Meu prefácio do livro O Céu é o Máximo!, saído na colecção Ciência Aberta na Gradiva:
Sim, é verdade que insisti em que este livro se intitulasse O Céu é o
Máximo. Por duas razões, que explico neste prefácio.
Em primeiro lugar, «o céu é o máximo» porque é literalmente verdade: o céu, de dia dominado pelo Sol, e à noite polvilhado por inúmeras estrelas, foi, é e continuará a ser o sítio de maior encantamento para todos aqueles que, da espécie Homo sapiens, viveram, vivem e viverão à superfície da Terra. Da concepção de mitologias primitivas e da utilização dos astros para a marcação do calendário, passando pela primeira luneta astronómica de Galileu, chegámos a um tempo em que observamos o céu, fazendo descobertas, não só com poderosos telescópios na Terra, mas também no espaço, usando luz visível ou invisível (o maior, o Telescópio Espacial James Webb, funciona apenas com luz infravermelha).
Com todas essas observações fomos ficando com uma ideia cada vez melhor da constituição do Universo e da sua história. Hoje temos consciência de que não ocupamos o centro do cosmos, mas sim e por definição apenas o centro daquilo que vemos. E sabemos que o nosso planeta, acompanhado por uma lua solitária, é apenas um dos oito que giram em torno do Sol. Sabemos também que há muitas mais estrelas, cerca de 200 mil milhões delas, semelhantes ao Sol ou bastante diferentes dele, na nossa galáxia, a Via Láctea. E que praticamente todas elas devem possuir planetas. Há inúmeras outras galáxias, talvez uns dois biliões delas, agrupadas em enxames.
Quanto à história cósmica, julgamos que o Universo teve um início há cerca de 14 mil milhões de anos, com o Big Bang, e que, quando tinha uns 300 mil anos, nasceram ao mesmo tempo e em todo o lado os primeiros átomos, de hidrogénio e de hélio. E que as estrelas, e portanto as galáxias, se formaram depois a partir da contracção de «nuvens» de hidrogénio. E ainda que as estrelas nascem, vivem e morrem, por vezes em explosões violentas que dão origem a estrelas de neutrões e buracos negros. No centro da nossa galáxia há um gigantesco buraco negro, com uns quatro milhões de massas solares, e que um «monstro» semelhante deve existir no centro de outras. E sabemos que há coisas que não sabemos: por exemplo, a natureza da matéria escura, que envolve todas as galáxias, e da energia escura, que faz as galáxias mais distantes afastarem-se mais umas das outras do que mandaria a explosão inicial.
Todo esse quadro de um universo dinâmico foi obtido a partir de rigorosas observações feitas na Terra ou na sua vizinhança. Nós, cidadãos, recebemos as notícias de descobertas feitas com instrumentos sofisticados: os referidos telescópios mais convencionais e também os recentes telescópios de ondas gravitacionais, que sentem oscilações do espaço provocadas por enormes choques de buracos negros ou de estrelas de neutrões. Devemos contar com novas descobertas. Mas também podemos fazer as nossas próprias observações, ainda que mais grosseiras, quer à vista desarmada, quer com binóculos ou telescópios. Estou em crer que todas as pessoas se encantam com o espaço exterior: basta olhar para o céu de noite, num sítio longe das luzes das cidades, para logo sentirmos a atracção pelo mistério. Sugiro ao leitor que olhe para o céu deitado numa manta num sítio afastado da civilização. Para saber o que se vê quando se olha para cima, obtendo respostas para alguns mistérios do espaço, são muito úteis livros como este. Com eles, não só se torna mais fácil a observação do céu como se compreende melhor aquilo que se observa.
Mas, há um
segundo, motivo, para achar que, noutro sentido, «o céu é o Máximo», neste caso
com maiúscula. É que Máximo Ferreira, físico e astrónomo amador, tem sido nas
últimas décadas um dos maiores, senão mesmo o maior, divulgador do céu em
Portugal. Com sabedoria e simplicidade ele tem conduzido, no «seu» Centro Ciência
Viva de Constância e um pouco por todo o país, um sem número de pessoas de todas
as idades a ver o céu com outros olhos, quer dizer, com os olhos de cada um,
mas magnificados por instrumentos ópticos e orientados para a percepção de
pormenores relevantes. Ele faz isso não só com grande competência, mas também
com enormes generosidade e simplicidade. Em livros como este, que se soma aos anteriores
Carta Celeste (Gradiva, 1991), Introdução à Astronomia e às
Observações Astronómicas (com Guilherme de Almeida, Plátano, 1993), O
Pequeno Livro da Astronomia (Bizâncio, 2001) e Para a História da
Astronomia em Portugal (CTT, 2001), ele tem ajudado todos os interessados
pelo céu, tanto quanto o faz nas sessões presenciais.
O Máximo é um exemplo do português
que se fez bastante por si próprio. Nasceu em Montalvo, numa pequena terra do
Ribatejo, filho de trabalhadores agrícolas, tendo pastoreado cabras em petiz. Foi
já adulto que entrou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa para
estudar Física, após ter vencido os obstáculos colocados à vida pelo Portugal desse
tempo. Terminada a 4.ª classe, não pôde ir estudar para o Liceu de Abrantes, que
não era longe de casa, por manifesta falta de meios dos pais. Aprendeu então a
tocar música e ajudou o padre da paróquia. Foi aos doze anos trabalhar como
operário numa fábrica metalúrgica no Tramagal. Trabalhando durante o dia,
começou a frequentar o ensino nocturno, fazendo muitos quilómetros diários de
bicicleta. Aos 17 anos entrou como voluntário na Marinha, o que lhe permitiu
passar quatro anos nos submarinos, especializando-se em eletrónica e
telecomunicações. Fez muitas léguas submarinas, sem poder ver estrelas. Era
marinheiro no 25 de Abril de 1974, mas, apesar de o dia da Revolução lhe ter passado
um pouco ao lado, acabou dias depois a guardar a escola técnica da
PIDE/DGS.
Ainda antes dessa data começou a
dar apoio ao Planetário Gulbenkian, da Marinha. E foi nessa altura que
decidiu ser físico, ou melhor astrofísico. Entrou na referida Faculdade de Ciências
no ano da Revolução, quando ainda estava na Marinha. Entretanto, já se tinha
casado. Ganhou o gosto por observar eclipses do Sol, no país ou no
estrangeiro. E começou a fazer divulgação da astronomia. Trabalhou no Museu de
Ciência da Universidade de Lisboa. Entrou para a Agência Ciência Viva logo no seu
início, tendo trabalhado com o ministro José Mariano Gago. Foi um tempo de
grande inovação e entusiasmo, em contraste com o momento anémico que essa
instituição hoje vive. Entre as suas múltiplas aventuras de observação dos
céus, ficou famosa uma ocasião em que arrastou uma multidão para ver as Perseidas
(uma «chuva de estrelas cadentes» típica de Agosto) na Costa da Caparica,
entupindo a ponte 25 de Abril. Especialista em mostrar estrelas, tornou-se ele
próprio uma estrela da divulgação científica. Criou em 2004 o mencionado Centro
Ciência Viva de Constância – Parque de Astronomia, numa terra da qual haveria
de ser Presidente da Câmara Municipal, após ter concorrido como independente
com o apoio da CDU.
O Máximo fez de tudo na sua área: desde sessões de planetário, fixo ou portátil, para crianças, jovens e adultos, até observações com telescópios noite fora nos montes do Norte ou nas planuras alentejanas. Escreveu em jornais (incluindo uma coluna regular no Público), em revistas e em livros (para além daqueles da sua autoria traduziu, reviu e colaborou em manuais escolares). Só lhe falta ter um programa de televisão, que bem poderia ter o título «O Céu é o Máximo». Mas, de certo modo, ainda bem que não tem, pois assim permite que este título fique para este livro. Sim, O Céu é o Máximo, nos dois sentidos: o céu é o máximo e o céu é o Máximo.
Devemos estar gratos ao Máximo por todo o seu trabalho ao serviço da ciência. Muito
obrigado por mais esta obra, indispensável para quem, sem grandes
conhecimentos, queira conhecer melhor o céu.
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