quinta-feira, 21 de março de 2019

“POÇÕES E PAIXÕES”



O Elixir do Amor, ópera cómica em dois actos do italiano Gaetano Donizetti, estreada em 1832 em Milão, é um exemplo das muitas conexões que podemos encontrar entre a química e a ópera. Um médico aldrabão, o Dr. Dulcamara (“doutor enciclopédico”) recomenda um licor que faz milagres, curando uma variedade de doenças, desde a impotência sexual à asma.  O nome do médico, que significa “doce e amargo,” coincide com o de uma planta da família da beladona e da mandrágora. Um camponês apaixonado (o tenor) solicita a bebida ao falso médico (baixo) a fim de conquistar a sua amada, uma rica proprietária (soprano). O líquido não é mais do que vinho de Bordéus, mas circunstâncias fortuitas fazem com que surta o pretendido efeito e, como convém a um bom final, o amor triunfe.

Esta história evoca uma outra, medieval e lendária, da paixão entre o cavaleiro Tristão e a princesa Isolda. Os dois bebem uma poção mágica que os vai unir, apesar de Isolda estar prometida a outro. O enredo é trágico em vez de cómico pois Tristão acaba por morrer, ferido por uma lança, e Isolda morre a seguir, ferida de tristeza. O tema serviu ao alemão Richard Wagner para escrever uma das óperas mais famosas do seu reportório, Tristão e Isolda, em três actos, que estreou em 1865 em Munique. Segundo o médico alemão Gunther Weitz, que publicou em 2003 sobre o assunto um artigo no British Medical Journal, os sintomas de Tristão e Isolda são típicos de drogas como alguns alcaloides presentes na família das solanáceas, precisamente aquela a que pertence a dulcamara. Os sintomas da intoxicação, descritos no libreto, são inequívocos. Quer dizer, pode-se fazer um diagnóstico médico com base num texto cantado.

Tudo isto e muito mais e encontra no livro do João Paulo André, professor de  Química na Universidade do Minho e apaixonado da ópera, no livro intitulado Poções e Paixões e subintitulado Química e Ópera, que é o número 225 da colecção “Ciência Aberta” da Gradiva. Com extraordinária erudição e num estilo cativante, o autor conduz-nos numa viagem ao mundo da ópera. Ao lê-lo ficamos a perceber que a ópera, o chamado espectáculo total, é muito mais do que “histórias em que o barítono ama o soprano, que ama o tenor”. A obra, ricamente ilustrada, é uma tentativa bem-sucedida de junção das duas culturas, a cultura científica e a cultura artística.

Ficamos, logo no início do livro, a saber que a ópera começou em 1597, em Florença com a representação de Dafne, do italiano Jacopo Peri, membro da Camerata Fiorentina. Não deixa de ser curioso notar que a esse grupo tenha pertencido Vincenzo Galilei, tocador de alaúde e teórico da música, que foi pai do físico Galileu Galilei, que também tocava esse instrumento. Portanto, a ópera começou praticamente ao mesmo tempo que a ciência moderna. Arte e  ciência estão mais ligadas do que se julga… A Química, como bem assinala João Paulo André, é mais recente: só começou em 1789, o ano da Revolução Francesa, com a publicação do Tratado Elementar de Química, do francês Antoine-Laurent Lavoisier.

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