domingo, 31 de março de 2019

"Um mundo sem empregos", documentário que deve interrogar quem tem responsabilidades educativas

Vale a pena ver ou rever um documentário que voltou a passar há alguns dias na RTP2, assinado por Philippe Borrel e intitulado "Um mundo sem empregos". Eis a sua apresentação:
O pleno emprego pertence a um passado sem retorno. Máquinas «inteligentes», mais confiáveis do que nós ​​e mais baratas em termos de produção estão a substituir os trabalhadores por todo o mundo: se antes foram dispensados os que tinham funções manuais, agora, em plena quarta revolução industrial, são os de colarinho branco da classe média. Passando por França, Bélgica, Suíça, Silicon Vallery e Costa Leste dos Estados Unidos, o realizador fala com investigadores, empreendedores e resistentes a este novo mundo tecnológico.

Quem é professor ou tem outras funções educativas na escola pública deve tirar deste excelente documentário as conclusões óbvias, sendo que deve fazê-lo antes que seja substituído por um qualquer automatismo: a determinação global para preparar "capital humano" que "funcione" no "mercado de trabalho" na lógica do "produtor-consumidor" nem sequer será o futuro. O futuro é muito bem capaz de ser a alienação do humano. Por isso (ainda que não só por isso), se justifica robustecer o discernimento das novas gerações, sendo que, para tanto, só conhecemos uma maneira: proporcionar-lhes conhecimento que potencie o pensamento livre.

"A estupidez é contagiosa e demasiadas vezes é ela quem vence"

Imagem recolhida aqui
Agradecemos ao nosso leitor Manuel Pinto o envio da ligação online para um texto de José Rentes de Carvalho, publicado no dia 9 de Março, no seu blogue "Tempo contado" com o título  "A estupidez pega-se". 

Rentes de Carvalho é escritor, foi jornalista e professor universitário de Literatura Portuguesa e Brasileira em Amesterdão.

Vale a pena ler o seu texto pelo menos por uma razão: tomarmos consciência ou aprofundarmos a consciência de que os "nossos problemas" respeitantes à educação, nos seus diversos níveis e áreas, não são apenas nossos, são globais. 

Se fossem apenas nossos, isso seria preocupante mas estariam localizados e haveria esperança de, por comparação com o exterior, os reconhecermos e, com o reconhecimento, os procurarmos superar. Acontece que somos apenas e só mais um país dominado pela "narrativa da educação que queremos para o futuro que queremos".

"Há momentos em que a surpresa de algumas notícias tem efeito parecido ao de uma cacetada que nos deixa atordoados, naquele estado de descrença em que as emoções levam a melhor sobre o entendimento, e de seguida, não podendo reagir doutra maneira, desatamos às patadas no chão, aos murros na mesa, aos berros e aos insultos, fúria inútil que não alivia, apenas testemunha da nossa impotência. 
Segunda-feira 25 de Fevereiro. Anoto a data, embora me pareça que a não vou esquecer tão cedo. Aqui em Amesterdão pego no jornal Het Parool e fico de boca aberta (a fúria virá logo a seguir) com um título que em letras gordas ocupa toda a largura da capa e anuncia que uma das duas universidades da cidade, a Vrije Universiteit, vai terminar com os estudos da língua neerlandesa, por razões tão várias como a falta de interesse por parte dos estudantes, que preferem as ciências exactas, mas também porque o estudo da literatura e da língua-mãe não é fashionable, e em muitos cursos o neerlandês já foi substituído pelo inglês. 
Aos argumentos práticos e económicos de no departamento de Línguas e Literatura já serem mais os funcionários do que os estudantes, acrescenta-se o de que os rapazes e as raparigas que no liceu se interessam pelas Letras ‘não contam’, nem são populares entre os colegas. 
Por último uma inesperada objecção que seria cómica se não fosse estúpida, sem pés nem cabeça, a de que actualmente ‘o estudo das línguas é um hobby de esquerdistas’. 
Os dias vão correndo, a agitação abrandou, um ou outro tolo poderá argumentar que essa decisão me entristece porque toca em algo que afecta o que foi a minha vida profissional e continua a ser a minha paixão, mas assim não é, e se por acaso fosse seria o menos. O que me faz descarrilar é a cegueira, a estupidez mandante dos que querem e têm o poder de tornar supérfluo o que deveria permanecer essencial, de suporem que tudo é técnica, mecanismo, algoritmos, de que a vida são os computadores, a internet, e a única sociedade real a do Facebook. 
Com os muitos anos que levo conheço o desespero da impotência, sei de sobra o pouco que o indivíduo conta e a amargura que dá ver como um a um se vão desfazendo os sonhos, mas sei também a força que pode encerrar um ideal, e por vezes encontro algum alívio na certeza de que a esperança é a última a morrer. 
Contudo, e por muito que queira, não consigo libertar-me de uma outra bem desagradável certeza, a de que a estupidez é contagiosa e demasiadas vezes é ela quem vence."

Desculpe, não entendi!

Por estes dias alguém me perguntou o que é que eu havia entendido de uma notícia do jornal Público (28 de Março) assinada por Clara Viana, com o título "Por mais flexibilidade que exista, a avaliação tem de ter efeitos para os alunos", que incluía depoimentos de especialistas da "minha área".

Li e reli o texto que dá conta de uma das muitíssimas sessões de esclarecimento que se fazem no país sobre o Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular. Como, por regra, me acontece quando tento decifrar declarações que se lhe referem, não entendi claramente nada.
Diz uma das entrevistadas, professora de Ciências da Educação e consultora do Ministério da Educação, que o Projecto “morrerá na praia se não houver consequências da avaliação” porque foi “criado para ajudar os alunos a aprender melhor”, não sendo compatível “com pautas recheadas de más notas” (…).
Sem pôr em causa a competência da jornalista, admito que talvez se tenha perdido algum elemento da entrevista ou que esta entrevistada não se tenha explicado bem, uma vez que não fica evidente o que quer dizer. Vejamos: 
- Presume-se que uma alteração curricular seja feita "para ajudar os alunos a aprender melhor”, pois que outro fim têm as alterações curriculares em sociedades democráticas? E presume-se que tenha efeitos na avaliação pois a avaliação é parte integrante do currículo (o currículo inclui basicamente três componentes que se organizam, não em sequência mas a par: planificação, interacção, e avaliação). Isto está bem, ainda que seja óbvio.
- Mas, precisamente porque se trata de uma alteração curricular, não conseguimos prever todas as suas consequências, podendo dar-se o caso de as pautas que dela decorrem se "rechearem" de boas ou de más notas. Uma coisa é o projecto, outra é a avaliação final, sumativa, classificativa.
Faço a mesma consideração em relação a perguntas que professores colocaram a essa consultora: "a avaliação tradicional não acabará por atrapalhar a possibilidade de darem as suas aulas de modo diferente?". Ora, o que se quer dizer com:
- "Avaliação tradicional"? A que inclui testes, exames? Acontece que essa será "tradicional" ou "inovadora" consoante a perspectiva em que nos coloquemos. Entendo que a proposta de B. Bloom e colaboradores, com mais de meio século de uso e, logo, certamente categorizada como "tradicional", foi e continua a ser a mais adequada que a pedagogia produziu. A questão não está em a avaliação ser "tradicional" (leia-se "má") ou "inovadora"(leia-se "boa") mas em ser filosoficamente sustentável e cientificamente adequada.
- "Darem-se aula de um modo diferente"? Diferente de quê? Do modo "tradicional"? Mas o que é o modo "tradicional" de dar aulas, sem se cair na paupérrima, triste e desajustada caricatura do professor, de todos os professores a falarem e os alunos a ouvirem "passivamente"? Caricatura que consultora, de resto, invocou: “falei com muitos alunos e há um ponto comum que é o de gostarem da escola e dos seus professores. O problema é que não gostam das aulas” (...) [os professores] falam o tempo inteiro”. Repito a questão não está no modo "tradicional" (leia-se "mau") ou "inovador" (leia-se "bom") de ensinar mas no modo filosoficamente sustentável e cientificamente adequado de o fazer, independentemente de os alunos "gostarem" mais ou menos.
Por outro lado, o que se refere na notícia sobre a posição do presidente da Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas em relação aos testes e exames, leva-me a concluir que a semente lançada abertamente em Portugal no ano passado por Andreas Schleicher está a dar frutos. Declarou, à altura, este representante para a Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que os exames são o pior do sistema de ensino português.
Não corroborando propriamente esta posição, disse este presidente que "a conciliação do novo projecto com a realização dos exames nacionais foi um dos principais constrangimentos apontados pelas escolas, no que respeita à sua aplicação no ensino secundário". E acrescentou: “por causa do modelo de acesso ao ensino superior, as escolas continuam refém dos exames e isso é muito redutor”.
Em suma, nada posso explicar a quem me pediu explicação que vá além do que acima disse. E o que acima disse nada explica.

O resultado do processo disciplinar instaurado ao Professor Joaquim Sousa

Voltando ao caso do Professor Joaquim Sousa, na sequência de dois textos:
O "director que deu a volta à escola" e que teve de abandonar a escola 
O processo está em curso e o recado está dado. O caso Joaquim Sousa.
Bárbara Reis, que tem acompanhado de perto o caso, num artigo de opinião ("Os 12 crimes do professor Joaquim Sousa") saído no jornal Público de dia 29 de Março, explica o processo disciplinar, quem o instruiu e o seu resultado. São 388 os artigos de "nota de culpa" de que resultam 12 "ilícitos" que a autora do artigo felizmente, e como diz, traduziu para "português inteligível":
1. “Requisitar docentes para além das necessidades reais.” O “crime” foi pedir dois educadores de infância que a instrutora acha desnecessários. Esses educadores trabalharam um ano na Seara Velha, um lugar isolado dentro do isolado que é o Curral das Freiras — mais de meia hora a pé. Não sei se eram ou não necessários, mas pelo que percebi a escola tem hoje menos uma sala de pré-primária mas mantém o número de educadores, incluindo os dois do “crime”. 
2. “Pôr em funcionamento cursos para os quais não tinha autorização.” “Cursos” significa turmas. Aqui há dois “crimes”. O primeiro foi não enviar a lista dos nomes dos alunos de três turmas do Curso de Educação e Formação de Jovens já autorizadas. O outro foi enviar para o Funchal os papéis de abertura de uma turma de ensino para adultos em Setembro em vez de em Julho 
3. “Não notificar formalmente os docentes dos seus horários semanais de trabalho e respectivas alterações.” “Crime”: distribuir os horários por email e na plataforma electrónica e não em papel. Isto não é uma piada. 
4. “Elaborar horários semanais de trabalho dos docentes com irregularidades.” “Crime”: na primeira semana de aulas do ano, os horários eram marcados de forma provisória, sabendo todos que, depois de falarem com alunos e conhecerem as turmas, far-se-ia o horário definitivo. 
5. “Não assegurar as aulas dos alunos em sede das matrizes curriculares.” “Matrizes curriculares” são conteúdos — a “matéria”. “Crime”: esperar pela resposta do Funchal antes de substituir uma professora que tinha partido o perónio. 
6. “Distribuir serviço docente do 1.º ciclo do ensino básico recorrente a uma docente sem habilitação profissional para tal.” “Crime”: dar aos alunos uma professora com excesso de qualificações. 
7. “Distribuir serviço docente em regime de coadjuvarão sem autorização da DRIG e da DRE.” “Crime”: 7 professores passaram duas horas por semana ao lado de alunos que precisavam de ajuda especial, como as crianças que tinham acabado de chegar da Venezuela, “traduzindo-lhes” as aulas em sussurro. 
8. “Distribuir serviço docente com conteúdos funcionais que extravasam o plasmado no artigo 38.º do Estatuto da Carreira Docente da Região Autónoma da Madeira.” “Crime”: a escola criou os programas voluntários de Acolhimento e Prolongamento (45 minutos cada), para as crianças dos 4 meses aos dez anos não ficarem na rua à espera da abertura do portão. O mesmo à tarde. Na nota de culpa, a instrutora diz que os docentes tinham de “mudar fraldas”. 
9. “Estabelecer regras no regime de assiduidade sem enquadramento legal.” “Crime”: os professores não registaram na plataforma digital os sumários sobre as suas actividades extra-lectivas, só os da matéria dada. 
10. “Permitir a existência de horários dos alunos sem respeitar as matrizes curriculares.” “Crime”: a escola deu uma hora a menos de aulas de Matemática e Português do 5.º e 6.º ano e uma hora a mais de apoio a essas disciplinas. 
11. “Distribuir serviço docente com horas extraordinárias não respeitando as normais legais.” “Crime”: seis professores foram compensados em tempo de descanso. A lei prevê e todos concordaram. 
12. “Autorizar a anulação de matrícula de aluno dentro da escolaridade obrigatória.” “Crime”: aprovar a anulação da matrícula de um aluno que, tendo sido aceite em duas escolas, ficou na de Setúbal."
Chegado aqui, o leitor deve ler o artigo de onde foi retirado este extracto: "Os 12 crimes do professor Joaquim Sousa"

quinta-feira, 28 de março de 2019

"Asteróides : mais que meros calhaus"

"O átomo divisível"

Portugal em Direto - falo no minuto 26.14 sobre ciência e música

Portugal em Direto: A atualidade diária do nosso país. 'Portugal em Direto' é um espaço de informação nacional apresentado pela jornalista Dina Aguiar, que aposta na atua

Manifesto Por cuidados de saúde de base científica



Sou um dos subscritores do Manifesto abaixo transcrito  e que pode ser assinado neste link:


O objectivo é contrariar a influência que os terapeutas alternativos têm tido sobre o poder político, o que lhes tem garantido (especialmente a partir de 2013) grandes vantagens legislativas, tais como a emissão de cédulas profissionais pela Admnistração Central do Sistema de Saúde (que induz os utentes em erro, dando a falsa ideia de uma base científica dessas terapias). 

Agora os terapeutas alternativos pressionam para a integração no SNS, o que seria um retrocesso civilizacional e dinheiro dos contribuintes deitado à rua. É preciso travar e reverter essa fantochada legislativa.

Já pedimos audiências aos grupos parlamentares e às comissões parlamentares competentes, esperando vir a sensibilizar o poder político.

Manifesto

Por cuidados de saúde de base científica


Nos últimos 100 anos, a esperança de vida dos portugueses terá mais do que duplicado: em 1920, não chegava aos 36 anos; em 2016, ultrapassou os 80 anos. Este progresso é resultado da feliz conjunção de múltiplos fatores, mas a todos eles estão subjacentes a ciência e o seu uso no apoio à tomada de decisões. É muito difícil apontar uma área de atividade humana que não tenha beneficiado, direta ou indiretamente, do desenvolvimento científico, sobretudo a partir de meados do século XIX. A saúde é uma das áreas na qual o conhecimento científico trouxe benefícios extraordinários. O conhecimento cada vez mais detalhado da biologia e da fisiologia humana, graças a técnicas baseadas em conhecimento científico; a compreensão das causas de muitas doenças ao nível molecular; a identificação de agentes microbiológicos patogénicos; e, em particular, o uso de métodos estatísticos para avaliar a eficácia e segurança de cada tratamento, permitem-nos viver cada vez mais e melhor. A medicina baseada na ciência não é certamente o único fator que para isso contribui, mas é uma condição fundamental para que tal seja possível. Entre nós, um conjunto de decisões no modo como foi reorganizada a prestação de cuidados de saúde aos portugueses, nomeadamente a partir da década de 1960, resultou numa melhoria na saúde dos portugueses que não tem paralelo em qualquer parte do mundo e que nos colocou, em menos de meio século, no grupo da frente em termos de indicadores de saúde.

Paralelamente a esta evolução, temos assistido ao renascimento de um movimento que, no seu todo ou em parte, recusa a evolução do conhecimento científico e dos conhecimentos e práticas que a aplicação da ciência nos trouxe. Assente na iliteracia científica que infelizmente ainda caracteriza uma grande parte da população, e usando um discurso que apela a falácias bem conhecidas (por exemplo: o apelo naturalista, o argumento da antiguidade ou o apoio em testemunhos) estes movimentos adotaram legalmente a designação de Terapêuticas Não Convencionais (TNC). Conseguiram insinuar-se na sociedade e na estrutura de decisão política, perante a passividade das estruturas e pessoas que teriam a obrigação de defender a saúde pública e o progresso científico e social do país. Como resultado, estas práticas pseudocientíficas, nomeadamente acupuntura, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa, naturopatia, osteopatia e quiropraxia acabaram por ser reconhecidas com força de lei (Lei 45/2003, Lei 71/2013, e sucessivos instrumentos legislativos). O passo lógico seguinte já foi anunciado e encontra-se em marcha: a pressão dos seus praticantes para a integração destas práticas no Serviço Nacional de Saúde.

Na verdade, estas práticas são, no mínimo, inúteis e causadoras de desperdício de recursos humanos e materiais; no máximo, podem causar danos diretos, objetivos e mensuráveis, ou indiretos, ao atrasar ou levar à recusa de intervenções médicas efetivas para os problemas de saúde.
Deve ser salientado que países onde estas práticas se encontravam instituídas, como o Reino Unido ou a Austrália, têm vindo a remover progressivamente o seu apoio às mesmas pela sua demonstrada falta de eficácia e plausibilidade à luz dos conhecimentos científicos. Mais recentemente, em Espanha, as poucas universidades em que algumas delas eram ensinadas têm vindo a eliminá-las do currículo pelos mesmos motivos: demonstrada falta de eficácia e de base científica. O Ministério da Saúde espanhol tem em curso uma campanha destinada a proteger os cidadãos espanhóis destas mesmas falsas terapias. Portugal, assim, apresenta-se em contraciclo em relação a países desenvolvidos de referência.

Posto isto, os subscritores do presente Manifesto afirmam que:
  1. Portugal goza de níveis de saúde a par com os melhores do mundo. Isto deve-se a fatores de vária ordem, entre os quais se incluem um conjunto de profissões e práticas de saúde cientificamente validadas e em permanente evolução, que são a garantia de que os portugueses continuarão a ser objeto dos melhores cuidados de saúde possíveis em cada momento da evolução civilizacional humana.
  2. A introdução, na prestação de cuidados de saúde dos portugueses, de práticas sem fundamentação científica, de base pseudocientífica ou mítico-mágica, não constitui um aumento da liberdade de escolha do cidadão: é, pelo contrário, um retrocesso civilizacional objetivo, é o regresso a práticas há muito ultrapassadas pela evolução da ciência e cujo lugar é nos livros de história da medicina, é uma atitude reacionária em relação ao progresso da humanidade.
  3. Em políticas de saúde não é possível regular o que não tem fundamento lógico. Regular estas práticas será sempre um exercício de ficção, porque se estará a tentar regular práticas sem demonstração de eficácia ou demonstradamente ineficazes.
  4. As leis em vigor referentes a estas práticas, e acima referidas, não trazem qualquer benefício concreto à saúde dos portugueses, limitando-se a promover o florescimento de uma indústria assente na ficção e no analfabetismo científico, esbanjadora de recursos e, em última análise, deletéria para a saúde dos portugueses.

Assim sendo, os subscritores do presente manifesto recomendam:
  1. A revogação das Leis 45/2003, 71/2013 e sucessivos instrumentos legislativos reguladores, que erradamente induzem o cidadão comum a considerar a acupuntura, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa, naturopatia, osteopatia e quiropraxia como intervenções em saúde válidas.
  2. A eventual substituição da referida legislação por leis no âmbito da higiene e segurança, fiscalizadas por entidade competente, que claramente identifiquem estas práticas como não constituindo cuidados de saúde, à semelhança da astrologia e atividades correlatas.
  3. Que se torne prioridade nacional e de regime o ensino de pensamento crítico e do método científico, no âmbito alargado da filosofia, obrigatório para todos os alunos do ensino secundário.
  4. Que o Ensino Superior – Universidade e Politécnico, em todas as áreas – seja incentivado a reforçar o ensino dos métodos, práticas e processos da ciência nos seus currículos, e a remover dos seus currículos o ensino de práticas pseudocientíficas que apenas o desprestigiam.

Concluindo, a pseudociência, o recurso a falácias e o obscurantismo mítico-mágico são armas de opressão do ser humano. O conhecimento científico é, na sua essência, libertador e progressista, reforça a consciência cívica e permite ao ser humano escolhas mais esclarecidas e livres. Esta é a nossa luta: por uma sociedade mais livre e esclarecida.

Os subscritores iniciais,
Armando Brito de Sá, Médico – Medicina Geral e Familiar / COMCEPT
Diana Barbosa, Bióloga e comunicadora de ciência /COMCEPT
João Monteiro, Biólogo e doutorando em história da ciência / COMCEPT
David Marçal, Bioquímico e divulgador de ciência / COMCEPT
Maria Esteves Pereira, Advogada
Ana Sofia Rosário, Cidadã
David Silvério Rodrigues, Médico – Medicina Geral e Familiar; investigador, divulgador de literatura médica
Ricardo Gaio Alves, Professor universitário / COMCEPT
Nuno Fragoso Gomes, Digital Social & Content Strategist / COMCEPT
Pedro Miguel de Almeida Marques, Compositor / COMCEPT
José Gabriel P. Rosa, Tradutor / COMCEPT
Catarina Pereira, COMCEPT
Marco Filipe, COMCEPT
António Manuel Portela Vilas Boas, Bancário / COMCEPT
Leonilde Portela Vilas Boas, Professora / COMCEPT
Antonio Gomes da Costa, Diretor de Educação e Mediação Científica / COMCEPT
Patrícia Gonçalves, Investigadora em Física, Deputada Municipal em Lisboa / COMCEPT
Cláudio Tereso, Administrador e programador de sistemas informáticos / COMCEPT
Rui Salvador Nunes da Costa, Funcionário público / COMCEPT
Paulo Jorge de Sousa Pinto, Historiador / COMCEPT
Nuno Miguel Alves Paulo, Inspetor tributário / COMCEPT
Leonor Abrantes, Guia-intérprete / COMCEPT
Carlos Fiolhais, Professor de Física da Universidade de Coimbra / COMCEPT
António Vaz Carneiro Médico, Professor da FMUL
Constantino Sakellarides, Médico e Professor jubilado
Desidério Murcho, Professor de filosofia, autor e tradutor
Rosalvo Almeida, Médico aposentado – Neurologia
Ludwig Krippahl, Professor auxiliar na NOVA FCT
José Germano de Sousa, Médico, ex-Bastonário da Ordem dos Médicos
João Carlos Gomes Moura Pires, Professor universitário
João Adélio Marinho Trocado Moreira, Médico – Medicina Geral e Familiar
Luiz Miguel Santiago, Médico, professor universitário
João Ramalho-Santos, Biólogo e professor universitário
Helena Beça, Médica – Medicina Geral e Familiar
Paulo Goucha, Médico – Medicina Geral e Familiar
Mónica Granja, Médica – Medicina Geral e Familiar
Mónica Duarte Correia de Oliveira, Professora universitária – IST
Jorge Manuel Reis Alves Brandão, Médico – Medicina Geral e Familiar
Fernando Manuel A. Afoito, Médico – Medicina Geral e Familiar
Isabel Cristina O. González Cunha, Investigadora em Ciências do Mar
Carlos Arroz, Médico – Medicina Geral e Familiar
Hermínia Isabel Ferreira Teixeira Médica – Medicina Geral e Familiar
António Guilherme Silva Bastos, Médico
Rui Manuel Fialho Rosado, Médico
Loide Tomás Madureira Mestre em Gestão de Recursos de Saúde
Miguel de Ornelas Pires Mota de Azevedo, Médico – Medicina Geral e Familiar
Paulo Sérgio Rodrigues Pires, Médico – Medicina Geral e Familiar
Edgar José Sanches Mascarenhas, Estudante de doutoramento de Engenharia e Gestão no IST
Luís Nobre Lucas, Empresário
Rui de Oliveira Beleza, Aluno de doutoramento
Tiago Beites, Investigador científico
Paulo Ribeiro Claro, Docente universitário
Belina Rosa Gonçalves Nunes, Médica – Neurologia
Pascale Charondière, Médica – Medicina Geral e Familiar
Leandro Miguel Pacheco de Oliveira, Agricultor
José Oliveira Silva, Aposentado
Marco Mira, Empresário
Ângela Maia, Professora universitária
Margarida Maria Gil Pereira, Médica – Anestesiologia
Miguel Mealha Estrada, Neurodesenvolvimento e psicoterapia pediátrica
Luís Miranda, Médico – Cirurgia geral
Alberto Dias da Silva, Médico – Cirurgia vascular
José Veloso, Engenheiro
Maria Isabel Coutinho Vieira, Professora
Manuel António Rocha Sousa Magalhães, Editor de publicações médicas
Ana Valentim, Médica
José Manuel Gonçalves de Oliveira, Médico – Pediatria
João Henrique Martins Vaz Ramires, Médico – Medicina Geral e Familiar
Cristina Maria Antunes Martins d´Arrábida, Enfermeira-chefe Coordenadora Executiva de Normas Direção-Geral da Saúde
Adriana Rubín Barrenechea, Médica – Medicina Geral e Familiar
João Rodrigues, Médico – Medicina Geral e Familiar, Presidente da USF-AN
Catarina Viegas Dias, Médica – Medicina Geral e Familiar
Ana Rita de Jesus Maria, Médica – Medicina Geral e Familiar
Nuno Rodrigues, Médico – Saúde Pública
Bruno Heleno, Médico – Medicina Geral e Familiar; Professor Auxiliar NOVA Medical School
Paulo Santos, Médico – Medicina Geral e Familiar, competência em Geriatria; Professor Universitário
António Oliveira, Psicólogo
Jorge Félix Cardoso, Estudante de Medicina e Filosofia Política
Hugo Dario de Alge Cadavez, Médico – Medicina Geral e Familiar
Otília Maria Pereira de Queirós, Médica
Víctor Manuel Borges Ramos, Médico
Isabel Cássio, Médica
Ana Raposo Marques, Médica – Medicina Geral e Familiar
Jorge Silva, Médico – Medicina Geral e Familiar
Luís Filipe Ribeiro de Almeida Gomes, Médico – Medicina Geral e Familiar
Ana Beatriz Rosa Nunes, Médica interna de Saúde Pública
Pedro Casaca Carvalho, Médico
Pedro Monteiro, Médico
Renata Filipa dos Santos Romão Nunes Simões, Advogada
André Simões, Professor universitário, doutorado em Estudos Clássicos – Literatura Latina
Flávio Simões, Médico – Medicina Geral e Familiar
Adelino Leite Moreira, Médico – Cirurgia Cardiotorácica
José Lima, Tradutor
Guilherme Gonçalves Duarte, Médico – Saúde Pública
Marta Alexandra Duarte Santos Silva, Estudante de Medicina
Vítor José da Silva Oliveira, Auxiliar de Ação Médica e Promotor de Ceticismo Científico
Pedro Galvão, Professor universitário de filosofia
Luísa Soares Teixeira, Hortifruticultora e gastrónoma
Carlos Alberto D’Almeida Antunes, Engenheiro Electrotécnico
Hugo Chambel, Consultor Financeiro
Vera Gomes, Consultora Política
Daniel Marques Augusto, Médico
João Carlos Peres do Carmo Duarte, Estudante de Medicina
Mónica E.S. Pina, Médica
António Granado, Professor universitário
Cláudia Braia, Farmacêutica
Luís Rosário, Médico
Carlos Manuel Silva Martins, Médico – Medicina Geral e Familiar, Professor Auxiliar Faculdade de Medicina, Universidade do Porto
José Manuel Mendes Nunes, Médico – Medicina Geral e Familiar, Professor Universitário NOVA Medical School
Ana Matos Pires, Médica – Psiquiatria
Pedro Russo, Professor, Universidade de Leiden, Países Baixos
Pedro Boléo, Programador sénior, analista de sistemas e empresário
Marco Santos, Gestor de conteúdos no Sapo
João Júlio Cerqueira, Médico – Medicina Geral e Familiar
Augusto Santana Brito, Médico – Saúde Pública
João Pedro Vicente Tereso, Arqueólogo
Nuno Henrique Franco, Investigador
Rui Couceiro, Editor
Pedro Homero Costa, Recrutador de recursos humanos
João Gaspar, Biólogo
Tiago Charters de Azevedo, Professor do Ensino Superior Politécnico
Joana Raquel de Castro Barros, Comunicadora de ciência
António Piedade, Comunicador de ciência
Joana Lobo Antunes, Farmacêutica e comunicadora de ciência
Dália Antunes, Formadora e psicóloga
Orfeu Bertolami, Professor universitário, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Carla Catarina Fileno das Neves, Cuidadora informal de avó com doença de Alzheimer
Vera Maria Medeiros Rios Vasques dos Santos, Coordenadora Comercial / Gestora de Equipa – ramo de dermocosmética
Rui Patrício, Consultor
Diogo Daniel dos Santos Ferreira, Oficial do Exército Português
Júlio Souto, Médico intensivista (aposentado)
Bruno Salgueiro, Enfermeiro
Cátia Nevado, Técnica de Diagnóstico e Terapêutica – Área de Radiologia
Ana Resende Mateus, Médica – Medicina Geral e Familiar
Pedro Mendonça, Gestor Cultural
Paulo Velez Muacho, Advogado / Deputado Municipal
António Magalhães, Médico
Paula Barradas Tadeu, Doméstica
João Rodrigues, Médico
Alexandre Manuel Rodrigues dos Santos Cartaxo, Consultor Científico
Carlos Manuel Brandão Perdigão, Médico – Cardiologia. Professor Agregado da Faculdade de Medicina de Lisboa (aposentado)
Filomena da Luz Martim Pereira, Médica – Professora Universitária IHMT/UNL
João Manuel Vasconcelos Costa, Médico – Investigador Reformado – IGC
José Martinho do Rosário, Médico
João M. Pacheco Cabral de Carvalho, Médico
Diogo Alves da Silva Freire, Estudante (NOVA FCT)
Luís Campos Rodrigues, Engenheiro – Google
Carlos Eduardo Nobre Cesário e Silva, Engenheiro biológico e escritor
Henrique Soares, Técnico de Arquitetura e Ordenamento do Território
Tiago Lopes, Médico – Medicina Geral e Familiar
Teresa Ventura, Médica – Medicina Geral e Familiar. Professora Convidada da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa

quarta-feira, 27 de março de 2019

"Genética para todos"

EFEMÉRIDES CIENTÍFICAS 27 DE MARÇO


Nova contribuição do bibliotecário Adriano Simões da Silva do Porto (na imagem Roentgen):


27 de março de 1845– Nasce Wilhelm Conrad Röntgen, físico alemão que ganhou o Prémio Nóbel da Física em 1901 pela descoberta dos Raios X, tendo falecido em 10 de fevereiro de 1923. Ciência.

27 de março de 1847 – Nasce Otto Wallich, químico alemão, dos primeiros que investigou os terpenos e as combinações acíclicas, expostas na obra “Terpeno e Cânfora” (1909), tendo recebido o Prémio Nobel da Química em 1910 pelos trabalhos no campo das combinações acíclicas, que influenciaram grandemente a indústria dos perfumes e óleos essenciais. Ciência. Indústria química.


27 de março de 1854 – Nasce Giovanni Grassi, zoólogo italiano que demonstrou que o mosquito transporta, no seu sistema digestivo, o parasita Plasmodium, causador da malária. Ciência.

terça-feira, 26 de março de 2019

"Mais importante que saber a data..."

Praticamente todos os dias, desde há muito tempo, que leio afirmações como a que se segue: 
“... mais importante que saber a data da Batalha de Aljubarrota, é dar a conhecer aos nossos jovens os problemas do mundo”, bem como fomentar “os valores de cidadania, democracia, igualdade, liberdade e fraternidade” (aqui). 
A desvalorização do conhecimento, ou de um certo tipo de conhecimento (no caso conhecimento declarativo de tipo factual) é uma tragédia para a aprendizagem. Sem informações dinamicamente integradas e guardadas na memória é impossível compreender "os problemas do mundo", ter uma atitude crítica em relação a eles e encontrar possibilidades criativas para os enfrentar. 

Sem esse conhecimento aliado ao conhecimento declarativo de tipo conceptual não haverá também possibilidade de saber o que são e quais são os valores de cidadania, nem de interiorizar valores como a "democracia, igualdade, liberdade e fraternidade".

É, para mim, muito claro que aquilo que a educação deve almejar é chegar ao conhecimento metacognitivo (o que permite pensar sobre o conhecimento que temos), mas para que isso seja possível é preciso adquirir conhecimento estruturante (declarativo e procedimental).

Quando leio afirmações como a que acima reproduzi, a minha preocupação aumenta:
por um lado, a frequência com que chegam aos professores, os meios diversos que as veiculam, a variedade de pessoas que as proferem, faz com que se vão enraizando no seu pensamento, traduzindo-se em práticas de ensino. Não pode ser de outra maneira; 
por outro lado, muitas das pessoas que as veiculam têm responsabilidade directa no sistema de ensino público, entre elas estão académicos e "estrategas da inovação", mas estão, igualmente, representantes da tutela e professores.
Como pode a, agora, representante da tutela que, antes, foi professora de História (área disciplinar onde o conhecimento factual é nada menos do que fundamental) fazer a afirmação objecto deste apontamento? 

BIO-REXISTASIA

Deixei passar o Dia Mundial da Floresta que se celebrou no passado dia 21. Peço, pois, perdão a Silvano, o deus romano das florestas, a Pã, o seu equivalente na mitologia grega, e aos meus habituais leitores. Em remissão desta falta, deixo-vos aqui uma teoria particularmente simples, bela e certeira que não vejo ter o lugar que devia no ensino das ciências da Terra.

Esta teoria tem, ainda, particular importância na visão geo-biológica das alterações climáticas, de que muito se fala actualmente.

É sabido que os nazis se apropriavam de tudo o que pudessem de bens culturais (obras de arte de museus e de colecções particulares) e científicos. Contava André Cailleux, meu professor e orientador de tese na Universidade de Paris, que Henri Herhart (1898-1982), da Universidade de Estrasburgo, o feliz autor desta teoria, trabalhava nela aquando as tropas de Hitler invadiram a França, em Maio de 1940. Receoso de ser espoliado do muito material de investigação que tinha em mãos, escondeu-o entre as pedras de uma parede de uma velha casa, indo busca-lo após a libertação, em 1944.

Eu frequentava, por essa altura (1962-1964), o 3ème Cycle de Sédimentologie, (o equivalente ao nosso Mestrado), na Universidade de Paris e lembro-me que a teoria de Herhart estava, como se costuma dizer, na ordem do dia.

Ei-la, em traços muito gerais.

Numa concepção do solo como um fenómeno geológico, introduzida pelo geólogo americano Cutis Fletcher Marbut (1863-1935), o geógrafo francês Henri Herhart publicou, em 1956, uma interessante e original teoria “La genèse des sols en tant que phénomène géologique: Esquisse d'une théorie géologique et géochimique, biostasie et rhexistasie”, com uma segunda edição na Masson, Paris, em 1967.

Segundo o autor francês, certas regiões do globo estiveram ou estão numa situação que referiu por BIOSTASIA, (do grego bios, vida, e státis, estabilidade) isto é, uma situação de equilíbrio biomorfológico, expresso principalmente por uma muito vasta e densa cobertura vegetal, de longa duração e estável. Tal acontece porque, durante milhões de anos, não se verificaram variações sensíveis das condições ambientais sob as quais essa cobertura se desenvolveu, situação exemplificada pela actual floresta quente-húmida amazónica. O equilíbrio biológico próprio deste tipo de cobertura vegetal protege o solo da erosão mecânica, mas é favorável à alteração química em profundidade e subsequente evacuação dos materiais solubilizáveis. O período biostásico é sempre um intervalo de tempo longo, à escala geológica, e de pedogénese intensa.

Por outro lado, REXISTASIA (do grego rhexis, rotura, e státis, estabilidade) refere, ao contrário, um tempo muito mais curto, caracterizado pela rotura daquele equilíbrio e consequente destruição da cobertura vegetal, com exposição do solo à erosão mecânica. As causas desta interrupção são geralmente devidas a mudanças climáticas, mais ou menos acentuadas e bruscas, quer no sentido do arrefecimento, quer no da elevação da temperatura, acompanhada de secura, conduzindo à desertificação.

Durante os longos períodos biostásicos, a manutenção de condições de humidade e de temperatura relativamente elevadas e estáveis, associadas à exuberância da cobertura vegetal dela dependente, conduzem a intensa alteração das rochas e a profunda evolução dos solos, proporcionando, contudo, acentuada protecção destes materiais, face aos agentes de erosão mecânica. Praticamente, só os produtos solúveis resultantes da decomposição são mobilizados e arrastados pelas águas de infiltração, no trabalho de lavagem que exercem ao atravessá-las antes de atingirem os cursos de água. Neste contexto, poderá falar-se de erosão química.

Com efeito, ricos de substâncias químicas em solução (iões como Ca2+, Mg2+, K+, Na+, CO3H-, CO2-, PO4H2-, SO42-, etc., e moléculas como SiO2) os rios promovem o seu transporte até aos locais de sedimentação, onde esta se processa por mera precipitação química destas substâncias ou através da acção de seres vivos que, previamente, as incorporam na construção dos seus esqueletos, isto é, por via bioquimiogénica. Tal é o caso de bivalves, gastrópodes, foraminíferos, algas coralinas e outros construtores de esqueletos carbonatados, ou de radiolários, diatomáceas e outros construtores de esqueletos siliciosos.

Em síntese e por outras palavras, diremos que, no que se refere à sedimentogénese em períodos de biostasia, a sedimentação terrígena é reduzida, ao contrário da sedimentação química e/ou bioquímica. O material terrígeno resultante da alteração neste tipo de ambiente e que tinge a água dos rios é, predominantemente argiloso, impregnado de óxidos de ferro.

Nos períodos de desnudação da cobertura vegetal, resultante das crises rexistásicas, a floresta deixa de proteger a superfície do solo que, em consequência do período anterior, está profundamente alterado e, portanto, facilmente atacável pela erosão. Os materiais postos em jogo no transporte e sedimentação subsequentes são essencialmente detríticos e reflectem, na parte inferior das séries sedimentares que alimentam, os produtos da capa de alteração (a primeira a ser erodida) e, na parte superior, os materiais não alterados do substrato desnudado, sujeito, sobretudo, a desagregação e erosão mecânicas. O período rexistásico é um período de morfogénese intensa, não necessariamente longo, e a ele se associam escassez de sedimentação química e/ou bioquímica, em contraste com a grande importância de sedimentação detrítica, muitas vezes de carácter torrencial bem marcado e sempre revelador de maior ou menor imaturidade.

A dialéctica biostasia “versus” rexistasia, tal como a concebeu Ehrart, reforçou a dimensão geológica dos solos, na medida em que estes são também testemunhos das paisagens continentais suas contemporâneas, quer nos aspectos físicos (relevo, clima) quer biológicos, em particular, a vegetação. Os constituintes minerais do solo (areia, argila) ficam, muitas vezes, com marcas características dos ambientes a que estão submetidos. O mesmo acontece com os solos do passado que, na sequência da erosão, acabaram por transitar essas marcas para as rochas sedimentares detríticas, hoje patentes em sequências estratigráficas nas quais, como nas páginas de um livro, as procuramos ler e interpretar.
A. Galopim de Carvalho

Why calories are a con | The Economist

MInha entrada sobre "Ciência" no dicionário "Emprendipédia" (Gradiva) que acaba de sair






O termo ciência (do latim “scientia”, conhecimento) significa tanto o corpo sistematizado de conhecimentos acerca do mundo, estando o homem evidentemente incluído no mundo, como o método que permite adquirir esses conhecimentos, o chamado método científico. A ciência pode ser fundamental ou aplicada conforme a sua motivação seja apenas a curiosidade ou também a necessidade de resolver um problema humano de ordem prática. Falamos de tecnologia ou técnica (do grego “techné”, arte ou ofício) quando nos referimos a aplicações da ciência com implicações na vida humana.  A tecnologia precedeu a ciência, mas hoje praticamente toda a tecnologia deriva da ciência. A história da ciência e tecnologia ensina que as aplicações da ciência surgem por vezes quando e de onde menos se espera, desde que a investigação fundamental seja cultivada. Modernamente, usa-se a palavra inovação para expressar o impacto económico da ciência e tecnologia.

A ciência tem raízes na Antiguidade Grega, já que assenta nas primeiras tentativas feitas nessa época de racionalização do mundo. Contudo, só nos séculos XVI e XVII  ocorreu a chamada Revolução Científica, à qual associamos grandes nomes como Galileu, Descartes, Harvey e Newton,  um período no qual foi desenvolvido o método científico, que continuamos a usar hoje, baseado na observação (em geral, baseada em instrumentos), na experimentação (que é uma observação em condições controladas) e no raciocínio lógico (assente na matemática). A validação dos resultados dos cientistas pelos seus pares e a sua comunicação alargada são características muito importantes do método científico. Para facilitar esses processos existem associações, encontros e revistas científicas. Percebeu-se na  Revolução Científica que o mundo funciona de uma forma regular e uniforme, traduzida por leis científicas, que são enunciados simples com base nas quais podemos efectuar previsões. O êxito da ciência tem sido, em lerga medida, o sucesso dessas previsões. Embora haja uma histórica tendência reducionista na ciência, isto é, a tentativa de reduzir o todo às partes, sabe-se hoje que muitos sistemas são eminentemente complexos, isto é, neles o todo excede a soma das partes. Embora nesse caso as previsões sejam mais difíceis e, em parte, incertas, elas revelam-se ainda possíveis.

A Revolução Industrial, que mudou a economia  humana, seguiu-se, no século XVIII, à Revolução Científica: as máquinas começaram a substituir o trabalho humano. Embora de início essas máquinas tenham surgido para responder a necessidades empírcas logo se percebeu que eram precisos conhecimentos científicos para optimizar equipamentos e processos. Às máquinas a vapor sucederam-se as máquinas eléctricas e a estas as electrónicas, que hoje são ubíquas no mundo, estando ligadas entre si no nosso mundo global. O nosso mundo de hoje deriva, em larga medida, da extraordinária expansão da ciência e tecnologia. Os modernos meios de saúde, a habitação, os transportes, as comunicações, etc. estão em todo o lado impregnados de ciência.

A ciência, realizada por uma comunidade científica à escala internacional, divide-se em várias disciplinas, como, no lado das ciências e naturais, a matemática, a física, a química, as ciências da vida e as ciências da Terra e do Espaço, e do lado das Ciências Sociais e Humanas, a história, a economia, a psicologia, a sociologia, etc. Uma marca muito forte da ciência contemporânea é a necessidade de interdisciplinaridade, isto é, de ligação entre as disiciplinas, dada a complexidade de muitos problemas que a ciência hoje enfrenta. Por sua vez, a tecnologia também se divide em vários ramos: as engenharias civil, mecânica, electrotécnica, informática, química, ambiental, biomédica, etc.  A ciência e a tecnologia são estudadas pela filosofia, pela história e pela sociologia. Existem várias teorias filosóficas que tentam compreender o que é a ciência: um dos mais influentes dos filósofos contemporâneos de ciência é Karl Popper, um autor para quem a ciência “não é a busca da certeza.... Todo o conhecimento humano é falível e portanto incerto”. Contudo, a aplicação do método científico permite-nos reduzir progressivamente a incerteza. A ciência é cumulativa, no sentido em que o novo conhecimento tem de encaixar no conhecimento anterior, ao mesmo tempo que o alarga. A ciência interage com outras dimensões humanas, como a ética, a política, a religião e a arte, estando por isso consciente dos seus limites. Por exemplo, coloca desafios que exigem respostas que não podem ser dadas por ela. Estando a ciência inscrita na cultura não admira que um dos grandes debates da actualidade seja acerca da relação entre ciência e sociedade, quer dizer a procura da melhor compreensão da ciência pelo público para que este possa participar na tomada de decisões que tenham a ver com a ciência e mesmo na definição e resolução de questões científicas. Afinal a ciência não é da comunidade científica, mas sim um empreendimento da sociedade como um todo.

Hoje em dia, boa parte do empreendedorismo assenta em ideias e meios científicos e técnicos, quer dizer, a criação de novas empresas ou a transformação de empresas já existentes parte de possibilidades oferecidas pelo conhecimento científico e tecnológico. Basta olhar para empresas relativamente recentes baseada nos computadores ou na Internet como a  Microsoft, a Apple,  a Google e a Amazon,  para percebermos o extraordinário impacto da ciência na sociedade actual. A educação para o empreendedorismo, seja qual for a  forma que tomar, tem portanto de incluir a ciência e a tecnologia. Essa educação deve começar por ser uma boa educação científica, uma educação que permita desenvolver elementos essenciais da ciência como a criatividade, a persistência, o trabalho de equipa e a comunicação.

Em suma: a ciência e a tecnologia que hoje lhe está intimamente associada constituem a base sobre a qual assentam hoje muitos ensaios de empreendedorismo, alguns deles muito bem sucedidos do ponto de vista económico e social.

Carlos Fiolhais*
*Professor de Física da Universidade de Coimbra

REFERÊNCIAS:

- João Caraça, “O que é a Ciência”, Lisboa, Difusão Cultural,  1997.
-  Jorge Calado, “Os Limites da Ciência”, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014.
- Manuel Mira Godinho, “Inovação em Portugal”, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013.



MAIS EFEMÉRIDES DE CIÊNCIA E TÉCNICA

Informação do bibliotecário Adriano Simões da Silva do Porto:

25 de março de 1853 – Ciência: Christian Doppler, filho de pedreiros que não tendo saúde para ser pedreiro, foi físico e matemático austríaco, apresenta, numa reunião na Sociedade Acadêmica da Boêmia, em Praga, em 25 de março de 1842, o trabalho “Über das farbige Licht der Doppelsterne”, ou seja, “sobre a cor da luz das estrelas duplas”. Ficou famoso e o efeito tem o seu nome. 

25 de março de 1878 – O pianista e compositor portuense António Soller escreve como na Exposição de Paris de 1878 viu o fonógrafo de Edison e não acreditou. Pediu licença para ir cantar ao bocal do fonógrafo e “cantei o Hino de Maria da Fonte! Só depois do fonógrafo repetir o que acabava de cantar, é que me dei por convencido da sublime e esplêndida invenção de Edison” (artigo em “O Tripeiro”, abr.1953, p. 354-355). 

Palavras de Bolso - Física Divertida

Palavras de Bolso: 'Física Divertida - Eureka!', de Carlos Fiolhais. Música: 'Litanies du Feu et de la Mer II', de Emmanuel Nunes, por See Siang Wong. - Uma abordagem lúdica da famosa experiência de Arquimedes. Eureka!

"Trazemos de certo modo a teoria quântica no bolso"

Minha  entrevista a BEATRIZ DIAS COELHO beatriz.coelho@ionline.pt que saiu ontem no jornal I:

 No dia 13, um artigo publicado na revista Scientific Reports, "Arrow of time and its reversal on the IBM quantum computer", ultrapassou as fronteiras da comunidade científica e originou um mar de títulos apelativos na imprensa: o britânico Independent, por exemplo, escreveu "Cientistas 'invertem o tempo' com um computador quântico num estudo inovador" (Scientists 'reverse time' with quantum computer in breakthrough study). O i quis saber se foi de facto assim e Carlos Fiolhais prontificou-se a esclarecer a questão. "Há uma lei da física- a Segunda Lei da Termodinâmica - segundo a qual é impossível voltar ao passado", refutou o físico. A conversa foi além da polémica e estendeu-se ao percurso do fisico e à física quântica em geral.

 Os investigadores conseguiram de facto fazer o tempo voltar atrás? 

Não, não fizeram uma viagem no tempo. Tanto quanto sabemos, e apesar de muitas especulações, é impossível voltar para trás no tempo. Há uma lei da física - a Segunda Lei da Termodinâmica - segundo a qual é impossível voltar ao passado. Nessa lei surge uma grandeza física - a entropia - que, num sistema isolado, é sempre maior no futuro do que no passado. De resto, as viagens no tempo implicam problemas lógicos, como o paradoxo que consiste em evitar que o pai e a mãe se enamorem um do outro... Eu sei que desde o romance A Máquina do Tempo de H. G. Wells há muitas obras de ficção científica sobre o tema, mas a ciência não permite concretizar nenhum desses enredos. Modernamente, há quem fale em viagens no espaço-tempo no cosmos através dos chamados "buracos de minhoca", mas as condições para cavar esses buracos parecem impraticáveis. No artigo em causa, uma colaboração entre russos, americanos e suíços, o que se fez foi uma simulação do recuo no tempo de um eletrão realizada num computador quântico. Mas é uma só partícula e tratou- se de um cálculo. Para uma só partícula a diferença entre passado e futuro não existe. A teoria quântica mostra reversibilidade no tempo. Não foi violada qualquer lei da Física.

 Falou sobre "buracos de minhoca". O que são? 

 São túneis ou atalhos no espaço-tempo. Exigem concentrações tremendas, impraticáveis, de matéria ou energia (segundo Einstein equivalentes), que deformam o espaço-tempo. O filme Contacto, com Jodie Foster, explorou o assunto.

 O que significa fazer o tempo voltar para trás num computador de fisica quântica?

 Um computador quântico em vez de bits (zeros e uns nos registos) usa "qubits" [bits quânticos], que podem ser sobreposições de zeros e uns. Na teoria quântica os estados podem ser de sobreposição: como no famoso "gato de Schroedinger", que só existe na imaginação, que pode estar vivo e morto ao mesmo tempo. Um eletrão num átomo pode estar num estado que é a sobreposição de dois estados de energia diferentes, por exemplo o estado fundamental e o primeiro estado excitado. Os computadores quânticos, ao contrário dos clássicos, executam processos reversíveis. Nesta simulação, realizada num computador quântico da IBM de acesso público na Internet, foi calculado o comportamento de um eletrão em sistemas de dois e três qubits. Existe um grande controlo do sistema. O sistema evoluiu na simulação num certo sentido temporal e, depois, por adequada manipulação, fez-se regressar ao estado inicial.

 Que importância tem esta experiência? 

 Não é uma viagem no tempo, mas tem interesse teórico. Pode até ter interesse prático, pois um dos problemas dos computadores quânticos é que eles têm de estar num ambiente muito frio e isolados do exterior. Qualquer interação com o exterior prejudica a irreversibilidade, de modo que o algoritmo agora usado poderá servir para detetor de erros devidos a indesejada interação com o exterior. Note-se que a teoria quântica é probabilista, pelo que foram feitas várias experiências. No sistema de dois qubits conseguiu-se reversibilidade em 85% dos casos e no sistema de três qubits apenas em 50%. Quanto maior for o sistema, mais difícil se torna assegurar a reversibilidade do processo.

 É possível a partir daqui pensar na possibilidade de fazer o tempo realmente voltar para trás? 

 Acho que não... Tenho muita pena, nem a teoria quântica nem os computadores quânticos fornecem esse sonho humano que é voltar para a juventude.

 Como definir a física quântica para quem não está dentro do assunto? 

 A física quântica é a teoria que descreve o comportamento de sistemas em pequena escala, como eletrões, protões, núcleos atómicos, átomos, moléculas, etc. Apesar de se referir ao microcosmos, tem consequências à nossa escala - por exemplo, o fenómeno do magnetismo tem uma origem quântica - e até à escala cósmica - o nosso Sol vai acabar numa "anã branca", uma estrela estabilizada por um efeito quântico.

 De que forma é que a fisica quântica nos ajuda no dia a dia? 

 De facto, na nossa sociedade a teoria quântica já está ao serviço das nossas vidas: é usada nos transístores, que estão por todo o lado nos telemóveis, computadores convencionais, em equipamentos médicos como a ressonância magnética, etc. Trazemos de certo modo a teoria quântica no bolso. A sociedade global onde a informação circula à velocidade da luz ou quase está inteiramente assente nessa teoria, que surgiu há mais de cem anos.

 É um dos fisicos mais conhecidos por cá. O que o levou a escolher a fisica? 

Entusiasmou-me, quando era jovem - quero dizer; quando era mais jovem -, a aventura do conhecimento. Tive ótimos professores, mas julgo que escolhi a fisica pelos livros de divulgação científica que li em adolescente, como os de Rómulo de Carvalho, professor de fisica que escrevia poemas com o nome de António Gedeão. Essa foi uma das razões pelas quais criei há dez anos - foi no passado, não posso lá voltar! - o Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, que é basicamente uma biblioteca da cultura científica. Uma porta de entrada na ciência.

 Ao longo da sua carreira, o que destacaria do trabalho que tem vindo a desenvolver? 

 Fiz bastantes trabalhos em Física Nuclear primeiro e depois em Física da Matéria Condensada, usando sempre a teoria quântica, pois esta descreve tanto os núcleos como os sólidos. Tenho um artigo que tem mais de 18 mil citações, o que significa que houve mais de 18 mil artigos que o utilizaram. Também tenho trabalhado sobre a História da Ciência, em particular a História da Ciência em Portugal. E tenho procurado levar a ciência às pessoas, ao maior número de pessoas: seja através dos livros (escrevi até hoje mais de 60), seja de revistas e jornais, da rádio e da televisão e através da Internet. Para já não falar das muitas palestras em que falo, as últimas foram sobre computação quântica na Academia da Força Aérea e sobre a música de Holst, "Os Planetas", com a Orquestra Metropolitana de Lisboa no Instituto Politécnico de Leiria. 

Em que projetos está envolvido de momento?

 Oriento alguns doutorandos em História da Ciência. Estou a trabalhar com o historiador José Eduardo Franco num grande projeto editorial, "Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa", no Círculo de Leitores, formada por 30 volumes, onde se reúnem as primeiras obras sobre qualquer assunto escritas de raiz em português: por exemplo o primeiro livro de física, o primeiro livro de botânica, etc. Dirijo a coleção "Ciência Aberta" da Gradiva, onde tenho dado voz a cientistas portuguesas. No Rómulo tenho vários projetos em curso: o mais inovador é uma escola dentro da Universidade, que permite aos alunos do 4.º ano do concelho de Cantanhede passarem uma semana em Coimbra. Também lancei o Rómulo Digital, que disponibiliza na Internet muitos documentos da história e divulgação da ciência. Tem vários livros no currículo, através dos quais divulga ciência.

 De onde vem esse gosto?

Li e leio muitos livros. Sou um comprador de livros compulsivo, chego a comprar livros que já tenho. Já disse depois de conferir na estante: "É tão bom que eu já o tenho, vou dá-lo ao Rómulo..." Gosto de falar dos livros como "máquinas do tempo", porque eles trazem até ao presente mensagens dos nossos antepassados. Se escrevermos livros, teremos futuro, porque, mesmo que seja daqui a muitos anos, é possível que alguém nos venha a ler. Ler um autor é escutá-lo, como se ele estivesse a falar só para nós, ainda que o autor esteja morto há muito tempo. Para quem escreve é uma viagem ao futuro, para quem lê é uma viagem ao passado.

 Porquê divulgar ciência?

 A ciência não é dos cientistas mas de todos. É não só importante divulgar ciência como imprescindível. A aventura do conhecimento é de toda a humanidade, pelo que é obrigação dos cientistas entregarem a todos o que conseguem saber. Sem a apropriação da ciência pela sociedade seria impossível haver um sistema  científico e tecnológico. Sem ciência e tecnologia estaríamos mais pobres. Mais pobres culturalmente, porque a ciência é uma forma de cultura. Mas mais pobres materialmente, porque não teríamos nem computadores nem equipamentos médicos nem nada... Entre nós, o Ciência Viva, que tenho apoiado desde o início, tem feito alguma coisa, mas pode-se fazer muito mais e muito melhor.

 A tabela periódica faz este ano 150 anos. O que seria de nós sem ela? 

É uma ferramenta indispensável? A tabela periódica que celebramos este ano resume a nossa informação sobre os átomos que formam o mundo, incluindo nós próprios. É uma síntese notável, tal como a síntese de Newton entre os movimentos na Terra e os movimentos no céu, que nos permitiu há 50 anos ir à Lua, ou a síntese de Darwin entre todos os seres vivos, antigos e atuais, integrando-os numa grande árvore de que somos parte. Na tabela periódica estão os primeiros 118 elementos químicos - poderemos descobrir mais, embora os elementos mais pesados sejam instáveis. A tabela periódica cabe numa folha A4 porque os núcleos mais pesados se desintegram. A teoria quântica explica por que razão a tabela é periódica: tem a ver com a arrumação dos átomos em níveis de energia.

 E o átomo, é mesmo a base de tudo, como se costuma dizer?

 Sim, os átomos são os blocos organizados do mundo material. Tudo na Terra é feito de átomos. Nós por exemplo somos essencialmente oxigénio, carbono, hidrogénio e nitrogénio. O nosso corpo tem, em massa, 65% de oxigénio, 19% de carbono, 10% de hidrogénio e 3% de nitrogénio. O resto - cálcio, fósforo, etc. - são só uns pozinhos. Já agora: o nosso oxigénio e o carbono foram feitos nas estrelas, nós somos "filhos das estrelas". Essa ligação entre a Terra e o cosmos é uma das grandes lições da Fisica Moderna, da qual a teoria quântica faz parte.

"Um inventor em Aldoar e a busca de vida no Universo"

O MÉTODO DE ARQUIMEDES

Informação recebida de um dos autores:

C. P. Magnaghi e A. K. T. Assis,
"O Método de Arquimedes: Análise e Tradução Comentada" (Apeiron, Montreal), 234 páginas,
ISBN-10: 1987980174 e ISBN-13: 978-1987980172.

O livro está disponível gratuitamente no formato PDF (16 Mb):

http://www.ifi.unicamp.br/~assis/O-Metodo-de-Arquimedes.pdf

Em 1906 Johan Ludvig Heiberg (1854-1928), filólogo e historiador da ciência dinamarquês,
descobriu um texto até então desconhecido de Arquimedes (287-212 a.C.).
Era uma carta endereçada a Eratóstenes (285-194 a.C.), o famoso cientista grego responsável pela grande  Biblioteca de Alexandria e pela medida mais famosa e precisa da antiguidade do raio da Terra.

Este trabalho de Arquimedes tem sido desde então chamado usualmente de O Método.
Normalmente os cientistas usam a matemática para deduzir leis e propriedades físicas dos corpos.
Arquimedes inverteu este procedimento ou paradigma com seu método,  utilizando a física para derivar resultados matemáticos.

Apresentou nessa carta um método heurístico para calcular áreas, volumes e centros de gravidade
de figuras geométricas utilizando a lei da alavanca. Foi assim, em particular,  que conseguiu deduzir originalmente pela primeira vez grandezas matemáticas extremamente  importantes tais como a área e o volume de uma esfera.  Por este motivo seu método tem sido considerado por alguns autores como uma revolução copernicana.

Esse livro apresenta uma análise e uma tradução comentada completa, do grego para o português,
dessa obra de Arquimedes. Nele são incluídos também diversos elementos de uma versão ilustrada desse método  no qual utilizamos o mínimo de matemática e uma grande quantidade de figuras mostrando as  alavancas em equilíbrio empregadas implicitamente por Arquimedes.

O livro impresso pode ser adquirido pela Amazon:

http://www.amazon.com/dp/1987980174

domingo, 24 de março de 2019

JOSÉ LIBERATO E "O INVESTIGADOR PORTUGUÊS EM INGLATERRA"


No dia 7 de Março foi lançado na Casa da Escrita em Coimbra por iniciativa da Comissão Liberato o livro "A importância de se chamar português: José Liberato Freire de Carvalho na direcção do Investigador Português, 1814-1819" de Adelaide Maria Muralha Vieira Machado, com a chancela da Lema d´Origem. Trata-se de uma edição impressa da tese de doutoramento em História e Teoria das Ideias que a autora defendeu em 2011 na Universidade Nova de Lisboa sob a orientação da Prof.a Doutora Zília Osório de Castro, que fez um prefácio para a obra. O livro foi apresentado pela Profª Doutora Isabel Nobre Vargues, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra A ocasião da publicação foi o fecho em Fevereiro de 1819, há precisamente 200 anos, do jornal "O INVESTIGADOR PORTUGUEZ EM INGLATERRA", poucos meses (e dois números) após José Liberato Freire de Carvalho ter deixado a sua direcção assim como a escrita da uma coluna intitulada "Reflexões".

O jornal literário, político e científico (albergava uma uma coluna sobre temas científicos, como era comum em jornais enciclopédicos da época) durou entre Junho de 1811 e Fevereiro de 1819, tendo sido editados 92 números mensais (que perfazem 23 volumes). Na Alma Mater da Universidade de Coimbra estão digitalizados alguns números. De 1811 a 1815 foi impresso por H. Bryer, na Bridge Street, passando a ser impresso por T. C. Hansard, na Fleet Street, local histórico da imprensa britânica. Na época havia para além deste dois outros jornais portugueses em Londres. Recorde-se que a Inglaterra era aliada de Portugal e que a corte portuguesa ainda estava no Brasil em 1919 na altura e de lá veio a ordem de proibição, impedindo a sua entrega em Portugal (onde havia um bom número subscritores), em sinal de desagrado pelas ideias liberais, isto é, anti-absolutistas, do periódico. 

Quem foi José Liberato, o director deste jornal entre 1814 e 1819? A ficha na Wikipedia é bastante completa. Nascido em Coimbra (S. Martinho do Bispo) em 1772, ano da reforma pombalina da Universidade e falecido em Lisboa em 1855, foi, jornalista, intelectual e político defensor das ideias liberais (lembre-se que os 200 anos da Revolução Liberal serão comemorados em 2020). De seu nome de baptismo é José Freire de Carvalho  foi frade crúzio (estudou no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra), tendo sido presbítero sob o nome de D. José de Loreto. Embora a sua vocação religiosa não fosse grande, viveu nos mosteiros de Refoios do Lima e  de S. Vicente de Fora, em Lisboa, onde ensinou Lógica e Retórica. Traduziu para português a obra "A Arte de Pensar" de Étienne de Condillac, da qual há um uma recente edição em fac-simile. Em Lisboa, conviveu com Gomes Freire de Andrade, o general maçon que haveria de ser enforcado em S. Julião da Barra em 1817, e com o poeta Manuel Maria Bocage, também ele maçon. José Liberato foi um dos grandes nomes da maçonaria portuguesa, tendo ingressado na loja Fortaleza do Grande Oriente Lusitano, sob o nome de Spartacus.

Durante a Guerra Peninsular, a vida de Freire de Carvalho foi bastante atribulada. Começou por servir de intérprete em S. Vicente de Fora no diálogo com os franceses da primeira invasão (o general Junot era maçon), Foi feito refém em Coimbra durante a terceira invasão (do general Massena, também maçon) quando esta cidade foi ocupada. Acusado de colaboração com os franceses foi retido em Santa Cruz e em Refoios do Lima, sítios da sua ordem. Foi nessa altura que decidiu fugir clandestinamente, abandonando de vez a vida religiosa.

 O nome de Liberato foi adoptado pelo próprio quando se exilou em Londres, no ano de 1813, fugindo das perseguições que lhe estavam a ser movidas pelo governo português e pela própria igreja. O jornal "O Investigador Português" e depois deste "O Campeão Português" foram os órgãos através dos quais divulgou as suas ideias, denunciando a incompetência da corte no Brasil assim como a má gestão do general inglês William Beresbord, que na prática dirigia o reino na metrópole. O jornal tinha sido fundado com o patrocínio da Coroa portuguesa, sendo seus redactores os médicos Bernardo Abrantes e Castro, Vicente Nolasco da Cunha e Miguel Caetano de Castro. Houve apoio inicial do embaixador português em Londres, D. Domingos de Sousa Coutinho,  Conde do Funchal. José Liberato substituiu Abrantes e Castro, mas mudou a linha editorial ao opor-se às posições da  Coroa no Brasil. Não admira por isso que o príncipe D. João tivesse parado com o apoio ao jornal, uma posição assumida em Londres pelo novo embaixador, o Duque de Palmela. Sem o pagamento de algumas assinaturas a expensas da coroa o periódico não poderia sobreviver. Durante o tempo que durou foi um periódico importante para se compreender a política da época: o "Investigador Português" cobriu por exemplo, a Convenção de Viena, em 1814-1815 , que discutiu o futuro da Europa após a derrota de Napoleão, conforme bem descreve Adelaide Machado na sua tese.

José Liberato regressou a Portugal em 1821, reingressando no Grande Oriente Lusitano. Fundou o jornal  "O Campeão Português em Lisboa", onde continuou as suas críticas à corte portuguesa no Brasil, foi deputado às cortes em 1822-1823, mas, em consequência da Vilafrancada, foi obrigado a voltar à sua casa de Coimbra. Voltou à política após a Carta Constitucional de 1826, tendo ocupado um lugar no Ministério dos Negócios Estrangeiros e sido redactor da "Gazeta de Lisboa", orgão do governo liberal. Com a subida ao poder de D. Miguel voltou a exilar-se em Londres, tendo integrado em 1833 as forças liberais que se juntaram no Porto. Foi no tempo do segundo exílio que teve contacto com o futuro Marechal Saldanha, igualmente  maçon. Voltou depois a ocupar um lugar parlamentar. Foi arquivista da Câmara dos Pares e director a Imprensa Nacional. Foi membro da Academia das Ciências de Lisboa. Perto do fim da vida, publicou em 1854 as suas Memórias, que podem ser lidas no Google.

Para saber mais:

- DIAS, Mário Simões, José Liberato Freire de Carvalho (1772-1855)- Sua Vida e Pensamento. Carviçais: Lema d' Origem.

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