quarta-feira, 6 de março de 2019

Sem fiança… se atingir a criança: o caso BMW

Texto de Mário Frota, especialista em Direito do Consumo, publicado no jornal As Beiras de hoje.

A BMW, de 1 a 29 de Janeiro de 2017, fez passar na pantalha, por cerca de 650 vezes, em distintos canais – da RTP1 ao Discovery Channel –, em campanha para lançamento de veículos da gama BMW X, mensagens com o emprego de crianças “em seus jogos e brincadeiras” com uma sugestiva advertência: “Volte a ser criança”!

A campanha teve também como suportes diários e semanários de renome, como o PÚBLICO e o EXPRESSO, entre outros. A apDC e a Frente Cívica, a que preside Paulo de Morais, denunciaram tal campanha à DGC – Direcção-Geral do Consumidor.

A DGC instaurou, como lhe competia, os autos de contra-ordenação e infligiu, por decisão de 15 de Dezembro de 2017, coimas no montante global de 120 000 euros.
“As mensagens em causa apresentavam menores, na qualidade de intervenientes principais, o que deriva do objectivo das mensagens: mostrar que a condução dos carros da gama BMW X é um divertimento semelhante ao proporcionado pelas brincadeiras de infância; sendo que não existe ligação directa entre os automóveis da gama BMW X e os menores pelas razões [noutro passo] aduzidas”. 
A BMW e os 9 suportes impugnaram a decisão para a competente instância criminal, no caso, a de Oeiras. O julgamento do recurso pende ali seus termos. E a audiência prosseguirá no dia em que a apDC/Delegação de Leiria promove as IX JORNADAS DE DIREITO DO CONSUMO: “OS MENORES & O CONSUMO”.

Realce aqui para a problemática da publicidade infantil. Louva-se a Direcção-Geral do Consumidor, agora sob nova batuta, por se estar a desobrigar das missões a seu cargo, em contraste com o panorama de outrora. Louva-se a Frente Cívica por se ter associado à apDC na permanente denúncia de situações que tendem a envolver crianças e jovens ao arrepio das prescrições legais, de não exposição e de preservação perante as perturbantes forças do mercado que não olham a meios para atingir ínvios fins.

Nem sempre se tem a percepção do que tal representa na subversão de valores e na perturbação dos equilíbrios domésticos.

Na Europa, o aliciamento de menores pela publicidade representa entre 30 a 40% da afectação dos orçamentos domésticos às suas exigências. No Brasil, p.e., os índices são mais elevados. Países há que proíbem simplesmente a publicidade a menores até aos 12/13 anos e a que os envolve como partícipes.

O regime que vigora em Portugal não o consente em absoluto como o não proíbe de todo. Ei-lo, como se nos apresenta no art.º 14 do Código da Publicidade:
“1 - A publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se, nomeadamente, de:
a) Incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, a adquirir um determinado bem ou serviço;
b) Incitar directamente os menores a persuadirem os seus pais ou terceiros a comprarem os produtos ou serviços em questão;
c) Conter elementos susceptíveis de fazerem perigar a sua integridade física ou moral, bem como a sua saúde ou segurança, nomeadamente através de cenas de pornografia ou do incitamento à violência;
d) Explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, tutores ou professores.
2 - Os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado.” Que às autoridades não doam as mãos sempre que em causa a salvaguarda de valores contra os interesses que se insinuam e subvertem.
Mário Frota 
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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