quarta-feira, 6 de agosto de 2025

A Ciência em Portugal no Tempo do Marquês de Pombal



Meu artigo no livro recente Pombal Reformador (Aida Lemos et al., coords., Imprensa da Univ. Coimbra):

O Marquês de Pombal e o Terramoto [1]

[1] O autor não segue o Novo Acordo Ortográfico, tendo aceitado contrariado a norma editorial. 

 Sebastião José de Carvalho e Melo (13 de maio de 1969 - 8 de maio de 1782), conde de Oeiras a partir de 1759 e marquês de Pombal a partir de 1770, foi, como é sabido, uma figura maior do Iluminismo português (Maxwell, 2001; Sena Lino, 2020). Logo no início do reinado de D. José, em 1750, foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros e, com o grande terramoto de Lisboa de 1755, tornou-se o todo-poderoso secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino, posição que corresponde às atuais funções de primeiro-ministro. Governou como se fosse o rei absoluto, escudando-se sempre por detrás do nome do monarca. Só seria apeado do poder com a chamada “Viradeira”, que se deu com a morte de D. José em 1777. Os seus últimos tempos foram de desterro na sua propriedade nas cercanias de Pombal, tendo o seu débil estado de saúde ajudado a livrar-se de acusações de exorbitação de poder que a justiça lhe fez. 

 O Marquês de Pombal, como ficou conhecido, foi um dos “estrangeirados” do nosso Iluminismo, uma vez que, quando foi embaixador em Londres (1738- 1745) e em Viena (1745-1749), por designação de D. João V, pai de D. José, recebeu influências sociais, políticas e culturais de duas sociedades fortemente marcadas pelo espírito das Luzes. Em Londres, o Marquês foi aceite em 15 de Maio de 1740 como sócio da Royal Society, sociedade que encarnava esse espírito (nessa época o título era dado como uma honra a pessoas notáveis, como nobres e diplomatas, ainda que não fossem cientistas) (Fiolhais, 2011). De facto, dessa sociedade, a mais antiga do seu tipo no mundo em funcionamento ininterrupto  (foi fundada por um grupo de livres-pensadores em 1660) brotava a ciência moderna, que tinha surgido nos séculos XVI e XVII com a Revolução Científica. O seu lema era Nulius in Verba (“Não acredites nas palavras”), querendo significar que as palavras nada valiam se não correspondessem a factos, isto é, a “sentenças” da Natureza, apuradas pela observação, pela experimentação e pela racionalização, e confirmadas pela comunidade científica no exercício livre da crítica. Da observação e da experiência deveria derivar todo o conhecimento seguro, e não da reprodução dos escritos de autoridades, por muito prestígio que estas tivessem. O Iluminismo significou o triunfo do saber fundado na razão, alicerçada na observação e na experimentação. E o saber traduzia-se em poder, tal como o filósofo inglês Francis Bacon profetizara no início do século XVII.

 O terramoto de 1755 foi o acontecimento que marcou a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo ao poder absoluto, quando o rei delegou nele todas as suas atribuições, refugiando-se na Real Barraca na Ajuda, enquanto o seu secretário de Estado socorria as pessoas, limpava os destroços e restaurava a cidade (Priore, 2020). O sismo abalou não apenas a capital do reino, mas também a sociedade europeia, a ponto de as maiores mentes da época terem tratado o tema de uma forma ou de outra: o francês Voltaire, no seu conto Candide (Voltaire, 2012) e no seu Poéme sur le désastre de Lisbonne (Voltaire, 2013); o suíço Jean-Jacques Rousseau, com a sua Lettre à Voltaire sur la Providence (Rousseau, 1969; e o alemão Immanuel Kant, com Escritos sobre o Terramoto de Lisboa (Kant, 2019). Pela primeira vez na Europa uma grande cidade era destruída numa escala até então inimaginável. Com uma magnitude de pelo menos 8,4 na escala de Richter, foi o mais devastador terramoto sofrido no Velho Continente até então, situando-se o número de vítimas entre as 12 e as 50 mil pessoas. [2] O impacto foi enorme na teologia e na filosofia - levantaram-se questões como: Qual era a origem do mal? Teria Deus querido castigar os homens? (Neiman, 2005) -, mas também nas ciências da Terra, nessa altura ainda bastante incipientes. A sismologia começou com o Marquês de Pombal, quando ele lançou um inquérito de larga escala em que perguntava aos padres os estragos que tinham ocorrido nas respetivas paróquias. São esses dados que nos permitem hoje aquilatar a intensidade do abalo, já que, na altura, ainda não havia sismógrafos. Entre as várias obras sobre o terramoto que então surgiram, merece destaque, até por ser a primeira, a de Joaquim José Mendonça (Mendonça, 1758), que apresentou uma descrição sistemática do desastre, História Universal dos Terremotos que tem havido no mundo [...] Com uma narração individual do terramoto do primeiro de novembro de 1755.

 [2 ]Só não sendo o mais devastador na Europa até hoje porque a terra tremeu em Messina, na Sicília, em 1908, com a magnitude, um pouco inferior, de 7,1 na escala de Richter, mas causando mais de cem mil mortos.

A ciência do Iluminismo e os estrangeirados 

 O século XVIII fez-se, na ciência, sob a égide do físico inglês Isaac Newton (1643-1727), autor dos famosos Princípios Filosóficos de Filosofia Natural (1687), que contém as três leis da mecânica newtoniana e a lei da gravitação universal. Newton foi presidente da Royal Society desde 1703 até à sua morte: a sua fama deve muito à desta sociedade e vice-versa. A Royal Society, uma das primeiras corporações da comunidade científica, não só reuniu sócios à escala global, como começou a publicar, em 1665, uma das revistas científicas globais mais antigas que ainda hoje vêm lume, a Philosophical Transactions of the Royal Society. 

 Há uma marca portuguesa na criação dessa sociedade, em 1660, uma vez que a esposa de Carlos II, que lhe outorgou carta real em 1662, foi Catarina de Bragança, filha de D. João IV. Mas o primeiro sócio português da Royal Society foi o matemático, cosmógrafo e geógrafo Gaspar de Meres de Sousa (Maia do Amaral, 2018), admitido em 18 de novembro de 1669, muito antes do médico judeu Isaac de Sequeira Samuda, normalmente considerado o primeiro cientista luso daquela academia, que apenas foi admitido em 27 de junho de 1723, portanto ainda em vida de Newton, que ele conheceu. Por ela passaram uma plêiade de 26 cientistas portugueses que inclui, por ordem cronológica de admissão na sociedade, para além dos dois nomes referidos, o jesuíta italiano João Baptista Carbone (astrónomo), que se estabeleceu em Portugal no tempo de D. João V, dirigindo o Observatório Astronómico do Paço Real e o Observatório do Colégio de Santo Antão; e os portugueses Jacob de Castro Sarmento (médico), Bento de Moura Portugal (engenheiro, com formação de base em leis), João Mendes Sachetti Barbosa (médico), o padre João Chevalier (astrónomo), o padre Teodoro de Almeida (astrónomo, físico e divulgador de ciência), Jacob Rodrigues Pereira (educador de surdos), João Jacinto Magalhães (físico-químico e inventor), Abade José Correia da Serra (botânico) e Francisco de Borja Garção Stockler (militar e matemático) (Fiolhais, 2011). A maior parte deles, “estrangeirados”, isto é, exilados fora do país, condição que não os impediu de manter relações com Portugal: é o caso de Castro Sarmento, Moura Portugal, Chevalier, Almeida, Rodrigues Pereira, Magalhães e Correia da Serra. Castro Sarmento e Rodrigues Pereira eram judeus, uma condição incómoda entre nós num tempo em que a Inquisição ainda dominava; Chevalier e Almeida pertenciam à Ordem dos Oratorianos, que tinha ascendido no tempo joanino, distinguindo-se no ensino e na ciência (não tendo sido extinta como a Companhia de Jesus, a Ordem dos Oratorianos foi perseguida pelo Marquês); e Magalhães era um ex-frade crúzio que deixou o país definitivamente na ânsia de um clima de liberdade. Entre os 13 membros portugueses da Royal Society que não foram cientistas, para além do Marquês de Pombal, merece destaque D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões, que haveria de ser o fundador da Real Academia de Ciências de Lisboa, estabelecida (com bastante atraso relativamente à sua congénere inglesa!) em 1779 (Silva, 2019). Sociedades como a Royal Society desempenharam um papel essencial na comunicação de resultados à comunidade científica e ao público em geral, formando redes internacionais. Faziam-no através de reuniões, da edição de revistas da especialidade, da construção e uso de instrumentos e, sobretudo, por meio da organização do trabalho conjunto dos cientistas, que se revelou muito útil, por exemplo, na astronomia e na geodesia. A ciência tornou-se então num empreendimento global, passando as barreiras fronteiriças e a diversidade das línguas nacionais. 

 O caso de Bento de Moura Portugal (1702 - 1766) é especial, porque, formado em direito pela Universidade de Coimbra, se interessava por obras públicas e por máquinas, tendo empreendido uma longa viagem de estudo pela Europa (Fiolhais, 2022). O seu nome surge contíguo ao do Marquês de Pombal na lista de entrada de portugueses para aquela sociedade: tornou-se fellow em 5 de fevereiro de 1941 e publicou nas Philosophical Transactions of the Royal Society, em 1751, um artigo em inglês no qual descreve um novo modelo de máquina a vapor (Smeaton, 1751-1752); contudo, foi uma vítima do regime pombalino quando resolveu regressar ao seu país natal em 1759, tendo sido apanhado no processo dos Távora, pelo que acabou os seus dias na prisão da Junqueira, em Lisboa, em 1766, em condições absolutamente desumanas, sem nunca ter sido julgado. Foram encontradas nos seus haveres da prisão notas sobe inventos úteis para o reino que a Imprensa da Universidade de Coimbra haveria de publicar já no tempo do Liberalismo, em 1821, seis décadas depois da sua morte, quando a maior parte dessas ideias já estavam desatualizadas (Saraiva,  1821). O historiador inglês Kenneth Maxwell chamou ao Marquês “paradoxo do Iluminismo” (Maxwell, 2001). De facto, ele acendeu as Luzes em Portugal, contribuindo para a modernização do país, mas, ao mesmo tempo, apagou a luz dos outros para que as suas pudessem brilhar mais. Apagou as luzes de nobres (como os da família dos Távora), as luzes de clérigos (ao expulsar os jesuítas do país em 1759) e as luzes de cientistas, como Moura Portugal, que, no estrangeiro, tinha ganhado a designação, porventura exagerada, de “Newton português”. 

 Para dar conta da ciência no tempo de Pombal, convém contar as histórias de alguns “estrangeirados”, que fazem pensar como poderia ter sido o país se eles não tivessem sido obrigados ao exílio, como é o caso dos que se seguem, um judeu e dois oratorianos. 

 Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), nascido em Bragança, formou-se em medicina em Coimbra (Andrade & Guimarães, 2010). Fugiu para Londres em 1721 (Andrade & Guimarães, 2010). Publicou em Londres a Teórica verdadeira das marés, (Sarmento, 1737), uma tradução e comentário a um texto de Newton sobre esse fenómeno natural, cuja ocorrência o sábio inglês foi o primeiro a interpretar corretamente. É autor de várias obras de pré-química (alquimia), farmácia e medicina (designadamente, Sarmento, 1735). Propôs a construção de um jardim botânico na Universidade de Coimbra (1731), baseado no Physic Garden de Londres, um projeto que não foi executado por ser demasiado caro. Ajudou a sua alma mater, ao enviar para Coimbra o primeiro microscópio usado no ensino, e publicou nas Philosophical Transactions, em 1731. Logrou entrar em sociedades médicas britânicas, tendo acabado por se converter ao anglicanismo. Iniciou o projeto, não concretizado, de traduzir as obras de Francis Bacon para português. 

 Padre João Chevalier (1722-1801), frade oratoriano, filho de pai francês e mãe portuguesa, sobrinho de Luís António Verney, viveu e ensinou na Casa das Necessidades, onde hoje funciona o Ministério dos Negócios Estrangeiros [3]  Sócio da Academia de Ciências de Paris (1753) e da Royal Society (1754), enviou para esta sociedade comunicações sobre eventos astronómicos observados em Portugal (a Casa das Necessidades tinha um observatório astronómico) de 1754 a 1758, incluindo a observação de alguns eclipses de satélites de Júpiter em Lisboa em 1757. Após o fecho da Casa das Necessidades, em 1760, por ordem do Marquês, fugiu primeiro para Freixo de Espada à Cinta, onde a Ordem dos Oratorianos tinha uma casa, e, depois, para Bruxelas. Na capital belga, tornou-se diretor da Biblioteca da Academia e presidente da Academia Real Belga. Morreu em Viena, depois da invasão napoleónica de Bruxelas.

[ 3] Os oratorianos, por concessão de D. João V, transferiram-se em 1745 para a Casa das Necessidades depois de terem estado no Chiado (Correia, 2021)

 Padre Teodoro de Almeida (1735-1904), confrade e amigo de Chevalier, publicou com ele um artigo nas Philosophical Transactions, em 1757. Fugido de Lisboa em 1760, observou o trânsito de Vénus na Igreja dos Congregados, no Porto, em 1761. [4] Fugiu de Portugal, primeiro, para Espanha e, depois, para França num exílio que, no total, durou uma década (1768–1778). Regressado após a “Viradeira”, fez a primeira oração de sapiência na Academia de Ciências de Lisboa, em 1779, um discurso em que denunciou o atraso do país e que não agradou aos “órfãos políticos” do Marquês (Almeida, 2013). A sua obra maior, em 10 volumes, saídos entre 1751 e 1780, verdadeiramente enciclopédica, é a Recreação Filosófica (1.º vol.: Almeida, 1751), onde compila, em diálogos pedagógicos à laia de Galileu, o saber setecentista, começando com o estudo do movimento e acabando com os ditames da moral. O sucesso desses livros pode ser medido não só pelas reedições que conheceram (mais de 50 no total), como pelas traduções em castelhano e francês que deles foram publicadas. O primeiro volume é considerado a primeira obra de física escrita de raiz em português: nela se apresenta a física de Galileu e Newton, mostrando a sua atualização, apenas havendo cuidado em não apresentar como verdadeiro o sistema  heliocêntrico de Copérnico. Mas ele é também autor de Cartas fisico-mathematicas de Theodozio a Eugenio (Almeida, 1784-1798), em dois tomos, um diálogo que retoma as mesmas personagens da Recreação.

[4]   Muitos anos antes, o astrónomo inglês Edmond Halley tinha proposta observar esse raro evento astronómico para medir com precisão a distância do Sol à Terra.

 João Jacinto Magalhães (1722-1790), nascido em Aveiro, estudou no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, onde fez votos em 1743 (Malaquias, 1994). Emigrou depois para Paris (1756) e para Londres (1763). Magalhães não era propriamente um cientista, mas movia-se bem nos círculos científicos, funcionando como intermediário entre eles e os fabricantes de instrumentos científicos, cujas oficinas começavam a surgir no Reino Unido. Conviveu com os maiores cientistas do seu tempo (na astronomia, o francês Charles Messier; na matemática, o suíço Leonard Euler; na física, o norte-americano Benjamin Franklin, o inglês James Watt e o italiano Alessandro Volta; na química, o francês Antoine-Laurent Lavoisier, etc. Esteve no centro de uma rede de correspondência, sendo considerado o responsável, em larga medida, pela transferência da ciência da química, em Inglaterra, cultivada por Joseph Priestley, para o continente europeu, onde pontificou Lavoisier. O mais antigo prémio científico norte-americano, a Medalha Magellan, ainda hoje existente, foi criado em 1796, em resultado de uma doação que Magalhães fez, do seu próprio bolso, ao seu amigo Benjamin Franklin, o criador da Sociedade Filosófica Americana em Filadelfia, que instituiu a distinção. 

 Há, no entanto, estrangeirados que não pertenceram à Royal Society. Distinguimos três, um judeu e dois padres, um oratoriano e outro jesuíta. 

 António Ribeiro Sanches (1699-1783), natural de Penamacor, estudou direito na Universidade de Coimbra, mas formou-se em medicina na Universidade de Salamanca (1724). Após alguns anos de exercício da profissão médica no país, emigrou em 1730 para Leiden, nos Países Baixos, onde trabalhou com o influente médico holandês Herman Boerhaave. Depois, recomendado por este, mudou-se para a Rússia, onde permaneceu 15 anos e onde foi médico da czarina Ana Ivanovna. Os serviços prestados à corte russa, em São Petersburgo, valeram-lhe uma tença de outra czarina, Catarina, a Grande. Passou os seus últimos tempos em Paris, onde se tornou membro da Academia das Ciências, não sem antes passar por Berlim onde conversou com o imperador Frederico II. Escreveu, principalmente em Paris, várias obras de índole científica e pedagógica, como as Cartas sobre a Educação da Mocidade (Ribeiro Sanches, 1760), que terão inspirado o Marquês de Pombal em algumas das suas reformas educativas. Foi o único português a escrever (um artigo sobre a sífilis) para a famosa Enciclopédia de Diderot e d’ Alembert em 28 volumes, Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers (Diderot, Alembert et al., 1751-1772). Ribeiro Sanches expressou pensamento crítico sobre os privilégios da nobreza e do clero, tendo-se manifestado contra a escravatura.

 Luís António Verney (1713-1792), naturakl de Lisboa, filho de pai francês e mãe portuguesa, estudou no Colégio de Santo Antão, em Lisboa, dos jesuítas, e na Congregação do Oratório, antes de se formar em teologia, na Universidade Évora, a universidade dos jesuítas que fez concorrência à de Coimbra durante exatamente dois séculos (1559-1759). Doutorou-se na Universidade La Sapienza em Roma, em teologia e em leis, em 1736, tendo depois desempenhado funções eclesiais em Évora. É o autor (embora na primeira edição o seu nome tenha permanecido anónimo) do Verdadeiro Método de Estudar (Verney, 1746), com primeira  edição saída em Nápoles, em dois volumes, em que criticava asperamente os métodos pedagógicos dos jesuítas, pugnando por um ensino mais próximo da realidade e mais baseado na experiência, além de assegurado de forma alargada pelo Estado e não por instituições religiosas. Essa obra – que consiste numa coleção de cartas sobre vários assuntos supostamente dirigidas a um professor da Universidade de Coimbra – causou uma verdadeira “onda de choque” no panorama cultural português e, embora anterior ao consulado do Marquês, foi aproveitada por este no ataque que moveu à Companhia de Jesus. Verney tentou colaborar numa reforma pedagógica do país – afinal, o seu livro era uma proposta feita a D. João V –, mas, perseguido no tempo pombalino, viu-se forçado ao exílio em Roma, onde veio a falecer. Antes de morrer, foi reabilitado em Portugal, após a entronização de D. Maria, e nomeado membro correspondente na Academia das Ciências de Lisboa.

 O padre Inácio Monteiro (1724 -1812), natural de Lamas, estudou na escola jesuíta de Évora e formou-se em teologia na Universidade de Coimbra (Monteiro, 2004). Tendo sido um dos expoentes do ensino jesuíta, foi obrigado a deixar o país aquando da expulsão dos inacianos em 1759 e obteve um lugar como prefeito dos estudos em Ferrara, no norte de Itália. Antes de partir, tinha publicado, em Coimbra, o Compendio dos Elementos de Mathematica (Monteiro, 1754-1756), uma obra atualizada e de enorme mérito, que torna injustas boa parte das acusações que o Marquês lançou contra os jesuítas. Em paragens remotas do globo, como a China, a Rússia ou a Prússia, que não professavam a fé católica, alguns jesuítas foram muito úteis como professores e conselheiros. Isto só pode acontecer porque muitos deles, como Inácio Monteiro, além de bem informados eram mestres competentes. Claro que o domínio do reino com mão de ferro pelo Marquês impediu que o padre Monteiro desempenhasse o mesmo papel de “estrangeirado” na ajuda ao país que tiveram outros exilados.

 A reforma pombalina da Universidade de Coimbra 

 De entre as obras reformadoras do Marquês de Pombal, destaca-se, na área do ensino das ciências, a denominada reforma pombalina da Universidade de Coimbra, cuja preparação ele dirigiu e que consumou em 1772, quando, em representação do rei, veio a Coimbra entregar os novos Estatutos e superintender algumas obras (Martins, 1997; Araújo, 2000; Araújo, 2003; Araújo e Taveira da Fonseca, 2017)-

  A mais antiga universidade portuguesa, que tinha sido fundada em Lisboa, em 1290, no tempo do rei D. Dinis, ficou definitivamente estabelecida em Coimbra, em 1537, por ordem de D. João III. Foi nessa mesma época, quando os primeiros jesuítas se fixaram em Portugal, que foram criadas em todo o globo as primeiras casas dos inacianos que se destinavam ao ensino: em Coimbra, o Colégio de Jesus (1542) (o Colégio das Artes, fundado em 1547, foi entregue aos jesuítas em 1555, ficando nas proximidades do anterior) e, em Lisboa (também em 1542), o Colégio de Santo Antão, na zona de Alfama. Os dois colégios jesuítas de Coimbra, tal como o de Lisboa, destinavam-se ao ensino médio, necessário para ingressar no ensino universitário, e funcionaram como um grande complexo pedagógico anexo à Universidade de Coimbra (o Paço Real que hoje alberga a sede universitária foi adquirido pela universidade no tempo dos Filipes). Com o encerramento compulsivo desses colégios em 1759, a universidade tinha de se ressentir da falta de novos alunos. Foi essa situação que o Marquês teve de enfrentar, embora com algum atraso (entre 1759 e 1772, mediaram 13 anos). Acontece que o estabelecimento de ensino que o Marquês privilegiou em primeiro lugar, criando-o em Lisboa, numa antiga Casa de Noviciado dos jesuítas (onde hoje é o Museu Nacional de História Natural e da Ciência, pertencente à Universidade de Lisboa), foi o Real Colégio dos Nobres, que existiu legalmente de 1761 a 1837, embora na prática só tenha funcionado - e muito aquém das expectativas - de 1766 a 1772 (Carvalho, 1959). Nesse colégio, que se destinava ao ensino pré-universitário de moços fidalgos (entre os sete e os 13 anos), reuniu não só alguns equipamentos de laboratório, levados em parte da Casa dos Necessidades, mas também professores contratados, alguns deles estrangeiros, como os italianos, da Universidade de Pádua, Giovanni Antonio Dalla Bella e Domenico Vandelli. O projeto acabou por fracassar, em boa parte por desinteresse das famílias no ensino experimental que ali se procurava ministrar. O Marquês decidiu então operar uma mudança radical na Universidade de Coimbra, levando para lá tanto o equipamento como alguns professores contratados que tinham deixado de ser úteis em Lisboa. Mas não o fez sem antes montar uma gigantesca operação de propaganda em que denunciava os supostos “crimes” dos jesuítas. Criou, em 1770, um organismo que designou de Junta de Providência Literária, que mais não era do que câmara de eco do Marquês, e mandou esta fazer um relatório que mais não era do que um arrazoado de denúncias do que ele considerava serem as maquinações dos jesuítas: eles seriam os responsáveis pelo atraso do país depois do tempo glorioso dos Descobrimentos. O relatório com o título Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra saiu em 1771. Entre os membros dessa junta estava Fr. Manuel do Cenáculo (1724-1814), um franciscano formado em teologia pela Universidade de Coimbra, onde foi professor, e que foi bispo de Beja e arcebispo de Évora. A reforma é consumada com a colaboração do chamado reitor reformador, D. Francisco Pereira Coutinho (1735-1822), nascido no estado do Rio de Janeiro e mais tarde bispo de Coimbra. [5] O Marquês entregou os novos estatutos à Universidade, um documento que seria publicado em 1773, intitulado Estatutos da Universidade de Coimbra compilados debaixo da imediata e suprema inspeção de EL Rei D: José I nosso senhor pela Junta de Providência Literária criada pelo mesmo senhor (Universidade de Coimbra, 1773).

[5] Haveria de ser reitor, em vários mandatos, durante 21 anos e bispo durante 48 anos. 

De facto, a “lenda negra” do Marquês a respeito dos jesuítas é, como se diria hoje, uma “teoria de conspiração”. Os acusados não eram nem ignorantes nem malfeitores (Franco & Fiolhais, 2016). Prova-o, por exemplo, a existência de um conjunto de azulejos jesuítas que representam figuras ilustrativas dos teoremas dos Elementos de Euclides, dos séculos XVII ou XVIII, que estavam provavelmente expostos em salas de aula ou pátios de um dos colégios jesuítas de Coimbra e que hoje se encontram na sua maior parte no Museu Nacional de Machado de Castro, num local aliás muito próximo, e também no Museu do Azulejo em Lisboa (para além de outros que estão em mãos particulares) (Duarte 2007). Provavelmente esses azulejos foram retirados do seu sítio quando foram feitas obras da reforma pombalina. 

 A reforma pombalina da Universidade de Coimbra, iniciada em 1772 e que se prolongou nos anos seguintes, consistiu essencialmente na reformulação do ensino das ciências, inaugurando de modo oficial o ensino experimental entre nós. Foram, pelos Estatutos, criadas duas faculdades: a Faculdade de Matemática (a autonomização da disciplina de matemática tem a ver com o reconhecimento, que já tinha sido feito de forma pioneira por Galileu, de que ela é a “linguagem da Natureza”) (Silva, 2013) e a filosofia (entenda-se filosofia natural, que compreendia o que hoje se chamam física, química e ciências naturais) (Martins, 2013). 

 Ligada à Faculdade de Matemática, a Reforma criou o Observatório Astronómico, que começou por ser edificado numa das torres do castelo medieval POMBAL EDIFICADOR 95 de Coimbra, na atual praça de D. Dinis (e hoje já não existente) (Figueiredo, 2013). Como o castelo ameaçava ruína, teve de ser construído um novo edifício no Pátio das Escolas, em frente à Biblioteca Joanina, que só ficou pronto em tempo pós-pombalino, em 1799. Mas este edifício foi arrasado quando se fizeram obras na Universidade de Coimbra nos anos de 1940, no tempo do Estado Novo, um ato que não pode deixar de ser considerado um atentado ao património. Os professores de matemática mais famosos foram José Monteiro da Rocha (1734-1819), antigo jesuíta que tinha estudado no Colégio da Companhia de Jesus na Baía, no Brasil (renunciou à sua condição de jesuíta em 1760), e que foi doutorado administrativamente em matemática em 1772 em Coimbra (Duarte et al., 2022); e José Anastácio da Cunha (1744-1787), um estudante dos oratorianos, que foi militar e também se tornou doutor com a Reforma (Ferraz et al., 1990). O primeiro, natural de Marco de Canaveses, foi diretor da Faculdade de Matemática durante muitos anos, assim como do Observatório Astronómico, que ele equipou com bons instrumentos, alguns vindos do Real Colégio dos Nobres e outros encomendados em Inglaterra por João Jacinto Magalhães, ao passo que o segundo, natural de Lisboa, foi, para além de distinto matemático, também poeta. Os dois lentes digladiaram-se por causa de uma acusação de plágio que Anastácio da Cunha dirigiu a Monteiro da Rocha. O primeiro foi, em 1777, alvo de um processo da Inquisição, por ter contactado com oficiais protestantes ingleses quando prestava serviço na praça de Valença. O processo ficou famoso, tendo sido romanceado por Aquilino Ribeiro no seu livro O Lente Penitenciado (Ribeiro, 1938). Cunha deixaria a universidade para se tornar, depois de um interregno, professor na Casa Pia de Lisboa, que tinha sido criada por Pina Manique, o ministro de D. Maria I, no Castelo de São Jorge em Lisboa. Foi o autor do Princípios Matemáticos para instrução dos alunos do Colégio de São Lucas da Real Casa Pia do Castello de São Jorge (Cunha, 1790), obra que, traduzida em francês em 1811, viria ser alvo de elogios devido a alguns aspetos originais no tempo em que saiu, designadamente por parte do grande matemático alemão Carl Friedrich Gauss.

 Na Faculdade de Filosofia, a Reforma pombalina criou três importantes equipamentos, a seguir sumariamente descritos: o Gabinete de Física Experimental, o Laboratorio Chimico e o Gabinete de História Natural. 

 O Gabinete de Física Experimental, que é hoje historial site da European Physical Society, reúne um conjunto notável de “máquinas” (instrumentos física) que estão bem preservadas, pertencendo às coleções do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra, criado em 2006. O professor Rómulo de Carvalho (1906-1997), que usou na produção literária o nome de António Gedeão, escreveu uma notável memória sobre o Gabinete de Física (Carvalho, 1978). As suas máquinas foram reveladas ao mundo na exposição Les Mécanismes du Génie, que esteve patente em Charleroi, na Bélgica, integrada na Europália, em 1991 (e que está documentada num excelente catálogo com esse título) e, depois, numa Exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, intitulada Engenho e Arte, em 1997, também acompanhada por um catálogo. 

 O primeiro professor de física depois da reforma pombalina foi o italiano Giovanni Antonio Dalla Bella (1730-1823), que tinha estado no Real Colégio dos Nobres (Carvalho, 1959; Carvalho, 1982). Como os Estatutos mandavam publicar manuais para uso dos estudantes, ele escreveu, em latim, o livro Físicas elementar usei academia Conimbricenses Acomoda (Dalla Bela, 1789). O mestre usava os instrumentos do Gabinete que estavam normalmente arrumados em armários (ainda existe o catálogo original: Dalla Bella, 1788) e colocava-os sobre uma mesa central para os operar, com os estudantes em volta. Dois desses instrumentos – um relógio de pêndula e uma máquina de Atwood – foram enviados de Londres por João Jacinto Magalhães, que, por sua vez, os encomendara junto de artífices londrinos. Dalla Bella interessou-se também por temas agrícolas, tendo sobre eles publicado memórias na Academia das Ciências de Lisboa, da qual foi um dos sócios fundadores. 

 O Laboratório Chimico, que hoje é a porta de entrada do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, foi erguido num edifício neoclássico de acordo com um risco traçado peça arquiteto militar inglês Guilherme Elsden, no lugar onde se situavam a cozinha e o refeitório comuns dos dois colégios jesuítas (Correia Cardoso, 2018). A sua reconstrução, no âmbito da primeira fase do referido Museu da Ciência, da responsabilidade dos arquitetos João Mendes Ribeiro e de Desirée Pedro, permitiu que o Museu da Ciência alcançasse o prémio Micheletti para o melhor museu de ciência e tecnologia que abriu na Europa no ano de 2006. O trabalho meticuloso de restauro do espaço jesuíta permitiu reconstruir um anfiteatro de madeira, com uma galeria de exposições temporárias em seu redor, e um laboratório de química, que funcionou desde o século XVIII até ao século XX como espaço e ensino e investigação. Neste último espaço, foi montada uma exposição interdisciplinar intitulada “Segredos da Luz e da Matéria”, que combina instrumentos antigos com módulos de experiências interativas, uma exposição documentada por um catálogo (Mota, 2006). No edifício do Colégio de Jesus, fronteiro ao Laboratorio Chimico, estava prevista a construção, na segunda fase, do resto do Museu da Ciência, que deveria valorizar os espaços dos Gabinetes de Física experimental e de História Natural, mas que também deveria contemplar um espaço de reserva para muitas peças do espólio. Infelizmente esse projeto não se veio a concretizar.

 O primeiro professor de química após a Reforma também veio do Real Colégio dos Nobres, tal como Dalla Bela: foi o italiano Domenico (Domingos) Vandelli (1735-1816) (Carvalho, 1959). Doutorado em medicina na Universidade de Pádua, correspondeu-se com o sueco Carl von Lineus a partir de 1761, ainda antes de vir para Portugal convidado pelo Marquês. Para montar o Laboratório de Química precisava de peças de cerâmica (o vidro só passaria a ser usado no século XIX), tendo fundado em Coimbra a Fábrica Vandelli, que fabricava tanto para a Universidade como para a cidade. Acumulando com a cátedra de química, foi também professor de ciências naturais, assunto sobre o qual deixou vários escritos (por exemplo, Vandelli, 2003). Na parte final da sua vida, já em Lisboa e ativo na Academia das Ciências, interessou-se por temas de Economia.

 Vandelli vendeu à Universidade uma boa parte da sua coleção de espécies vegetais e animais, o que permitiu que se constituísse um museu que servia para o ensino - o Gabinete de História Natural. Este pode hoje ser visitado, tal como o Gabinete de Física Experimental. Os dois podem ser considerados os mais antigos museus portugueses. O Gabinete de História Natural foi sendo alargado através da incorporação de coleções, uma delas a que resultou da viagem de um discípulo de Vandelli, o brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), ao longo de 10 anos, na Amazónia (“Viagem Philosophica”). 

 Não tendo tido seguimento a proposta de jardim botânico feita por Castro Sarmento, só no tempo da reforma pombalina foi criado o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, nos terrenos da cerca do Colégio de São Bento. Foi o primeiro jardim botânico português a funcionar numa escola, já que o primeiro foi construído nos jardins da Ajuda, não para ensino, mas para a recreação dos príncipes. O jardim foi progressivamente alargado com a plantação de numerosas espécies portuguesas e do império (Tavares, 2003).

 O hospital da cidade de Coimbra, que funcionava desde os tempos medievais na Praça Velha da cidade, passou para o Colégio de Jesus (Nunes, 2015), permitindo que o ensino na Faculdade de Medicina se tornasse mais prático, embora sem poder competir com o ensino em Lisboa primeiro no Hospital Real de todos os Santos, destruído pelo terramoto de 1755, dando lugar ao Hospital de São José, que ocupou o colégio de Santo Antão o Novo, que era dos jesuítas. Nesse colégio, teria sido construído um teatro anatómico, de que não restam vestígios, assim como um dispensário farmacêutico.

  Já depois da morte do Marquês, dois anos após, surgiu em Lisboa a Academia de Ciências de Lisboa (1779), que foi uma iniciativa de João Carlos de Bragança, duque de Lafões (1719-1806), que era sobrinho da rainha D. Maria I (Silva, 2019). Foi secretário da nova instituição o então jovem abade José Correia da Serra (1750-1823), que haveria de ser embaixador português em Washington D.C., nos primeiros tempos da independência dos Estados Unidos. Foi um dos melhores amigos de Thomas Jefferson, o terceiro presidente daquele país. Alguns professores de Coimbra, como Dalla Bella e Vandelli, foram sócios da Academia de Ciências de Lisboa.

 Considerações finais 

 Foi, indiscutivelmente, uma grande mudança a reforma pombalina da Universidade de Coimbra, uma vez que o Estado instaurou o ensino experimental. No entanto, não se pode dizer que esse ensino tenha sido inaugurado em Coimbra, uma vez que, cerca de 20 anos antes dar reforma, em 1750, já havia aulas com demonstrações experimentais na Casa das Necessidades, em Lisboa, às quais chegou a assistir o próprio rei D. José. Os professores oratorianos não eram inteiramente modernos, uma vez que defendiam o ecletismo no ensino da filosofia natural, isto é, entendiam que as antigas teorias aristotélicas deviam ser ensinadas ao mesmo tempo e ao mesmo nível que as doutrinas modernas, de Galileu e Newton. Se a iniciativa do Marquês teve inegável mérito, ela não foi original e pecou até por tardia. Além disso, num tempo anterior à Universidade de Humboldt, a universidade portuguesa fazia mais ensino do que investigação. No Século das Luzes, tinha triunfado na Europa a mecânica e começava a compreensão dos fenómenos da eletricidade e do magnetismo, mas pesquisas originais eram praticadas escassamente em Coimbra (não é verdade que Dalla Bella tenha descoberto em Coimbra as leis do magnetismo antes de Coulomb, como já foi reclamado; Carvalho, 1854). 

 O que aconteceu à reforma pombalina no tempo após a morte do Marquês? Uma das dificuldades maiores para o seu sucesso foi o facto de o número de alunos ter baixado extraordinariamente após a expulsão dos jesuítas (uma reforma dos ensinos secundário também feita pelo Marquês, mas que não conseguiu suprir o vazio deixado pelo fecho da rede de escolas jesuítas, quer na metrópole, quer no império). Assim, o número de alunos nas faculdades de Filosofia e de Matemática não pôde ser muito grande. Logo no início do século XIX, ocorreram as Invasões Francesas, tendo sido criado o Batalhão Académico, onde se alistaram professores e estudantes. O Laboratório Chimico foi reorientado para fabrico de pólvora (ainda hoje se pode ver no Museu da Ciência uma pia de fazer pólvora). Foi por muito pouco que um foco de incêndio não provocou uma explosão no paiol de pólvora que era então o Laboratório. Por causa da reconversão bélica da instituição universitária, a ira dos franceses dirigiu-se contra o mestre de química, Tomé Rodrigues Sobral (1759-1829), que ocupava o lugar que tinha sido de Vandelli: incendiaram-lhe a casa, levando à perda dos seus haveres, incluindo um manuscrito científico que ele estava a preparar. Depois veio a Revolução Liberal (1820) e a Guerra Civil (1832-1834), que não permitiu o clima de tranquilidade que o ensino superior exigia. Entretanto, no regime liberal, foram abertas escolas politécnicas e de medicina em Lisboa e no Porto, que, nalgumas áreas, faziam concorrência à antiga universidade.

 Passados 250 anos da reforma pombalina, a herdeira dessa reforma é a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, que resultou da Faculdade de Ciências criada com a República em 1911, havendo a junção das duas faculdades pombalinas (Matemática e Filosofia) e que mudou o nome para Faculdade de Ciências e Tecnologia em 1973, quando começaram, de forma plena, a funcionar os cursos de engenharia. Também as atuais faculdades de Medicina e de Farmácia são herdeiras das transformações então ocorridas. O Gabinete de Física Experimental e o de História Natural permanecem nos sítios de outrora, assim como o Jardim Botânico, enquanto o Observatório Astronómico se encontra, desde os anos de 1950, em Santa Clara, do outro lado do rio Mondego. O património histórico da reforma pombalina encontra-se vivo no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, detentor de coleções extraordinárias que só em parte podem ser vistas pelos numerosos turistas que demandam a Universidade. O Museu da Ciência da Universidade merecia um outro projeto, com um outro dinamismo e com mais atenção ao passado. Em particular, o Museu ficou a dever a si próprio uma comemoração condigna dos 250 anos da reforma pombalina.

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