No seu recente livro Visão, Olhos e Crenças, saído na
colecção “Ciência Aberta” da Gradiva, o professor de Física da Universidade do Porto
Luís Miguel Bernardo ensaia uma combinação entre física, medicina, história e
etnologia. Começando por abordar a visão nos animais e nos seres humanos, foca
a seguir nos olhos, adoptando a perspectiva histórica, para no final tratar dos
mitos, lendas e superstições que proliferam a respeito da visão e dos olhos. Os
interessados pela biologia poderão conhecer a diversidade dos sistemas de visão
no reino animal, incluindo o espantoso camarão louva-a-deus, que possui um dos
mais desenvolvidos sentidos cromáticos do mundo vivo. Os apreciadores da história
da ciência seguirão com prazer a evolução das ideias sobre o funcionamento da
visão e dos olhos. Finalmente, aqueles que apreciam a fantasia e a
religiosidade, poderão aprender histórias do mau-olhado, o mal provocado\ por
bruxas e feiticeiras com um simples olhar.
Para os médicos será particularmente
interessante a apresentação da vida e obra de alguns médicos portugueses que
trataram os olhos, designadamente a meia dúzia que alcançou fama internacional.
O primeiro e talvez o maior de todos foi Pedro Hispano, que, sob o nome de João
XXI, foi eleito papa, até hoje o único papa português. Ele escreveu no século
XIII o Tractatus de Oculis, onde descreve
o olho humano e aborda várias doenças oftalmológicas assim como o seu
tratamento. Consta que, mais tarde, o pintor Miguel Ângelo teria tratado uma doença
dos olhos com uma receita do papa lusitano. Para o único Nobel português em ciência,
Egas Moniz, este seria “um dos primeiros tratados de oftalmologia escritos no
mundo”. No século XVII, pontificou o médico Filipe Montalto, um judeu natural
de Castelo Branco tal como outro grande médico judeu, Amato Lusitano. Tendo
vivido exilado em vários sítios da Europa, publicou em Florença o Optica intra philosophiæ & Medicinæream (1606), onde
apresenta a fisiologia do olho ligando-a às teorias da óptica, isto é, combinando
a medicina com a física imediatamente antes do auge da Revolução Científica
(antecede, por exemplo, Descartes, que também tratou os olhos a óptica).
Montalto recebeu merecida atenção tanto dos seus contemporâneos. Um outro tratado
notável de oftalmologia, Elementos de
Cirurgia Ocular (1793) teve por autor o médico Joaquim José de Santana, que
trabalhou no Hospital de S. José, quando este, após o grande terramoto, sucedeu
ao Hospital de Todos os Santos. Merece relevo nos séculos XIX e XX o médico
António Plácido da Costa, que foi professor primeiro na Escola Médico-Cirúrgica
no Porto e depois na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Inventou o
queratoscópio, um disco útil para o exame da córnea. Um médico da Sorbonne pretendeu
a prioridade desse invento, mas Ricardo Jorge surgiu a defender o seu colega.
Em Lisboa destacou-se como médico e cirurgião também em finais do século XIX e inícios
do século XX o médico de origem indiana Caetano Gama Pinto, cujo nome foi dado
a uma rua perto do Hospital de Santa Maria em Lisboa. O livro de Luís Miguel Bernardo
chega até à actualidade com as referências que faz ao médico da Universidade de
Coimbra José Cunha Vaz, premiado internacionalmente pelos seus trabalhos sobre
a retinopatia diabética, e aos prémios na área da visão da Fundação Champalimaud,
que são os maiores em todo o mundo.
Em suma, um livro que, a
propósito da visão e dos olhos, mostra as ligações entre ciência e sociedade de
uma maneira muito original. Bons olhos o leiam!
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