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Rentes de Carvalho é escritor, foi jornalista e professor universitário de Literatura Portuguesa e Brasileira em Amesterdão.
Vale a pena ler o seu texto pelo menos por uma razão: tomarmos consciência ou aprofundarmos a consciência de que os "nossos problemas" respeitantes à educação, nos seus diversos níveis e áreas, não são apenas nossos, são globais.
Se fossem apenas nossos, isso seria preocupante mas estariam localizados e haveria esperança de, por comparação com o exterior, os reconhecermos e, com o reconhecimento, os procurarmos superar. Acontece que somos apenas e só mais um país dominado pela "narrativa da educação que queremos para o futuro que queremos".
"Há momentos em que a surpresa de algumas notícias tem efeito parecido ao de uma cacetada que nos deixa atordoados, naquele estado de descrença em que as emoções levam a melhor sobre o entendimento, e de seguida, não podendo reagir doutra maneira, desatamos às patadas no chão, aos murros na mesa, aos berros e aos insultos, fúria inútil que não alivia, apenas testemunha da nossa impotência.
Segunda-feira 25 de Fevereiro. Anoto a data, embora me pareça que a não vou esquecer tão cedo. Aqui em Amesterdão pego no jornal Het Parool e fico de boca aberta (a fúria virá logo a seguir) com um título que em letras gordas ocupa toda a largura da capa e anuncia que uma das duas universidades da cidade, a Vrije Universiteit, vai terminar com os estudos da língua neerlandesa, por razões tão várias como a falta de interesse por parte dos estudantes, que preferem as ciências exactas, mas também porque o estudo da literatura e da língua-mãe não é fashionable, e em muitos cursos o neerlandês já foi substituído pelo inglês.
Aos argumentos práticos e económicos de no departamento de Línguas e Literatura já serem mais os funcionários do que os estudantes, acrescenta-se o de que os rapazes e as raparigas que no liceu se interessam pelas Letras ‘não contam’, nem são populares entre os colegas.
Por último uma inesperada objecção que seria cómica se não fosse estúpida, sem pés nem cabeça, a de que actualmente ‘o estudo das línguas é um hobby de esquerdistas’.
Os dias vão correndo, a agitação abrandou, um ou outro tolo poderá argumentar que essa decisão me entristece porque toca em algo que afecta o que foi a minha vida profissional e continua a ser a minha paixão, mas assim não é, e se por acaso fosse seria o menos. O que me faz descarrilar é a cegueira, a estupidez mandante dos que querem e têm o poder de tornar supérfluo o que deveria permanecer essencial, de suporem que tudo é técnica, mecanismo, algoritmos, de que a vida são os computadores, a internet, e a única sociedade real a do Facebook.
Com os muitos anos que levo conheço o desespero da impotência, sei de sobra o pouco que o indivíduo conta e a amargura que dá ver como um a um se vão desfazendo os sonhos, mas sei também a força que pode encerrar um ideal, e por vezes encontro algum alívio na certeza de que a esperança é a última a morrer.
Contudo, e por muito que queira, não consigo libertar-me de uma outra bem desagradável certeza, a de que a estupidez é contagiosa e demasiadas vezes é ela quem vence."
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