terça-feira, 26 de março de 2019

MInha entrada sobre "Ciência" no dicionário "Emprendipédia" (Gradiva) que acaba de sair






O termo ciência (do latim “scientia”, conhecimento) significa tanto o corpo sistematizado de conhecimentos acerca do mundo, estando o homem evidentemente incluído no mundo, como o método que permite adquirir esses conhecimentos, o chamado método científico. A ciência pode ser fundamental ou aplicada conforme a sua motivação seja apenas a curiosidade ou também a necessidade de resolver um problema humano de ordem prática. Falamos de tecnologia ou técnica (do grego “techné”, arte ou ofício) quando nos referimos a aplicações da ciência com implicações na vida humana.  A tecnologia precedeu a ciência, mas hoje praticamente toda a tecnologia deriva da ciência. A história da ciência e tecnologia ensina que as aplicações da ciência surgem por vezes quando e de onde menos se espera, desde que a investigação fundamental seja cultivada. Modernamente, usa-se a palavra inovação para expressar o impacto económico da ciência e tecnologia.

A ciência tem raízes na Antiguidade Grega, já que assenta nas primeiras tentativas feitas nessa época de racionalização do mundo. Contudo, só nos séculos XVI e XVII  ocorreu a chamada Revolução Científica, à qual associamos grandes nomes como Galileu, Descartes, Harvey e Newton,  um período no qual foi desenvolvido o método científico, que continuamos a usar hoje, baseado na observação (em geral, baseada em instrumentos), na experimentação (que é uma observação em condições controladas) e no raciocínio lógico (assente na matemática). A validação dos resultados dos cientistas pelos seus pares e a sua comunicação alargada são características muito importantes do método científico. Para facilitar esses processos existem associações, encontros e revistas científicas. Percebeu-se na  Revolução Científica que o mundo funciona de uma forma regular e uniforme, traduzida por leis científicas, que são enunciados simples com base nas quais podemos efectuar previsões. O êxito da ciência tem sido, em lerga medida, o sucesso dessas previsões. Embora haja uma histórica tendência reducionista na ciência, isto é, a tentativa de reduzir o todo às partes, sabe-se hoje que muitos sistemas são eminentemente complexos, isto é, neles o todo excede a soma das partes. Embora nesse caso as previsões sejam mais difíceis e, em parte, incertas, elas revelam-se ainda possíveis.

A Revolução Industrial, que mudou a economia  humana, seguiu-se, no século XVIII, à Revolução Científica: as máquinas começaram a substituir o trabalho humano. Embora de início essas máquinas tenham surgido para responder a necessidades empírcas logo se percebeu que eram precisos conhecimentos científicos para optimizar equipamentos e processos. Às máquinas a vapor sucederam-se as máquinas eléctricas e a estas as electrónicas, que hoje são ubíquas no mundo, estando ligadas entre si no nosso mundo global. O nosso mundo de hoje deriva, em larga medida, da extraordinária expansão da ciência e tecnologia. Os modernos meios de saúde, a habitação, os transportes, as comunicações, etc. estão em todo o lado impregnados de ciência.

A ciência, realizada por uma comunidade científica à escala internacional, divide-se em várias disciplinas, como, no lado das ciências e naturais, a matemática, a física, a química, as ciências da vida e as ciências da Terra e do Espaço, e do lado das Ciências Sociais e Humanas, a história, a economia, a psicologia, a sociologia, etc. Uma marca muito forte da ciência contemporânea é a necessidade de interdisciplinaridade, isto é, de ligação entre as disiciplinas, dada a complexidade de muitos problemas que a ciência hoje enfrenta. Por sua vez, a tecnologia também se divide em vários ramos: as engenharias civil, mecânica, electrotécnica, informática, química, ambiental, biomédica, etc.  A ciência e a tecnologia são estudadas pela filosofia, pela história e pela sociologia. Existem várias teorias filosóficas que tentam compreender o que é a ciência: um dos mais influentes dos filósofos contemporâneos de ciência é Karl Popper, um autor para quem a ciência “não é a busca da certeza.... Todo o conhecimento humano é falível e portanto incerto”. Contudo, a aplicação do método científico permite-nos reduzir progressivamente a incerteza. A ciência é cumulativa, no sentido em que o novo conhecimento tem de encaixar no conhecimento anterior, ao mesmo tempo que o alarga. A ciência interage com outras dimensões humanas, como a ética, a política, a religião e a arte, estando por isso consciente dos seus limites. Por exemplo, coloca desafios que exigem respostas que não podem ser dadas por ela. Estando a ciência inscrita na cultura não admira que um dos grandes debates da actualidade seja acerca da relação entre ciência e sociedade, quer dizer a procura da melhor compreensão da ciência pelo público para que este possa participar na tomada de decisões que tenham a ver com a ciência e mesmo na definição e resolução de questões científicas. Afinal a ciência não é da comunidade científica, mas sim um empreendimento da sociedade como um todo.

Hoje em dia, boa parte do empreendedorismo assenta em ideias e meios científicos e técnicos, quer dizer, a criação de novas empresas ou a transformação de empresas já existentes parte de possibilidades oferecidas pelo conhecimento científico e tecnológico. Basta olhar para empresas relativamente recentes baseada nos computadores ou na Internet como a  Microsoft, a Apple,  a Google e a Amazon,  para percebermos o extraordinário impacto da ciência na sociedade actual. A educação para o empreendedorismo, seja qual for a  forma que tomar, tem portanto de incluir a ciência e a tecnologia. Essa educação deve começar por ser uma boa educação científica, uma educação que permita desenvolver elementos essenciais da ciência como a criatividade, a persistência, o trabalho de equipa e a comunicação.

Em suma: a ciência e a tecnologia que hoje lhe está intimamente associada constituem a base sobre a qual assentam hoje muitos ensaios de empreendedorismo, alguns deles muito bem sucedidos do ponto de vista económico e social.

Carlos Fiolhais*
*Professor de Física da Universidade de Coimbra

REFERÊNCIAS:

- João Caraça, “O que é a Ciência”, Lisboa, Difusão Cultural,  1997.
-  Jorge Calado, “Os Limites da Ciência”, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014.
- Manuel Mira Godinho, “Inovação em Portugal”, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013.



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