Podemos fazer muita coisa para ajudar a Educação (...). Eu tenho colaborado com gente que está claramente com o objetivo de ajudar a melhorar a alfabetização (...) temos de ajudar e não ter medo de agir.
Insisto na expressão ‘medo de agir’. Não é fácil agir quando pensamos que existe uma espécie de doutrina sobre o ensino da leitura e da escrita que, não tendo a menor fundamentação científica, foi aceita pelo Ministério e agora é doutrina oficial. E muita gente tem medo de ir contra o que é oficial, contra a autoridade.
Ora a única autoridade que temos de respeitar é o que pensamos depois de termos analisado tudo muito bem, incluindo o que a ciência tem mostrado.
Tenho criticado muito os documentos do Ministério com orientação pedagógica para os professores porque me parece que neles há um desconhecimento total da ciência. Na Universidade, vejo gente disposta a dizer coisas na direção de mudar a educação, mas que às vezes tem um certo medo de agir, e isso é compreensível. A pressão da ideologia oficial é muito forte! Não podemos aceitar essa pressão porque todas as ideias podem ser discutidas e devem ser discutidas. E se quisermos melhorar a Educação devemos criar liberdade para a discussão destas ideias (...).
Volto aos documentos do Ministério. Se eles citassem e discutissem corretamente os argumentos estaria tudo bem, mas a malandrice é que eles ou ignoram completamente os trabalhos da Ciência da Leitura, ou os deturpam.
Ainda assim, acredito que a questão da Educação ainda vai dar certo.
segunda-feira, 4 de agosto de 2025
CONTRA A IMPOSIÇÃO DA IDEOLOGIA OFICIAL, DISCUTAMOS IDEIAS
Extracto de uma entrevista feita por Thiago da Motta Sampaio a José Morais, psicólogo que se dedica ao estudo da aprendizagem escolar, sobretudo da leitura e da escrita, professor emérito da Universidade Livre de Bruxelas. José Morais é um nome maior da investigação internacional em Educação e do pensamento educativo, que tem necessariamente de ser informado e livre. Os dez anos que passaram sobre a entrevista não lhe retiraram actualidade, bem pelo contrário.
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5 comentários:
«A educação, por muito gratuita ou decorativa que pareça ou pretenda ser, fornece capacidades, formas de pensamento, de sentimento, de falar, que podem mais tarde ser transaccionadas por "distinções" nos "mercados" institucionalizados da sociedade. Neste sentido mais profundo, pois, a educação nunca é neutra nem isenta de consequências sociais e económicas. Por muito que se clame o contrário, a educação é sempre política, no sentido mais amplo do termo.» Como reconheceu Bruner há um princípio instrumental na educação, a educação escolar, pública ou privada, foi e há-de ser sempre ideológica, mesmo tomando a intenção de «garantir a igualdade de oportunidades», nunca existirá.
Os Conselhos Gerais das escolas, as CCDR, a governança das diferentes escolas não garantem a igualdade de oportunidades, tanto mais que nenhum dos referidos órgãos foi e é escolhido de forma democrática, por sufrágio, e tomam decisões opacas e muito pouco esclarecidas. Nessas — a maioria não detém isenção, logo é profundamente ideológica, utilizando um anglicismo: «biased».
O pior é quando as novas ideologias educativas, entre as quais se destacam as neoliberalais, são levadas à prática. Por exemplo, o chamado ensino profissional, em que o saber clássico da escola é substituído pela selvajaria, em contexto de sala de aula, e esta selvajaria dá direito à atribuição de um diploma reconhecido em todo o espaço da União Europeia, cumpridas que sejam as horas de "formação" previstas num contrato assinado, mete medo à maioria dos professores, mas estes, sujeitos estes que estão à doutrina oficial do Ministério, pouco mais lhes resta do que manter a aparência de que muitos delinquentes que têm à frente estão a "melhorar as aprendizagens".
A formação profissional em si não é má, a nossa é maioritariamente má. Nem parente afastada do modelo dual é, argumentar que não temos recursos é argumento falso. Fundamental seria um planeamento sério, regulamentos sérios, um modelo não disciplinar mas disciplinador sério, etc. Sabemos que a lei não é grande coisa, mas a permissividade das escolas é pior. É isso sim, um modelo para atribuir diplomas a pessoas disfuncionais...
Num tempo em que se valoriza o pensamento crítico e a autonomia profissional, é curioso observar como, no seio do sistema educativo, muitos professores acabam por seguir fielmente os preceitos e guiões impostos. Não por falta de capacidade reflexiva, mas por uma espécie de inteligência adaptativa que privilegia a eficiência e o retorno imediato.
Há quem questione, ainda que apenas por sistema, como forma de marcar posição e mostrar que não se limita a seguir diretivas. Mas, na prática, a tendência dominante é outra: a de cumprir, com o menor esforço possível, aquilo que é exigido. E essa obediência estratégica não é necessariamente um sinal de alienação. Pelo contrário, pode ser vista como uma resposta racional ao funcionamento de um sistema que recompensa o cumprimento e penaliza o desvio.
Num ambiente marcado por metas, relatórios, inspeções e burocracia, o professor que decide “jogar segundo as regras” está, na verdade, a otimizar recursos. Ao seguir o guião, evita conflitos, protege-se de avaliações negativas e garante que o seu trabalho é reconhecido dentro dos parâmetros estabelecidos. É uma forma de sobrevivência institucional que, embora possa parecer conformista, revela uma inteligência pragmática.
Mas será esse o comportamento mais desejável?
Será que o sistema educativo deve premiar quem se adapta sem questionar, em detrimento de quem tenta inovar, mesmo correndo riscos?
A obediência ao sistema pode gerar resultados visíveis: estatísticas positivas, cumprimento de programas, estabilidade profissional. No entanto, há um custo oculto. Quando todos seguem o guião, o ensino torna-se previsível, padronizado, por vezes descontextualizado.
Em vez da criatividade, tão perseguida e tão mal vista por competidores diretos, muito zelosos na crítica que lhes interessa, opta-se comodamente pela repetição, pelos formulários e pela ritualização dos procedimentos e dos discursos e o sentido pedagógico perde-se na lógica de uma produtividade cujo produto não é o que mais interessa na ordem das prioridades.
E então, o comportamento que garante o “melhor retorno” para o sistema pode não ser o que melhor serve os alunos, nem o que mais realiza os professores.
Mesmo que seja apenas por sistema, o ato de questionar é essencial. É ele que mantém viva a possibilidade de mudança, que abre brechas no discurso dominante e que permite pensar para além do imediato. Professores que questionam, mesmo que não tenham força para transformar, são os que mantêm acesa a chama da educação como prática de liberdade.
Obedecer pode ser inteligente. Mas questionar é indispensável.
Só que, voltamos ao início deste arrazoado. Ao seguir o guião, evita conflitos, protege-se de avaliações negativas e garante que o seu trabalho é reconhecido dentro dos parâmetros estabelecidos.
Se, como vimos, muitos professores seguem o guião oficial por uma lógica de eficiência e proteção institucional, então é urgente repensar o papel das estruturas que os rodeiam. A verdadeira mudança não virá apenas da base, mas também da forma como os diretores e os órgãos da administração educativa encaram o papel do professor.
É necessário garantir autonomia e liberdade pedagógica, não como um privilégio ocasional, mas como um direito profissional.
E mais: é preciso criar formas de compensação e reconhecimento que encorajem o questionamento informado, a inovação fundamentada e a coragem de pensar fora do molde.
Os diretores não devem ser meros executores de políticas, mas líderes pedagógicos que promovem ambientes onde o pensamento crítico é valorizado. Quando a administração se limita a “deixar correr”, por comodidade ou interesse próprio, perpetua-se um sistema onde o conformismo é recompensado e a ousadia é punida.
É preciso inverter essa lógica. Valorizar quem questiona, quem propõe, quem experimenta. Criar espaços de diálogo, de escuta, de construção coletiva. Porque um sistema que não escuta os seus professores está condenado a repetir os seus erros.
A educação precisa de professores que não sejam apenas executores de programas, mas autores de práticas. Isso exige confiança, tempo, formação contínua e, acima de tudo, respeito pela sua inteligência profissional.
Repito: a obediência pode ser inteligente. Mas só a autonomia crítica é verdadeiramente transformadora.
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