Meu artigo no último Das Artes entre as Letras (na figura José Bonifácio de Andrada e Silva):
Está a ser
celebrado em todo o mundo o Ano Internacional da Tabela Periódica, tomando
como pretexto os 150 anos do seu aparecimento, que se deveu ao químico russo
Dmitri Mendeleiev (1834-1907).
Portugal teve
um papel histórico na descoberta do terceiro elemento da Tabela Periódica, o
lítio. De facto, esse elemento químico, que aparece na Tabela logo após o
hidrogénio e do hélio, foi identificado pelo químico sueco Johan August
Arfwedson (1792-1841) no ano de 1817, no laboratório em Estocolmo de um outro
químico sueco, Jöns Jacob Berzelius (1779-1848), analisando um mineral chamado petalita,
que tinha sido encontrado em 1800 pelo químico luso-brasileiro José Bonifácio
de Andrada e Silva (1763-1838) numa mina na pequena ilha de Utö, na Suécia, no
arquipélago de Estocolmo. A petalita ou petalite é um aluminosilicato de lítio,
cuja fórmula química se escreve LiAlSi4O10.
José
Bonifácio, cientista polifacetado (químico, mineralogista e metalurgista), foi
primeiro aluno e depois professor da Universidade de Coimbra. Formou-se na nova faculdade de Filosofia, estabelecida após a Reforma
Pombalina da Universidade de Coimbra em 1772 em Filosofia Natural e
Direito Canónico, em 1787 e em 1788 respectivamente (não há muitos cientistas
naturais que concluíram um curso de Direito!). Após
estudar em Coimbra, iniciou em 1790 uma campanha de viagens na Europa. Beneficiou
de estadas em bons centros científicos da Europa, que duraram até 1800. Durante
este período visitou alguns dos melhores institutos da França, Itália,
Alemanha, Dinamarca, Holanda, Suécia, Grã-Bretanha, etc. Em Paris teve por
mestres de Química dois continuadores de Lavoisier – Jean-Antoine Chaptal (1756-1832)
e Antoine François de Fourcroy (1755 – 1809). Foi discípulo de René Just Haüy
(1743-1822), o fundador da Mineralogia em França. Os seus conhecimentos em
Metalurgia foram aprofundados sob a orientação de Baltazhar-Georges Sage
(1740-1824), director da Escola de Minas de Paris. Na Escola de Minas de
Freiburg foi discípulo do alemão Abraham Gottlob Werner (1749-1817). Nessa
mesma escola, foi colega do naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859),
irmão do filósofo Wilhelm. (1767-1835).
José Bonifácio anunciou
a descoberta de doze novos minerais num artigo do Allgemeines Journal der
Chemie (1800) de Leipzig. Entre esses minerais estavam a petalita e o
espodumeno, os dois aluminossilicatos de lítio. O artigo tinha por título
(traduzido para português): Exposição sucinta das características e
das propriedades de vários minerais novos da Suécia e da Noruega... A
importância deste trabalho justificou a sua publicação, em inglês, no Journal
of Natural Phylosophy, Chemistry and the Arts (1801) e, em francês,
no Journal de Physique, de Chimie, d’Histoire Naturelle et des Arts (1800).
Foi a partir precisamente deste mineral encontrado na ilha de Utö e dos
trabalhos de José Bonifácio que Arfwedson identificou o novo elemento, que veio a ocupar
a terceira casa da Tabela Periódica, ao qual Berzelius deu o nome de lítio, do
grego lithos (pedra). No ano seguinte, um outro grande químico, o inglês
Sir Humphry Davy (1778 – 1829), aplicou a recente técnica da electrólise,
desenvolvida por ele próprio, para isolar o lítio.
Após uma década plena
de actividade científica por toda a Europa, José Bonifácio regressou a Coimbra,
dedicando-se a trabalhos de campo e ao ensino da Metalurgia (foi criada para
ele uma cadeira com esse nome na Universidade de Coimbra). Participou como professor em 1808 nas Invasões Francesas,
na defesa de Coimbra e do país, como membro do Batalhão Académico). Para além da sua actividade docente,
foi Intendente Geral de Minas e Metais do Reino. Administrou também as minas de
carvão de Buarcos, no Cabo Mondego, Figueira da Foz, e de S. Pedro da Cova,
Gondomar, e das Reais Ferrarias da Foz de Alge, um afluente do Zêzere. Foi
Director do Laboratório de Docimasia da Casa da Moeda em Lisboa, onde se
determinava a proporção de metais nos minérios. Foi ainda da sua responsabilidade
a criação de um laboratório de apoio de prospectores mineiros.
Realizou
experiências de fundição de metais no Laboratorio
Chimico, onde hoje é o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Revelou‑se
preponderante no uso de um forno, descoberto na obra de restauro daquele laboratório.
Foi José Bonifácio quem usou pela primeira
vez entre nós a palavra “tecnologia”. E foi também ele quem pode ser
considerado pioneiro da ecologia em Portugal, quando escreveu um livro sobre a
plantação de árvores no Reino (saiu recentemente nas Obras Puioneiras da Cultura portuguesa). Foi membro das Academias de Estocolmo,
Copenhaga, e Turim, da Sociedade dos Investigadores da Natureza de Berlim, das
Sociedades de História Natural e Filomática de Paris, da Sociedade Geológica de
Londres, Werneriana de Edimburgo, Mineralógica e Lineana de Jena, Filosófica de
Filadélfia, etc. Foi ainda membro da Academia Imperial de Medicina do Rio de
Janeiro. Finalmente, José Bonifácio, que foi também
poeta, ficou conhecido na história brasileira, pela sua intervenção no processo
da independência do Brasil, ocorrida em 1822.
O elemento lítio,
que ultimamente ganhou renovado interesse pela possibilidade da sua utilização
em baterias, tem ainda uma outra ligação – esta actual – ao nosso país. Com
efeito, Portugal é o sexto maior país
produtor de lítio em todo o mundo, existindo reservas que oferecem o potencial
para exploração. Eis pois como um elemento, cujo mineral-mãe foi descoberto por
um português em prospecção na Suécia, tem afinal entre nós jazidas onde pode
ser encontrado. Não era preciso José Bonifácio ter ido tão longe…
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