Meu artigo para o número de aniversário do As Artes entre as Letras, sobre a paz (publico-o hoje no dia de aniversário da bomba de Hiroxima):
As primeiras palavras do Papa Leão XIV, na varanda da Basílica de São Pedro, foram: «A paz esteja com todos vós». Faz todo o sentido que, num mundo angustiado por graves conflitos armados, como os da Ucrânia e de Gaza, os desejos de paz sejam decerto uma prioridade. E faz muito bem o «As Artes entre as Letras» em dedicar um seu número de aniversário (mais um, parabéns!) à premente questão da paz.
Costuma associar-se a ciência à guerra. E, de facto, nos dois maiores conflitos globais, as guerras mundiais de 1914-1918 e de 1939-1945, a ciência teve um papel destacado ao ter proporcionado, através de novas tecnologias, novos meios bélicos. Foi o caso, na Primeira Guerra Mundial, da utilização da aviação, de projécteis de longo alcance e de armas químicas e, na Segunda Guerra Mundial, da utilização do radar, de computadores e das primeiras armas nucleares, aproveitando estas últimas os conhecimentos, então recentes, sobre os núcleos e a energia nuclear. O suíço de origem alemã Albert Einstein, o maior físico do século XX – mais do que isso, para a revista «Time» foi mesmo «a pessoa do século» -, viveu no tempo dessas guerras, da primeira quando residia na Alemanha e da segunda já nos Estados Unidos depois de, em 1933, com a ascensão de Hitler ao poder, ter sido forçado ao exílio. Einstein sempre foi um pacifista, posição que está bem patente no livro feito de escritos seus e do médico austríaco (judeu, como ele) Sigmund Freud «Porquê a guerra?» Mas Einstein foi apenas um dos numerosos cientistas que empreenderam esforços em prol da paz, que ficou ameaçada com uma hipótese apocalíptica após as explosões das primeiras bombas em Hiroxima e Nagasaki.
Na lista de prémios Nobel da Paz – uma recompensa atribuída anualmente desde 1901 pelo Comité Nobel Norueguês em Oslo, encontram-se alguns nomes de cientistas ou, mais em geral, de pessoas ligadas à ciência, que procuraram denodadamente a paz por vários meios ao seu alcance. Lembrando que durante a maior parte dos anos das duas guerras mundiais os Prémios Nobel da Paz não foram atribuídos e que, no final das duas, o galardão foi conferido ao Comité Internacional da Cruz Vermelha, enumeramos aqui os casos mais notórios de cientistas, de profissionais de áreas científicas ou de associações que integram cientistas que receberam o Nobel da Paz:
- Em 1952, o Nobel da Paz foi atribuído ao alemão Albert Schweitzer, médico, filósofo (curiosamente, primo de Jean Paulo Sartre) e teólogo, que viveu largos anos no Gabão, em Africa, ajudando as populações locais.
- Em 1962, o mesmo Nobel foi para o norte-americano Linus Pauling, o químico que já tinha ganho o Nobel da Química em 1954 (foi a única pessoa até hoje a ter recebido dois Nobel não partilhados em áreas diferentes), pelas suas campanhas contra os testes de armas nucleares.
- Em 1970 o prémio foi entregue ao norte-americano Norman Borlaug, biólogo e engenheiro agrónomo que foi o responsável maior pela chamada «Revolução Verde», que permitiu contrariar de um modo muito eficiente a fome no mundo.
- Em 1975, foi a vez do soviético Andrei Sakharov, o físico que contribuiu para o desenvolvimento das primeiras armas nucleares soviéticas de hidrogénio e um dos pioneiros da fusão nuclear controlada (para além de cosmólogo e físico de partículas) pela sua luta pelos direitos humanos no seu país. A sua critica das autoridades soviéticas valeu-lhe o exílio forçado na cidade de Gorky, de onde só foi libertado na Perestroika por decisão de Mikhail Gorbatchev, ele próprio distinguido com o Nobel da Paz.
- Em 1985 ganhou a associação de Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear (tem sido uma prática normal atribuir o Nobel da Paz a organizações em vez de indivíduos, contrariamente ao que acontece nas áreas científicas).
- Em 1995 o prémio foi para o britânico de origem polaca Józef Rotblat, que foi um dos participantes da projecto norte-americano Manhattan para construção das primeiras bombas nucleares. O prémio foi dividido com as Conferências Pugwash sobre Ciência e Negócios Mundiais, formadas após o Manifesto de Einstein-Russell, de 1955, para lutar contra a proliferação de armas nucleares, das quais Rotblat foi um dos fundadores.
- Em 1999 ganhou a organização dos Médicos Sem Fronteiras, pelo seu labor internacional em cenários difíceis, em tempos de guerra ou de paz.
- Em 2005 foi distinguida a Agência Internacional da Energia Atómica, pelo seu papel no controlo de instalações e combustíveis nucleares, e Mohamed ElBaradei, um diplomata egípcio que esteve à frente dessa organização.
- Em 2007 ganhou o Painel Internacional sobre Alterações Climáticas da ONU e o político norte-americano Al Gore pela sua actividade na proteccão do planeta face ao aquecimento global.
- Em 2013 ganhou a Organização pela Proibição das Armas Químicas e, na mesma linha, em 2017 a Campanha Internacional para a Proibição de Armas Nucleares
- Em 2020 foi a vez do Programa Alimentar Mundial, que, com base na melhor ciência, tem lutado contra a fome no mundo.
- Em 2023 foi galardoada Narges Mohammadi, uma física iraniana que se distinguiu pela sua luta na defesa dos direitos das mulheres no seu país
.
- Finalmente, em 2024 ganhou a organização japonesa Nihon Hidankyo, que reúne sobreviventes das primeiras bombas atómicas.
O Prémio Nobel da Paz vai continuar a chamar a atenção do mundo para notáveis esforços em favor da paz. São muitas as ameaças à paz, mas são também múltiplos, felizmente, os esforços de pessoas que a defendem ou procuram, incluindo os de vários cientistas.
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