imposto. Dêem-nos pessoas credíveis, e não partidos, para governar e para irem para a assembleia e eu votarei neles! Vamos lutar por isso? Haja quem tenha ideias de como alterar a situação. Talvez o exemplo paradigmático vindo dos jovens no Egipto seja modelo a seguir!
Francisco Domingues
http://tv2.rtp.pt/noticias/index.php?t=PGR-pede-esclarecimento-sobre-idosa-morta-em-Rio-de-Mouro.rtp&article=415275&layout=10&visual=3&tm=8
O que é preciso fazer
para o país se salvar
ninguém deixa de saber,
só que não quer actuar:
o medo é muito bonito,
tanto aqui como no Egipto!
JCN
Para o Sr. Kuettner de Magalháes, agradecendo o elogio, mas desculpando-me da passividade ante a desgraça do país, em que ninguém deixa de se encontrar envolvido:
Tudo o que escrevo é bonito:
só é pena que a matéria
seja às vezes deletéria
com vislumbres de delito!
JCN
Caro a. kuettner de magalhaes
Tudo deve ser olhado como catártico, e visto como gritos de revolta pela incapacidade, através dos media, de as instituições resolverem problemas, os mais comezinhos, e de espanto por essa constatação.
Exactamente como a. kuettner de magalhaes acaba de demonstrar, de que se encontra na mesma posição de observador dos comentadores, os quais, através dos comentários também exteriorizam a incapacidade de os resolver.
Nenhum comentador tem capacidade para resolver o que quer que seja, porque lhe falta o poder, e depois de demonstrada a inépcia do que detém o poder, só resta ao minguado povo patentear-lhe o espírito crítico para que o caso se não repita.
No caso vertente, seria inútil dizer ao poder como
é que deveria ter agido. Como sabe o poder não ouve a sociedade civil. De resto, já tomou as chamadas medidas tardias, chamadas averiguações, com as quais se diluem os erros cometidos.
Além do mais é difícil dizer bem quando as coisas do poder correm, em roda livre, permanente e sistematicamente mal.
Cordialmente
Também não sou adepto do elogio da tristeza. Nem dos exageros de esticar um caso de tal forma que de assunto em assunto se torna no retrato do país. O autor estava a ter um dia triste. Acontece.
DE facto ter-se-á que repensar a nossa democracia, com novas pessoas e formas diferentes de ser democrata.
Mais do mesmo, não, mas é necessário discriminação positiva, sem fado, nem saudade, cvom novos valores.
a.kuettner de magalhães
"A história é triste mas não passa disso mesmo", escreveu um leitor a propósito da morte que se relata no texto de José Manuel Fernandes. E, mais adiante, "há coisas bem mais importantes com que nos preocuparmos."
Talvez o leitor tenha razão: são demasiadas as mensagens que nos chegam a fazerem-nos crer que existem coisas mais importantes, muitos mais importantes, do que a vida e a morte, do que a dignidade e a fraternidade, do que a atenção ao outro e a compaixão...
Assim, vamos interiorizando que a nossa essência, como a da senhora em causa, se resume a isso mesmo: uma história, talvez triste, que quando termina é preciso deixar ligeira e rapidamente para trás… Porque há coisas mais importantes.
Há coisas mais importantes.
Mas que coisas serão mais importantes do que vida e a morte, do que a dignidade e a fraternidade, do que a atenção ao outro e a compaixão...?
Ao fazermos esta pergunta devemo-nos sobressaltar e temer pelo estado civilizacional que o futuro nos reserva, estado esse que é da nossa inteira responsabilidade.
Como é evidente, o que há de mais importante é a vida, e a possibilidade de a mesma ser vivida com qualidade.
E há a inevitabilidade, para todos : a morte.
Mas muitos outros valores têm sido sidos assumidos como mais necessarios: poder,ter e pouco ser.
A mudança vem por aqui: valorizar a vida, respeitar a morte.
Mas não, numa permanente maledicencia, de tudo e de todos, que nada constroi e desfaz o pouco de positivo, que ainda existe.
Logo, temos que ser todos positivamente diferentes, não formatados, não politicamente correctos, devendo avançar para o mais "ser", e nao só o "ter".
Como? não será facil, mas é necessario.
A.Küttner de Magalhães
Quando for a ocasião
de se voltar à Rotunda
para salvar a nação,
eu só quero ver então
quem pega em armas na mão,
mesmo que seja uma funda,
se for essa a solução!
JCN
DA SUBMISSÃO NAS PALAVRAS
FALTA DE ÉTICA é o prato do dia nos blogues ou no jornalismo
MASTIGAM-SE UMAS IMPRECAÇÕES CONTRA O ASSUNTO DO DIA
A VERGONHA DA VELHOTA DESAPARECIDA NUM MAR DE BUROCRACIA
A VERGONHA DA FALTA OU DO EXCESSO DA DEMO CRACIA
Acompanham e trituram os temas do momento até deixarem de ter sumo
NO DIA SEGUINTE ESSES TEMAS INCONTORNÁVEIS E FUNDAMENTAIS SÃO LIXO
SEPULTADOS PELO NOVO TEMA SEJA A ASSEMBLEIA DOS IMORTAIS
SEJA A NOVA REVOLUÇÃO QUE MUDARÁ O MUNDO
NADA SERÁ COMO DANTES
CURIOSAMENTE NO DIA NO ANO OU NO SÉCULO SEGUINTE TANTO FAZ
NADA MUDOU
AMANHÃ A VELHOTA MORTA SERÁ OUTRA
COMO FOI HÁ UNS ANOS
UMA QUE FICOU UNS MESES
OU O ANO PASSADO UM MAIS NOVINHO MORTO HÁ MESES
NA INDIFERENÇA GERAL
PELOS VIVOS QUE PULULAM MISERÁVEIS NOS CAIXOTES
DE LIXO
OS MORTOS OS ESQUECIDOS?
E OS VIVOS QUE NEM SÃO LEMBRADOS?
JÁ SE FOI
E OS QUE FICAM?
de resto esse descartar de culpas para o poder
é sintomático
o poder exprime-se pela ausência
é um poder burocrático sem meios nem fins
E assim vamos vivendo, entre
a alegria e a tristeza,
o positivo e o negativo,
o ser e não ser,
o optimismo e o pessismismo,
o nascer e o morrer,
o branco e o preto,
o rir e o chorar
o dizer e desdizer
a correcção e a incorrecção
o ético e o não ético
o fair play e o jogo sujo
o construção e a implosão
o criar e o destruir
a boa disposição e a má disposição
o cordato e o agressivo
o alto e o baixo
o gordo e o magro
o diz e o desdiz
a verdade e a mentira
o rir e o chorar
a paciência e a impaciência
a polidez e a grosseria
a paz e a guerra
Logo, temos que aceitar a vida da mesma forma que Michelet pedia, para aceitarem a Revolução de 1789, isto é, globalmente.
O caso da criatura
há nove anos falecida
na praceta da Rinchoa,
nos subúrbios de Lisboa,
mas somente nesta altura
por acaso aparecida,
não é mais do que um sintoma
do estado da nação,
afectada em profusão
por terrível carcinoma!
JCN
E assim vamos vivendo, entre
a negação e a aceitação,
o negativo e a fotografia,
o não ser e o não querer ser,
o realismo e o alzheimer,
o absurdo e as frases feitas,
o violeta e o vermelho,
o ultra-viol e o infra-humano
o rir a chorar e o chorar a rir
o que pensa que diz e o desdiz o que pensa
a palavra que corre e a que no país incorre
o tico e o não teco
o fair pay e o robocop gay
o construção de sonhos e a implosão da realidade
o pensar que se cria e a inevitável entropia
a boa em posição e a má diz imposição
o corda toda e o agre passivo
o alto astral e o baixo-relevo
o gordo de fome e o magro de princípios
o da perdiz e o pides diz
a vera idade e men tira
o R.U.R e o RAR
a ciência e a pseudo-ciência
a polícia da palidez e a grosse que ria
a miúda do rapaz e a morte na guerra
Logo, temos que deitar a vida da mesma forma que a morte pedia, isto é, global mente
Grandes poetas, mas não chega....
A.Kuettner de Magalhaes
A comentar sempre prontos,
assim parece que vamos
vivendo a vida em cconfrontos
que em ladainha... cantamos!
JCN
Que raça de ladainha
de sentimentos contrários,
todos dispostos em linha
como sendo... poemários!
JCN
Ao ler esta ladainha
vem-me à cabeça o Pessoa
com seus poemas à toa
frente à sua escrivaninha!
JCN
A Senhora estava saponificada.
Miracolo!!!
espiritualidade
Anónimo disse...
Ao ler esta ladainha
vem-me o Pessoa à cabeça
a morte não é má peça
só nos tolhe a moleirinha
A ideia da moleirinha
do Pessoa deve ser
quando se punha a beber
a sua dose à noitinha!
JCN
Se vossemecê quer saber
se a morte é boa ou má peça,
espere que ela aconteça
para depois... nos dizer!
JCN
Com as palavras brincar
nem sempre são bons costumes,
comparando-se a jogar
com espadas de dois gumes!
JCN
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