O Elixir do Amor, ópera cómica em dois actos do italiano Gaetano
Donizetti, estreada em 1832 em Milão, é um exemplo das muitas conexões que
podemos encontrar entre a química e a ópera. Um médico aldrabão, o Dr.
Dulcamara (“doutor enciclopédico”) recomenda um licor que faz milagres, curando
uma variedade de doenças, desde a impotência sexual à asma. O nome do médico, que significa “doce e
amargo,” coincide com o de uma planta da família da beladona e da mandrágora. Um
camponês apaixonado (o tenor) solicita a bebida ao falso médico (baixo) a fim de
conquistar a sua amada, uma rica proprietária (soprano). O líquido não é mais
do que vinho de Bordéus, mas circunstâncias fortuitas fazem com que surta o
pretendido efeito e, como convém a um bom final, o amor triunfe.
Esta história evoca uma outra,
medieval e lendária, da paixão entre o cavaleiro Tristão e a princesa Isolda.
Os dois bebem uma poção mágica que os vai unir, apesar de Isolda estar
prometida a outro. O enredo é trágico em vez de cómico pois Tristão acaba por
morrer, ferido por uma lança, e Isolda morre a seguir, ferida de tristeza. O
tema serviu ao alemão Richard Wagner para escrever uma das óperas mais famosas
do seu reportório, Tristão e Isolda,
em três actos, que estreou em 1865 em Munique. Segundo o médico alemão Gunther
Weitz, que publicou em 2003 sobre o assunto um artigo no British Medical Journal, os sintomas de Tristão e Isolda são
típicos de drogas como alguns alcaloides presentes na família das solanáceas, precisamente
aquela a que pertence a dulcamara. Os sintomas da intoxicação, descritos no
libreto, são inequívocos. Quer dizer, pode-se fazer um diagnóstico médico com
base num texto cantado.
Tudo isto e muito mais e encontra
no livro do João Paulo André, professor de Química na Universidade do Minho e apaixonado da
ópera, no livro intitulado Poções e Paixões
e subintitulado Química e Ópera, que
é o número 225 da colecção “Ciência Aberta” da Gradiva. Com extraordinária
erudição e num estilo cativante, o autor conduz-nos numa viagem ao mundo da
ópera. Ao lê-lo ficamos a perceber que a ópera, o chamado espectáculo total, é
muito mais do que “histórias em que o barítono ama o soprano, que ama o tenor”.
A obra, ricamente ilustrada, é uma tentativa bem-sucedida de junção das duas
culturas, a cultura científica e a cultura artística.
Ficamos, logo no início do livro,
a saber que a ópera começou em 1597, em Florença com a representação de Dafne, do italiano Jacopo Peri, membro
da Camerata Fiorentina. Não deixa de ser curioso notar que a esse grupo tenha
pertencido Vincenzo Galilei, tocador de alaúde e teórico da música, que foi pai
do físico Galileu Galilei, que também tocava esse instrumento. Portanto, a ópera
começou praticamente ao mesmo tempo que a ciência moderna. Arte e ciência estão mais ligadas do que se julga… A
Química, como bem assinala João Paulo André, é mais recente: só começou em
1789, o ano da Revolução Francesa, com a publicação do Tratado Elementar de Química, do francês Antoine-Laurent Lavoisier.
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