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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Quando a morte é bela e explosiva

A supernova de 1054 registada pelos primeiros índios norte americanos

Deixo, aqui, a minha crónica semanal no jornal i.

Se na crónica da semana passada viajámos até ao futuro, convido-o hoje a imaginar precisamente este 4 de Julho mas do ano de 1054. Na distante China, os astrólogos do Palácio Real dedicavam-se ao estudo do rendilhado mapa de constelações na tentativa de desvendar os insondáveis destinos da nação. Nada de "biscoitos da sorte" ou cartas astrológicas personalizadas, não, que a astrologia chinesa era apenas voltada para futuros colectivos. E, repita-se, rendilhada: enquanto no Ocidente se contavam 88 constelações, a China encontrou 283 padrões criativos nos céus! Nesse 4 de Julho assistiram a um dos maiores espectáculos celestes de todos os tempos: na constelação do Touro, um portentoso ponto brilhante no céu, que rivalizou em brilho com o Sol e a Lua, denunciava o início do término da vida de uma estrela de enorme massa. Os astrólogos chineses registaram com temor e admiração esse evento e os primeiros índios da América do Norte registaram também, nas rochas, o fenómeno. Curiosamente, na Europa da Idade Média não se encontra uma única nota, um único desenho. Durante 23 dias, esse marco foi visível à luz do dia. Por mais de dois anos foi uma forte lanterna da abóbada celeste nocturna. Hoje, 957 anos depois e naquele local, uma enorme miscelânea de filamentos gasosos coloridos transformou um fim num cenário glorioso e belo - a Nebulosa do Caranguejo. A morte, no cosmos, não é necessariamente feia e triste!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O ouvinte mais solitário do Universo

Observatório de Raios Cósmicos de Yangbjing


A minha crónica semanal no jornal i.

Para Chen Wenyi, a vida balança repetidamente entre o já perdido romantismo cósmico e a extrema solidão humana. Vive, trabalha e por vezes desespera a mais de 4 mil metros de altitude, em Yangbjing, no planalto de Quinghai- Tibete, a 90 km de Lassa. O local, de beleza física e histórica intimidatória, frequentado ao longo dos tempos por astrónomos amadores e profissionais, é hoje a casa do Observatório de Raios Cósmicos de Yangbjing, que, na década de 90, era o maior observatório de detecção de raios cósmicos e estudo da origem do universo. Voltemos a Wenyi: olha com saudade sem esperança para a foto da sua mulher e da filha; só as pode visitar uma vez por ano. "Sou o ouvinte mais solitário do universo", murmura. Há mais de 20 anos que é praticamente a única alma em tal região, e há 20 anos era um confesso romântico: "Até pensava que ia ouvir ET!" Hoje, cientistas italianos, chineses e japoneses aparecem por lá com mais frequência, aumentando, por vezes, a população para uns estonteantes seis indivíduos. Wenyi, o director do Observatório (e de si próprio!), vive num pequeno bangaló onde a sala de convívio tem vista para a sala de computadores, não vá a atenção desviar-se para quaisquer tentações! Daquela sala e do seu trabalho partem dados que chegam gratuitamente a cientistas de todo o planeta, para que se escute o universo a partir do tecto do mundo, graças a alguém que, praticamente, se encontra num longo retiro - em nome da ciência!

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Em cada Nokia há um Maxwell


A minha crónica semanal no jornal i.

Feynman, o famoso físico americano, descreve-o como "o evento mais significativo do século XIX". Hoje, os frutos desse evento ajudam-nos a conhecer melhor as estrelas ou os campos físicos dos planetas, mas, também, a ouvir a nossa estação de rádio ou TV favorita, utilizar o micro-ondas ou o telemóvel.

O homem por trás dessa revolução nasceu há precisamente 180 anos. Escocês, tímido, pronúncia carregada, assim como a enorme curiosidade por tudo, James Clerk Maxwell foi o homem que apresentou formalmente ao Mundo a Electrodinâmica!

Através de Maxwell, apareceu uma descrição completa sobre como se comportam cargas eléctricas e como se relacionam os campos eléctricos e magnéticos. Coulomb, Ampère e Faraday foram outros nomes notáveis nessa área, mas foram, sobretudo, puros experimentalistas que pensavam e concluíam com mãos e imagens. Faltava o outro lado do "casamento", alguém com o génio matemático para poder manipular, extrapolar, matematizar todo o reino do electromagnetismo.

Maxwell apaixonou-se sobretudo pelo trabalho laboratorial de Faraday, o físico inglês que temia a matemática mas amava os Estudos Eléctricos, como a disciplina era designada na altura. Com orgulho e respeito, Maxwell enviou o seu primeiro trabalho ao próprio Faraday e este respondeu-lhe que, de início, ficou "quase aterrorizado" pela aplicação de tal "força matemática" às suas experiências, mas, depois, sentiu um "enorme entusiasmo pelo sucesso".

E toda a Humanidade também!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Bactérias e Pirâmides

MRSA

A minha crónica semanal no jornal i

Hoje viajamos desde o reino do micrómetro até alguns metros de altura; desde os tormentos da actualidade até milénios antes do nascimento de Cristo. Adiante. A humanidade passou estas semanas por momentos de temor e respeito por seres invisíveis aos nossos olhos. Vírus e bactérias. É notável como no século XXI ainda somos tão facilmente derrotados pelo microcosmos! Pois o cientista Gregor Morfill, com a preciosa ajuda da Agência Espacial Europeia (ESA) e de várias experiências realizadas na Estação Espacial Internacional, está a desenvolver um plasma revolucionário na luta contra a evolução e a acção desses pequenos seres. Pensado sobretudo para ser utilizado futuramente nos hospitais, um dia poderá mesmo chegar às nossas casas. Staphylococcus aureus, ou MRSA, é uma dessas bactérias; mata 37 mil pessoas todos os anos na UE, afecta mais de 150 mil pacientes, acarreta uma factura de 380 milhões de euros nos sistemas de saúde e pode ser um dos primeiros alvos deste superplasma. A salvação, afinal, pode mesmo vir dos céus. Entretanto, e dos céus, satélites americanos descobriram 17 novas pirâmides no Egipto! Usando uma nova tecnologia de detecção por infravermelhos, abre-se uma nova porta na "arqueologia espacial". Um dos investigadores comenta: "Indiana Jones já é da velha escola, agora estamos noutro patamar mais além; pedimos desculpa ao Harrison Ford." Para que serve a exploração espacial? Para caçar bactérias e pirâmides, óbvio!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

E se tivesse corrido bem?

JFK no Congresso americano, 25 de Maio de 1961

A minha crónica semanal no jornal i.

"Aquilo não correu muito bem, pois não?", disse em tom pesaroso, cansado. As últimas semanas foram trágicas, com contrariedades e golpes profundos no orgulho de toda uma nação a originarem insónias que deixaram rugas. Há quatro meses, jurava fidelidade à Constituição entre vivas, confetis e esperança. Mas os ventos são fortes e contrários.

12 de Abril, 1961: os celestiais 108 minutos de suor, lágrimas e triunfo do soviético Gagarin foram 108 alfinetadas na alma americana. O futuro estava, afinal, vestido de vermelho. Dois dias depois, final da tarde, reunião, um desabafar de tristezas, a pensar no futuro; um conselheiro (Ted Sorensen) levanta-se: "Porque não uma viagem tripulada à Lua?" Kennedy, o presidente, sentiu o peso de "imaginar o desafio" que cada um naquela sala mediu.

Três dias depois, o "perfeito fracasso": a baía dos Porcos, em Cuba, torna-se o local da chacota internacional do prestígio americano.

JFK come pouco, dorme ainda menos. Lembram-lhe: "E a Lua?" Incrédulo, mas seduzido pelo desafio, a 25 de Maio de 1961 dirige-se ao Congresso e ao futuro: "Eu acredito que esta nação deve comprometer-se com alcançar o objectivo de antes do final desta década pôr um homem na Lua e fazê-lo regressar em segurança à Terra." O Congresso ficou indiferente, sem aplausos, sem fervor.

"Aquilo não correu muito bem, pois não?", lamenta-se. Foi, simplesmente, um dos mais transformadores discursos da humanidade. Foi há meio século.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Vagueando lá por cima

representação artística do planeta mais interior do sistema planetário de Gliese 581

A minha crónica semanal no jornal i

Foram várias as notícias sobre os novos mundos, exóticos e excitantes, que existem fora do nosso sistema solar que esta semana povoaram a imaginação e a sabedoria dos cientistas (e não só). Vamos então para a constelação da Balança, onde encontramos a estrela Gliese 581, a "apenas" 20,3 anos-luz da Terra. E decore bem o nome desta estrela, pois é, neste momento, o local mais in das avenidas astronómicas. Com seis planetas a orbitar esta estrela, há alguns meses atrás um deles tornou- -se famoso pelo facto de ser o mais bem posicionado para receber o prémio "1.o planeta extra-solar com água líquida". Mas os cientistas climatéricos do Institut Pierre Simon Laplace, de Paris, encontraram outro concorrente, curiosamente um planeta do mesmo sistema, que, apesar de receber muito menos energia da sua estrela, pode ter água líquida à superfície se a sua atmosfera for rica em dióxido de carbono, isto é, se tiver um elevado efeito estufa. Maldição para uns, vital para outros! Entretanto, os cientistas neozelandeses e japoneses descobriram dez vagabundos em forma de planetas ali para os lados do núcleo da nossa galáxia. Em alturas mais frenéticas e caóticas da formação dos planetas, alguns "portam-se mal", jogam bilhar com os irmãos e perdem sob a forma de expulsão! Sem direito a subsídio de reinserção estelar, são muito mais do que se julgava e vagueiam quase anónimos e ostracizados no negrume do frio romantismo do cosmos.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Outros lixos (nada especulativos)


A minha crónica semanal no jornal i.

SOLAR MAX é o nome de um satélite lançado em 1980, com o objectivo de medir a radiação solar; tudo correu muito bem, o sucesso era o esperado e o concretizado; até que, a 23 de Setembro de 1980, o satélite tornou-se mudo! Durante três anos e meio, orbitou silencioso, uma peça decorativa. Então, em Abril de 1984, e numa missão de alto risco de ponto de vista técnico e humano, o vaivém espacial capturou-o e realizou uma "cirurgia" incrivelmente dispendiosa. E houve, de novo, satélite e ciência. No final da sua vida útil, o Solar Max caiu no oceano Índico e permitiu, finalmente, responder à dúvida até à altura não sanada: o que avariou o satélite? O enigma deslindou-se em 150 buracos, literalmente! Os delicados instrumentos tinham sido atacados por 150 pedaços de lixo espacial! Em 1989, estimava-se que acima das últimas camadas de atmosfera da Terra estariam mais de sete mil artefactos humanos perdidos: desde satélites abandonados até martelos, câmaras ou parafusos! Hoje, registamos mais de 20 mil mas, na verdade, são milhões; em 2030, poderá ser o triplo! A uma velocidade de 7,8 km/s mesmo o mais pequeno parafuso pode pôr em risco um vaivém ou a Estação Espacial Internacional (como já aconteceu!). E muito deste lixo cai frequentemente na Terra, podendo um dia ameaçar mortalmente. Abracourcix, o chefe da aldeia de Astérix, bem nos avisa: o céu vai cair nas nossas cabeças... o que não imagina é que será em forma de lixo espacial humano!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Um Banco Espe(a)cial

2ª feira, o dia da minha crónica no jornal i

Nesta espuma dos dias povoada de siglas e cheiros monetários, falemos então de bancos e de como a exploração espacial é também sinónimo de "ir lá fora mas olhar para dentro". Descodifique-se, assim, este enigma financeiro/espacial. O Banco Mundial (BM) é uma das cinco instituições monetárias globais criadas em 1944; um dos seus irmãos é o nosso conhecido Fundo Monetário Internacional. O BM centra a sua atenção no apoio aos países subdesenvolvidos, tendo como principal objectivo o combate à pobreza nessas zonas. Para fundamentar melhor os seus programas de apoio e lidando, sobretudo, com países cuja componente climatérica e de recursos naturais é vital para o seu crescimento, o BM estabeleceu uma parceria com a Agência Espacial Europeia (ESA) que prevê uma utilização mais profícua e com benefícios para as populações dos programas de observação da Terra através de satélites. Num ambicioso programa que envolve várias nações europeias, o Canadá, indústrias públicas e privadas, tópicos como ambiente marítimo, recursos hídricos, crescimento urbano, agricultura e florestação serão amplamente vigiados do espaço, mas também permitirá às equipas do BM avaliarem de uma maneira muito realista os frutos dos seus programas! Será a acção regional vista da janela espacial, uma celestial vigilância. É também um contributo da exploração espacial por vezes esquecido, este o de nos fazer olhar para nós próprios de uma maneira mais... humana!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Esperanças bombásticas...

a supernova Tycho Brache aos olhos do telescópio espacial Chandra


A minha crónica semanal no jornal i

11 DE NOVEMBRO DE 1572. Início da noite. O que o notável astrónomo Tycho Brahe viu iria transformar a sua vida, mas também a compreensão sobre o grande mistério dos céus. Com 25 anos na altura, foi um privilegiado espectador de um evento raríssimo: a explosão de uma estrela! Na altura, pensava-se que no Reino dos Ceús tudo é perfeito, mecânico, ordeiro. O espalhafatoso aparecimento de um grande e brilhante ponto no céu desafiava toda a filosofia de Aristóteles. E Brahe desconfiou que alguém ou algo estava errado! A astronomia moderna diz-nos que o que Bache presenciou chama-se "supernova" e que se trata do último suspiro da vida de uma estrela massiva ou, então, quando num sistema binário, uma das estrelas suga matéria da companheira até chegar à autodestruição. E, especulava-se, teria sido este último caso o que aconteceu na supernova de Brahe. Mas, então, o que aconteceu à "estrela sugada"? Sobreviveu à dantesca explosão? Recentemente, o telescópio espacial Chandra descobriu um "pedaço de fumo a sair da pistola"! Escondido nas ondas de choque, detectou-se material da estrela sobrevivente! Pele de um arranhão, digamos. E eis um belo exercício de desconstrução científica: os astrónomos conseguiram descobrir que o período orbital dessas duas estrelas seria de cinco dias e estavam separadas por um valor inferior a um décimo da distância Terra-Sol. Eis uma mensagem de esperança: mesmo a mais bombástica das explosões deixa sobreviventes!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

American hero (dos últimos)

Gabrielle Giffords e Mark Kelly

Hoje, 2ª feira, a minha crónica no jornal i.

Esta é uma história tipicamente americana, quase um filme hollywoodesco, com sangue, suor, lágrimas, espaço e até mesmo Obama, o presidente. Comecemos pelo futuro: se tudo correr como previsto, esta sexta-feira, pelas 19h47, hora de Lisboa, partirá do Cabo Canaveral a última missão do vaivém espacial Endeavour. A comandar a tripulação de seis astronautas está Mark Kelly, piloto de testes da Marinha, com missões de sucesso na Guerra do Golfo e já com três viagens ao espaço. Mas o maior desafio que teve até hoje tocou na sua esfera mais íntima: a sua esposa, Gabrielle Giffords, é uma senadora democrata que, a 8 de Janeiro e num ataque ainda hoje incompreensível, foi alvejada na cabeça enquanto discursava no Arizona. Com uma missão espacial tão simbólica já marcada, Kelly sabia que este também seria o seu último passeio "lá fora". Largou tudo, o dever rendeu-se ao amor, juntou-se à mulher, sofreu com ela. Entretanto, Gabrielle melhora e Kelly regressa aos exigentes treinos físicos. O sonho dele é que a mulher esteja ali, ao lado do presidente Obama (que insistiu em estar presente), no instante do lançamento. Hoje, Gabrielle está a reaprender a andar e a falar e há quem pergunte: será que Kelly tem força psicológica e concentração suficiente para liderar esta missão? Ele respondeu: "Aprendi a ignorar toda a minha vida pessoal e a focar- -me apenas na missão. E faço-o há já 24 anos." Tornou- -se, assim, num novo herói! Mais um, espacial.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

100ª perdição.


Hoje, 2ª feira, a minha crónica nº 100 no jornal i. Algo diferente.

Nesta 100.ª crónica, gostaria de invocar o poeta T. S. Eliot e o seu belíssimo "Quatro Quartetos":

Não deixaremos de explorar
E o fim da nossa exploração
Será chegar ao ponto de onde partimos
E conhecer esse lugar, pela primeira vez,
Através do desconhecido portão relembrado
Quando o último pedaço de terra a descobrir
É aquele que foi o começo.

Quando Eliot escreve este poema, em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, sente-se o grito íntimo do poeta num apelo à pura humanidade do homem, entendendo a guerra como a antítese mais extensa da natureza humana. A poesia de Eliot poderia ser o manto emotivo que levou o homem à Lua; susteve as lágrimas pelos que morreram pela birra de conhecer mais um pedaço de terra; dos que insistem em se deixar embalar por este cântico encantador que vem lá do fundo, de um cosmos que afinal é tão atomicamente nosso. O raio de luz chama-se "exploração"; o farol da paixão é, como diria Pessoa, "ser todo em cada coisa", deixando o "todo" ao cuidado da curiosidade e o "cada coisa" residir ora no desconcertante mundo do átomo, ora nas nuvens de Titã, no pulsar mais romântico da mais distante estrela ou na crucial e anónima inspiração que um qualquer génio bebeu. Porque foi por esses domínios (pelo luxo da sua beleza) totalmente abertos que navegámos ao longo destas cem semanas. Como escreveu Asimov: "A nossa mensagem ao universo sempre foi esta e assim permanecerá: estamos a caminho". Consigo!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O fermento esquecido

Michael Maestlin

Eis a minha crónica semanal no jornal i; desta vez, realço mais um herói desconhecido da História da Ciência ...


Qual é o fermento de um génio? O professor de Inglês de Shakespeare? O primeiro treinador de Ronaldo? Lancemos uma luz sobre um desses desconhecidos. Em 1583, na Universidade de Tübingen (Alemanha), Michael Maestlin já era considerado um dos mais respeitáveis professores de Matemática e Astronomia. Ensinava com prazer a geometria dos "Elementos" de Euclides, e o mui estimado (sobretudo pela Igreja) sistema geocêntrico enunciado com autoridades seculares como Aristóteles e Ptolomeu. Publicamente, porque, na sua dimensão mais privada, um livro e um homem fascinava-o: "De Revolutionibus Orbium Coelestium", a magistral obra de Copérnico, defendendo a correcta teoria heliocêntrica. Mesmo para um professor tão respeitado como Maestlin, a mínima exibição pública de apreço pelas ideias de Copérnico seria um passo mortal para a sua ruína pessoal e académica. Porém, encontrou num seu pupilo 20 anos mais novo e de nome Johannes Kepler uma deliciosa cumplicidade intelectual e científica. Juntos, na mais bela e sinergética clandestinidade filosófica, desfrutavam das ideias de Copérnico como crianças que guardam um segredo. Na obra e no pensamento de Kepler está presente todo o espírito e desejo de descoberta contido no seu mestre, aprofundado genialmente por este seu pupilo. Maestlin foi o plantador da semente que em Kepler fez brotar a floresta de todo um novo cosmos. O professor, o fermento do génio, a semente da grandeza.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Calhaus importantes

Vesta, vista pelo telescópio espacial Hubble

A minha crónica desta 2ª feira no jornal i.

Os calhaus têm muito que se lhe diga. Uns interessantes, outros nem por isso. A maior parte dos mesmos encontra-se na chamada Cintura de Asteróides, entre as órbitas de Marte e Júpiter; os asteróides são, realmente, calhaus, rochosos, irregulares na forma e de diversos tamanhos. São mais de 100 mil, com tamanhos entre 1 km e 963 km.

Pensa-se que são as relíquias de um planeta que não se formou devido à poderosa força gravitacional de Júpiter. De todos estes corpos, destacam-se dois: Ceres, o maior, com 963 km, e Vesta. E são um problema para o astrónomo adepto da rígida classificação dos corpos celestes; como se já não bastasse a polémica sobre Plutão, que passou de planeta a objecto transneptuniano dito planeta-anão, Ceres e Vesta teimam em não ser bem, bem asteróides. Ceres porque já tem tamanho suficiente para ter uma forma redonda, globular - daí apelidar-se também planeta-anão; Vesta, um "planeta menor", é um caso bem mais fascinante: tem uma estrutura interna em camadas, com núcleo, manto, crusta e uma história de aquecimento, derretimento e arrefecimento do seu material rochoso, tal como a Terra. Eis um outro facto delicioso: a sua superfície regista, provavelmente, a mais bem preservada história geológica do sistema solar.

A sonda Dawn (NASA) prepara-se para a desvendar, fazendo desta missão uma viagem no espaço e no tempo! Como diria Camões, "todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades". Assim na Terra como nos calhaus!

segunda-feira, 14 de março de 2011

Mercúrio, esse desconhecido

Pintura: Messenger em Mercúrio

A minha crónica semanal no jornal i, desta vez dedicada ao planeta mensageiro dos Deuses ...

É uma espécie de patinho feio do nosso sistema solar e não é, certamente, um dos planetas preferidos dos astrónomos e dos amantes das paisagens astronómicas: pequeno, recheado de crateras, sem bonitos anéis, sem cores deslumbrantes e pouco original, quase uma cópia da nossa Lua. Falo-vos de Mercúrio, um dos planetas menos visitado pelos emissários robóticos dos humanos - apenas a americana Mariner 10 andou pelas redondezas e deu-nos a primeira imagem próxima do planeta em 1975. Porém, esta quinta feira Mercúrio terá nova companhia: a sonda Messenger, também americana, irá dedicar-lhe total atenção. Como qualquer migalha do nosso sistema solar, Mercúrio esconde vários mistérios: um núcleo metálico estranhamente grande; desconhecemos 55% da sua superfície; os pólos têm crateras que nunca são visitadas pela luz solar (que esconderão?); e uma finíssima atmosfera. Eis a palavra sexy para um planeta melancólico: água! Em 1991 foram apontados para Mercúrio uns gigantes radiotelescópios que mostravam uma forte reflexão do sinal no pólo norte, algo encontrado, por exemplo, nas enormes calotes de gelo de Marte. Gelo no planeta mais próximo do Sol, a 400ºC? O mistério adensa-se (ou evapora-se): em 2008 e ainda a milhões de quilómetros de Mercúrio, os instrumentos da Messenger encontraram delicados sinais de água na rarefeita atmosfera do planeta... e vulcanismo! E assim temos um novo planeta a descobrir, nada monótono, altamente excitante!

segunda-feira, 7 de março de 2011

Desobediência: questão de vida




A minha crónica semanal no jornal i, desta vez relembrando Stanley Miller e uma das mais elegantes experiências científicas do século passado que, no meu tempo de secundário, ainda era referenciada e discutida ...

Quando Stanley Miller nasceu, há precisamente 81 anos, ninguém sonharia que um dia viria a trabalhar com um químico laureado com um Nobel, nem tão-pouco que realizaria uma das mais fascinantes experiências do seu tempo. Em 1953, sob a supervisão do seu orientador nobelizado, Harold Urey, Miller juntou água, hidrogénio, amoníaco, metano, algumas descargas eléctricas e o resultado foi... Bem, regressemos primeiro a 1929, altura em que o grande bioquímico britânico Haldane e o soviético Oparin anunciaram que os ingredientes da vida tinham existido na Terra primordial e que, combinados com a radiação solar e outros mecanismos, desencadeariam a explosão dos seres vivos. Urey sempre gostou da ideia, mas era preciso testá-la. Urey, inicialmente, desencorajou Miller: "Serão precisos anos até termos resultados", disse-lhe. Miller desobedeceu, simulou o ambiente da Terra-bebé e,nesse mesmo dia, encontrou uma camada de hidrocarbonetos na água; uma semana depois pasmou com uma lama castanha: moléculas orgânicas, aminoácidos, o infinitesimal da vida! Miller enviou os resultados para a revista "Science", creditando Urey como co-autor. Urey riscou o seu nome, argumentando apenas: "Eu já tenho um Nobel!" Carl Sagan, o mais famoso cientista-divulgador do nosso tempo, descreve a experiência como "o passo mais convincente de que a vida pode existir em abundância no cosmos". Parabéns, Stanley Miller, pelo aniversário e pela desobediência!

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O que é Amador é Bom

V838 (vermelo/laranja): uma estrela variável a 20000 anos luz de distância do Sol

A minha crónica semanal no jornal i

Passaria pela sua cabeça ser operado por um cirurgião amador ou entregar a feitura do seu IRS a alguém que ache piada a números? Claro que não! Mas fique a saber que, em matéria de astronomia, profissionais e amadores têm um relação tão profunda como necessária. Neste mês essa relação teve mais um momento invariavelmente elevado, no qual que "variável" foi a palavra-chave. Há um certo tipo de estrelas que apresentam uma visível alteração no seu brilho, alteração que pode ser irregular ou regular num espaço de tempo que pode ir de horas a anos. Estas estrelas são particularmente importantes para os astrónomos porque o seu estudo permite compreender melhor as etapas da vida estelar e estabelecer melhor as distâncias que nos separam das mesmas. São também dos objectos celestes mais apaixonantes para os astrónomos amadores. Desde 1911 que a American Association of Variable Star Observers cataloga este tipo de estrelas, um século de noites fraternais de pais, avós e filhos para benefício dos profissionais. A 19 de Fevereiro, o astrónomo amador belga Franz-Josef Hambsch rubricou a observação número 20 000 000, fazendo deste projecto a mais antiga relação de amor entre profissionais, amadores e cosmos. Já são perto de 1,7 milhões de horas de observação e, apesar de a paixão não ser mensurável, estima-se que ele exigiria um financiamento de 27,5 milhões de dólares caso fosse feito profissionalmente. "Amador" nem sempre é pejorativo!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Singularidades Urgentes (Parte II)

Raymond Kurzweil

A minha crónica semanal no jornal i, desta vez retomando a questão da Singularidade.

Há 2 semanas referi o conceito de singularidade, o momento do futuro em que a evolução tecnológica torna-se tão rápida e de forma profunda que representa uma ruptura na construção da história do Homem.

Curiosamente, a edição da semana passada da revista Time aborda essa temática, focando um dos seus maiores pensadores, o futurista Raymond Kurzweil. Engenheiro, inventor, orador internacional, Kurzweil começou por analisar os grandes passos da humanidade e a contar os intervalos entre os mesmos: entre a revolução agrícola e industrial tivemos 8000 anos, entre a lâmpada e a chegada à Lua viveram-se 90 anos e são apenas 9 os anos que distam entre o aparecimento da internet e o mapeamento do genoma humano.

O progresso não é linear, é exponencial! Os intervalos são, agora, vírgulas. Para Kurzweil, a singularidade ocorrerá em 2045, o ano em que a quantidade de inteligência artificial criada será mil milhões de vezes superior ao somatório de toda a actual inteligência humana. Para onde seguirá tal criatura? E nós?

Hoje, 30 000 pacientes com Parkinson têm implantes electrónicos, há robôs a combater no Afeganistão e, em 1997, Kasparov perdeu um jogo de xadrez para um computador e felicitou-o. A nossa convivência com as nossas criações artificiais é um namoro pacífico. "O Homem não é a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem do que poderia ter", dizia Sartre. Somos uma constante e imparável singularidade.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Tempo Egípcio

Sirius, uma das mais importantes estrelas da antiga astronomia egípcia

A minha crónica semanal no jornal i, esta semana dedicada a um outro Egipto ...


É uma mera curiosidade histórica; nestes tempos conturbados em que o planeta está mergulhado, repare-se na ironia de assistirmos em directo às fragilidades sociais, económicas e políticas de grandes potências com um passado clássico a quem a nossa cultura tanto deve: Grécia e Egipto. Seguir-se-ão os colossos dos Descobrimentos e do Renascimento? Divagações! Como bem reconhecida é a herança grega, falemos do Egipto e da sua astronomia. Para além da ligação da posição das grandes pirâmides com o mapa celestial nocturno, os egípcios tinham um interesse particular por uma estrela que se tornou divindade: Sirius. Majestosa, azul real fascinante, era ansiosamente esperada de manhã; se aparecesse pouco antes do nascer do Sol, trazia um aviso: o rio da vitalidade, o Nilo, inundaria os campos. Para além de Sirius, procuravam também outras 36 estrelas igualmente distanciadas no espaço e que, de dez em dez dias, nasceriam igualmente pouco antes do Sol - seriam as estrelas decanas e aí residiria a base para o ano egípcio (36X10=360) que, mais tarde e melhorado, chegou até nós. Sabiam, também, que o céu parecia rodar à nossa volta e, assim, as decanas deveriam nascer em intervalos regulares na escuridão da noite. Estimavam que nasceriam 12 decanas durante a noite, o mesmo número durante o dia, uma por cada hora. Surge então a duração de um dia: 24 horas. Temos, assim, a glória da astronomia egípcia em cada batimento do nosso moderno Tempo!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Singularidades urgentes




A minha crónica semanal no jornal i; singularidades, voos interestelares, devaneios...


"Estamos hoje mais perto ou mais longe de concretizarmos voos interestelares do que Leonardo da Vinci, em 1485, de ver realizado o seu avião?", perguntou, em 2002, Louis Friedman, ex-director e fundador da The Planetary Society. Entre o génio renascentista e os irmãos Wright há quatro séculos de epopeias. Friedman, obviamente, não tem uma resposta definitiva mas uma suspeita: estamos mais perto. Exercício de fé? Nem tanto. Em 2010, quando voltou a pensar no assunto, emocionou-se com o progresso feito ao nível da nanotecnologia, as emergentes e promissoras novas formas de propulsão, a exponencial evolução na área dos materiais ou o crescente envolvimento do sector privado na aventura espacial. Nada de ilusões, falta muito, sobretudo no estudo das nossas limitações físicas e biológicas. A ficção científica tem um termo interessante: ponto de singularidade, um tempo hipotético do futuro em que o progresso tecnológico se torna magicamente rápido, provocando uma profunda décalage em relação à realidade e às escalas e tornando impossível prever qualquer tipo de futuro, mesmo o mais imediato. Uma abstracção filosófica, quiçá, mas que alguns pensam que poderá ser um dos fenómenos palpáveis do nosso tempo e um dos ex libris desse momento de viragem será, precisamente, enquadrarmos a nossa civilização como viajantes interestelares. Uma vez que já chegámos à "singularidade económica/financeira", aguardemos, com ansiedade, a tecnológica!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Pluviosidades anelares


Excepcionalmente numa 3.ª feira, a minha crónica semanal no jornal i. Uma viagem no tempo e no espaço com os anéis de Saturno como pano de fundo...

Na semana passada, a sonda Cassini, que se encontra no código postal de Saturno e arredores, voltou a tirar mais algumas belas fotografias dos seus anéis. Hoje, estas imagens são já tão corriqueiras que passamos pelas mesmas sem um mínimo repouso visual.

Por vezes, estas estranhas entidades de poeiras e pequenas rochas (que terão pertencido a uma lua que não chegou a formar-se e ficou para sempre desfragmentada à volta de Saturno) ainda nos confundem: lembra-se daquele atleta que corria por cima dos anéis num famoso anúncio publicitário de uma marca de vestuário desportivo? Ainda se perguntou: aquilo é mesmo possível?

Mas, historicamente, os lindos anéis serviram para outros propósitos. Isaac Newton Vail (e este último nome é fulcral para não se confundir com o génio inglês do séc. XVIII), cientista da religião Quaker, estabeleceu, em 1886, uma teoria que defendia que a Terra teria, há muitos anos, um conjunto de anéis em tudo semelhante a Saturno. Aliás, para Vail, todos os planetas tiveram anéis num qualquer passado.

O que aconteceu aos nossos? Perderam o equilíbrio, colapsaram em direcção à superfície e, quando chocaram com a atmosfera, dissolveram-se numa tenda de vapor de água 150 km acima do nível das águas. Essa tenda tornou-se instável e desabou sob a forma de chuva intensa e duradoura; nesse tremendo temporal, Vail encontrou a causa e a explicação maior para o Dilúvio referenciado na Bíblia!

Haja anéis divinos!

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...